Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 67/08.3TVLSB.L1-6 Relator: OLINDO GERALDES Sessão: 19 Março 2009
Número: RL
Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
PROPRIEDADE HORIZONTAL ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL ANULAÇÃO
Sumário
I. Na repartição dos encargos de conservação e fruição das partes comuns do edifício, em princípio, prevalece a convenção estabelecida entre as partes, designadamente no título de constituição da propriedade horizontal
II. Na ausência de convenção, impera um regime de proporcionalidade, segundo o qual cada condómino suporta o encargo proporcional ao valor da sua fracção.
III. Em vez do critério da utilidade, o legislador português optou pelo critério da destinação objectiva das coisas comuns.
IV. Continuando um certo equipamento (parabólica) a integrar o edifício e a oferecer, objectivamente, a sua utilidade a cada um dos condóminos, não podem estes, sem a alteração válida do título constitutivo do regime da propriedade horizontal, desobrigar-se dos respectivos encargos.
V. A deliberação maioritária dos condóminos, sendo contrária à lei, é anulável.
O.G.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
I, Lda., instaurou, em 28 de Dezembro de 2007, na 2.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra: C e outros acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que fosse declarada a anulação da deliberação da
assembleia de condóminos, de 30 de Outubro de 2007, do Prédio da Avenida
Eng.º Duarte Pacheco, n.º 21, em Lisboa, na questão da antena parabólica.
Para tanto, alegou, em síntese, que a deliberação, que aprovou a proposta da manutenção da antena parabólica até ao fim da sua vida útil, ficando as
despesas de manutenção e reparação a ser suportadas exclusivamente pelos seus utilizadores, não tendo os restantes condóminos quaisquer encargos com a mesma, não está conforme o preceituado no n.º 1 do art. 1424.º do CC.
Contestaram os 1.º, 2.º, 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 12.º Réus, que, além do mais, alegaram estar a deliberação em conformidade com o disposto no art. 1424.º do CC e concluíram pela sua absolvição do pedido.
A A. replicou, respondendo à matéria da excepção.
Depois de findos os articulados, em 15 de Setembro de 2008, foi proferido despacho saneador – sentença, julgando-se a acção procedente.
Inconformados com tal decisão, recorreram os mesmos Réus, os quais, tendo alegado, formularam essencialmente as seguintes conclusões:
a) A decisão proferida nos autos violou os n.º s 1 e 3 do art. 1424.º do CC.
b) O princípio do utilizador-pagador consagrado nos n.º s 3 e 4 do art. 1424.º do CC e as decisões jurisprudenciais admitem a repartição das despesas sem se atender (unicamente) à destinação objectiva das coisas comuns.
c) Caso assim não se entenda, sempre deveria o Tribunal ter apurado o tipo de deliberação tomada sobre a antena colectiva de TV, para averiguar quais os termos da “deliberação em contrário” e as respectivas exigências (art. 712.º, n.º 4, do CPC).
Pretendem, com o seu provimento, a revogação da decisão recorrida.
A Autora não contra-alegou.
Corridos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
No presente recurso, está em discussão, no âmbito do regime da
propriedade horizontal, a repartição legal das despesas com as partes comuns do edifício, nomeadamente com a manutenção da parabólica instalada no edifício.
II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:
1. A A. é proprietária da fracção “V”, correspondente ao 11.º andar esquerdo do prédio urbano, sito na Avenida Eng.º, em Lisboa.
2. O referido prédio é constituído por 22 fracções, designadas pelas letras de
“A” a “X”, distribuídas por 11 pisos.
3. Os Réus são os proprietários, respectivamente, das fracções “B”, “E”, “F”,
“H”, “I”, “L”, “M”, “O”, “R”, “S”, “X”, “C”, “G”, “J”, “A” e “D”.
4. No dia 30 de Outubro de 2007, realizou-se uma sessão extraordinária da assembleia de condóminos, de cuja ordem de trabalhos constava, sob o n.º 2: “ Deliberar sobre a antena parabólica existente no terraço de cobertura do
edifício, nomeadamente a quem compete o pagamento das despesas efectuadas para a sua manutenção”.
5. Encontravam-se presentes os condóminos das fracções “B”, “E”, “H”, “Q”,
“S” e “U”.
6. Fizeram-se representar os condóminos das fracções “C”, “D”, “F”, “G”, “I”,
“J”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “R”, “T”, “V” e “X”.
7. Não esteve presente o condómino da fracção “A” (loja), com uma permilagem de 103,28.
8. Sobre o ponto n.º 2 da ordem de trabalhos incidiu uma proposta
apresentada pelo condómino do 3.º-A, nos seguintes termos: “manutenção da antena parabólica até ao fim da sua vida útil, ficando as despesas de
manutenção e reparação a partir da presente data a ser suportadas
exclusivamente pelos seus utilizadores, não tendo os restantes condóminos quaisquer encargos com a mesma”.
9. A proposta foi aprovada, por maioria, com os votos do 1.º-A (“B”), 3.º-A (“E”), 3.º-B (“F”), 4.º-B (“H”), 5.º-A (“I”), 6.º-A (“L”), 6.º-B (“M”), 7.º-B (“O”), 9.º-A (“R”), 9.º-B (“S”) e 11.º-B (“X”), num total de permilagem de 448,36 por mil.
10. Votaram contra o 7.º-A (“N”), 8.º-A (“P”), 8.º-B (“Q”), 10.º-A (“T”), 10.º-B (“U”) e 11.º-A (“V”), num total de permilagem de 244,56 por mil.
11. Abstiveram-se o 1.º-B (“C”), 4.º-A (“G”) e 5.º-B (“J”), num total de permilagem de 122,28 por mil.
12. Não votou o 2.º andar (“D”), porque o seu representante não estava mandatado, num total de permilagem de 81,52 por mil.
13. O edifício, desde a sua construção, estava equipado com uma antena colectiva de TV, colocada no terraço de cobertura.
14. Essa antena estava constantemente a avariar.
15. A antena parabólica veio substituir a antena colectiva de TV.
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2.2. Delimitada a matéria de facto provada, a qual não vem impugnada, importa então conhecer do objecto do recurso, definido pelas respectivas conclusões, cuja questão jurídica emergente foi já antes especificada.
A questão, como se frisou, prende-se com a repartição dos encargos de conservação e fruição das partes comuns do edifício.
Em princípio, por efeito da autonomia privada, prevalece a convenção estabelecida entre as partes, designadamente no título de constituição da propriedade horizontal (F. RODRIGUES PARDAL e M. DIAS DA FONCECA, Da Propriedade Horizontal, 3.ª edição, 1983, pág. 187).
Isso decorre, sem qualquer dúvida, do disposto no art. 1418.º do Código Civil (CC), respeitante à responsabilidade pelos encargos de conservação e fruição, quando no n.º 1 se salvaguarda, textualmente, a “disposição em contrário” da regra ali fixada. Trata-se, pois, de um regime supletivo, prevenindo a sua falta de convenção, como sucede na maioria dos casos submetidos ao regime da propriedade horizontal, que ganhou um grande incremento sobretudo a partir de meados do século passado (RODRIGUES BASTOS, Direito das Coisas, II, 1975, pág. 203, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, III, 2.ª edição, 1984, pág. 431, ABÍLIO NETO, Direitos e Deveres dos
Condóminos na Propriedade Horizontal, 1988, págs. 84 e 85, e ARAGÃO SEIA, Propriedade Horizontal, 2001, pág. 121).
A obrigação de contribuir para os encargos, decorrente de uma
responsabilidade ex lege, é uma típica obrigação propter rem, advinda de cada condómino, enquanto tal, ser comproprietário das partes comuns do edifício (HENRIQUE MESQUITA, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, in Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIII, pág. 130).
Na ausência de convenção, como primeira regra supletiva, impera um regime de proporcionalidade, segundo o qual cada condómino suporta o encargo proporcional ao valor da sua fracção, especificado no título constitutivo (art.
1418.º, n.º 1, do CC).
Como segunda regra supletiva, existe ainda um regime nos termos do qual os encargos ficam restringidos aos condóminos que retiram exclusivo proveito das partes comuns do edifício (1424.º, n.º s 3 e 4, do CC).
Por outro lado, como também realçam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, e por razões práticas, que levantariam um “emaranhado de dificuldades”, “o Código português não perfilhou a regra especial adoptada pelo Código Civil italiano (art. 1223.º, II) quanto às partes comuns do prédio ou coisas comuns do edifício, destinadas a servir os condóminos em medida diferente” (ibidem, pág. 432).
Em vez do critério da utilidade, o legislador português optou pelo critério da destinação objectiva das coisas comuns (RODRIGUES PARDAL e DIAS DA FONSECA, ibidem, pág. 189). Assim, no regime supletivo, o que interessa é o uso que cada condómino pode fazer, medido pelo valor relativo da respectiva fracção, e não o uso que, efectivamente, faz das coisas comuns. A
responsabilidade do condómino pelos encargos existe sempre que o mesmo possa, objectivamente, utilizar as partes comuns do edifício,
independentemente da utilização concreta, sobressaindo, mais uma vez, a natureza propter rem da obrigação correspondente. Torna-se, por isso,
irrelevante o critério da utilização efectiva (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Dezembro de 1983, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 332, pág. 475).
Revertendo ao caso dos autos, não se questiona a natureza de coisa comum que se atribui à antena parabólica, que veio substituir a antena colectiva de TV, de que o edifício estava equipado, desde a sua construção.
Com o recurso intensivo a outros meios tecnológicos alternativos, como o do cabo, aquele tipo de equipamento tornou-se de algum modo menos atractivo e, até, dispensável. No entanto, continuando o equipamento a integrar o edifício e a oferecer, objectivamente, a sua utilidade a cada um dos condóminos, não podem estes, sem a alteração válida do título constitutivo do regime da propriedade horizontal, desobrigar-se dos respectivos encargos.
É evidente que poderá haver duplicação de equipamentos, para o mesmo fim, e, com isso, assistir-se a um acréscimo de despesas. Mas isso, terá que ser ponderado por cada condómino, nomeadamente não sendo lograda a alteração do título constitutivo do regime da propriedade horizontal, por forma adaptá- lo melhor à situação, entretanto, criada. Não se procedendo validamente àquela alteração, continua a manter-se o estatuto jurídico da propriedade horizontal do prédio, subsistindo a responsabilidade dos condóminos, tal como antes estava definida.
Assim, dada a falta de convenção em sentido contrário, é de aplicar a regra fixada no n.º 1 do art. 1424.º do CC, nomeadamente a da proporção com o valor das respectivas fracções, quanto ao pagamento das despesas necessárias à manutenção da antena parabólica do prédio.
Em face da destinação objectiva da antena parabólica, quanto a todas as fracções do prédio, não é possível a aplicação do critério de redução nos encargos consagrado no n.º s 3 e 4 do art. 1424.º do CC.
Deste modo, sendo aplicável a norma do n.º 1 do art. 1424.º do CC, não podia a assembleia de condóminos aprovar a deliberação, segundo a qual a
manutenção e reparação da antena parabólica, até ao fim da sua vida útil, ficariam, exclusivamente, a cargo dos seus utilizadores.
A deliberação maioritária dos condóminos, sendo contrária à lei, apresenta-se como ilícita e, como tal, é anulável, nos termos do n.º 1 do art. 1433.º do CC.
Por outro lado, a questão subsidiária aduzida ainda pelos Apelantes, para além de não estar incluída na deliberação impugnada nestes autos, constitui uma
questão nova, que não pode ser objecto de pronúncia, como é jurisprudência uniforme e corrente.
Assim, coincidindo a decisão recorrida com o sentido normativo aplicável, improcedem completamente as conclusões do recurso. A decisão está, por isso, de harmonia com a lei vigente, não violando qualquer disposição legal, designadamente as enumeradas pelos Apelantes.
2.3. Em face da precedente exposição, pode concluir-se de mais relevante:
I. Na repartição dos encargos de conservação e fruição das partes comuns do edifício, em princípio, prevalece a convenção estabelecida entre as partes, designadamente no título de constituição da propriedade horizontal
II. Na ausência de convenção, impera um regime de proporcionalidade, segundo o qual cada condómino suporta o encargo proporcional ao valor da sua fracção.
III. Em vez do critério da utilidade, o legislador português optou pelo critério da destinação objectiva das coisas comuns.
IV. Continuando um certo equipamento (parabólica) a integrar o edifício e a oferecer, objectivamente, a sua utilidade a cada um dos condóminos, não podem estes, sem a alteração válida do título constitutivo do regime da propriedade horizontal, desobrigar-se dos respectivos encargos.
V. A deliberação maioritária dos condóminos, sendo contrária à lei, é anulável.
2.4. Os Apelantes, ao ficarem vencidos por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade
consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.
III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2) Condenar os Apelantes (Réus) no pagamento das custas.
Lisboa, 19 de Março de 2009 (Olindo dos Santos Geraldes) (Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)