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Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 10710/2004-9

Relator: MARIA DA LUZ BATISTA Sessão: 05 Dezembro 2005

Número: RL

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO

LIBERDADE DE IMPRENSA DIFAMAÇÃO DIRECTOR

Sumário

Comete o crime de difamação p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 2, do Código Penal, e 31.º, n.º 3, da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro (Lei de Imprensa), o director de um jornal, relativamente ao qual, se provou que “discutia, decidia e tinha conhecimento de tudo quanto se publicava na primeira página de todas as edições”, se, no jornal se publica uma notícia, sem fundamento factual, de conteúdo difamatório – intitulada

“Suspeita de corrupção anula concurso” –, com chamada na primeira página, em “Caixa”, onde se usam expressões como “favorecimento” e “manipulação”, sendo irrelevante o conhecimento que haja, ou não, tido do teor integral da notícia publicada.

Texto Integral

Acordam os Juízes na Secção Criminal (9.ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

No processo comum singular n.º 1636/02.0TDLSB do Tribunal da Comarca de Cascais (Juízos Criminais) foram os arguidos J e A, acusados pela assistente,

“Hs, Lda.”, com sede em..., da prática em autoria material e em concurso real, de dois crimes de difamação, pp. e pp. pela conjugação dos artigos 180.º, n.º 1, e 183.° n.º 1, do Código Penal e de dois crimes de ofensa a pessoa colectiva, pp. e pp. pelos artigos 187.º, n.os 1 e 2 alínea a), e 183.º n.º 1, também do Código Penal, com referência ainda aos artigos 30.º° e 31.º° da Lei de

Imprensa (Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro), conforme acusação particular de fls.

106 a 113.

(2)

A assistente formulou pedido de indemnização civil contra os arguidos e ainda contra a sociedade proprietária do jornal "S", por danos não patrimoniais sofridos em consequência dos factos destes autos, no montante de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), cfr. fls. 114 a 116.

Posteriormente, houve desistência da instância quanto à demandada sociedade.

Submetidos a julgamento, vieram tais arguidos a ser absolvidos no que

concerne aos dois crimes de ofensa a pessoa colectiva e a um dos dois crimes de difamação, mas condenados,

J pela prática, em autoria material, de um crime de difamação p. e p. nos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º. n.º 2, do Código Penal, com referência ainda aos artigos 30.º e 31.º da Lei de Imprensa, Lei n.º 2/99,de 13 de Janeiro, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 7 Euros, ou seja, na multa de € 1680,00;

e,

A, pela prática, em autoria material, de um crime de difamação p. e p. pela conjugação dos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, do Código Penal, e 31.º n.º 3, da mesma Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 7,00, ou seja, na multa de € 560,00.

Na procedência parcial de pedido de indemnização civil foram ainda os

arguidos condenados no pagamento solidário à demandante civil “Hs, Lda.” da quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência dos factos assentes.

Inconformado com esta decisão veio o arguido A dela interpor recurso extraindo da motivação que apresentou as conclusões que se transcrevem:

«1) A prova produzida em Audiência de Discussão e julgamento impõe decisão diferente da que ora se recorre;

2) Salvo melhor opinião, existiu, "in casu" contradição insanável entre a

fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, nos termos do preceituado no artigo 410° n° 2 als. b) e c) do Cód. de Proc. Penal;

3) A contradição acima mencionada ressalta do Tribunal "a quo" ter dado por provada a existência das fontes noticiosas que estiveram na base da notícia publicada, não obstante ter considerado a noticia ofensiva;

(3)

4) O artigo publicado na edição de 19 de Outubro de 2001, do jornal “S”

limitou-se a relatar factos, tendo estes origem em fontes, cuja existência foi considerada provada pelo Tribunal "a quo";

5) O interesse público do relatado na mencionada noticia era notório, uma vez que, estava em causa o direito que os cidadãos têm em saber do destino que é dado aos impostos que liquidam;

6) Dos factos discutidos em julgamento não resultou provado que a noticia tivesse sido publicada, sem suporte factual e devidamente baseada em fontes reais;

7) O erro notório na apreciação da prova (artº 410 n° 2 al. c), traduziu-se na valoração do depoimento do recorrente com contornos diferentes dos que, pelo mesmo, foram relatados;

8) Ficou por provar que o recorrente tivesse tido conhecimento do teor da notícia antes da sua publicação;

9) O que por si só deveria ter levado à sua absolvição de acordo com. o preceituado no artº 31° n°3 da Lei n° 2/99 de 13 de Janeiro;

10) Nunca o ora recorrente afirmou que tinha tido conhecimento prévio de tudo o que era incluído na primeira página do jornal, revelando sim, ter conhecimento do que era noticiado na primeira página sob a forma de manchete;

11) A notícia em causa, não foi mencionada na primeira página, sob a forma de manchete, mas sim, na forma de "caixa", conforme mencionado pelo recorrente no seu depoimento;

12) O Tribunal "a quo" violou assim, o preceituado no Artigo 127° do Cód. de Proc. Penal;

13) No caso de dúvidas quanto ao conhecimento prévio de uma noticia em particular, deveria em última análise, o Meritíssimo Juiz "a quo", ter aplicado o princípio basilar do Direito Penal "in dubio pro reo";

14) Não havia também motivos, para a condenação do recorrente no pedido cível contra si formulado, tendo sido violado o preceituado nos artigos 483º, 494º e 496º n°1 do Código Civil;

(4)

15) Além do acima exposto afigura-se claramente excessiva a quantia,

indemnizatória arbitrada, uma vez que, situações semelhantes têm merecido por parte da jurisprudência recente, mais contenção nas verbas a este título fixadas;

16) Impondo-se, por conseguinte, a revogação da sentença em conformidade.

Na sua douta resposta o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido pugna pela improcedência do recurso defendendo, em síntese, que:

- a sentença não padece de qualquer nulidade.

- não ocorre erro notório na apreciação da prova nem contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – artº 410° n° 2 al. b) e c) do Código de Processo Penal.

- pela apreciação do consignado nas sentenças quanto a meios de prova acolhidos e respectivo exame crítico é possível verificar se a apreciação da prova foi arbitrária, discricionária,

- resultando que assim não foi, a discordância do recorrente no que concerne à convicção do Tribunal não permite, sem mais, que ponha em crise a decisão, - no caso a sentença está devidamente fundamentada, esclarecendo os motivos de facto e de direito do decidido, possibilitando a compreensão do raciocínio lógico que lhe subjaz, de tudo resultando que o acervo factual dado como provado, tem inteira sustentação na prova produzida em audiência,

- não é verdade, com o devido respeito, que, como sustenta o recorrente, "o jornalista em causa se limitou a reproduzir o que derivava da fonte noticiosa supra mencionada" (deputado Basílio Horta) sendo de acolher o explanado na sentença quanto a enquadramento jurídico dos factos.

Também a assistente respondeu argumentando, em conclusão:

1. Ao contrário do que sustenta o recorrente, a notícia de 19.10.2001 não se limita a transcrever frases escritas pelo deputado do CDS/PP.

2. Logo na primeira página do jornal pode ler-se "suspeita de corrupção - INEM anula concurso dos helicópteros".

(5)

3. Do teor da notícia retira-se que a assistente estaria conluiada com a entidade adjudicante e, nessa medida, em situação de favorecimento, o que permite depreender que em todo o concurso houve manipulação a seu favor, em detrimento dos concorrentes nacionais.

4. De onde se pode retirar igualmente a convicção de que se trata de uma empresa que recorre a meios e a práticas pouco claras e ilícitas para vencer os concursos públicos, o que desde logo o próprio título "sugestivo" e de

grande destaque da notícia em causa, (Suspeita de Corrupção), procura deixar evidenciar.

5. Até a própria ligação aos "espanhóis" foi relatada com uma conotação manifestamente negativa.

6. Finalmente, a notícia permitiu também colocar em causa a segurança dos aparelhos da assistente bem como as suas condições de voo, ao dar conta de um acidente ocorrido com um puto da “H” que, ao ter-se "despenhado", envolveu funcionários superiores do INEM.

7. Acidente esse que nunca chegou a ocorrer e, designadamente, com quaisquer técnicos ou funcionários daquele organismo.

8. Sendo que, aliada à falta de rigor jornalístico houve claramente uma intenção de deturpar factos, para com isso manchar o nome da assistente, colocando em causa a sua reputação e o seu bom nome comercial.

9. Não se percebe, inclusivamente, como pode ter sido feita a ligação entre a anulação de um concurso público por alegado favorecimento da assistente e um acidente aeronáutico ocorrido há mais de três meses e que nada teve a ver com funcionários do INEM.

10. Tudo isto, em momento algum, foi reproduzido pelo Dr. Basílio Horta, deputado do CDS/PP e, ao que parece, a única fonte que serviu de base à notícia em causa.

11. No referido requerimento dirigido ao Presidente da Assembleia da República, e que o Tribunal “a quo” efectivamente considerou provado, o deputado do CDS/PP nunca deixou transparecer qualquer "favorecimento e manipulação a favor da H".

12. Aliás, o nome da assistente tão pouco é referido no dito requerimento!

(6)

13. E foram precisamente esses factos "inexactos" que não constavam ao requerimento e sem qualquer correspondência real, intencionalmente

enxertado na notícia, bens como as expressões utilizadas para os descrever, que foram atentatórios da reputação e do bom nome da assistente.

14. E se foi efectivamente anulado o referido concurso público pelo INEM, tal ocorreu na sequência de um recurso administrativo hierárquico interposto pela assistente, no âmbito do qual requereu a anulação e a consequente eliminação da alteração de uma das relativas ao caderno de encargos do concurso.

15. Do que antecede resulta não existir qualquer contradição entre a

fundamentação e a decisão proferida nestes autos, na medida em que mesmo dando como provado o requerimento do deputado do CDS/PP, Dr. Basílio Horta, o que nunca foi colocado em causa, tal não justifica o facto de terem sido produzidas afirmações susceptíveis de atingir o bom-nome, a reputação comercial, a credibilidade e a confiança de clientes e do público em geral relativamente à assistente.

16. Quanto ao "erro notório na apreciação da prova" por parte do Tribunal a quo por, como afirma o recorrente, não ter havido um conhecimento prévio da notícia em causa, também não pode proceder na medida em que de acordo com o estatuto a que está adstrito enquanto director de uma empresa jornalística, compete-lhe, designadamente, "orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação", nos termos do artigo 20°, da Lei da Imprensa.

17. Pelo que, se descurou o papel que lhe cumpria desempenhar, não pode a assistente arcar coam as consequências dessa omissão.

18. Da mesma forma que, nos temos do disposto no artigo 31.° n.º 3, do mesmo diploma, o director de publicações periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crimes através da imprensa, podendo fazê-lo, deve ser punido pelos crimes que daí advenham.

19. Acresce o facto de à referida notícia ter sido dado um destaque considerável, pelo que dificilmente poderia passar despercebida.

20. Além do que estava em causa uma alegada "corrupção num concurso público de helicópteros em que outro dos concorrentes é um grade amigo do aqui recorrente, que afirma conhecer há mais de 20 anos.

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21. Mesmo depois de ter recebido o desmentido que a assistente fez no uso do seu direito de resposta, o qual passou necessariamente por si, ignorou-o, não o tendo chegado sequer a publicar, como lhe era imposto por lei.

22. Foi o próprio arguido, ora recorrente, que afirmou em julgamento ter falado com outro dos concorrentes depois de ter recebido o desmentido por parte do INEM, no exercício do seu direito de resposta, o qual mereceu efectiva publicação, ao contrário do da assistente.

23. Do que antecede resulta não poder o arguido, ora recorrente, beneficiar do princípio "in dubio pro reo”

24. Relativamente ao pedido de indemnização civil, entende o recorrente que a quantia arbitrada a titulo indemnizatório é excessiva.

25. Tendo afirmado que a jurisprudência este é mais "contida" nas verbas atribuídas em casos semelhantes.

26. O que é facto é que nos vastos acórdãos existentes, quer do Supremo Tribunal de Justiça quer das Relações, a propósito do crime de que tratam estes autos, o valor arbitrado, nos mesmos a título de indemnização, é, perfeitamente ajustado à prática corrente desses altos tribunais.

27. Embora o quantum indemnizatório deva ser analisado casuisticamente, devendo ser fixado equitativamente, atendendo ao grau de culpa do agente, à sua situação económica bem cio à do lesado, e ás demais circunstâncias do caso.

28. E através da notícia que está na base da condenação do recorrente, foram produzidos factos sem o mínimo de rigor jornalístico, capazes de prejudicar o bom-nome, a credibilidade e a reputação comercial da assistente, na medida em que não têm qualquer correspondência com a realidade, extrapolando, nessa medida, o interesse público, na informação e o direito de informar.

29. Daí que a mesma tenha trazido á assistente prejuízos consideráveis designadamente no que respeita à perda de clientela.

30. Tendo-lhe sido imputadas práticas ilícitas, sem ter havido o cuidado de provar que tal imputação correspondia à realidade.

31. Impunha-se ao jornalista autor da notícia, bem com ao seu director, aqui recorrente, certificar-se da veracidade da notícia e só lançá-la através da comunicação social se a mesma fosse seguramente verdadeira.

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32. Ofenderam deste modo este o bom-nome, a reputação comercial, a credibilidade e a confiança de clientes e público em geral.

33. Tudo cotejado, pode dizer-se que se verificaram danos que embora de natureza não patrimonial, merecem a tutela do Direito e justificam a atribuição da indemnização, cujo montante fundo pelo Tribunal a que se mostra perfeitamente razoável, devendo portanto ser confirmado na Via.

34. Pelo que não há qualquer violação das disposições legais invocadas pelo arguido, nem qualquer fundamento, de facto ou de direito, susceptível de abalar a decisão proferida no âmbito dos presentes autos e ora em crise, devendo a mesma ser, portanto, mantida na íntegra.»

Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, na vista que teve dos autos, nada opôs ao prosseguimento do recurso.

Tomados os Vistos procedeu-se a audiência com observância do legal formalismo.

***

Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

I - Da acusação:

1. Na edição do jornal "S" de 19 de Outubro de 2001, na página 30, com chamada na primeira página, foi publicado um artigo intitulado Suspeita de corrupção INEM anula concurso dos helicópteros.

2. No texto incluído na primeira página do "S" consta, ainda "O INEM teve que anular o concurso público para a adjudicação no próximo ano de helicópteros para emergência médica. As alegações de favorecimento e manipulação a favor da Hs, com ligações aos espanhóis, levou (!Sic!) a uma reacção

concertada das empresas portuguesas. Depois de um helicóptero da Hs se ter despenhado com funcionários superiores do INEM dentro.

3. No artigo no interior do jornal, a pagina 30, secção de economia,

novamente como título “Suspeita de corrupção INEM anula concurso público dos helicópteros escreve-se ainda "O INEM abriu um concurso público com vista aquisição de dois helicópteros de transporte, segundo o que o S apurou, o Governo "prejudicou alguns dos interessados (...) em detrimento de outros candidatos", afirma Basílio Horta num requerimento dirigido cm presidente da Assembleia da República. Segundo o deputado do CDS/PP, "de acordo com o

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teor da participação junto da Procuradoria-Geral da República, o caderno de encargos inicialmente apresentado terá sido alterado a meio do concurso (...) pondo em causa o regime jurídico da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços". Basílio Horta afirma ainda que "o grupo parlamentar do CDS/PP tem igualmente conhecimento que no programa inicial do concurso público referido era indispensável a apresentação pelos candidatos dos certificados de operador aéreo emitidos pelo INAC e que na sequência das alterações operadas ao caderno de encargos se passou a exigir também a apresentação uma declaração do mesmo organismo apenas para este concurso e com o propósito específico de permitir a participação de outros operadores aéreos (...) Mais uma vez o Governo vê-se envolvido

situações pouco claras em termos de concursos públicos de aquisição de bens móveis.

4. Na edição do jornal "S” de 11 de Janeiro de 2002, com chamada na primeira página, foi publicado um artigo com o título Proposta de JMB é 4000 contos por mês mais barata “Hb” ganha concurso de helicópteros para o INEM", onde se escreve "O polémico concurso para o aluguer de helicópteros para o INEM foi ganho pela empresa de JMB, a Hb. Ao que o S apurou a proposta da Hb é cerca de quatro mil contos por mês mais barata do que as suas concorrentes - a Hs, a Om e a Hp. O helicóptero apresentado pela Hb é um Bell 412, já

utilizado pelo INEM e que apresenta uma célula médica mais espaçosa que a dos seus concorrentes, nomeadamente a do Bell 322 apresentado pelo

consórcio Hs/Sd, que por sinal foi o helicóptero apresentado no primeiro concurso do INEM".

5. Os dois referidos artigos foram escritos e da autoria do arguido J;

6. Na ocasião e hoje em dia, o arguido A exercia a actividade de director do jornal S.

Além do mais, o director do jornal discutia, decidia e tinha conhecimento de tudo quanto se publicava na primeira página de todas as edições do jornal S.

Assim teve conhecimento prévio do teor dos mencionados escritos e nada fez ou disse para evitar a publicação.

7. A sociedade Hs apresentou recurso hierárquico referente ao concurso público mencionado nos artigos jornalísticos em causa.

(10)

Também apresentou queixa-crime na Procuradoria-Geral da República, por suspeita de favorecimento de alguma ou de algumas das empresas

participantes no referido concurso;

8. O jornalista J nunca contactou nenhum gerente da sociedade Hs, Lda. para esclarecimento da matéria referida nos artigos em causa, ou para tomar conhecimento de outra versão dos mesmos acontecimentos;

9. O jornal S nunca publicou nenhuma carta de rectificação da Hs exigida ao abrigo do direito de resposta;

10. Não corresponde de todo à verdade que tenha ocorrido alguma queda de helicóptero da Hs transportando funcionários do INEM. Houve sim um

acidente com um desses aparelhos por embate em cabos não devidamente assinalados nos mapas de orientação;

11. O autor do artigo e o arguido A agiram livre, voluntária e conscientemente.

12. Ao actuarem pela forma descrita, sabiam que as expressões utilizadas no mencionado texto continham significado ofensivo da reputação e bom nome da assistente e admitiram como possível que não correspondessem à verdade.

Não obstante, promoveram a publicação, conformando-se com aquele resultado e sabendo proibida tal conduta.

13. Actuaram pela forma descrita com o objectivo de propiciar um aumento de vendas e a maior divulgação do periódico;

II - Da contestação:

14. O deputado do Partido Popular CDS/PP Basílio Horta dirigiu um requerimento ao Presidente da Assembleia da República sob o assunto

"Concurso público do INEM para aluguer de dois helicópteros", datado de 4 de Setembro de 2001, onde escreveu as frases mencionadas no artigo supra

referido em 3.

15. O mencionado concurso público foi anulado por despacho de 18 de Setembro de 2001;

III - Do requerimento inicial do pedido de indemnização civil:

16 - No nosso país são cerca de seis as empresas que se dedicam, tal como a assistente, ao transporte por helicóptero.

(11)

Em consequência directa da publicação do artigo no jornal, a assistente, por intermédio dos seus sócios e gerentes, viu atingido o bom-nome, reputação comercial, credibilidade e confiança de clientes e público em geral.

17 - A publicação deu ainda causa a dificuldades de angariação de clientela, em valores não apurados;

IV - Da discussão da causa:

18 - O jornal “S” publicava em Outubro de 2001 cerca de 15000 exemplares por edição.

A tiragem actual é de 18000 exemplares por semana.

19 - O arguido A desempenha as funções de director do jornal, desde o início da publicação;

É jornalista desde há cerca de 25 anos. Foi director de diversas publicações.

Quanto a matéria de facto não provada consignou-se na decisão:

Factos não provados:

Não existem.

Em sede de fundamentação de facto, refere-se na decisão recorrida o seguinte:

Fundamentação da decisão de facto:

A convicção segura quanto à factualidade provada e o elenco não provado resulta da conjugação, segundo as regras normais da experiência comum e razoabilidade dos seguintes elementos:

a) Declarações do arguido A referindo que a autoria dos artigos foi do co- arguido J, admitindo sem dúvida o pleno conhecimento prévio do que era incluído na primeira página do jornal, referindo que "confiava" de todo no trabalho e nas "fontes" do jornalista.

b) Teor do exemplar do jornal.

c) Exame do teor dos documentos de fls. 15 a 41, 43, 46, 49 e 245 a 248.

(12)

d) Declarações de B e de L, narrando com credibilidade todo o

circunstancialismo referente à publicação dos textos e suas consequências (itens 8, 10, 15 e 16)”.

***

É pacífica e constante a jurisprudência, designadamente do STJ, no sentido de que, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso - verificação de

nulidades insanáveis ou de qualquer dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP - o âmbito dos recursos e demarcação das questões a tratar se definem pelas conclusões extraídas, pelo recorrente, das motivações por ele

apresentadas.

São pois as conclusões da motivação que delimitam em definitivo e exclusivamente o objecto do recurso.

Analisando as conclusões da motivação do presente recurso, vemos que, o recorrente impugna a decisão recorrida,

- pretendendo evidenciar a mesma contradição insanável entre a

fundamentação e a decisão, vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP (que pretende decorrer de “...o Tribunal "a quo" ter dado por provada a existência das fontes noticiosas que estiveram na base da noticia publicada” e, não obstante, ter concluído ser o artigo publicado em 19.10.2001 da autoria do co-arguido João Manuel Botelho e considerado ser a noticia ofensiva do bom nome, honra e reputação da sociedade – com o que também, noutra perspectiva, põe em causa o decidido quanto a preenchimento dos elementos do tipo legal em causa, considerando que o artigo se limitou a denunciar uma situação concreta que ...existiu efectivamente, sendo notório o interesse público que a mesma envolvia),

e

- invocando erro notório na apreciação da prova (defendendo que prova que indica de entre produzida em audiência de discussão e julgamento impõe decisão diferente da assumida e ora em causa, designadamente no que concerne ao seu conhecimento do teor da notícia, pois, não obstante ter o Tribunal consignado na fundamentação ter-se baseado nas suas declarações, referindo que ele teria “admitido sem dúvida o pleno conhecimento prévio do que era incluído na primeira página do jornal” não foi isso o que mencionou em audiência, não tendo assim tal afirmação, nem o facto relativo a esse conhecimento, sustentação nas suas declarações nem na prova, sempre pelo

(13)

menos esta deixando, no que lhe respeita, dúvidas a resolver de acordo com o princípio “in dúbio pro reo”),

em vista de tudo concluindo pela insustentabilidade da sua condenação por não provado que a notícia tivesse sido publicada sem suporte factual e devidamente baseada em fontes reais nem que ele recorrente tivesse tido conhecimento do teor da notícia antes da sua condenação, nada permitindo também dizer que omitiu o dever de impedir a publicação do artigo no jornal de que era director, e bem assim não preenchidos os elementos do tipo.

Contesta ainda, exactamente por considerar não autorizada a conclusão de que omitiu o dever de impedir a publicação do artigo no jornal de que era director, o decidido quanto ao pedido de indemnização civil (de igual forma defendendo não se poderem considerar provados factos que integrariam os pressupostos da responsabilidade civil e bem assim não se poder concluir pelo seu preenchimento), impugnando por fim o montante da indemnização

arbitrada, que reputa de excessivo, considerando não ter a empresa sido muito afectada pela publicação da notícia.

Estas as questões objecto do processo a cuja ponderação passaremos.

Sendo em primeira linha invocado vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, vejamos o quadro legal a ter em conta:

Do disposto nos art.os 410.º, n.º 2, e 428.º e 431.º do CPP decorre que a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação é admissível em dois patamares distintos,

1. num primeiro, para aferição dos vícios previsto no primeiro daqueles preceitos que decorram do texto da decisão: conforme resulta “expressis

verbis” de tal preceito, os vícios em causa têm que resultar da própria decisão recorrida na sua globalidade (por si só ou conjugado com as regras da

experiência comum), sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos (com excepção de documentos com força probatória plena), e

2. num segundo, no contexto mais amplo do recurso da matéria de facto que permite a modificação dessa matéria em razão de prova produzida, cuja reapreciação/reavaliação assim se fará.

(14)

Neste âmbito o que se pretende é a reapreciação da prova produzida por se considerar, em vista do teor dessa prova, inaceitável a decisão e bem assim incorrecta a apreciação que da mesma foi feita na primeira instância.

Já no primeiro de tais patamares a reapreciação da decisão de facto visa aferir da verificação de erros de julgamento que se infiram do seu próprio texto, e tão só - e bem assim da sua coerência interna e concludência, que podem estar comprometidas por motivos diversos, correspondentes aos vários vícios previstos no citado artigo 410.º, n.º 2 – vícios cujo conhecimento é aliás

oficioso, competindo a qualquer Tribunal de recurso mesmo nos casos em que o conhecimento do recurso se restrinja à matéria de direito conforme decorre da jurisprudência fixada no douto acórdão do STJ com o nº 7/95 de

19.10.1995, in DR I série-A de 28.12.1995.

São esses vícios, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, o erro notório na apreciação da prova e a contradição insanável da fundamentação ou – o que aqui se suscita – entre a fundamentação e a decisão.

A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão existe quando, e sempre dentro do texto decisório considerado na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação justifica uma decisão

precisamente oposta à assumida.

No caso o recorrente pretende haver contradição (insanável) entre a fundamentação e a decisão, por, não obstante se ter dado como provada a existência das fontes noticiosas que estiveram na base da noticia publicada, se ter concluído (decidido em, conformidade) ser o artigo publicado em

19.10.2001 da autoria do co-arguido João Manuel Botelho, constituindo notícia ofensiva do bom nome, honra e reputação da sociedade.

A contradição que se invoca radica, não em inadequação do ponto de vista da pura lógica, mas em inadequação face à disciplina legal (nessa medida esta vertente da impugnação pondo em causa também o decidido do ponto de vista do enquadramento jurídico penal).

Assim:

Dispõe o art.º 31.º da Lei 2/99 de 13/1 - Lei de Imprensa - no seu n.º 1 que a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ... cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras (estabelecendo depois no seu n.º 3 que o director

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... da publicação que não se oponha, através de acção adequada, à comissão de crime através da imprensa podendo fazê-lo, é punido com as penas

cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de 1/3 nos seus limites).

No n.º 4 de tal preceito estatui-se porém que, tratando-se de declarações

correctamente reproduzidas prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, a menos que o seu teor constitua

instigação à prática de um crime.

É em referência a tal disciplina que o recorrente invoca contradição entre a fundamentação e a decisão, pretendendo ter o Tribunal reconhecido, dando-a como provada, circunstância (a prevista no art.º 31.º n.º 4 da Lei 2/99 de 13/1 – Lei de Imprensa) que retirava ao autor do texto – e a si próprio, como

director do jornal onde foi publicado – responsabilidade pelo seu teor (a seu ver de “notório” interesse público”) e, não obstante, tê-lo considerado notícia com a qual se incorreu em ofensa do bom nome, honra e reputação da

sociedade queixosa por que os responsabilizou, condenando em conformidade.

A análise cuidadosa da decisão leva-nos porém a concluir pela inexistência de contradição nos termos pretendidos.

É facto que na decisão se deu como provado – item 13 – que o deputado Partido Popular CDS/PP Basílio Horta dirigiu um requerimento ao Presidente da Assembleia da República sob o assunto "Concurso público do INEM para aluguer de dois helicópteros", datado de 4 de Setembro de 2001, onde escreveu as frases mencionadas no artigo supra referido em 3.

Porém o texto que constituiu a notícia em causa, contrariamente ao que está implícito à argumentação do recorrente, não se esgota na transcrição de tais frases.

É patente, logo da “caixa” inserida na primeira página da publicação (à qual se adequam todas as considerações tecidas no âmbito da ponderação levada a cabo em sede de enquadramento jurídico penal – fls. 7 e 8 da sentença – dela decorrendo em grande parte a decisão assumida) que a notícia em causa em muito extravasa mera transcrição das frases de Basílio Horta – sendo aliás que extravasa as declarações deste exactamente naquilo que é essencial da

matéria ofensiva do bom nome e reputação da assistente nos termos expostos na decisão.

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De facto tal “caixa” – excerto de maior visibilidade, chamada de atenção para a matéria a tratar e que, visando suscitar interesse, é vista como “resumo” do que de mais relevante a mesma trata, assim de algum modo “orientando” o leitor quanto ao que é essencial do seu sentido, que de certa forma logo sugere - não contém qualquer transcrição de alguma das declarações invocadas.

E, na medida em que o teor do artigo no interior do jornal se reporta a tal

“caixa” cujo título logo reitera (sendo a primeira frase inserida em ambos os locais a de “suspeitas de corrupção”, expressiva da carga que se imprime à notícia, que as frases de ligação do autor só sedimentam, como “fio condutor”) de modo algum pode pretender-se estar em causa transcrição de declarações por que só possa responsabilizar-se o respectivo autor identificado, em muito a globalidade do publicado excedendo assim a pretensa “fonte”, quer na sua literalidade, quer, como bem se salienta na decisão, naquilo que tem implícito e sugere.

A situação fáctica não se enquadra assim ao campo de exclusão de responsabilização que o recorrente invocava e perante a qual a decisão poderia resultar contraditória da matéria de facto.

Patente é pois a inverificação do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão nos termos pretendidos ou em quaisquer outros, tal como se não verifica qualquer dos demais vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP atrás referidos.

Invoca o recorrente erro notório na apreciação da prova.

O uso de tal expressão poderia sugerir invocação do vício da alínea c) do citado preceito.

Analisando porém a argumentação expendida pelo recorrente para fundamentar tal invocação verificamos que assim não acontece.

O vício de erro notório na apreciação da prova existe quando decorra dos termos da decisão e apenas (sem recurso, por exemplo, a declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou instrução), ponderados por si só ou conjugada com as regras da experiência comum quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão inaceitável, por ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Assim também

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“quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as “legis artis”.

O erro previsto no art.º 410.º, n.º 2, (que tem que resultar do texto decisório de forma tão patente que não escape à observação do homem de formação média - erro notório), não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do recorrente.

Se se invoca incorrecta apreciação da prova produzida, considerando-se inaceitável a decisão em vista dessa prova, o erro na apreciação de prova em questão não se enquadrará já na previsão do art.º 410.º, n.º 2, c), antes se situando já claramente no campo da impugnação da decisão de facto própria do recurso da matéria de facto na sua mais ampla modalidade.

Tal é o caso presente, em que a discordância do recorrente relativamente ao acolhimento de determinada a matéria de facto considerada assente radica na prova produzida, nos pontos que discrimina, perante a qual considera

inadequada a decisão de acolher por provado certo facto, suscitando a sua reapreciação, na parte impugnada, em referência a tal prova, e bem assim a reavaliação desta.

Sob o enfoque de recurso da decisão de facto cumprirá pois considerar a invocação de erro notório na apreciação de prova.

Conhecendo as Relações de facto e de direito (art.º 428.º, n.º 1, do CPP), a reapreciação da matéria de facto é, à partida, admissível mesmo para além da aferição da verificação dos sobreditos vícios - esta oficiosa - e bem assim o recurso com tal âmbito, observados que se mostrem os requisitos legais em ordem a demarcar os aspectos concretos a rever – art.º 412.º do CPP - e dispondo-se dos meios de prova cuja reavaliação se suscita.

Porém, há que referir ainda, já que tal ideia deve presidir à ponderação a efectuar, que, tendo em vista o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127.º do CPP, embora a Relação tenha poderes de

intromissão em aspectos fácticos mesmo para além do previsto no citado art.º 410.º n.º 2, a estes poderes não corresponde a intenção de facultar a

reapreciação sistemática e global da prova produzida em audiência sindicando a valoração das provas feita pelo Tribunal “a quo” em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra (a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz), mas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente

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excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto.

Nesta sede importa ainda ter em conta que, na formação da convicção do Juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, nessa formação relevando “elementos intraduzíveis e subtis” decorrentes de aspectos da produção de prova que apenas podem ser “...percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro Tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”

(Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, Vol. III, fs. 211 e 271).

Assim, e em suma, visando a reapreciação de facto a detecção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento - e não a revisão sistemática e global de toda a prova produzida em audiência sindicando a valoração das provas em termos de criticar as opções feitas pelo Tribunal na interpretação e acolhimento que delas fez (ou seja, um novo julgamento que lhe dê razão), até porque, como se disse, há elementos da prova que só a imediação permite apreender - o que importa é analisar os fundamentos indicados na motivação de facto da decisão e, ponderando-os de acordo com as regras da ciência, da lógica e da experiência comum, aferir da razoabilidade do julgamento do facto como provado ou não provado feita pelo Tribunal no exercício da sua livre convicção, devendo a reapreciação ser feita em tais termos em relação aos pontos postos em causa (sem prejuízo, claro, de alterações que se impuserem v. g. por, de eventuais correcções, decorrerem contradições a sanar, em

abstracto possíveis - vd. art.º 431.º do CPP ).

Daí ser essencial que o Tribunal indique fundamentos da sua decisão quanto à matéria de facto que permitam inferir o raciocínio que lhe subjaz e avaliar a sua consistência e razoabilidade - e por isso a exigência legal de motivação de facto circunstanciada, com indicação e exame crítico das provas atendidas que permita a análise e ponderação desses fundamentos nos termos e para o fim referidos.

Tendo por pano de fundo esta dinâmica, vejamos:

Permitindo o articulado de recurso aferir com precisão o alcance da

impugnação de facto – deixando claramente definidos os seus contornos e bem assim os aspectos a rever e provas que alegadamente o justificam, logo as disponibilizando na medida para o caso necessária – nada obsta ao seu conhecimento.

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Pretende o recorrente que a prova que indica impõe decisão diversa da assumida no que concerne ao item 6 da matéria assente.

Concretamente impugna o facto considerado provado de que teve

conhecimento prévio do teor dos mencionados escritos e nada fez ou disse para evitar a publicação, alegando que o mesmo não decorre da prova pois, não obstante o Tribunal tenha consignado na fundamentação ter-se baseado nas suas declarações, referindo que ele teria “admitido sem dúvida o pleno conhecimento prévio do que era incluído na primeira página do jornal” não foi isso o que mencionou em audiência, nunca tendo “confessado” tal facto.

Com tal argumentação o recorrente impugna o facto em causa em referência ao mencionado elemento de prova considerando que o Tribunal o acolheu com base em errada interpretação que fez deste elemento pois, a seu ver, esse facto não pode dele colher-se.

O facto que impugna não surge isolado na matéria assente, constando do item 6 da matéria assente, onde se consigna:

«6. Na ocasião e hoje em dia, o arguido A exercia a actividade de director do jornal S.

Além do mais, o director do jornal discutia, decidia e tinha conhecimento de tudo quanto se publicava na primeira página de todas as edições do jornal S.

Assim teve conhecimento prévio do teor dos mencionados escritos e nada fez ou disse para evitar a publicação».

Também as declarações do recorrente não surgem isoladas na fundamentação de facto, surgindo como um dos elementos de prova de cuja conjugação,

“segundo as regras normais da experiência comum e razoabilidade”, resultou a convicção do tribunal quanto à factualidade provada (e o elenco não

provado).

Ora, considerando o facto concretamente impugnado (o conhecimento da notícia por parte do recorrente) no contexto e sequência da factualidade (igualmente provada) em que surge – descritivo da actuação do director do Jornal em causa, actividade que o recorrente então exercia – o seu

acolhimento como provado com base nas declarações do arguido, apesar de este não o ter admitido expressamente quanto à notícia em concreto, não é inviável, não consubstanciando erro de julgamento.

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Assim, mesmo perante o teor de tais declarações que invoca é possível concluir (não obstante nelas o não refira expressamente para além do que concerne às “manchetes”), que, além do mais, o director do Jornal, discutia, decidia e tinha conhecimento de tudo quanto se publicava na primeira página de todas as edições do jornal S, e bem assim, como consequência lógica desse conhecimento, em todos os casos, de tudo o que se publicava na primeira página, que, no caso concreto, teve também conhecimento do texto da notícia aqui em causa que constituiu “caixa” constante de primeira página (integrante da notícia que “cataliza” a sua carga ofensiva), justificando-se em tais termos que se tenha assumido como provado, na esteira do acolhimento do relativo à generalidade, um facto/afirmação relativa a uma situação concreta que

logicamente se inclui naquela generalidade, a saber que “... Assim, teve conhecimento prévio do teor dos mencionados escritos...”.

Sendo certo que não admitiu expressamente tal conhecimento, o que admitiu quanto a manchetes (na definição do mais recente dicionário que encontrámos

“título principal de maior destaque no alto da primeira página do jornal alusivo à mais importante das notícias contidas na edição”) da forma como o refere (sublinhando que nunca em onze anos deixou de as ler, o que revela um cuidado que não se coaduna, segundo as regras da experiência comum, com indiferença pelo restante conteúdo da aludida página, muito improvável para um director de publicação do nível do S) autoriza o tribunal a concluir que sempre “discutia, decidia e tinha conhecimento de tudo quanto se publicava na primeira página de todas as edições do jornal S” e que o admitiu, não bastando para afastar que o tenha “admitido” em termos que ao Tribunal não deixou dúvidas (como se considerou na motivação), a afirmação de que não dava atenção às “caixas”, que, ainda que não constituindo título principal, integram também a primeira página, enquanto “chamadas de atenção”, sempre muito apelativas e com a informação suficiente para suscitar o interesse do leitor (daí, como é o caso, nem sempre se tratando de meros títulos, frequentemente “sumariando” o cerne do assunto), para notícias seguramente candentes, a desenvolver no interior.

Havendo as suas declarações de ser ponderadas no seu conjunto, e, como todas as provas, segundo as regras da experiência comum, tratando-se de declarações de arguido algo se pode extrair até do “contraste” do afirmado quanto ao cuidado com a manchete do jornal, que referiu ter tido sempre, ao longo de anos, de forma peremptória, e a pretensa “desatenção” pelo restante conteúdo da primeira página (onde, como é sabido, nada se inclui, mesmo as

“caixas” que não se refira a tema candente ou de grande interesse e

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actualidade), desatenção essa afirmada, como se vê do seu depoimento invocado, de forma vaga, plena de reticências (mesmo no que concerne ao caso em apreço o recorrente refugiou-se na alegação de que não sabia responder, sugerindo não se recordar).

O juízo assumido pelo tribunal no sentido de acolher o facto referido em vista de tal prova não enferma assim de vício de lógica ou irrazoabilidade que inquine de erro a correspondente decisão, sendo certo que não podemos esquecer que, como atrás se disse, “na formação da convicção do Juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, nela relevando

“elementos intraduzíveis e subtis” decorrentes de aspectos da produção de prova que apenas podem ser “...percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia...”.

Justificado se mostra pois que se tenha julgado provado o facto vindo de referir (que, além do mais, o director do Jornal, discutia, decidia e tinha conhecimento de tudo quanto se publicava na primeira página de todas as edições do jornal S), e bem assim que para o sustentar o Tribunal tenha levado em conta as declarações do recorrente considerando-as reveladoras, se

margem para dúvidas, desse facto (embora a expressão utilizada seja algo equívoca, podendo sugerir uma “confissão” que, de facto, no sentido próprio, não existiu – nem a prova do facto em questão a exigiria – é isso que

seguramente traduz a afirmação de que “admitiu sem dúvida o prévio conhecimento do que era incluído na primeira página do jornal”).

E, provado que o director tinha conhecimento de tudo quanto se publicava na primeira página em todas as edições do jornal... nenhum erro envolve a

inclusão na matéria assente do que na sequência de tal facto se consigna: “...

“...Assim teve conhecimento prévio do teor dos mencionados escritos...”.

Que ”nada fez ou disse para evitar a publicação” é um facto incontornável que dispensa qualquer prova - e bem assim que podia (e devia) tê-lo feito, uma vez que era director do jornal.

Não se perfila pois o invocado erro de julgamento quanto ao facto em questão, ao contrario do que pretende adequada e suficientemente sustentado na prova que referiu - e foi a considerada na decisão - em termos que não deixaram, nem teriam de deixar, dúvidas que houvesse de resolver de acordo com o princípio “in dubio pro reo”.

Não se perfilando erro de julgamento nos termos invocados pelo recorrente ou em quaisquer outros, a sua impugnação da decisão de facto redunda em

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impugnação da convicção do tribunal sobre a valoração e acolhimento de prova - e assim sobre os factos - apenas por distintas daquelas que sobre essa mesma prova e sobre os factos ele próprio adquiriu, e que pretende fazer

“vingar”.

Uma tal impugnação não pode em qualquer medida ter acolhimento: a convicção do tribunal é, em princípio, face à regra da livre apreciação da prova constante do art.º 127.º do CPP, inatacável, prevalecendo, a não se constatarem - como não se constatam (estando a decisão do tribunal

fundamentada na sentença em termos de desta se colher que a sua valoração da prova e decisão sobre factos provados não foi arbitrária nem leviana e teve subjacente um raciocínio razoável do ponto de vista da lógica e da experiência comum) erros no raciocínio que levou à sua interpretação, valoração e

acolhimento, sobre as dos demais intervenientes processuais.

Em tal conformidade, e não se verificando também, como atrás se deixou dito, qualquer vício do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, nenhuma censura há a fazer à decisão no que concerne à matéria de facto provada e não provada, assim em definitivo fixada e incontornável.

Não pode pois o recurso, na medida em que pretendia pô-la em causa, obter, por qualquer forma, provimento.

Tal constatação deixa prejudicadas, naturalmente, as consequências, a nível do sentido da decisão, que o recorrente pretendia extrair da modificação por que pugnava, quer no que concerne à acção penal quer no que concerne ao pedido de indemnização civil.

Ainda, contrariamente ao que sustenta, ficou provada a existência de danos - itens 15 e 16 da matéria assente - estando justificada na motivação da decisão em termos inatacáveis do ponto de vista da lógica e razoabilidade, a convicção do Tribunal no que lhes respeita (sobre ela não podendo prevalecer a distinta convicção do recorrente, e bem assim improcedendo a sua argumentação a respeito - aliás vaga e conclusiva - que claramente consubstancia impugnação da convicção do tribunal apenas por divergente da sua).

Sendo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 496.º do C. Civil (“ex vi” art.º 129.º do CP), tais danos, não patrimoniais, inequivocamente

merecedores, pela sua gravidade, da tutela do direito, impende sobre os demandados, e bem assim sobre o recorrente, obrigação de indemnizar.

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Como se colhe do disposto no mesmo art.º 496.º do CC, o montante

indemnizatório será fixado equitativamente pelo Tribunal (dada a natureza não patrimonial do dano e a consequente impossibilidade de quantificação exacta, sempre se imporia o recurso ao critério da equidade a que alude o n.º 3 do art.º 566.º) tendo, por remissão do n.º 3 daquele art.º 496.º, em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no seu art.º 494.º - grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais aspectos do caso que o justifiquem.

Ora, segundo tal critério e considerando o que da factualidade disponível se colhe sobre estes circunstancialismos, o quantum em que a indemnização foi fixada - que, como se disse, o recorrente só impugna de forma conclusiva e abstracta - mostra-se adequado para ressarcir os danos em causa, não sendo excessivo enquanto compensação da lesão sofrida pela assistente referida no item 15 da matéria assente, considerando ainda o acréscimo de esforço que a recuperação de tal lesão demandou (cf. v. g. item 15 da motivação).

Também neste ponto não poderá dar-se razão ao recorrente, não podendo, assim, o recurso obter provimento em quaisquer termos ou medida.

DECISÃO

Por tudo o exposto acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a douta decisão recorrida.

Suportará o recorrente custas fixando-se em sete UC a taxa de Justiça.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2005 Maria da Luz Neto da Silva Batista Manuel Fernando Almeida Cabral João Francisco Reis Carrola

Adelino César Vasques Dinis

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