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INE EAD INSTITUTO NACIONAL DE ENSINO DIREITO DA FAMÍLIA DIREITO DA FAMÍLIA (31)

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1 WWW.INSTITUTOINE.COM.BR – (31) 2533-0500

DIREITO DA

FAMÍLIA

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 4

ESTRUTURA DAS RELAÇÕES FAMILIARES ... 4

O QUE É FAMÍLIA? ... 5

Natureza das relações familiares ... 5

Fundamentos jurídicos das relações familiares... 5

O CASAMENTO ... 6

Natureza do casamento ... 6

Inovações no Regime do Casamento ... 7

Habilitação para o casamento ... 7

Impedimentos para o casamento ... 8

Celebração do casamento ... 8

Efeitos do casamento ... 8

REGIME MATRIMONIAL. SUCESSÃO ... 8

A UNIÃO ESTÁVEL: JUNTADO COM FÉ CASADO É? ... 10

O BOM FILHO A CASA TORNA... ... 14

PARENTALIDADE ... 14

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ADMIRÁVEL MUNDO NOVO: A REPROGENÉTICA NAS RELAÇÕES DE FILIAÇÃO ... 32

Ação de investigação de paternidade. ... 32

ADOÇÃO ... 33

Institutos correlatos: guarda & tutela ... 35

COMO FAZER PARA ADOTAR? ... 36

FAMÍLIA HOMOSSEXUAL: UMA REALIDADE EM CONSTRUÇÃO ... 37

PREVENÇÃO DE CONFLITOS E REGIME DE BENS ... 40

Direito patrimonial de família ... 40

Regime de Bens ... 40

DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO EXTRAJUDICIAIS ... 43

SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO JUDICIAIS. ... 60

SEPARAÇÃO JUDICIAL ... 60

Litigiosa ... 60

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ALIMENTOS ... 62

Conceito ... 62

FAMÍLIA E DIREITO EMPRESARIAL ... 64

Interface entre família e empresa ... 64

REFERÊNCIAS ... 67

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INTRODUÇÃO

As mudanças nas relações familiares são evidentes, saltam aos olhos, e não é possível que as discussões, e o próprio ensino do Direito de Família passem ao largo dessas alterações. A ênfase na prevenção de problemas será sempre grande, uma vez que o preço pago, diante de um conflito familiar não resolvido, é muito caro.

Para tanto, é necessário enfatizar o caráter multidisciplinar das relações familiares, e suas intersecções com os demais ramos do Direito Privado, e mesmo até do Direito Público. Tudo o que foi dito, todavia, partiu de um pressuposto simples, até prosaico:

você sabe o que é uma família, pois vive em uma. Mas sabe mesmo? É claro que a vivência por você acumulada é perfeitamente válida, e você conhece com detalhes a vida e a realidade de ao menos uma família. Mas nem todas as famílias são e serão iguais, terão os mesmos problemas ou os mesmos anseios. Tosltói inicia seu célebre romance “Anna Kariênina” com a seguinte frase:

“Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma a sua maneira.”

O conteúdo dessa frase não é mais capaz de ser considerado verdadeiro, ao menos em parte. Em verdade, todas as famílias são felizes e infelizes cada uma a sua maneira, e por isso a família é e será múltipla, diversa, rica em variações e vivências, e por isso demandará uma multiplicidade de alternativas para a resolução e prevenção de conflitos entre os seus membros.

ESTRUTURA DAS RELAÇÕES FAMILIARES

Se a família é múltipla, tem origens distintas e comporta uma pluralidade de realidades, devemos começar o estudo do direito de família por meio de uma prospecção das realidades familiares que vivemos e encontramos, para que se compreendam essas diferentes formas de viver. A ênfase será naquilo que se chama de “Direito Pessoal de Família”, ou seja, as relações que serão estudadas serão observadas pelo prisma do convívio, da estrutura e das responsabilidades. O patrimônio amealhado na família não será desconsiderado, mas o seu momento de foco será outro. Por fim, esclarece-se desde logo que a tutela e curatela são temas

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estranhos ao direito de família, não estabelecem relações familiares e não serão diretamente abordadas.

O QUE É FAMÍLIA?

Natureza das relações familiares

Para os autores de direito em geral, a Família se apresenta como construção social, mas não há investigação mais profunda sobre por meio de quais elementos essa construção se origina ou direciona. Por exemplo, vejamos o que diz Maria Barenice Dias: “Mesmo sendo a vida aos pares um fato natural, em que os indivíduos se unem por uma química biológica, a família é um agrupamento cultural.

Preexiste ao Estado e está acima do Direito. A família é uma construção social organizada através de regras culturalmente elaboradas que conformam modelos de comportamento. Dispõe de uma estrutura na qual cada um ocupa um lugar, possui uma função. (...) É a preservação do lar no seu aspecto mais significativo: afeto e respeito. ” Essa referência, todavia, é completamente insuficiente. Em verdade, a origem da família se centra em outros aspectos, todos distintos do acima citado: • A proibição do incesto; • A preservação da integridade da genes, como consequência da proibição do incesto.

Fundamentos jurídicos das relações familiares.

Como visto acima, o pensamento civilista atual centra o afeto como sendo o elemento caracterizador das relações familiares. Mas será mesmo?

Essa ideia poderia, por exemplo, ser confrontada com a da responsabilidade social especial como fundamento das citadas relações. Isso explicaria a visão interessante trazida por Schlüter: que o Direito cuida de uma “grande” e de uma

“pequena” família. Assim, por exemplo, o dever de alimentos se estende aos avós, e as proibições de casamento até o terceiro grau de parentesco.

A família na constituição: art. 226. Dignidade da pessoa humana e direito de família: a família eudemonista.

Como interpretar o papel da família na constituição? Vejamos os dispositivos:

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“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º — O casamento é civil e gratuito a celebração.

§ 2º — O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º — Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º — Entende-se, também, como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º — Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º — O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

§ 7º — Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º — O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

O art. 226, §8º, determina a proteção dos membros da família na pessoa dos seus membros. Quais as consequências da adoção dessa visão?

O CASAMENTO

Natureza do casamento

O casamento é ato, negócio, contrato ou instituição.

Sentido do art. 1514 do Código Civil. Comunhão plena de vida e o sentido do art. 1.566.

Casamento civil e religioso com efeitos civis.

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Inovações no Regime do Casamento

Dentre as diversas inovações trazidas pelo CÓDIGO CIVIL destacam-se as seguintes:

a) gratuidade de celebração e, com relação à pessoa cuja pobreza for declarada sob as penas da lei, também de habilitação, registro e da primeira certidão (art.1512);

b) regulamentação e facilitação do registro civil do casamento religioso (art.1516);

c) redução da capacidade do homem para casar para 16 anos (art.1517);

d) previsão somente dos impedimentos absolutos, reduzindo-se o rol (art.1521);

e) tratamento das hipóteses de impedimentos relativamente dirimentes do CÓDIGO CIVIL1916 não mais como impedimentos, mas como casos de invalidade relativa do casamento (art.1550);

f) substituição dos antigos impedimentos impedientes ou meramente proibitivos pelas causas suspensivas (art.1523);

g) exigência da homologação da habilitação para o casamento pelo juiz (art.1526);

h) casamento por procuração mediante instrumento público, com validade restrita a 90 dias;

i) consolidação da igualdade dos cônjuges, aos quais compete à direção da sociedade conjugal, com o desaparecimento da figura o chefe de família (art.1565 e 1567) e

j) oficialização do termo sobrenome e possibilidade de adoção do utilizado pelo outro por qualquer dos nubentes (art.1565).

Habilitação para o casamento

Consiste na apresentação de documento para o oficial de cartório do Registro Civil de Pessoas Naturais. Agora é também necessário à homologação do Juiz.

Os documentos necessários estão arrolados nos incisos do art.1.525 do Código Civil.

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Impedimentos para o casamento

Os requisitos essenciais do casamento são diferença de sexo, consentimento e celebração na forma da lei. Faltando qualquer deles o casamento é inexistente.

Porém, outros requisitos devem ser observados para a validade e regularidade do casamento. A sua inobservância fulmina de nulidade o ato.

a) Impedimento dirimente absoluto (público) — a penalidade aqui é a nulidade do casamento (art.1.521 do Código Civil);

b) Impedimento dirimente relativo (privado, particular ou relativo) — a sanção aqui é a anulabilidade do casamento (art.1.550 do Código Civil);

c) Causas Suspensivas — a sanção aqui consiste na perda do direito de escolher o regime de bens, devendo se casar pelo regime da Separação Legal Obrigatória de Bens (art.1.523 Código Civil).

Celebração do casamento

Deve ser pública e seguir os requisitos previstos no Código Civil. Quais os efeitos do descumprimento?

Efeitos do casamento

É necessário nesse ponto frisar dois institutos: o casamento putativo e a posse do estado de casado.

REGIME MATRIMONIAL

SUCESSÃO

Trata-se de recurso interposto contra acórdão exarado pelo TJ que deferiu pedido de habilitação de viúva como herdeira necessária. A questão resume-se em definir se o cônjuge sobrevivente — que fora casado com o autor da herança sob o regime da separação convencional de bens — participa da sucessão como herdeiro necessário em concorrência com os descendentes do falecido. No caso, a situação

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fática vivenciada pelo casal, declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal, é a seguinte: cuida-se de um casamento que durou dez meses;

quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; os nubentes escolheram, voluntariamente, casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.

Para a Min. Relatora, o regime de separação obrigatória de bens previsto no art.

1.829, I, do CC/2002 é gênero que agrega duas espécies: a separação legal e a separação convencional. Uma decorre da lei; a outra, da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância. Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário. Entendimento em sentido diverso suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829, I, e 1.687 do CC/2002, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos. Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação do regime de bens pactuado. Se o casamento foi celebrado pelo regime da separação convencional, significa que o casal escolheu — conjuntamente — a separação do patrimônio. Não há como violentar a vontade do cônjuge — o mais grave — após sua morte, concedendo a herança ao sobrevivente com quem ele nunca quis dividir nada, nem em vida. Em tais situações, haveria, induvidosamente, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem. Seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio, o

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qual, recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria. Assim, o regime de separação de bens fixado por livre convenção entre a recorrida e o falecido está contemplado nas restrições previstas no art. 1.829, I, do CC/2002, em interpretação conjugada com o art. 1.687 do mesmo código, o que retira da recorrida a condição de herdeira necessária do autor da herança em concorrência com os recorrentes.

REsp 992.749-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/12/2009.

A UNIÃO ESTÁVEL: JUNTADO COM FÉ CASADO É?

É a união entre homem e mulher com o objetivo de constituição de família em relacionamento na forma livre, pública, duradoura e contínua. O concubinato (Artigo 1727 Código Civil) é diferente da União estável. Quem vive em com concubinato é impedido de casar, e é difícil a determinação dos efeitos jurídicos.

Vejamos o texto legal:

“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar à união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. ”

Características da união estável

• Diversidade de sexos;

• Objetivo de constituição de família;

• Publicidade;

• Coabitação;

• Continuidade no relacionamento;

• Durabilidade.

Aspectos eficaciais da união estável

Art. 1.724, Código Civil: APLICABILIDADE CONJUNTA COM O ART. 1.566.

DISTINÇÃO ENTRE LEALDADE E FIDELIDADE: POSIÇÃO DE MARIA BERENICE DIAS.

CASO

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Contrato de convivência

JOSÉ DOS ANZOIS, brasileiro, separado, industrial, portador da cédula de identidade de número MG —???????? expedida pela Secretaria de Segurança de Minas Gerais, e CPF de número?????????????, e MARIA DAS GRAÇAS, brasileira, divorciada, secretária, portadora da cédula de identidade de número M-

??????????, expedida pela Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais, e CPF de número???????????, com endereço comum de residência à Avenida das abóboras, 000, apto. 0000, no Bairro Azul, em Belo Horizonte, ambos no pleno gozo de suas faculdades mentais e físicas, atendidos os termos e a faculdade inserta no artigo 5º da Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, desejando regular e definir os reflexos patrimoniais que possam advir da relação de convivência duradoura entre os contratantes, resolveram estabelecer cláusulas e condições reciprocamente outorgadas e aceitas, a que se obrigarão, conforme a seguir articulam:

1. DO CONVIVENTE VARÃO

1.1. O Convivente Varão é separado, desde 32 de janeiro de l900, embora separado de fato há mais tempo, com averbação respectiva, assento nº 1111, folha 111, do livro 11, conforme certidão expedida pelo Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Nova York-MG,

1.2. O Convivente Varão é filho de José Pescador, falecido, e de Maria Alegria, possuindo 06 (seis) filhos maiores do antigo casamento e não possuindo filhos do atual relacionamento.

1.3. O Convivente Varão possui os seguintes bens e direitos patrimoniais:

a) APARTAMENTO de número 1111, e sua respectiva fração ideal, sito a Av.

do Sol, nº 1.111, Bairro Paris, em Belo Horizonte, havido por compra e venda de Tereza dos Anjos, matrícula 11.111 do Cartório do 1º Ofício do Registro de Imóveis desta Comarca;

b) CASA sito a Avenida do Sol, nº 222, Bairro Paris, em Belo Horizonte, havido por compra e venda de Tereza dos Santos, matrícula 22222 do Cartório do 2º Ofício do Registro de Imóveis desta Comarca;

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c) LOTE de terreno, de nº 333, da quadra 33, do Bairro Paris, em Belo Horizonte, havido por compra e venda de Tereza de Deus, matrícula 333333 do Cartório do 3º Ofício do Registro de Imóveis desta Comarca;

d) VEÍCULO marca Ford, modelo Tatata, ano 1999, Placa KKK 4444, Adquirido de Jota Veículos, conforme certificado nº 4444444, expedido pelo DETRAN — MG;

2. DA CONVIVENTE VIRAGO

2.1. A Convivente Virago é divorciada, desde 13 de agosto de 1920, com averbação respectiva, assento nº 55555, folha 55, do livro 555-B, conforme certidão expedida pelo Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais do Quinto Subdistrito de Belo Horizonte-MG.

2.2. A Convivente Virago tem quatro filhas do antigo casamento, todas maiores, não tem ascendentes vivos e não tem filhos do atual relacionamento.

2.3. A Convivente Virago possui os seguintes bens e direitos patrimoniais:

a) APARTAMENTO de número 666 do Edifício Bibi, sito à rua Babá, nº 666, matriculado sob o nº 66666, no Cartório do 6º Oficio do Registro de Imóveis de Belo Horizonte, ora em fase de registro da compra e venda;

b) LOTE de Terreno de número 77, da quadra 777, do Bairro Kaka, em Belo Horizonte, registro em andamento, havida por herança de sua mãe, Marta de Tal, conforme partilha julgada por sentença, processo 7777777, que tramitou perante a 7a. Vara de Sucessões e Ausência da Comarca de Belo Horizonte;

c) JAZIGO do Cemitério do Bonfim, Quadra 88, Carneiro, 888, em Belo Horizonte, havida por herança de sua mãe, Marta de Tal, conforme partilha julgada por sentença, processo 88888888, que tramitou perante a 8ª. Vara de Sucessões e Ausência da Comarca de Belo Horizonte;

3. CONVÍVIO CONSORCIAL — INÍCIO

3.1. Os Conviventes uniram-se em convívio consorcial desde de 00 de janeiro de l900, e até a presente data o relacionamento não sofreu qualquer interrupção.

4. RELAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA

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4.1. Os Conviventes têm atividades econômicas próprias, com renda satisfatória, e não dependem econômico financeiramente um do outro.

5. ADMINISTRAÇÃO DO LAR

5.1. Os Conviventes manterão conjuntamente a administração do lar comum, com a divisão harmônica dos encargos financeiros na proporção que melhor atender os interesses das partes, considerada a situação econômico financeira individual de cada um, sempre consensualmente mensurados e avaliadas à época.

6. INCOMUNICABILIDADE DE BENS E RENDAS

6.1. Fica estabelecido que os bens e direitos que cada um dos Conviventes possui individualmente, e suas rendas respectivas, não se comunicarão em qualquer hipótese, razão pela qual, ainda, cada qual administrará diretamente seu patrimônio pessoal.

6.2. Os bens e direitos futuros que qualquer dos Conviventes vier a adquirir em seu nome, também não se comunicarão em nenhuma hipótese, razão pela qual, ainda, cada um dos Conviventes administrará, individualmente, o que vier a lhe pertencer a qualquer título.

6.3. Os saldos bancários, as aplicações financeiras e os créditos e débitos de qualquer natureza, presente e futuros, também não se comunicarão em nenhuma hipótese, ficando cada um dos Conviventes com a responsabilidade individual de movimentação e administração de seus respectivos negócios financeiros.

6.4. Na hipótese da aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel, para o qual ambos os Conviventes hajam contribuído financeiramente, constará do documento respectivo, escritura ou promessa de compra e venda, o percentual de participação e propriedade de cada um. Tratando-se de bem móvel, em que não haja possibilidade de constar à proporção da participação de cada um, os Conviventes o estabelecerão em documento à parte para que seja registrado e arquivado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos desta Comarca.

7. DURAÇÃO DO PRESENTE CONTRATO

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7.1. O presente contrato vigerá enquanto durar a união entre os contratantes, salvo a hipótese de aditamento ou alteração de suas cláusulas mediante instrumento escrito e, da mesma forma, livre e reciprocamente estipulado e aceito.

7.2. As eventuais alterações do presente instrumento, depois de formalizadas e reconhecidas as firmas dos signatários, deverão ser registradas e arquivadas no Cartório de Títulos e Documentos desta Comarca.

7.3. A eventual modificação ou revogação das leis que regem a matéria, ora vigentes, não alterarão os efeitos e objetivos da presente avença e manifestação de vontade dos Conviventes.

8. FORO CONTRATUAL

8.1. Para dirimir eventuais dúvidas originárias da interpretação do presente instrumento, se necessário, nomeiam os contratantes Conviventes o foro da comarca de Belo Horizonte, renunciando a qualquer outro por mais privilegiado que seja e por estarem justos e contratados, resolveram mandar lavrar o presente Contrato Particular que estabelece condições patrimoniais em face da relação de convivência duradoura prevista na Lei 9.278/96, que assinam na presença das testemunhas abaixo nominadas, para que produza seus jurídicos e legais efeitos.

Cidade, José dos Anzóis, Maria das Graças e duas testemunhas. ”

O BOM FILHO A CASA TORNA...

PARENTALIDADE

Família Monoparental: proteção constitucional. Critérios de determinação de parentalidade: critério jurídico, biológico e sócio afetivo. Distinção entre parentalidade e direito ao conhecimento da herança genética. Os efeitos são distintos.

Na tradição do direito de família brasileiro, o conflito entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva sempre se resolveu em benefício da primeira. Em verdade, apenas recentemente a segunda passou a ser cogitada seriamente pelos juristas, como categoria própria, merecedora de construção adequada. Em outras áreas do conhecimento, que têm a família como objeto de investigação, a exemplo da

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sociologia, da psicanálise, da antropologia, a relação entre pais e filhos fundada na afetividade sempre foi determinante para sua identificação.

No direito, a verdade biológica converteu-se na “verdade real” da filiação em decorrência de fatores históricos, religiosos e ideológicos que estiveram no cerne da concepção hegemônica da família patriarcal e matrimonializada e da delimitação estabelecida pelo requisito da legitimidade. Legítimo era o filho biológico, nascido de pais unidos pelo matrimônio; os demais seriam ilegítimos. Ao longo do século XX, a legislação brasileira, acompanhando uma linha de tendência ocidental, operou a ampliação dos círculos de inclusão dos filhos ilegítimos, com redução de seu intrínseco quantum despótico, comprimindo o discrime até ao seu desaparecimento, com a Constituição de 1988. Com efeito, se todos os filhos são dotados de iguais direitos e deveres, não mais importando sua origem, perdeu qualquer sentido o conceito de legitimidade nas relações de família, que consistiu no requisito fundamental da maioria dos institutos do direito de família. Por consequência, relativizou-se o papel fundador da origem biológica.

Ao mesmo tempo em que o direito de família sofreu tão intensas transformações, em seu núcleo estrutural, consolidou-se a refinada elaboração dos direitos da personalidade, nas últimas décadas, voltados à tutela do que cada pessoa humana tem de mais seu, como atributos inatos e inerentes, alcançando-se o que Pontes de Miranda denominou “um dos cimos da dimensão jurídica”. São dois universos distintos, pois o direito de família volta-se aos direitos e deveres das pessoas, hauridos do grupo familiar, e os direitos da personalidade aos que dizem com a pessoa em si, sem relação originária com qualquer outra ou com grupo. A origem genética da pessoa, tendo perdido seu papel legitimador da filiação, máxima na Constituição, migrou para os direitos da personalidade, com finalidades distintas.

O estado de filiação desligou-se da origem biológica e de seu consectário, a legitimidade, para assumir dimensão mais ampla que abranja àquela e qualquer outra origem. Em outras palavras, o estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a filiação não biológica. Daí é de se repelir o entendimento que toma corpo nos tribunais brasileiros de se confundir estado de filiação com origem biológica, em grande medida em virtude do fascínio enganador exercido pelos avanços científicos em torno do DNA. Não há qualquer fundamento jurídico para tal desvio hermenêutico restritivo, pois a Constituição estabelece

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exatamente o contrário, abrigando generosamente o estado de filiação de qualquer natureza, sem primazia de um sobre outro.

Na realidade da vida, o estado de filiação de cada pessoa humana é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, ainda que derive biologicamente dos pais, na maioria dos casos. Portanto, não pode haver conflito com outro que ainda não se constituiu. Os argumentos a seguir expendidos prosseguem na mesma linha traçada em trabalhos anteriores, que publicamos. Nos últimos anos, divisamos dois marcos essenciais para a solução do eventual conflito entre filiação biológica e filiação não biológica: a Constituição de 1988 e a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20.11.1989, e com força de lei no Brasil mediante o Decreto Legislativo nº 28, de 24.9.1990, e o Decreto Executivo nº 99.710, de 21.11.1990. Da Constituição derivam o estado de filiação biológico e não-biológico e o direito da personalidade a origem genética e da Convenção a solução do conflito pela aplicação do princípio do melhor interesse do filho, que significou verdadeiro giro de Copérnico, na medida em que a primazia do interesse dos pais foi transferida para o do filho.

Estados de filiação biológica e não biológica

Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é considerada filha da outra (pai ou mãe). O estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. O filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de maternidade, em relação a ele.

Na doutrina, o estado de filiação não tem merecido o tratamento devido, sem embargo de sua evidente essencialidade, salvo quando se cuida do estado de fato, na modalidade de posse de estado, ou do reconhecimento voluntário ou forçado.

Todavia, são situações que têm por fito comprovar a existência de estado de filiação, quando este seja objeto de dúvida ou litígio.

O estado de filiação constitui-se ope legis ou em razão da posse de estado, por força da convivência familiar (a fortiori, social), consolidada na afetividade.

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Nesse sentido, a filiação jurídica é sempre de natureza cultural (não necessariamente natural), seja ela biológica ou não biológica.

No direito brasileiro atual, com fundamento no art. 227 da Constituição e nos arts. 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, consideram-se estados de filiação ope legis:

a) filiação biológica em face de ambos os pais, havida de relação de casamento ou da união estável, ou em face do único pai ou mãe biológicos, na família monoparental;

b) filiação não-biológica em face de ambos pais, oriunda de adoção regular;

ou em face do pai ou da mãe que adotou exclusivamente o filho; e

c) filiação não-biológica em face do pai que autorizou a inseminação artificial heteróloga.

Nessas hipóteses, a convivência familiar e a afetividade são presumidas, ainda que de fato não ocorram. Se qualquer forma, a convivência familiar e a afetividade constroem e consolidam diuturnamente os respectivos estados de filiação, passando a ditar-lhes os contornos. Em qualquer dessas hipóteses, o estado de filiação poderá ser substituído, em razão de adoção superveniente do filho por outros pais. Os estados de filiação não-biológica referidos nas alíneas b e c são irreversíveis e invioláveis, não podendo ser contraditados por investigação de paternidade ou maternidade, com fundamento na origem biológica, que apenas poderá ser objeto de pretensão e ação com fi ns de tutela de direito da personalidade.

Estado de filiação derivado de inseminação artificial heteróloga

A inseminação artificial heteróloga, prevista no art. 1.597, V, do Código Civil, dá-se quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente doador anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. A lei não exige que o marido seja estéril ou que, por qualquer razão física ou psíquica, não possa procriar.

A única exigência é que tenha o marido previamente autorizado a utilização de sêmen estranho ao seu. A lei não exige que haja autorização escrita, apenas que seja “prévia”, razão porque pode ser verbal e comprovada em juízo como tal.

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Por linhas invertidas, a tutela legal desse tipo de concepção vem fortalecer a natureza fundamentalmente socioafetiva, e não biológica, da filiação e da paternidade. Se o marido autorizou a inseminação artificial heteróloga, não poderá negar a paternidade, em razão da origem genética, nem poderá ser admitida investigação de paternidade, com idêntico fundamento, máxime em se tratando de doadores anônimos.

Nos Estados Unidos, o Uniform Parantage Act, de 1973 e 1987, estabelece que “se, sob a supervisão de um médico habilitado e com o consentimento do marido, a mulher for inseminada artificialmente com sêmen doado por um outro homem, o marido é considerado legalmente como se fosse o pai natural da criança concebida. O consentimento deve ser escrito pelo marido e pela mulher”. Toda a documentação relativa à inseminação será mantida pelo médico responsável, sujeita à inspeção judicial. O Uniform Status of Children of Assisted Conception Act, de 1988/1997, estabelece que o dador do sêmen ou do óvulo “não é parente da criança concebida mediante concepção assistida”. O art. 311-20 do Código Civil francês estabelece que o consentimento dado em procriação medicamente assistida interdita toda ação de contestação ao estado de filiação decorrente.

Para Maria Helena Diniz, se fosse admitida a impugnação da paternidade, haveria uma paternidade incerta, devido ao segredo profissional médico e ao anonimato do doador do sêmen inoculado na mulher.

A Corte de Cassação italiana já decidiu nessa linha de entendimento, que “o marido que tinha validamente concordado ou manifestado prévio consentimento à fecundação heteróloga não tem ação para contestar a paternidade da criança nascida em decorrência de tal fecundação”. A decisão ressalta a natureza de “pai de direito”, afirmando que o favor veritatis não é um valor absoluto, pois não pode comprometer posições dotadas de tutela primária.

Posse do estado de filiação

A posse do estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais6, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a

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exteriorização da convivência familiar e da afetividade, segundo as características adiante expostas, devendo ser contínua.

Trata-se de conferir à aparência os efeitos de verossimilhança, que o direito considera satisfatória. No direito anterior, a posse do estado de filiação apenas era admitida, para fins de prova e suprimento do registro civil, se os pais convivessem em família constituída pelo casamento, ou seja, para a filiação considerada legítima.

Em virtude do art. 226 da Constituição Federal, outras entidades familiares como a união estável e a família monoparental podem servir de fundamento para a posse do estado de filiação.

Ainda que mantenha a redação do Código Civil de 1916, o art. 1.605 do Código Civil de 2002, por seu enunciado genérico, abrange todas as hipóteses existenciais que se apresentam nos arranjos familiares de posse de estado de filiação, ante a falta ou defeito do termo de nascimento. Essa norma não se refere nem poderia se referir à origem biológica, bastando à aparência dos papéis sociais de pais e filho, “quando houver começo de prova por escrito” ou “quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”.

As presunções “veementes” são verificadas em cada caso, dispensando-se outras provas da situação de fato. O Código brasileiro não indica sequer exemplificadamente, as espécies de presunção, ou a duração, o que nos parece à orientação melhor. Por seu turno, o Código Civil francês, art. 311-2, na atual redação, apresenta as seguintes espécies não taxativas de presunção de estado de filiação, não sendo necessária à reunião delas:

a) quando o indivíduo porta o nome de seus pais;

b) quando os pais o tratam como seu filho, e este àqueles como seus pais;

c) quando os pais proveem sua educação e seu sustento;

d) quando ele é assim reconhecido pela sociedade e pela família;

e) quando a autoridade pública o considere como tal.

Na experiência brasileira, configuram posse de estado de filiação a adoção de fato, em que muitas vezes se converte a guarda, os filhos de criação e a chamada

“adoção à brasileira”.

Essa reconfiguração da posse do estado de filiação, no sentido do

“nascimento da verdade sociológica” (dizemos socioafetiva), de um conteúdo afetivo

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e social profundo, cuja ruptura prejudicaria o interesse do filho, foi bem destacada na doutrina estrangeira:

Ninguém estranharia que o conceito de posse de estado ganhasse um conteúdo particular e dirigido à finalidade de que se trata. Em vez de um índice de filiação biológica ela serviria para consolidar um vínculo meramente afetivo, sociológico, para exprimir a criação de uma família cuja estabilidade a lei resolveria proteger no interesso do filho e no interesse social.

“Adoção à brasileira” e a verdade do registro civil

Questão delicada diz respeito ao que se convencionou chamar de “adoção à brasileira”. Dá-se com declaração falsa e consciente de paternidade e maternidade de criança nascida de outra mulher, casada ou não, sem observância das exigências legais para adoção. O declarante ou declarantes são movidos por intuito generoso e elevado de integrar a criança à sua família, como se a tivessem gerado.

Contrariamente à lei, a sociedade não repele tal conduta; exalça-a. Nessas hipóteses, ainda que de forma ilegal, atende-se ao mandamento contido no art. 227 da Constituição, de ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança o direito “à convivência familiar”, com “absoluta prioridade”, devendo tal circunstância ser levado em conta pelo aplicador, ante o conflito entre valores normativos (de um lado o atendimento à regra matriz de prioridade da convivência familiar, de outro lado os procedimentos legais para que tal se dê, que não foram atendidos). Outrossim, a invalidade do registro assim obtido não pode ser considerada quando atingir o estado de filiação, por longos anos estabilizados na convivência familiares.

Alerta João Baptista Villela que se o registro diz que B é filho de A e A não é efetivamente o procriador genético de B, o registro não conteria necessariamente uma falsidade, pois ele é o espelho das relações sociais de parentesco. Na Constituição se colheriam o compromisso da República Federativa do Brasil com a solidariedade, a fraternidade, o bem-estar, a segurança, a liberdade, etc., estando essas opções axiológicas muito mais para uma ideia da paternidade fundada no amor e o no serviço do que para a sua submissão aos determinismos biológicos.

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Verdade e falsidade no registro civil e na biologia têm parâmetros diferentes.

Um registro é sempre verdadeiro se estiver conciliado com o fato jurídico que lhe deu origem. E é sempre falso na condição contrária. A chamada verdade biológica se for o caso de invocá-la ou fazê-la prevalecer, tem um diverso teatro de operações: o das definições judiciais ou extrajudiciais. Para que chegue ao registro tem de converter-se em fato jurídico, o que, no tocante à natureza da filiação, supõe sempre um ato de vontade — pessoa, se for do declarante; política, se for da autoridade — e, portanto, um exercício de liberdade. Um cidadão que comparece espontaneamente a um cartório e registra, como seu filho, uma vida nova que veio ao mundo, não necessita qualquer comprovação genética para ter sua declaração admitida.

Afetividade como direito e dever jurídicos

A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui entre um pai ou uma mãe e seus filhos. A afetividade, cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que buscam explicar as relações familiares contemporâneas.

O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar e não do sangue. A história do direito à filiação confunde-se com o destino do patrimônio familiar, visceralmente ligado à consanguinidade legítima. Por isso, é a história da lenta emancipação dos filhos, da redução progressiva das desigualdades e da redução do quantum despótico, na medida da redução da patrimonialização dessas relações.

O desafio que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam com o direito de família, é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou patrimonial.

Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis,

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é a condição primeira de adequação do direito à realidade social e aos fundamentos constitucionais.

Como diz Eduardo de Oliveira Leite, as indagações doutrinárias mais recentes têm insistido, de forma cada vez mais frequente e firme, que a filiação não é somente fundada sobre os laços de sangue; o vínculo sanguíneo determina, para a grande maioria dos pais, um laço fundado sobre a vontade da aceitação dos filhos.

Logo, a vontade individual é a sequência ou o complemento necessário do vínculo biológico.

Homenageando a filiação socioafetiva, em promissora linha de tendência da jurisprudência brasileira, assim decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná:

1. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula nº 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade.

2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada ‘’adoção à brasileira’’ (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer à solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana.

3. A paternidade sócio afetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular ‘’adoção à brasileira’’, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado.

Fundamentação constitucional e no Código Civil

Encontra-se na Constituição brasileira vários fundamentos do estado de filiação geral, que não se resume à filiação biológica:

a) Todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º);

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b) A adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);

c) A comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); não é relevante a origem ou existência de outro pai (genitor)

d) O direito à convivência familiar, e não a origem genética, constitui prioridade absoluta da criança e o do adolescente (art. 227, caput).

e) Impõe-se a todos os membros da família o dever de solidariedade, uns com os outros, dos pais para os filhos, dos filhos para os pais, e todos com relação aos idosos (arts. 229 e 230).

Em suma, a Constituição não oferece qualquer fundamento para a primazia da filiação biológica, pois amplo é seu alcance. A primazia não está na Constituição, mas na interpretação equivocada que tem feito fortuna, como se o paradigma da filiação não tivesse sido transformado. Até mesmo no direito anterior, a filiação biológica era nitidamente recortada entre filhos legítimos e ilegítimos, a demonstrar que a origem genética nunca foi, rigorosamente, a essência das relações familiares.

O Código Civil reproduziu, em seu art. 1.596, a regra matriz do § 6º do art.

227 da Constituição, relativamente à igualdade entre filhos de qualquer natureza, superando o paradigma discriminatório da legitimidade, fundado na consanguinidade e na matrimonialidade. Outra norma geral superadora e inclusiva é o art. 1.593, que refere ao parentesco natural ou de “outra origem”. Uma das regras especiais mais incisivas, no rumo da superação da consanguinidade, foi o inciso V do art. 1.597, destinado à inseminação heteróloga, antes referida.

O critério do melhor interesse do filho para solução do conflito entre filiação biológica e não-biológica

No que concerne ao estado de filiação, deve-se ter presente que, além do mandamento constitucional de absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente (art. 227), a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da ONU, de 1989, passou a integrar o direito interno brasileiro desde 1990. O art. 3.1 da Convenção estabelece que todas as ações relativas aos menores devem considerar,

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primordialmente, “o interesse maior da criança”, abrangente do que a lei brasileira (ECA) considera adolescente. Por força da convenção deve ser garantida uma ampla proteção ao menor, constituindo a conclusão de esforços, em escala mundial, no sentido de fortalecimento de sua situação jurídica, eliminando as diferenças entre filhos legítimos e ilegítimos (art. 18) e atribuindo aos pais, conjuntamente, a tarefa de cuidar da educação e do desenvolvimento.

O princípio não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado. A aplicação da lei deve sempre realizar o princípio, consagrado, segundo Luiz Edson Fachin como “critério significativo na decisão e na aplicação da lei”, tutelando-se os filhos como seres prioritários. O desafio é converter a população infanto-juvenil em sujeitos de direito, “deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como os adultos, titular de direitos juridicamente protegidos”. O princípio está consagrado nos arts. 4° e 6° da Lei n. 8.069, de 1990 (ECA).

O princípio é um reflexo do caráter integral da doutrina dos direitos da criança e da estreita relação com a doutrina dos direitos humanos em geral. Assim, segundo a natureza dos princípios, não há supremacia de um sobre outro ou outros, devendo a eventual colisão resolver-se pelo balanceamento dos interesses, no caso concreto.

Nesse sentido, diz Miguel Cillero Brruñol que sendo as crianças partes da humanidade, “e seus direitos não se exerçam separada ou contrariamente ao de outras pessoas, o princípio não está formulado em termos absolutos, mas que o interesse superior da criança é considerado como uma ‘consideração primordial’. O princípio é de prioridade e não de exclusão de outros direitos ou interesses”. De outro ângulo, além de servir de regra de interpretação e de resolução de conflitos entre direitos, deve-se ressaltar que “nem o interesse dos pais, nem o do Estado pode se considerado o único interesse relevante para a satisfação dos direitos da criança”.

Valério Pocar e Paola Ronfani utilizam interessante figura de imagem para ilustrar a transformação do papel do filho na família: em lugar da construção piramidal e hierárquica, na qual o menor ocupava a escala mais baixa, tem-se a imagem de círculo, em cujo centro foi colocado o filho, e cuja circunferência é desenhada pelas recíprocas relações com seus genitores, que giram em torno

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daquele centro. Nos anos mais recentes, parece que uma outra configuração de família relacional está se delineando, em forma estelar, que tem ao centro o menor, sobre o qual convergem relações tanto de tipo biológico quanto de tipo social, com os seus dois genitores em conjunto ou separadamente, inclusive nas crises e separações conjugais.

O princípio inverte a ordem de prioridade: antes no conflito entre a filiação biológica e a não-biológica ou socioafetiva, resultante de posse de estado de filiação, a prática do direito tendia para a primeira, enxergando o interesse dos pais biológicos como determinantes, e raramente contemplando os do filho. De certa forma, condizia com a ideia de poder dos pais sobre os filhos e da hegemonia da consanguinidade-legitimidade. Menos que sujeito, o filho era objeto da disputa. O princípio impõe a predominância do interesse do filho, que norteará o julgador, o qual, ante o caso concreto, decidirá se a realização pessoal do menor estará assegurada entre os pais biológicos ou entre os pais não-biológicos. De toda forma, deve ser ponderada a convivência familiar, constitutiva da posse do estado de filiação, pois ela é prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, da Constituição Federal).

Pater is est — redirecionando da legitimidade para o estado de filiação em geral

A mudança do direito de família, da legitimidade para o plano da afetividade, redireciona a função tradicional da presunção pater is est. Destarte, sua função deixa de ser a de presumir a legitimidade do filho, em razão da origem matrimonial, para a de presumir a paternidade em razão do estado de filiação, independentemente de sua origem ou de sua concepção. A presunção da concepção relaciona-se ao nascimento, devendo este prevalecer.

Essa é a orientação adotada em legislações que recentemente alteraram o direito de filiação, privilegiando o nascimento em detrimento da concepção, como a da Alemanha (1997), segundo a qual se um homem for casado com a mãe no momento do nascimento da criança, então ele é pai da criança sem que deva haver outros requisitos. Deixaram de existir as presunções de coabitação e concepção. É decisiva somente a época de nascimento da criança. O homem casado com a mãe

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na época do nascimento é o pai mesmo que a criança tenha nascido durante a união conjugal, mas sido gerada antes do casamento. Ao contrário do § 1.591 al. 1 frase 2 BGB , ele é pai até mesmo se, conforme as circunstâncias, seja obviamente impossível que a mulher tenha concebido dele.

A contestação ou impugnação da paternidade são direitos personalíssimos, que radicam exclusivamente na iniciativa do marido da mãe. Ninguém, nem mesmo o filho ou a mãe, poderá impugnar a paternidade. O art. 1.601 do Código Civil, assim lido em conformidade com a Constituição, desloca a paternidade da origem biológica para o estado de filiação, de qualquer origem. Note-se que o artigo equivalente do Código Civil de 1916 referia-se à contestação da legitimidade dos filhos e não da paternidade, em si. Por sua vez, a legitimidade dos filhos fundava-se em dois fatores conjuntos, a saber, na família constituída pelo casamento (matrimonializada) e em terem-se originado biologicamente do marido da mãe.

A presunção pater is est reconfigura-se no estado de filiação, que decorre da construção progressiva da relação afetiva, na convivência familiar. Antes, presumia- se pai biológico o marido da mãe. Segundo Anne Lefebvre Teillard, citada por João Baptista Villela, o adágio pater is est atuou, por séculos, mantendo fortemente amarrado “o biológico ao institucional”, além de estar ancorado no pressuposto da fidelidade da mulher. Hoje, presume-se pai o marido da mãe que age e se apresenta como pai, independentemente de ter sido ou não o procriador. Como ressalta Villela, no processo de refinamento cultural do matrimônio constitui traço fundamental o encapsulamento da vida íntima na esfera interna da família. Assim, atribuir a paternidade ao marido da mulher não significa proclamar uma derivação biológica.

(...) A família não tem deveres de exatidão biológica perante a sociedade, pelo que, se a mulher prevarica e pare um filho que não foi gerado pelo seu marido, isso, tendencialmente, é matéria da economia interna da família. Pode ser um grave problema para o casal. Como pode não ser problema.

O pai biológico não tem ação contra o pai não-biológico, marido da mãe, para impugnar sua paternidade. Apenas o marido pode impugnar a paternidade quando a constatação da origem genética diferente da sua provocar a ruptura da relação paternidade-filiação. Se, apesar desse fato, forem mais fortes a paternidade afetiva e o melhor interesse do filho, enquanto menor, nenhuma pessoa ou mesmo o Estado

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poderão impugná-la para fazer valer a paternidade biológica, sem quebra da ordem constitucional e do sistema do Código Civil.

Sobre a imprescritibilidade do exercício da contestação da paternidade e da impugnação do estado de filiação

O Código Civil de 1916 estabelecia prazos prescritíveis curtos para que o marido da mãe pudesse contestar a paternidade, sendo de dois meses a partir do parto, se estivesse presente, e de três meses, se esteve ausente. A finalidade da lei era afirmar a presunção pater is est, no sentido de tutelar a família legítima, pois apenas admitia essa exceção para impugná-la, desde que a pretensão se exercesse em prazo curto. Sustentou-se na doutrina e na jurisprudência que tais prazos eram decadenciais ou preclusivos, atingindo não apenas a pretensão, mas o próprio direito, e não apenas prescritíveis. O Código Civil de 2002 adotou orientação totalmente oposta e problemática, optando pela imprescritibilidade.

O marido da mãe, e somente ele, poderá a qualquer tempo impugnar a paternidade derivada da presunção pater is est. Provavelmente, o que motivou o legislador foi à orientação adotada no direito brasileiro de serem imprescritíveis as pretensões relativas ao estado das pessoas. Todavia, ainda que imprescritível, a pretensão de impugnação não poderá ser exercida se fundada apenas na origem genética, em aberto conflito com o estado de filiação já constituído. Em outras palavras, para que possa ser impugnada a paternidade, independentemente do tempo de seu exercício, terá o marido da mãe que provar não ser o genitor, no sentido biológico (por exemplo, com resultado de exame de DNA) e, por esta razão, não ter sido constituído o estado de filiação, de natureza socioafetiva; e se foi o próprio declarante perante o registro de nascimento, comprovar que teria agido induzido em erro ou em razão de dolo ou coação.

A família, seja ela de que origem for, é protegida pelo Estado e por sua ordem jurídica (art. 226 da Constituição). Se a exclusividade da prova de inexistência de origem biológica pudesse ser considerada sufi ciente para o exercício da impugnação da paternidade, anos ou décadas depois de esta ser realizada e não questionada, na consolidação dos recíprocos laços de afetividade, com a inevitável implosão da família assim constituída, estar-se-ia negando a norma

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constitucional de proteção da família, para atender impulsos, alterações de sentimentos ou decisões arbitrárias do pai.

Pelos fundamentos jurídicos que informam o atual regime brasileiro da paternidade, o exercício imprescritível da impugnação pelo marido da mãe depende da demonstração, além da inexistência da origem biológica, de que nunca tenha sido constituído o estado de filiação.

O argumento, tantas vezes manejado, da possível derrogação do art. 362 do Código Civil de 1916 (estabelecia prazo decadencial de quatro anos para o filho impugnar o reconhecimento da paternidade, quando atingisse a maioridade), pelo art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, perdeu a consistência, pois o Código Civil de 2002 repetiu o mesmo conteúdo normativo anterior. Em verdade, as duas normas são harmônicas, cuidando de matérias distintas. O art. 27 do ECA assegura o caráter de direito personalíssimo “ao reconhecimento do estado de filiação” dos filhos havidos fora do casamento, qualquer que seja a origem (art. 26), ou seja, daqueles que ainda não tenham sido reconhecidos por ambos ou por um dos pais.

O art. 1.614 do Código Civil de 2002, ao contrário, disciplina a preservação do estado de filiação dos que já foram reconhecidos, conforme consta do registro.

Portanto, o art. 27 do ECA nunca permitiu a impugnação do estado de filiação dos que já se encontravam reconhecidos, contra o qual só pode haver impugnação do próprio pai (art. 1.601) ou do filho, no prazo de quatro anos após a maioridade (art.

1.614).

Afinal qual é a verdade real da filiação?

A verdade biológica nem sempre é a verdade real da filiação. O direito deu um salto à frente do dado da natureza, construindo a filiação jurídica com outros elementos. A verdade real da filiação surge na dimensão cultural, social e afetiva, donde emerge o estado de filiação efetivamente constituído. Como já vimos, tanto o estado de filiação ope legis quanto à posse de estado de filiação podem ter origem biológica ou não.

Para o registro do filho, o declarante não precisa fazer prova da origem biológica; nem seria obrigado a fazê-lo, pois impediria a filiação de outra natureza. O

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registro produz uma presunção de filiação quase absoluta, pois apenas pode ser invalidado se provar que houve erro ou falsidade (art. 1.604 do Código Civil). A declaração do nascimento do filho, feita pelo pai, é irrevogável. Ao pai cabe apenas o direito de contestar a paternidade, se provar, conjuntamente, que esta não se constituiu por não ter sido o genitor biológico e não ter havido estado de filiação estável.

Como diz Gerard Cornu, a verdade biológica não reina absoluta sobre o direito da filiação, porque esta incorpora, necessariamente, um conjunto de outros interesses e valores. Para ele, confundir verdade real da filiação com verdade biológica, é um entendimento “reducionista, cego, demagógico e decepcionante”, engendrando “um direito biológico totalitário, além de um pseudodireito subjetivo ilusório e nefasto”.

Esclarece João Baptista Villela que o registro não exprime um evento biológico, pois compete ao oficial recolher uma manifestação de vontade. Ele exprime um acontecimento jurídico.

A qualificação da paternidade ou a omissão dela dependerá, de um modo ou de outro, de um fato do direito: estar ou não casada à mãe, sentença que estabeleça ou desconstitua a paternidade, reconhecimento voluntário, etc. Ao registro não interessa a história natural das pessoas, senão apenas sua história jurídica. Mesmo que a história jurídica tenha sido condicionada pela história natural, o que revela o registro é aquela e não esta.

Na Jornada de Direito Civil, levada a efeito no Superior Tribunal de Justiça, nos dias 11 a 13 de junho de 2002, aprovou-se proposição no sentido de que “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva”.

Não pode o autor da declaração falsa vindicar a invalidade do registro do nascimento, conscientemente assumida, porque violaria o princípio assentado em nosso sistema jurídico de venire contra factum proprium nulli conceditur. Sem razão o Tribunal de Justiça de São Paulo (AC 130.334-4 — Marília — 1ª CDPriv — Rel.

Des. Guimarães e Souza — 14.12.1999), ao decidir que a existência de vício do ato jurídico pode ser alegada a qualquer tempo até mesmo pelo autor da falsidade. A contestação, nesse caso, terá de estar fundada em hipótese de invalidade dos atos jurídicos, que o direito acolhe, tais como erro, dolo, coação. Na dúvida deve

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prevalecer o estado de filiação socioafetiva, consolidada na convivência familiar, considerada prioridade absoluta em favor da criança pelo art. 227 da Constituição Federal.

No contexto atual, em conformidade com a Constituição Federal, o art. 1.604 do Código Civil reforça a primazia do estado de filiação sobre a origem genética.

Nesse sentido, a norma deve ser interpretada em consonância com os artigos 1.596, 1.597, 1.601 e 1.614, todos do Código Civil. É quase absoluta a presunção da filiação derivada do registro do nascimento, pois apenas é afastada nas hipóteses de erro ou falsidade, não sendo admissível qualquer outro fundamento. O registro do nascimento é a prova capital do nascimento e da filiação materna e paterna. No caso do pai, reforça a presunção pater is est. Não é totalmente absoluta porque pode ser retificada, por decisão judicial, ou invalidada em virtude de prova de erro ou falsidade. A norma é cogente ao proclamar que ninguém poderá vindicar estado contrário ao que resulta do registro do nascimento. Refere ao estado de filiação e aos decorrentes estados de paternidade e maternidade. A vedação alcança qualquer pessoa, incluindo o registrado e as pessoas que constam como seus pais. No Código Civil de 1916 a norma equivalente (art. 348) tinha por fito a proteção da família legítima, que não deveria ser perturbada com dúvidas sobre a paternidade atribuída ao marido da mãe. A norma atual, no contexto legal inaugurado pela Constituição Federal, contempla a proteção do estado de filiação e paternidade, retratada no registro.

Direito à origem genética como direito da personalidade, sem vínculo com o estado de filiação

O estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho, constitui fundamento essencial da atribuição de paternidade ou maternidade. Nada tem a ver com o direito de cada pessoa ao conhecimento de sua origem genética. São duas situações distintas, tendo a primeira natureza de direito de família e a segunda de direito da personalidade. As normas de regência e os efeitos jurídicos não se confundem nem se interpenetram.

Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de investigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é

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assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir à paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes biológicos paternos do que foi gerado por doador anônimo de sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga. São exemplos como esses que demonstram o equívoco em que laboram decisões que confundem investigação da paternidade com direito à origem genética.

Em contrapartida, toda pessoa humana tem direito inalienável ao estado de filiação, quando não o tenha. Apenas nessa hipótese, a origem biológica desempenha papel relevante no campo do direito de família, como fundamento do reconhecimento da paternidade ou da maternidade, cujos laços não se tenham constituído de outro modo (adoção, inseminação artificial heteróloga ou posse de estado). É inadmissível que sirva de base para vindicar novo estado de filiação, contrariando o já existente.

Como já tivemos oportunidade de afirmar alhures, a evolução do direito conduz à distinção, que já se impõe, entre pai e genitor ou procriador. Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família. Ao ser humano, concebido fora da comunhão familiar dos pais socioafetivos, e que já desfruta do estado de filiação, deve ser assegurado o conhecimento de sua origem genética, ou da própria ascendência, como direito geral da personalidade, como decidiu o Tribunal Constitucional alemão em 1997, mas sem relação de parentesco ou efeitos de direito de família tout court. Nesse sentido, dispõe a lei francesa nº 2002-93, de 22 de janeiro de 2002, sobre o acesso às origens das pessoas adotadas e dos “pupilos do Estado” (filhos de pais desconhecidos ou que perderam o poder familiar, enquanto aguardam inserção em família substituta). A lei francesa tem por fito a necessidade das informações sobre a sanidade, identidade e as condições genéticas básicas, no interesse dos menores, para que possam utilizá-los, principalmente quando adquirirem a maioridade, ou de seus descendentes, para fins de saúde pública e dos próprios, sem qualquer finalidade de parentesco legal. O Direito espanhol, ao admitir excepcionalmente a revelação da identidade do doador

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do material fecundante, expressamente exclui qualquer tipo de direito alimentar ou sucessório entre o indivíduo concebido e o genitor biológico. Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar sua origem biológica para que, identificando seus ascendentes genéticos, possa adotar medidas preventivas para preservação da saúde e, a fortiori, da vida. Esse direito é individual, personalíssimo, não dependendo de ser inserido em relação de família para ser tutelado ou protegido. Uma coisa é vindicar a origem genética, outra a investigação da paternidade. A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da origem (biológica ou não). O avanço da biotecnologia permite, por exemplo, a inseminação artificial heteróloga, autorizada pelo marido (art. 1.597, V, do Código Civil), o que reforça a tese de não depender a filiação da relação genética do filho e do pai. Nesse caso, o filho pode vindicar os dados genéticos de doador anônimo de sêmen que constem dos arquivos da instituição que o armazenou, para fins de direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com escopo de atribuição de paternidade. Conseqüentemente, é inadequado o uso da ação de investigação de paternidade, para tal fim.

Os desenvolvimentos científicos, que tendem a um grau elevadíssimo de certeza da origem genética, pouco contribuem para clarear a relação entre pais e filho, pois a imputação da paternidade biológica não determina a paternidade jurídica. O biodireito depara-se com as consequências da dação anônima de sêmen humano ou de material genético feminino. Nenhuma legislação até agora editada, nenhuma conclusão da bioética, apontam para atribuir a paternidade aos que fazem dação anônima de sêmen aos chamados bancos de sêmen de instituições especializadas ou hospitalares. Em suma, a identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo.

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ADMIRÁVEL MUNDO NOVO: A REPROGENÉTICA NAS RELAÇÕES DE FILIAÇÃO

Ação de investigação de paternidade.

Características:

Referências

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