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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA JOANA BINI ECKSTEIN

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Academic year: 2022

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

JOANA BINI ECKSTEIN

NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE MODERNA E A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA INDÚSTRIA TÊXTIL

CURITIBA 2021

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JOANA BINI ECKSTEIN

NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE MODERNA E A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA INDÚSTRIA TÊXTIL

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau em Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba.

Orientadora: Prof. Me. Dra. Marcia Kazenoh Bruginski

CURITIBA 2021

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JOANA BINI ECKSTEIN

NOVAS FORMAS DE ESCRAVIDÃO NA SOCIEDADE MODERNA E A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NA INDÚSTRIA TÊXTIL

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau em Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos

professores:

Orientadora: Prof. Me. Dra. Marcia Kazenoh Bruginski

________________________________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2021

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AGRADECIMENTOS

É fato incontroverso que há sempre muitas pessoas a agradecer tonando-se quase impossível nomear todos aqueles que participaram, em alguma forma e medida, desse período, tento demonstrar um pouco de minha gratidão agradecendo pontualmente algumas pessoas.

Agradeço imensamente, em primeiro lugar, à Deus.

À minha Ilustríssima orientadora, Marcia Kazenoh Bruginski, que aceitou me orientar no curso dessa longa jornada que foi escrever minha monografia e, mesmo com todos os percalços que o cenário pandêmico nos trouxe, tempos de incerteza e orientações remotas, sempre me incentivou a buscar meu melhor, me direcionando o caminho e linha de estudo.

Agradeço também a toda minha família, em especial, a minha mãe, Adriana, que com toda a sua paciência e infinita bondade sempre esteve ao meu lado nos momentos de angústia, incentivando meus maiores sonhos e me ouvindo em todas as ocasiões; ao meu pai, Cezar, quem em primeiro lugar me incentivou a cursar Direito, também que sempre me incentivou a perseguir meus objetivos, minha trajetória acadêmica e carreira profissional; e, ao meu irmão Juliano, por todo carinho e apoio.

Aos meus avós paternos, Egon e Rosely, e maternos, Nelson e Cibele, por todas as lições de vida e ensinamentos valiosos.

Ao meu namorado, Rodrigo, que esteve ao meu lado ao longo da minha jornada acadêmica, sempre me apoiando, incentivando com toda sua paciência e amor, me proporcionando brilhantes discussões jurídicas; e que, prontamente, desde o primeiro momento, me ajudou organizar, debater e, por fim, revisar todo o meu trabalho.

Aos amigos e amigas que fiz ao longo do curso e quero levá-los para vida, especialmente, a Laura, Giovanna, Amanda, Juliana, Larissa, Ana Paula, Barbara e Vitória que sempre me auxiliaram no curso da faculdade, sem elas a trajetória não teria sido a mesma; e aos meus amigos de vida Felipe, Natalia e Julia, por sempre me ouvirem falar do meu tema e me incentivarem na mesma proporção.

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RESUMO

O presente trabalho visa compreender, conceituar e analisar as formas análogas à escravidão presentes na sociedade contemporânea, com enfoque na indústria têxtil.

A busca por uma elevada produção fez com que direitos humanos e trabalhistas básicos fossem alijados em prol da produção em massa e da alta demanda do mercado de vestuário. Ao longo da cadeia produtiva de confecção, é possível identificar a presença de exploração do trabalho humano desde seu início, no plantio das fibras de algodão, até as oficinas de costura nos grandes centros industriais, que se utilizam de subcontratações para burlas as leis e condicionar os trabalhadores ao labor em ambientes degradantes e em jornadas prolongadas. Atrelado a indústria têxtil brasileira, estão presentes questões sociais relevantes como o tráfico de pessoas e trabalho ilegal realizados principalmente por migrantes advindos da América Latina.

Palavras-Chaves: Escravidão contemporânea. Mão de obra. Exploração. Condições análogas à escravidão. Trabalho forçado. Jornada exaustiva. Servidão. Trabalho degradante. Indústria têxtil. Terceirização.

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ABSTRACT

The present work aims to understand, conceptualize and analyze the forms analogous to slavery present in contemporary society, with a focus on the textile industry. The search for high production caused basic human and labor rights to be disregarded in favor of mass production and the high demand of the clothing market. Along the production chain of clothing, it is possible to identify the presence of exploitation of human labor from its beginning, in the planting of cotton fibers, to the sewing workshops in large industrial centers, which use subcontracting to circumvent the laws and condition workers to work in degrading environments and on long hours. Linked to the Brazilian textile industry, relevant social issues are present, such as human trafficking and illegal work carried out mainly by immigrants from Latin America.

Keywords: Contemporary slavery. Manpower. Exploration. Conditions similar to slavery. Forced labour. Exhaustive journey. Bondage. Degrading work. Textile industry. Outsourcing.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – Quem é o trabalhador contemporâneo... 23 Ilustração 2 – De onde vem sua roupa? ... 61

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LISTA DE SIGLAS

ABIT – Associação Brasileira da Indústria Têxtil ABVTEX – Associação Brasileira do Varejo Têxtil ACP – Ação Civil Pública

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental CF – Constituição Federal

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CNPL – Confederação Nacional das Profissões Liberais

CONAETE – Coordenadoria Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos

GEFM – Grupo Especial de Fiscalização Móvel MTE – Ministério do Trabalho e Emprego MPT – Ministério Público do Trabalho MPU – Ministério Público da União

OIT – Organização Internacional do Trabalho ONU – Organização das Nações Unidas PEC – Projeto de Emenda Constitucional

PIDCP – Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos TAC – Termo de ajuste de conduta

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL .. 13

1.1 EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA DE NATIVOS INDÍGENAS NA EXTRAÇÃO E IMPORTAÇÃO DO PAU BRASIL ... 13

1.2 A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO CICLO DA CANA-DE-AÇÚCAR ... 15

1.3 UTILIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA ESCRAVA NAS JAZIDAS DE OURO (CICLO DO OURO) ... 17

1.4 CICLO DO CAFÉ ... 19

1.5 A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E O INÍCIO DO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL ... 20

2 CARACTERIZAÇÃO DA ESCRAVIDÃO MODERNA – ANÁLISE JURÍDICA E SOCIAL ... 22

2.1 RELEVÂNCIA DO TEMA NA SOCIEDADE ATUAL ... 22

2.2 DEFINIÇÃO DE TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NO BRASIL ... 24

2.3 FORMAS ANÁLOGAS A ESCRAVIDÃO E SUAS PECULIARIDADES ... 28

2.3.1 Trabalho Forçado ... 28

2.3.2 Servidão por Dívidas ... 31

2.3.3 Trabalho Degradante ... 33

2.3.4 A Perda da Liberdade e a Dignidade da Pessoa Humana ... 36

2.3.5 Jornada Exaustiva ... 39

3 TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NA INDÚSTRIA TÊXTIL ... 42

3.1 A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO INÍCIO DA CADEIA PRODUTIVA ... 43

3.1.1 A Produção e Exportação do Algodão no Semiárido Nordestino ... 43

3.2 A EXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS GRANDES CENTROS INDUSTRIAIS ... 45

(10)

3.2.1 Noções gerais a despeito da terceirização no Brasil ... 45

3.2.2 Terceirização por meio da contratação de oficinas de costuras ... 50

3.2.2 Condições de Trabalho nas Fábricas de Grandes Marcas ... 53

3.2.4 Princípio da Cegueira Deliberada e a Responsabilização em Cadeia como Forma de Repressão à Exploração do Trabalho Humano ... 62

3.3 O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS E O TRABALHO ILEGAL DE MIGRANTES NAS CADEIAS PRODUTIVAS DA INSDUTRIA TÊXTIL EM TERRITÓRIO NACIONAL ... 67

3.3.1 Tráfico de Pessoas ... 69

3.3.2 O Trabalho Informal, Ilegal e Forçado dos Migrantes nos Polos Industriais .... 73

4 O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS MECANISMOS DE COMBATE AO TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO ... 75

3.1 NORMAS DE PROTEÇÃO E CRIMINALIZAÇÃO DO TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 75

3.1.1 Código Penal... 75

3.1.2 PEC 438/01 - Emenda Constitucional 81 ... 78

3.2 ATUAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) ... 79

3.3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ... 80

3.3.1 Coordenadoria Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo (CONAETE) ... 81

3.4 FISCALIZAÇÕES MÓVEIS ... 83

3.5 LISTA SUJA ... 84

3.6 PROGRAMA ABVTEX ... 85

CONCLUSÃO ... 87

REFERÊNCIAS ... 91

(11)

INTRODUÇÃO

No decorrer do presente trabalho serão tratadas as formas de escravidão contemporâneas com enfoque na indústria têxtil no Brasil.

Inicialmente é importante ressaltar que a exploração do trabalho humano e escravidão estão presentes no Brasil e em grande parte das sociedades, ao redor do mundo, desde suas formações. No Brasil, a exploração do trabalho humano começou desde a sua descoberta com a extração do pau Brasil, nas relações entre os portugueses e os nativos indígenas. Posteriormente, passou-se a explorar a mão de obra de escravos trazidos da África. Em um primeiro momento a exploração do trabalho escravo se deu nos grandes canaviais, que foram criados para evitar invasões na costa brasileira, bem como para exportação, visto que a cana-de-açúcar possuía um alto valor no mercado exterior. Seguida da exploração do ciclo do ouro, que se iniciou após a crise do mercado consumidor e com a descoberta de jazidas de ouro e diamante; por fim na lavoura de café, por volta do XVII. Com a independência do Brasil e após anos de exploração do trabalho escravo, depois de um processo gradual de abolição, com o advento da Lei Aurea em 13 de março de 18881, que foi um importante passo rumo à erradicação da escravatura no Brasil e um referencial nas relações de trabalho.

Muito embora tenha ocorrido a abolição da escravidão, não houve a erradicação por completo do trabalho escravo no Brasil. Com o passar do tempo a exploração do trabalho acompanhou as significativas mudanças na sociedade, sendo possível identificar novas maneiras de exploração do trabalho humano análogas à escravidão. Estas novas práticas estão presentes em diversos setores, não diferente na indústria têxtil. A busca por uma elevada produção fez com que direitos humanos e trabalhistas básicos fossem alijados em prol da produção em massa e da alta demanda do mercado. Conforme dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que hoje é uma das principais organizações de combate ao trabalho escravo no mundo –, de pesquisas realizadas no ano de 2016, estima-se que cerca de 40,3

1 Monteiro, Patrícia Fontes Cavalieri. Discussão acerca da eficácia da Lei Áurea. Disponível em:

http://www.fumec.br/revistas/meritum/article/view/1208/829. Acessado em 05 out. 2020.

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milhões de pessoas no mundo encontram-se em situação de escravidão moderna, incluindo 24,9 milhões de pessoas em situação de trabalho forçado. 2

A escravidão contemporânea pode ser conceituada de diversas formas. É possível identificar alguns fatores e questões sociais relevantes que contribuem para que se ainda utilize de mão de obra análoga à escravidão nos dias de hoje. Entende- se como um conceito aberto, podendo ser ramificado para outros demais tipos como:

tráfico de pessoas, trabalho forçado, servidão por dívida e rural, matrimônio forçado, exploração infantil, dentre outros.3 Pode também ser entendida como a da privação de liberdade do trabalhador, podendo ir muito além, desde uma coação moral, psicológica e física. Em que pese a escravidão e a exploração do trabalho humano venham sendo debatidas por muitos anos, os números indicam a necessidade de continuação dos estudos e discussões acerca dos temas, pois a exploração do trabalho humano e a prática de atos que suprimem direitos humanos e condições básicas de trabalho ainda está muito presente na sociedade.

No tocante a indústria têxtil brasileira, que é o foco do trabalho, é possível identificar três evidentes formas de exploração do trabalho humano, calcadas primordialmente em uma lógica de custeio, ou seja, quanto menor o custo de produção, maior o lucro com o produto ao final da cadeia produtiva. Com base nesta visão que visa somente a obtenção de lucro é que direitos humanos e trabalhistas são deixados de lado em prol de uma produção em massa de produtos vendidos nas maiores redes de lojas.

Primeiramente no início da cadeia produtiva, tem-se a exploração proveniente do trabalho no campo, na colheita de matéria-prima – como por exemplo o algodão – para confecção das peças, principalmente no semiárido nordestino. Ao longo dos anos os pequenos produtores tiveram de arrendar suas terras ao denominados “parceiros”, para o plantio do algodão que posteriormente seria exportado para diversos países. Tendo em vista que a cotonicultura é de fácil manuseio, utilizavam da mão de obra da agricultura familiar para produção da matéria- prima. Por se tratar de agricultura de pequeno porte, e muitas vezes por não terem local adequado de armazenamento, após vários meses entre o plantio a colheita, os

2_____. Trabalho forçado, escravidão moderna e tráfico humano. Disponível em:

https://www.ilo.org/global/topics/forced-labour/lang--en/index.htm. Acesso em 31 ago. 2020.

3 SILVA, Waldimeiry Correa; e Góes, Karine Dantas Góes. Formas contemporâneas de escravidão:

Ofensa direta à dignidade humana. Disponível em:

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0365aaecae1f1493. Acesso em 02 set. 2020.

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trabalhadores se viam sujeitos a vender sacas de algodão por preços irrisórios, para sustentar a grande indústria da moda.4

Ainda na indústria têxtil é possível identificar a exploração do trabalho humano em condições análogas à escravidão nos grandes centros industriais brasileiros, como por exemplo em São Paulo. Estando verificada de duas formas, os trabalhadores nas grandes fábricas de costura, trabalhadores estes que em sua grande maioria são migrantes que entraram ilegalmente no país através do tráfico de pessoas e que laboram de forma ilegal, vindos principalmente da América Latina – com ênfase nos migrantes bolivianos que deixam sua terra natal em busca de melhores condições de vida e são submetidos a condições degradantes de trabalho –; bem como a terceirização de mão de obra para oficinas de costura ou costureiras independentes, mão de obra proveniente de um esquema de terceirização irregular em que as trabalhadoras – que em sua grande maioria são mulheres – ganham centavos para costurar grandes quantidades de peças para suprir o fornecedor que ao final vende para as redes de lojas.

O ordenamento jurídico pátrio e os demais órgãos de fiscalização já possuem mecanismos de combate à exploração do trabalho humanos em condições análogas à de escravo. Em princípio é importante ressaltar que há previsão legal que criminaliza essa prática, com pena privativa de liberdade e multa, o crime encontra-se previsto no artigo 149, do Código Penal.5

4 ARRUDA, Geraldo Clesio Maia. Trabalho, riqueza e dominação no nordeste do Brasil. Disponível em: https://periodicos.ucsal.br/index.php/cadernosdoceas/article/view/643. Acesso em 01 set. 2020.

5 Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

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1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

1.1 EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA DE NATIVOS INDÍGENAS NA EXTRAÇÃO E IMPORTAÇÃO DO PAU BRASIL

O início da exploração do trabalho humano no Brasil se deu com a descoberta do país e a chegada dos portugueses em solo brasileiro, em meados do Século XV, nos primórdios de sua colonização. Ao chegar no território brasileiro os portugueses identificaram o primeiro produto que daria início ao ciclo de exploração do trabalho humano, o pau Brasil, de imediato o rei de Portugal declarou o monopólio da coroa sobre o produto.6 Possui uma madeira de coloração avermelhada comumente utilizada para tingir tecidos, de grande valia uma vez que a indústria têxtil estava em desenvolvimento na Europa, o produto era muito visado pois era o principal corante utilizado na época; bem como para confecção de móveis e até mesmo navios. É muito encontrada na zona da mata, mais precisamente na costa brasileira, e posteriormente veio a dar origem ao nome do país.

O primeiro carregamento de pau Brasil oriundo da zona da mata do litoral brasileiro foi aproximadamente no ano de 1503, quando Fernando de Noronha, a mando do rei de Portugal, veio até a colônia explorar a madeira.7 Consagrando então o monopólio da coroa sobre o produto, valendo-se da extração na forma do estanco sob ordens da cora. Neste primeiro momento, é importante ressaltar que inicialmente a colonização do Brasil foi calcada por uma premissa extrativista e de exploração, não propriamente de ocupação, visto que neste primeiro contato o Brasil se demonstrava ser uma terra desprovida de riquezas, sendo a extração do pau Brasil sua única utilidade de exploração para coroa. Nesta vertente é importante destacar a fala do historiador Boris Fausto no que se refere à chegada dos portugueses no Brasil e sua visão do continente.

O descobrimento do Brasil não provocou, nem de longe, o entusiasmo despertado pela chegada de Vasco da Gama à índia. O Brasil aparece como uma terra cujas possibilidades de exploração e contornos geográficos eram desconhecidos. Por vários anos, pensou-se que não passava de uma grande ilha. As atrações exóticas - índios, papagaios, araras - prevaleceram, a ponto

6 CABRAL, Isabela. História do Brasil. Disponível em:

http://www.academia.edu/download/38565707/_BELA_Resumo_Economia_Colonial.doc. Acesso em 07 out. 2020.

7 Id.

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de alguns informantes, particularmente italianos, darem-lhe o nome de terra dos papagaios. O Rei Dom Manuel preferiu chamá-la de Vera Cruz e logo de Santa Cruz. O nome "Brasil" começou a aparecer em 1503. Ele tem sido associado à principal riqueza da terra em seus primeiros tempos, o pau Brasil.

Seu cerne, muito vermelho, era usado como corante, e a madeira, de grande resistência, era utilizada na construção de móveis e de navios.8

A extração do Pau Brasil era feita de duas formas: estanco – que era a extração realizada unicamente pelo monopólio real, que por sua vez detinha controle total a extração e exportação do produto –, e o escambo – que era a extração realizada através da exploração do trabalho forçado dos nativos indígenas, em troca de mercadorias –, sendo esta modalidade a primeira forma de exploração do trabalho humano no Brasil.9

Preliminarmente na colonização do Brasil, a exploração da mão de obra indígena foi a principal fonte extração da madeira, visto que os nativos possuíam um vasto conhecimento das matas e do território em si. Eram responsáveis por realizar o corte e carregamento das árvores nas caravelas, em troca do seu serviço recebiam algumas mercadorias de baixo valor para os portugueses, como: miçangas, espelhos, tecidos, armas brancas, dentre outros.10

Uma das principais consequência da exploração do Pau Brasil foi o reconhecimento do litoral brasileiro, que até então tratava-se de um território inexplorado. Entretanto, este reconhecimento atraiu a concorrência dos outros países colonizadores, principalmente da França. O interesse da França na especiaria motivou o contrabando e o comércio “ilegal” da madeira, que fez com que o lucro gerado através da extração do pau Brasil pela coroa caísse, tendo em vista as constantes disputas com os franceses. Sendo assim, o negócio que angariava lucro, passou a decrescer, tornando-se uma prática arriscada e não tão proveitosa para realeza. 11

Ante ao decaimento dos lucros com a extração, bem como com os nativos ficando cada vez mais difíceis colonizar, pois utilizavam-se do seu conhecimento das matas para realizar fugas para lugares distantes, a relação de exploração ficou cada vez mais tortuosa. Foi então que em 1570, por meio do documento que fora chamado

8 FAUSTO, Boris. HISTÓRIA DO BRASIL História do Brasil cobre um período de mais de quinhentos anos, desde as raízes da colonização portuguesa até nossos dias. Disponível em:

https://www.academia.edu/download/53948835/historia_do_brasil.pdf. Acesso em 07 out. 2020.

9 CABRAL, Isabela. História do Brasil. Op. Cit.

10 Id.

11 ZAMELLA, Mafalda P., Ciclos do pau brasil e do açúcar. Disponível em:

http://www.periodicos.usp.br/revhistoria/article/download/34872/37608. Acesso em 07 out. 2020.

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de Carta Régia, a coroa portuguesa decidiu alterar definitivamente o modelo de escravidão indígena, instruindo em seu documento o conceito de escravidão voluntária e guerra justa, os índios apenas seriam presos e escravizados em caso de guerra justa, ou seja, rebeliões contra os portugueses. Porém, mesmo com o documento que buscava modificar a escravidão indígena, foi apenas ao final do século XVIII, com a figura do Marquês de Pombal, é que se consolidou as regras de não exploração dos nativos indígenas na colônia.12 Utilizou-se então do tráfico de pessoas do transatlântico e a exploração de escravos africanos para suprir as necessidades, dando início a um novo ciclo de exploração do trabalho humano.

1.2 A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO CICLO DA CANA-DE-AÇÚCAR Com o grande reconhecimento externo do litoral brasileiro, a decadência do ciclo do pau Brasil e tendo em vista que até então não haviam sido descobertas riquezas em solo brasileiro, a coroa portuguesa se viu em uma posição delicada em relação ao território conquistado. Tendo de optar por abandonar o Brasil aos franceses ou apoderar-se efetivamente do território, passando a torná-lo produtivo e ocupá-lo economicamente.13 Sendo assim, visando evitar invasões e como forma de deixar a costa brasileira mais protegida, a coroa ofereceu vantagens aos portugueses que se dispusesse a colonizar e povoar o litoral. Foram criadas capitanias hereditárias que enviaram famílias para lotear as terras e destiná-las ao plantio da cana-de-açúcar – ou como era conhecido na época “ouro branco” –, que passaria a ser a nova forma de exploração do trabalho humano.14

Em troca de deixar suas terras para colonizar um território que até então acreditava-se ser desprovido de riquezas, o rei renunciava à sua soberania, passando a terra ao proprietário como forma de incentivo, oferecendo-lhe ainda as mesmas vantagens e garantias compatíveis com o emprego de grandes capitais sob condições arriscadas. Os maiores interessados em se apoderar das terras era a burguesia portuguesa, visto que não eram nobres ou detinham grandes riquezas, em sua maioria

12 CALDAS, Renata Theophilo. O trabalho escravo na cadeia produtiva das renomadas grifes da indústria da moda. 58 f. Dissertação (Pós-graduação de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Escola de Direito de Brasília – EDB/IDP. Brasília, fevereiro 2017. Disponível em:

https://repositorio.idp.edu.br//handle/123456789/2300. Acesso em 07 out. 2020.

13 ZAMELLA, Mafalda P., Op. Cit.

14 CABRAL, Isabela. Op. Cit.

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eram comerciantes. Assim, mesmo que os homens não fossem nobres, herdariam terras e, com elas, influência social e econômico.15

O produto era especialmente destinado para suprir o mercado externo. Na cadeia de produção europeia, Portugal era responsável pela produção e exportação, visto que já possuía conhecimento na área devido a implantação de outros engenhos na Ilha da madeira e, a Holanda pela distribuição do açúcar, desse modo todo o dinheiro arrecadado ficava concentrado na Europa.16

Tendo em vista que o Brasil apresentava o clima favorável para plantio da iguaria, utilizavam como forma da produção a técnica do plantation. Que se tratava da monocultura (plantio de apenas um produto), em latifúndios (que posteriormente foram chamados de engenhos) e mão de obra escrava africana, para baratear o custo da produção, plantio e colheita.

O tráfico de escravos no transatlântico aumentou consideravelmente com o crescimento da indústria açucareira, no início do Século XVI. Com os novos ditames da coroa portuguesa no final do ciclo do pau Brasil, o trabalho indígena na formação e montagem dos engenhos foi primordial, entretanto passou a ser assalariado – trabalho forçado em troca de salário – mesmo que em regime propriamente escravo.

Nestes moldes o trabalho indígena não era mais vantajoso e lucrativo para a colônia, que passou a se valer o trabalho escravo tendo em vista que os escravos eram tradados como objetos, já detinham conhecimento de técnicas de plantio, diferentemente dos nativos indígenas em que as mulheres detinham o conhecimento pois os homens especializavam-se em caças, e utilizados de forma completamente escrava sem qualquer remuneração, uma vez comprados no tráfico do transatlântico tornavam-se propriedade do senhor de engenho. Com a dominação portuguesa sobre a Angola em meados do final do século XVI, o número de escravos cresceu exponencialmente, estima-se que chegou a 150 mil africanos escravizados que desembarcaram em solo brasileiro, entre os anos de 1601 e 1624, para trabalhar nos canaviais e engenho de açúcar. Estes são alguns dados trazido pelo professor e historiador Rafael de Bivar Marques em seu texto: “A dinâmica da escravidão no Brasil”.17

15 Id.

16 Id.

17 MARQUESE, Rafael de Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil Resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Texto originalmente apresentado ao I Encontro entre Historiadores

(18)

Ao mesmo tempo, os portugueses aprimoravam o funcionamento do tráfico negreiro transatlântico, sobretudo após a conquista definitiva de Angola em fins do século XVI. Os números do tráfico bem o demonstram: entre 1576 e 1600, desembarcaram em portos brasileiros cerca de 40 mil africanos escravizados; no quarto de século seguinte (1601-1625), esse volume mais que triplicou, passando para cerca de 150 mil os africanos aportados como escravos na América portuguesa, a maior parte deles destinada a trabalhos em canaviais e engenhos de açúcar.18

Ademais, os lucros provenientes do tráfico de escravos africanos no transatlântico eram muito almejados pela metrópole, motivo esse que perpetuou a dominação dos portugueses sobre a Angola, bem como sedimentou a escravidão do povo africano.

O grande sucesso de Portugal no Brasil não demorou muito para atrair o interesse de outros países europeus. A Holanda chegou a realizar invasões no estado da Bahia e de Pernambuco, motivadas por seu interesse em deter todo o monopólio açucareiro.19

A desvalorização do ouro branco brasileiro se deu apenas com as investidas holandesas principalmente na Bahia e em Pernambuco, onde se concentravam os maiores engenhos brasileiros. Muito embora estas investidas tenham sido infrutíferas, as relações entre Portugal e Holanda ficam fragilizadas. Fazendo com o que mercado Europeu passasse a consumir preferencialmente o açúcar proveniente da Europa e consequentemente, decaindo a exportação do açúcar e desvalorizando o provento brasileiro.20

1.3 UTILIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA ESCRAVA NAS JAZIDAS DE OURO (CICLO DO OURO)

A queda do consumo exterior ao açúcar brasileiro, possibilitou a exploração do território pela coroa, deram-se origem as primeiras expedições oficiais – também chamadas de entradas –, bem como pelos comerciantes que aqui viviam, por meio das expedições que ficaram conhecidas como bandeiras; que se tratava de expedições particulares onde os bandeirantes adentravam o território explorado a pé

Colombianos e Brasileiros, promovido pelo Ibraco em Bogotá, Colômbia, em agosto de 2005.

Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002006000100007.

Acesso em 07 out. 2020.

18 Id.

19 Id.

20 Id.

(19)

ou a cavalo, em busca de metais preciosos no continente. Tanto as investidas da coroa, quanto as investidas de particulares na exploração do território permitiram e facilitaram as descobertas auríferas na transição do Século XVII início do XVIII, agregando riquezas ao patrimônio português.21

A baixa no consumo do produto brasileiro Bahia e Pernambuco, que antes eram o centro do Brasil, passou a não ter mais a mesma visibilidade. Dando vez a exploração e, consequentemente, a descoberta das jazidas de ouro, diamantes outros metais preciosos na região onde hoje são compreendidos os estados do Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais.

A notícia de ouro e outros metais preciosos na colônia chamou atenção da burguesia portuguesa para continente que antes é pouco explorado. Não demorou muito para houvesse uma grande migração de portugueses para estas regiões. É neste contexto a fala do professor e historiador Rafael de Bivar Marques.

Afora o deslocamento interno na Colônia, as minas atraíram para o Brasil uma quantidade ainda maior de migrantes portugueses, calculada em cerca de 400 mil indivíduos durante todo o século XVIII. 22

Com a maior exploração do território nacional e com as descobertas auríferas, necessitou-se uma maior mão de obra fazendo com que houvesse um aumento exponencial na exploração do tráfico de pessoas no transatlântico, estima-se que desembarcaram no Brasil cerca de 292 mil escravos africanos com destino certo para as minas e para garimpar na busca por metais preciosos.

Devido a exploração do território a coroa portuguesa aumentou ainda mais seu espaço geográfico, expandindo também o território conquistado. Visando recuperar sua economia, tendo em vista a queda nos lucros propiciada pela baixa no consumo do açúcar. Foi nesta vertente que se criou a Intendência das Minas, que se tratava de um órgão diretamente ligado ao rei e a coroa portuguesa, responsável pela organização e distribuição das terras, cobrança dos impostos pela exploração e fiscalização da região das minas. Devido a intensa exploração do centro-oeste brasileiro, próximo da região onde atualmente é compreendido o estado de Minas Gerais, relevou-se necessário a mudança da capital brasileira, que passou a ser o Rio de Janeiro, tendo em vista a facilidade em gerenciar as riquezas. Criou-se também a

21 CABRAL, Isabela. Op. Cit.

22 MARQUESE, Rafael de Bivar. Op. Cit.

(20)

Casa da fundição, que fundia o ouro encontrado e retirado das minas em barras para facilitar o armazenamento nos cofres da metrópole.

1.4 CICLO DO CAFÉ

A cultura cafeeira se popularizou no Brasil em meados do século XVIII e XIX, beneficiando-se dos modos de produção já utilizados nos engenhos de cana-de- açúcar. Utilizavam-se do sistema de plantation – monocultura, em grandes latifúndios e mão de obra majoritariamente proveniente da exploração do trabalho de escravos africanos –.

O maior incentivo financeiro na indústria fora dos próprios produtores e comerciantes após a chegada da família real no Brasil, por volta de 1808. A princípio a plantação e colheita do café era para atender as demandas internas, visto que ainda era considerada iguaria de luxo no exterior. As maiores lavouras destinadas para produção estavam localizadas na Baixada Fluminense e no Vale do Paraíba, onde hoje são compreendidos os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. De acordo com dados trazidos por Alves Motta Sobrinho, no texto escrito por Alan Alves Brito Conceição.

Entre os anos de 1853 e 1854, a produção de café do estado do Rio de Janeiro atingiu 7.988.551 arrobas. Segundo Motta Sobrinho (1978), em 1854, a região do Vale do Paraíba paulista somava 2.737.639 arrobas. Em meados do século XIX, a região fluminense passou a apresentar queda no plantio do café. Enquanto, a produção paulista, até o final daquele século, se manteve estável.23

O café é planta originária do continente africano, mais especificamente na região da Etiópia, desse modo para que fosse possível adaptação da iguaria ao clima e condições de solo brasileiro a mão de obra africana foi de suma importância. Com base nesta premissa, iniciou-se um novo ciclo de tráfico de escravos no transatlântico para suprir a necessidade na lavoura. Fora muito utilizado para tornar produtiva as terras que antes eram improdutivas e por isso, não geravam lucro, bem como a

23 CONCEIÇÃO, Alan Alves Brito. O CAFÉ NO VALE DO PARAÍBA: ORIGEM E DECADÊNCIA.

Taubaté, outubro de 2014. Artigo (Mestrado em Gestão e Desenvolvimento), Universidade de Taubaté,

orientado por Ademir Pereira dos Santos. Disponível em:

http://www.unitau.br/files/arquivos/category_154/MCH0168_1427384659.pdf. Acesso em 08 out. 2020.

(21)

descentralizar a economia brasileira que antes girava em torno do nordeste e dos engenhos de açúcar.

Aproximadamente em 1836 e nos anos seguintes a produção cafeeira no Brasil aumentou exponencialmente chegando a superar a produção açucareira, tornando-se o principal produto exportação da coroa. Entretanto, ao final do Século XIX o café enfrentou uma grade crise de caráter comercial.

A primeira grande crise do café, de 1.857/58, teve caráter comercial, com o retraimento do mercado comprador, e afetou de modo mais direto os produtores. A de 1.864 foi de ordem financeira, e com a falência dos bancos, muitas casas comissárias, cujo capital deles derivava ,e muitos fazendeiros, acabaram arrastados e vítimas das correrias e quebradeiras. A crise posterior à abolição do cativeiro, na última década do século XIX, eliminou o comissário, e as firmas exportadoras passaram à compra direta ao fazendeiro, sem que isto lhe trouxesse melhoria. O preço lhe era imposto, sem mais o controle das cotações a que se submetiam as casas comissárias.24

A crise da economia cafeeira no Brasil foi pautada também na liberdade dos escravos que vem a ser um marco no combate a escravidão no Brasil.25

1.5 A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E O INÍCIO DO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

Conforme amplamente exposto anteriormente, a escravidão esteve presente ao longo de toda história de formação do Brasil, iniciando no período de sua colonização e perdurando até os dias de hoje. A escravidão foi utilizada como um dos alicerces para o estabelecimento dos portugueses na América, bem como para manutenção do Império do Brasil.26

Até a promulgação da Lei Aurea, em 13 de março de 1888,27 houve um processo lento por trás. Iniciado com a pressão inglesa sobre o governo português para erradicação da escravidão, que culminou ao movimento antiescravidão no Brasil.

24 SOBRINHO, Alves Motta. A civilização do café (1820 – 1920). Disponível em:

https://www.brasiliana.usp.br/bitstream/bbm/7038/1/45000009390_Output.o.pdf. Acesso em 08 out.

2020.

25 CONCEIÇÃO, Alan Alves Brito. Op. Cit.

26 COSTA, Hilton. Hierarquias brasileiras: A abolição da escravatura e as teorias do racismo científico.

Disponível em: http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/Textos3/hilton%20costa.pdf.

Acesso em 08 out. 2020.

27 MONTEIRO, Patrícia Fontes Cavalieri. Op. Cit.

(22)

Após a independência do Brasil, no ano 1822, a Inglaterra determinou que a marinha que efetuasse a prisão e apreensão da tripulação de navios negreiros que cruzassem o Atlântico rumo ao Brasil.28 Aumentando cada vez a pressão sobre a cora portuguesa forçando a criação de leis e medidas para erradicar a escravidão.

Com base em toda a pressão promovida pela Inglaterra, a primeira lei que visava inibir a escravidão veio apenas em 1831 em que se considerou livres todos os africanos que desembarcaram no Brasil após esse ano. Entretanto, no início foi tida como lei morta, vindo a entrar em vigor somente no ano de 1835.

Posteriormente foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que reafirmou o disposto na lei anterior, dado maior força ao movimento rumo a abolição.29 A presente lei encerrou com o abastecimento do mercado negreiro no Brasil. Muito embora a Lei Eusébio de Queiros esgotou o tráfico de pessoas no transatlântico, não extinguiu por completo a escravidão.

Em 1871, a Princesa Isabel assinou a Lei Rio Branco, que considerava livres todos os filhos de mulheres escravas a partir da assinatura da lei. Seguida da lei dos Sexagenários, que considerava livres todos os homens escravos com mais de 60 anos.30

Ao final, assinada também pela Princesa Isabel, a Lei Aurea que libertava todos os escravos e visava pôr fim a escravidão.31

28 COSTA, Hilton. Op. Cit.

29 Id.

30 CALDAS, Renata Theophilo. Op. Cit.

31 COSTA, Hilton. Op. Cit.

(23)

2 CARACTERIZAÇÃO DA ESCRAVIDÃO MODERNA – ANÁLISE JURÍDICA E SOCIAL

2.1 RELEVÂNCIA DO TEMA NA SOCIEDADE ATUAL

Em que pese a promulgação da Lei Aurea visou colocar fim a escravidão, após muita pressão do exterior tendo em vista que o Brasil teve uma abolição tardia da escravatura, apenas extinguiu a escravidão na forma como era conhecida à época, especificamente no que se refere a posse sobre as pessoas. O cenário nacional atual confirma a presente afirmação, uma vez que ainda é possível verificar a utilização de trabalho análogo ao escravo em diversos setores da econômica brasileira e mundial, inclusive na indústria têxtil.

O que se observa da promulgação da Lei Aurea até os dias atuais é a extinção a objetificação dos escravos, entretanto, não houve a abolição da escravatura por completo, apenas dos meios históricos de escravidão, dando margem para novas formas.

O presente capítulo, visa compreender como se dão as novas formas análogas à escravidão em nossa sociedade, sob o prisma jurídico e social;

demonstrando a relevância do tema, uma vez que a exploração do trabalho humano ainda está muito presente de diversas formas no cotidiano brasileiro.

Conforme dados levantados pela Organização internacional do trabalho (OIT), cerca de 40 milhões de pessoas ao redor do mundo foram vítimas do trabalho escravo contemporâneo no ano de 2016.32 Com base em dados de resgates realizados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) entre os anos de 2003 e 2018, aproximadamente 45 mil trabalhadores foram resgatados e libertados de situações trabalho análogas à escravidão, no Brasil.33

32_____. Trabalho Forçado. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/lang-- pt/index.htm#:~:text=Mais%20de%2040%20milh%C3%B5es%20de,foram%20for%C3%A7adas%20a

%20se%20casar. Acesso em 20 nov. 2020.

33_____. Brasil teve mais de mil pessoas resgatadas do trabalho escravo em 2019. Disponível em:

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-01/brasil-teve-mais-de-mil-pessoas- resgatadas-do-trabalho-escravo-em. Acesso em 20 nov. 2020.

(24)

Ilustração 1 – Quem é o trabalhador contemporâneo

Fonte: Com Ciência. Revista eletrônica de jornalismo científico.

ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA ATINGE MILHÕES E PODE SER COMBATIDA COM AUXÍLIO DA TECNOLOGIA.

Conforme balaço realizado pelo Ministério Público do Trabalho, no ano de 2017, divulgado na Revista Labor, foi registrado um aumento significativo nas ações civis públicas ajuizadas, bem como nos termos de ajustamento de conduta envolvendo trabalho escravo e trabalho degradante.

Em 2017, o Ministério Público do Trabalho ajuizou 103 ações civis públicas (ACP) e firmou 217 termos de ajustamento de conduta (TAC) envolvendo trabalho escravo. Com relação às denúncias recebidas, foram 1.187, no mesmo período. O balanço mostra ainda que o número de ações sobre trabalho escravo ajuizadas cresceu nos últimos dois anos: em 2016, foram 93 ações, contra 103 em 2017.

Entre as 103 ações, 70 delas (68%) foram relacionadas a trabalho degradante, o que mostra a importância do conceito moderno de “trabalho escravo”, mais abrangente, incluindo, por exemplo, escravidão por dívidas e o próprio trabalho degradante. O mesmo pode ser observado em relação aos

(25)

TACs – dos 217 firmados pelo MPT em 2017, 130 (60%) foram relacionados a trabalho degradante.34

Dados mais recentes encaminhados em 28 de janeiro de 2020 – dia nacional de Combate ao Trabalho Escravo –, apenas no ano de 2019, foram resgatados cerca de 1.054 trabalhadores. Registrou-se, também, um aumento significativo nas denúncias em relação ao ano de 2018, chegando a 1.213 denúncias registradas.35 Com base nos dados apresentados foi possível compreender que cerca de 95% dos trabalhadores resgatados são homens, sendo que 83% na faixa dos 18 aos 44 anos, uma alta incidência de migrantes internos e externos que se destinam para pecuária.

Este setor detém dos maiores casos de exploração no país.36

Sendo assim, ante aos elevados número de trabalhadores regatados de condições análogas à escravidão no Brasil, nos últimos anos, verifica-se a relevância do tema a ser estudado, tendo em vista a persistência da utilização da mão de obra análoga à escrava, a supressão de direitos e condições mínimas de trabalho.

2.2 DEFINIÇÃO DE TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO NO BRASIL

Em prima face é importante ressaltar que há diversas formas de conceituar o trabalho escravo contemporâneo a depender da análise e dos elementos apresentados por cada autor, pois há uma multiplicidade de termos e formas de conceituação. Contudo, é possível perceber que majoritariamente os autores tratam do trabalho análogo ao escravo contemporâneo como sendo um conjunto de condições degradantes, analisando diversas questões que marcam a relação de trabalho, que vão muito além do descumprimento formal das normas trabalhistas e supressão de direitos. Considera-se desde a coação dos trabalhadores, em diferentes formas e níveis, para realização de atividades forçadas, incluindo meio ambientes

34 VILLAÇA, Carolina. Baseado em fatos surreais: A novela para garantir a publicação da lista suja e impedir a flexibilização do conceito de trabalho escravo no país que teve mais de 43 mil pessoas resgatadas, de 2003 a 2017. REVISTA Labor – Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, ano VI, nº9, 2018. A carta do trabalho digno. Acesso em 28 nov. 2020.

35_____. Brasil teve mais de mil pessoas resgatadas do trabalho escravo em 2019. Disponível em:

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-01/brasil-teve-mais-de-mil-pessoas- resgatadas-do-trabalho-escravo-em. Acesso em 28 nov. 2020.

36_____. Trabalho Forçado. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/lang-- pt/index.htm#:~:text=Mais%20de%2040%20milh%C3%B5es%20de,foram%20for%C3%A7adas%20a

%20se%20casar. Acesso em 20 nov. 2020.

(26)

degradantes de inserção dos trabalhadores, jornadas extraordinárias até a perda em diferentes níveis da liberdade.

Para tornar possível a compreensão acerca da utilização do trabalho escravo contemporâneo no Brasil é necessário analisar questões sociais relevantes que são acometidos os trabalhadores, sendo a falta de informação um dos fatores predominantes nas relações de exploração do trabalho humano, que contribuem para que se ainda utilize de mão de obra análoga à escravidão nos dias de hoje.

Nesta vertente que se verifica o artigo escrito pela graduanda em Direito Karine Gleice Cristova e do Dr. Rodrigo Goldschmidt,37 que afirmam a presença de alguns fatores que marcam o trabalho escravo contemporâneo – como por exemplo a ausência de vagas de emprego e condições mínimas para manter família em suas origens –, abordando a falta de informação está dentre estes fatores, que fazem com que a exploração do trabalho humano seja perene.

A escravidão contemporânea é marcada por fatores como: falsas promessas feitas pelo aliciador, falta de informações e desconhecimento dos direitos pelos trabalhadores e ausência de emprego e condições mínimas para manter a família na região de origem, o que faz com que o trabalhador aceite com mais facilidade a migração para outras regiões distantes em que será explorado.

As autoras compreendem que as relações trabalhistas contemporâneas estão, mesmo que minimamente, mascaradas pelo aparente cumprimento da legislação trabalhista por meio da formalização de um contrato de trabalho e, não mais, na ideia de propriedade. Todavia, o trabalho que é prestado para outrem não atende a dignidade da pessoa humana e revela-se uma mera subordinação jurídica do trabalhador; consideram o domínio ao extremo como uma das características predominantes do trabalho escravo com temporâneo.38

Para o Dr. Ricardo José Fernandes de Campos,39 o conceito de trabalho forçado vai além da privação da liberdade, podendo estar caracterizado também em

37 CRISTOVA, Karine Gleice; Goldschmidt, Rodrigo. O trabalho escravo contemporâneo no Brasil.

Disponível em: https://unoesc.emnuvens.com.br/simposiointernacionaldedireito/article/view/2255.

Acesso em 01 set. 2020.

38 Id.

39 CAMPOS, Ricardo José Fernandes de. Trabalho Escravo: A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO. Servidão por Dívida: “truck system”. Aliciamento e Transporte de Trabalhadores: Responsabilidade do Empregador e do Intermediador. Responsabilidade Penal, Administrativa e Penal. o Papel do Brasil no

(27)

diversas formas de coação dos trabalhadores, como a coação moral, psicológica e física.

O trabalho forçado pode decorrer de coação moral, psicológica e física. Um exemplo de coação moral ocorre quando o tomador dos serviços, valendo-se da pouca instrução e do elevado senso de honra pessoal dos trabalhadores, submete estes a elevadas dívidas, constituídas fraudulentamente com o fito de impossibilitar o desligamento do trabalhador. Já a psicológica poderá ocorrer quando o trabalhador for ameaçado de sofrer violência, a fim de que permaneça trabalhando e a física através de atos de violência contra o trabalhador.

Neste diapasão, é possível verificar alguns elementos que estão presentes nas formas de exploração do trabalho humano nos dias autuais – tais como, a criação de dívidas, relações oriundas de fraudes e/ou violência, retenção de documentos pessoais –, conforme pontua o Dr. Ricardo. O autor destaca também, que estas relações de trabalho são marcadas pela falta de liberdade, para por exemplo, poder escolher seu empregador ou seu tempo de permanência no trabalho.

O trabalho em condições análogas à de escravo, nos dias atuais, se manifesta com a presença de alguns elementos que não as correntes, como a criação de dívidas artificiais, relação de trabalho originada de fraude ou violência, frustração de direitos trabalhistas e retenção de documentos pessoais, sempre com vistas a impedir o desligamento do serviço.

A nota característica desse tipo de exploração de mão de obra é, dessa forma, a ausência de liberdade. Quando o trabalhador não pode decidir, espontaneamente, pela aceitação do trabalho, ou então, a qualquer tempo, em relação à sua permanência no trabalho, há trabalho forçado.

Dessa forma, o autor também compreende que o princípio da dignidade da pessoa humana está intimamente ligado com a valorização do trabalho, visto que o trabalho escravo ou análogo ao escravo nega ao trabalhador condições mínimas de sobrevivência e o submete a condições degradantes de trabalho.40 Considera como sendo condição degradante a falta de saúde e segurança, bem como condições mínimas trabalho, higiene, respeito, dentre outros elementos que devem estar presentes em uma relação de trabalho sadia em um ambiente laboral equilibrado,

Combate ao Trabalho Escravo.”. Disponível em:

https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:artigo.revista:2007;1000816179 . Acesso em 30 nov. 2020.

40 Id.

(28)

situação que não é verificada nos casos de escravidão moderna. Sendo uma violação direta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Nesta mesma premissa, tem-se a conceituação feita pelo procurador do trabalho, Dr. Tiago Muniz Cavalcante, publicada na revista do Ministério Público do Trabalho.41 Expõe que o trabalho escravo contemporâneo pode ser entendido como o trabalho proveniente do trabalho forçado, com a presença de uma jornada exaustiva de trabalho, tal como o labor realizado em condições degradantes e o trabalho exercido com restrição de locomoção em razão de dívidas. Este é o entendimento sedimentado no art. 149 do Código Penal e que se reflete no entendimento majoritário dos doutrinadores e nas jurisprudências relacionadas ao tema.

Com o advento da Lei n. 10.803/2003, uma das medidas tomadas pelo Estado brasileiro para prevenir e punir a escravidão após a assunção de compromisso internacional nesse sentido(26), a definição legal da escravidão restou facilitada. Neste momento, o ordenamento jurídico pátrio esclarece, objetiva e didaticamente, as hipóteses caracterizadoras do trabalho escravo contemporâneo: trabalho forçado; trabalho em jornada exaustiva; trabalho em condições degradantes; e trabalho com restrição de locomoção em razão de dívidas, ou seja, a atual redação do art. 149 do Código Penal, e que reflete o entendimento doutrinário, jurisprudencial e internacional sobre o assunto, veio a atender o compromisso assumido pelo governo brasileiro de combater o trabalho escravo como forma de grave violação a direitos humanos.

Doutro modo, sob a óptica das autoras Dra. Waldimeiry Correa da Silva e Dra.

Karine Dantas Góes e Góes,42 a escravidão contemporânea é considerada gênero, que se ramifica em oito espécies, quais são: escravidão, tráfico de escravos, trabalho forçado, servidão por dívida, servidão rural, matrimônio forçado, exploração infantil e tráfico de seres humanos.

Conforme acima explicado, Formas Contemporâneas de Escravidão é um conceito aberto que significa o gênero do qual fazem parte oito espécies: a) escravidão; b) tráfico de escravos; c) trabalho forçado; d) servidão por dívida;

e) servidão rural; f) matrimônio forçado; g) exploração infantil; h) tráfico de seres humanos. Segue-se a explicação de cada uma delas. Em que pese cada uma dessas espécies tenha conceito próprio, é importante destacar que o Código Penal Brasileiro tipificou todas essas situações como um só crime:

redução a condição análoga à de escravo.

41 MUNIZ, Thiago. O Trabalho Escravo entre a Arte e a Realidade: a Necessária Superação da Perspectiva Hollywoodiana” Brasília, ano XXIV — N. 48 — setembro 2014. Disponível em:

http://www.anpt.org.br/images/olds/arquivos/revista-MPT-48__anpt23121.pdf . Acesso em 30 nov.

2020.

42 SILVA, Waldimeiry Correa da; e Góes, Karine Dantas Góes. Op. Cit.

(29)

No tocante a escravidão e ao tráfico de pessoas, as autoras, consideram que após abolição da escravidão, contemporaneamente, não está necessariamente relacionada pautada na ótica da propriedade sobre outrem, tendo em vista que se trata de uma premissa impossível conforme preceitua o art. 16 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) promulgado pelo Decreto nº 592, de 06/07/1992, que se utiliza do texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que prevê o direito de locomoção de toda pessoa, bem como o reconhecimento da sua personalidade jurídica.43 No que diz respeito ao tráfico, consideram a mercantilização do ser humano. Dessa forma, compreendem que a escravidão deve ser analisada levando-se em consideração algumas práticas – conforme conceito da Organização das Nações Unidas (ONU) –, quais são: o nível de restrição de liberdade imposto, o grau de controle exercido sobre uma pessoa e seus pertences pessoais, a existência de consentimento com conhecimento de causa e plena compreensão da natureza da relação entre as partes.44

Conclui-se que o trabalho escravo contemporâneo pode ser compreendido como sendo um conjunto de formas degradantes de exploração do trabalhador. Tendo em vista que o trabalho é um importante fator social que dignifica os indivíduos, retirar as condições mínimas de trabalho descente submetendo o trabalhador a jornadas exaustivas, trabalho forçado, servidão por dívidas é reduzir o trabalho a exploração.

2.3 FORMAS ANÁLOGAS A ESCRAVIDÃO E SUAS PECULIARIDADES

Conforme amplamente discorrido anteriormente, há vários fatores que exercem influência sobre o trabalho análogo ao escravo. As cinco principais formas de exploração contemporânea do trabalho humano são: trabalho forçado, servidão por dívidas, trabalho degradante, a perda da liberdade e a dignidade da pessoa humana e jornada exaustiva.

2.3.1 Trabalho Forçado

A Convenção nº 29 da OIT, que versava sobre o trabalho forçado ou obrigatório, – posteriormente culminou na promulgação do Decreto Lei nº 41.721, de

43 Id.

44 Id.

(30)

25 de junho de 1957, revogado pelo Decreto Lei nº 10.088, de 5 de novembro de 2019, que se encontra vigente, recepciona a presente convenção em seu art. 2º, inciso XIV–

compreende em seu art. 2º, 1 como sendo trabalho forçado: “todo aquele trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade.”

É devido evidenciar que a convenção supramencionada, ainda no art. 2º, 2, em suas alíneas, exclui da compreensão de trabalho forçado aquele exigido em razão do serviço militar nacional, qualquer serviço que faça parte das obrigações cívicas normais, todo trabalho ou serviço exigido por meio de condenação judiciária, desde que devidamente fiscalizado; bem como qualquer serviço exigido em caso de força maior – em caso de guerra declarada, sinistro ou ameaça de sinistro –, por fim, os pequenos trabalhos exigidos em razão do cumprimento de obrigações cívicas normais dos membros da coletividade.45

De mesmo modo, é necessário sobressair que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Estado brasileiro por intermédio do Decreto Lei nº 592, de 6 de junho de 1992, em seu artigo 8º, §3º, também prevê que ninguém será obrigado a realizar trabalho forçado e elenca hipóteses em que não se consideram como trabalho forçado.46

45 BRASIL. Decreto-lei nº 10.088, de 5 de novembro de 2019. Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT ratificadas pela República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF.

Art. 2º [...] 2. Entretanto, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” não compreenderá para os fins da presente convenção:

a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude das leis sobre o serviço militar obrigatório e que só compreenda trabalhos de caráter puramente militar;

b) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais dos cidadãos de um país plenamente autônomo;

c) qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência de condenação pronunciada por decisão judiciária, contanto que esse trabalho ou serviço seja executado sob a fiscalização e o controle das autoridades públicas e que o dito indivíduo não seja posto à disposição de particulares, companhias ou pessoas morais privadas;

d) qualquer trabalho ou serviço exigido nos casos de força maior, quer dizer, em caso de guerra, de sinistro ou ameaças de sinistro, tais como incêndios, inundações, fome, tremores de terra, epidemias, e epizootias, invasões de animais, de insetos ou de parasitas vegetais daninhos, e em geral todas as circunstâncias que ponham em perigo a vida ou as condições normais de existência, de toda ou de parte da população;

e) pequenos trabalhos de uma comunidade, isto é, trabalhos executados no interesse direto da coletividade pelos membros desta, trabalhos que, como tais, podem ser considerados obrigações cívicas normais dos membros da coletividade, contanto que a própria população ou seus representantes diretos tenham o direito de se pronunciar sobre a necessidade desse trabalho.

46 BRASIL. Decreto-lei nº 592, de 6 de junho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF.

3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios;

(31)

Dessa forma, com base na conceituação utilizada pela OIT, verifica-se que o trabalho forçado está intimamente relacionado a escravidão, em virtude da sua similaridade com as duas principais formas. De acordo com a Dra. Marlene, o trabalho forçado deve ser considerado através da análise de dois grupos o trabalho imposto na forma de ameaça de punição, também aquele imposto involuntariamente.47

No que se refere ao trabalho imposto sob ameaça, a autora, Marlene T.

Fuverki Suguimatsu, pondera tratar-se de um tipo abrangente, que pode se manifestar de forma extrema, como por exemplo perda de direitos, privilégios, ameaça de violência, confinamento e até morte; e de forma mais sutil como coação psicológica, por meio de ameaças, levando o trabalhador a ter receio do o empregador pode fazer, bem como em relação à questões financeiras, ameaças de demissão e não pagamento de salário, visando coagir o trabalhador para impor o trabalho.

O elemento ‘ameaça de punição’ é abrangente. Inclui perda de direitos e privilégios e pode assumir formas mais extremas, como ameaça de violência e confinamento, ou mesmo de morte. Manifesta-se também por formas sutis, de natureza psicológica, como ameaças de denúncias, especialmente quando a vítima guarda algum receio, como no caso de imigrante ilegal, e de natureza financeira, a exemplo de penas relacionadas com dívidas, não pagamento de salários, perda de salários com ameaça de demissão, como é o caso de recusa do empregado em executar horas extras além do previsto no contrato ou em lei. Ainda, situações em que o contratante exige dos trabalhadores documentos pessoais, com ameaça posterior de confisco, tudo com o objetivo de impor trabalho forçado.

No que diz respeito ao trabalho forçado imposto involuntariamente, refere-se a falta de consentimento do trabalhador, pode ser entendida pela escravidão por nascimento e servidão por dívidas, podendo incluir rapto, sequestro, venda de

b) A alínea a) do presente parágrafo não poderá ser interpretada no sentido de proibir, nos países em que certos crimes sejam punidos com prisão e trabalhos forçados, o cumprimento de uma pena de trabalhos forçados, imposta por um tribunal competente;

c) Para os efeitos do presente parágrafo, não serão considerados "trabalhos forçados ou obrigatórios":

i) qualquer trabalho ou serviço, não previsto na alínea b) normalmente exigido de um indivíduo que tenha sido encarcerado em cumprimento de decisão judicial ou que, tendo sido objeto de tal decisão, ache-se em liberdade condicional;

ii) qualquer serviço de caráter militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei venha a exigir daqueles que se oponham ao serviço militar por motivo de consciência;

iii) qualquer serviço exigido em casos de emergência ou de calamidade que ameacem o bem-estar da comunidade;

iv) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.

47 SUGUIMATSU, Marlene T. Fuverki. Condições De Existência Digna, Direitos Mínimos Do Trabalhador e o Paradoxo Do Trabalho Escravo ou em Situação Análoga a de Escravidão.

Disponível em: https://www.trt9.jus.br/portal/arquivos/1606582. Acesso em 30 nov. 2020.

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