• Nenhum resultado encontrado

A CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

A CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA

Autora: Luiza Medina Tavares1

O presente trabalho é fruto de minha experiência como psicóloga, exercendo a função de acompanhante terapêutica (at) no Serviço de Internação de Agudos Feminino do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba (SIAF – HPJ), situado no município de Niterói – RJ.

Há 14 anos vem-se desenvolvendo no interior das enfermarias de crise do HPJ o trabalho do Acompanhamento Terapêutico (AT). Este hospital está inserido na rede de saúde mental do município de Niterói, sendo mais um dispositivo de cuidado além dos CAPS II (Centro de Atenção Psicossocial), CAPS AD (Álcool e outras Drogas), CAPSi (Infantil), Residências Terapêuticas, Ambulatórios de Saúde Mental e Centro de Convivência.

O formato do AT no interior das enfermarias masculina e feminina veio ao longo dos anos sofrendo algumas mudanças. Recentemente, trabalhavam-se 7 ats, cada um com 3 plantões/semana (2 plantões diurnos de 6h e 1 plantão noturno de 12h) totalizando um acompanhamento terapêutico integral ( 24h do dia, em todos os dias da semana). No SIAF, os acompanhantes terapêuticos faziam parte de uma equipe multidisciplinar, composta por uma terapeuta ocupacional, três psicólogos, uma assistente social, duas psiquiatras, uma enfermeira, técnicos de enfermagem, residentes em psiquiatria e em saúde mental e, estagiários, todos responsáveis pelas 33 pacientes psicóticas (lotação máxima), em momento de intenso sofrimento psíquico.

1Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicanálise da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

(2)

Todos os acompanhantes terapêuticos eram psicólogos, mas isso não era um requisito, estava aberto a outras formações (enfermagem, serviço social, medicina, terapia ocupacional).

Poucos de outras formações permaneceram (serviço social e enfermagem), sendo o AT, então, exercido majoritariamente por psicólogos.

Pensar a prática do acompanhamento terapêutico dentro dos muros do hospital pode causar estranhamento. Essa prática veio sendo criada ao longo do movimento da luta antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica visando o fora da internação, com a proposta de trazer a loucura enclausurada nos manicômios para a cidade, para o convívio, para o social. Desta maneira, o fora da internação configura outros destinos à loucura. “A cidade, e não mais o asilo, é o espaço em que a experiência da loucura requer ser acompanhada” (PALOMBINI, 2007, p.

131).

Mas, há que se perguntar por que, então, acompanhamento terapêutico no interior do hospital, na internação psiquiátrica? Anteriormente a essa pergunta, deve-se indagar sobre a existência de serviços de internação psiquiátrica em tempos de Reforma Psiquiátrica, onde há todo um movimento de instauração de serviços substitutivos, um investimento em dispositivos comunitários.

O recurso à internação ainda se faz imprescindível em determinados casos, em que “a clínica exige, às vezes, uma resposta do tipo ‘hospital’” (ZENONI, 1998, p. 164); onde “nenhum dos dispositivos extra-hospitalares consegue dar um suporte necessário à extrema gravidade da explosão psicótica da qual são alvo, levando-os ao limite de sofrimento, colocando-os, e aos que estão em torno, muitas vezes em risco extremo.” (BEZZ, 2008, p. 43). Entendendo que a internação deve ser tratada com fundamental importância no tratamento de alguns casos de psicose em seu estado agudo e que por isso requerem maior atenção e cuidado na abordagem, o

(3)

acompanhamento terapêutico se situa como um dispositivo clínico essencial nesse momento de intenso sofrimento psíquico.

Partindo da Psicanálise, como referência clínica e teórica, o AT se situa num entre, numa posição de intermediação entre o sujeito psicótico, em situação de crise, de intenso sofrimento e a possibilidade de (re)construção de laço social e de reestruturação da sua experiência vivida.

Destaca-se que o sujeito psicótico internado, no momento da crise e, consequentemente, de rompimento, tanto psíquico quanto dos laços sociais/familiares, pode encontrar na clínica do acompanhamento terapêutico, um lugar para a expressão da voz, da palavra, da escolha e da possibilidade de reconstrução da sua experiência.

Obedecendo aos tempos das refeições, banhos e medicações, a estática rotina das pacientes na internação traduz algo de uma homogeneização. Às 8h as pacientes são chamadas para tomar a medicação e o café. Em seguida, são encaminhadas ao banho. Às 9:30min é aberto o pátio interno, onde elas podem fumar e circular num espaço um pouco maior que o corredor da enfermaria. Às 11h é fechado o pátio e elas são chamadas para o almoço. Às 14h é o horário da medicação da tarde. O pátio é aberto novamente e às 15h é a hora do lanche. Às 17h é fechado o pátio e às 16h é servida o jantar. Às 20h elas são chamadas para a ceia e a medicação. Às 22h todas devem estar em seus leitos. No dia seguinte, às 8h elas são chamadas para tomar a medicação e o café... E assim segue a rotina diária.

O acompanhamento terapêutico está nessa rotina e nos intervalos. É tomando ao pé da letra a indicação lacaniana de secretário o alienado (LACAN, 1955-1956/2002), que podemos situar a função do at tal como a função do analista. O at, com sua presença constante na enfermaria (24h por dia) acompanha o sujeito, situa-se numa posição de secretário, como aquele que testemunha e secretaria a produção delirante.

(4)

Diante da rotinização e uma certa homogeneização existente na internação, o acompanhante terapêutico favorece que cada paciente, na sua singularidade, possa trazer sua história, seu delírio, sua certeza, seu corpo fragmentado, sua fala acelerada, sua vivência aniquilante das vozes, detalhes esses importantes e que nos guiam na clínica de cada caso. Por exemplo, na hora do banho, poder perceber o quanto é difícil para certa paciente ensaboar seu corpo e poder estar junto dela neste momento lhe indicando as partes do corpo. Ou, ouvir de certa paciente que esta precisa fumar porque cada cigarro tragado é um desastre a menos no mundo, “Eu mantenho o mundo a salvo. Se eu não fumar eu vou explodir, vou ficar agressiva. Tá vendo essa chuva, então, pode alagar a cidade se eu não fumar” (sic); “Jesus tá pedindo pra fumar, ele tá me falando aqui. Se eu não fumar pode haver o Apocalipse, o fim do Mundo.” (sic);

e poder abrir brechas na regulação institucional, levando-a para fumar em horários extras ao da rotina do cigarro.

O AT se contrapõe aos atos homogeneizantes presentes na instituição psiquiátrica, tal como o uso de uniformes, rotina, horários, roupas e pertences retirados, material de higiene padronizado e proibição de entrada de outros alimentos que não são os do hospital. Essa contraposição dita acima, diz respeito à possibilidade do acompanhante terapêutico de operar com o sujeito diante desses atos do discurso médico/mestre, de manejar com a diferença de cada caso no fluxo dos atos institucionalizantes.

Situado no interior do hospital, no espaço de convivência (espaço da enfermaria e arredores dentro do hospital), o AT permite que algo seja percebido por nós, algo que não aparece aos técnicos de referência – psiquiatra e psicólogo responsáveis por cada uma – nas consultas em suas salas de atendimento, ou até mesmo por eles carregarem uma representação de responsáveis pelo caso. Algo que nos é dito pela flexibilidade do nosso lugar de at, um lugar

(5)

mais aberto à vivências informais, de convivência. Por exemplo, num caso especifico de uma paciente que estava totalmente perseguida por seu técnico de referencia (psicólogo), acreditando que ele fazia parte de complô para roubar-lhe seus pensamentos e produções intelectuais. Através da transferência, pôde encontrar comigo, um lugar em que ela sentia-se segura e podia expor seus pensamentos, suas ideias e sua dor por estar sendo constantemente vigiada e “cerceada”, conforme expressão da paciente.

O at, presente fisicamente, tem que estar sempre atento no que toca à sensibilidade de observar aquilo que quase fica escondido. Por exemplo, quando percebia algumas pacientes mais reclusas ao leito, certo silenciamento mortificante, oferecia minha presença na tentativa de saber o que se passava ou até, simplesmente, para que estas não ficassem tão sozinhas. Neste encontro podia surgir um certo referenciamento à mim, sustentado pela transferência, permitindo-me acompanhá-la em sua vivência durante a internação.

A prática do AT, pela via da transferência, coloca em evidência os efeitos clínicos no trabalho na enfermaria de crise, justamente onde se encontram psicóticos em surto, em situação de extremo rompimento social e psíquico, onde se verifica completa aversão a qualquer possibilidade de tratamento, isolamento e intenso sofrimento. O at maneja a transferência seguindo um caminho que busca apaziguar o real que invade o sujeito, como aquele que testemunha, acompanha e secretaria a produção delirante, capaz de oferecer uma construção de borda para esse sujeito, ao sustentar a produção significante advinda de seu delírio.

Assim, tomando a posição de psicanalista e marcando o que é específico da psicanálise, a principal ferramenta do at na clínica da internação psiquiátrica é escuta analítica.

O lugar de presença constante na convivência traz a possibilidade de acessar o psicótico e aquilo que ele vivencia no momento de internação e, de ser acessível a ele mesmo, que nos

(6)

procura para qualquer coisa que seja, desde pedidos simples como “um cigarrinho”, “me leva lá fora” até “conversa comigo, tá difícil aqui”, “segura minha mão pra eu dormir”, “tem uma mulher falando na minha cabeça, tira ela daqui”.

Todo esse trabalho clínico é através de uma escuta tal como Freud nos ensinou no seu texto “Recomendações aos médicos que exercem psicanálise”, quando também destaca a associação livre como preceito único da técnica analítica: “Ver- se -á que a regra de prestar igual

reparo a tudo constitui a contrapartida necessária da exigência feita ao paciente, de que comunique tudo o que lhe ocorra, sem crítica ou seleção” (FREUD, 1912/2006, p. 126). É preciso que suspendamos nossa atenção e não nos detenhamos em nenhum ponto específico da fala do paciente, para que assim, possamos ficar atentos a tudo que nos é dito. O analista, enquanto secretário do alienado deve dizer sim aos detalhes: “(...) o secretário do alienado deve igualmente ficar atento aos pequenos signos da localização do gozo, dizer sim aos detalhes, aos artifícios por meio dos quais o psicótico tenta restringir um gozo excessivo, intrusivo.” (VIDAL, 2005, p.24)

Lacan retoma as recomendações de Freud e em “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” (LACAN, 1953/1998) usa a expressão ouvidos para não ouvir para falar da atenção difusa proposta por Freud. A atenção difusa visa ao que está escondido na própria fala, a

emergência do sujeito nos intervalos entre os significantes.

No seminário “As psicoses”, Lacan propõe como fundamental a recusa à compreensão da fala do sujeito. O analista não tem que compreender as produções delirantes do sujeito psicótico ou tentar remetê-lo à impossibilidade do simbólico, o analista deve acompanhá-lo, testemunhando seus relatos, sustentando os significantes do sujeito capazes de contornar esse real. Essa escuta se dirige para o que simplesmente foi dito, para as palavras usadas, a forma

(7)

como se apresentaram e a forma como o sujeito é representado entre os significantes que emergem na enunciação.

O acompanhamento terapêutico calcado pela ética da psicanálise, através do desejo do analista, da transferência, da escuta e do processo inventivo das suas intervenções pode intermediar o sujeito psicótico e o Outro, possibilitando que o psicótico construa alguma metáfora para si. A construção de uma metáfora delirante é a possibilidade de obter alguma significação subjetiva sobre si, podendo achar uma saída da posição objetal em que se encontra o psicótico no momento de crise. O delírio – sintoma do psicótico, que protege o sujeito do gozo do Outro - possibilita o psicótico a elaborar uma metáfora que possa fazer suplência ao significante Nome-do-pai. Assim, sujeito psicótico constrói uma história para si, e, nessa construção, estamos no lugar de testemunho. Podemos pensar esta função do acompanhamento terapêutico na internação psiquiátrica à possibilidade de costurar junto ao sujeito psicótico certas amarras.

Dessa forma, o trabalho do acompanhamento terapêutico na internação psiquiátrica insiste em reconhecer o sujeito (do inconsciente). Seguindo a pressuposto lacaniano de não recuar diante da psicose, ressalta-se a indicação de Karine Mira (2005) de não recuar diante dos dispositivos institucionais que compõem o campo da saúde mental.

(8)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEZZ, Sérgio. Sobre o Acompanhamento Terapêutico na Internação do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. In: BERENGER, Maria Emilia; BEZZ, Sérgio; COSTA, Suely Azevedo; DE SÁ, Ricardo; FONSECA, Sandra M. A. (orgs). Desinstitucionalização e Psicose:

Experiências Clínicas. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008.

FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem psicanálise. (1912). In:

Coleção completa das obras de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. Vol. XII

LACAN, Jacques. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. (1953). In:

Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

______________. O Seminário, Livro 3: As Psicoses. (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

MIRA, Karine. O psicanalista e as novas instituições de tratamento da psicose. In: ALTOÉ, Sonia e LIMA, Marcia Mello (orgs). Psicanálise, Clínica e Instituição. Rio de Janeiro: Rio Ambiciosos, 2005.

PALOMBINI, Analice de Lima. Vertigens de uma psicanálise a céu aberto: a cidade - contribuições ao acompanhamento terapêutico à clínica na reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro. Tese (doutorado), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 2007. Disponível em http://www.pepas.org/teses/vertigens_deuma_psicanalise.pdf

VIDAL, Paulo. O ensino da psicanálise e a clínica das psicoses. In: ALENCAR, Maria Lídia Oliveira de Arraes; FALBO, Giselle; OLIVEIRA, Cláudio; SÁ, Ricardo (orgs). Clínica psicanalítica das psicoses. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2005.

ZENONI, Alfredo. Orientação analítica na instituição psiquiátrica. In: BEZERRIL, C. e RÊGO, M. R, (orgs) Acolher a demanda, produzir a transferência, Instituto de Clínica Psicanalítica, Andamento (Reescrito a partir de uma conferência do autor no Instituto Raul Soares, Belo Horizonte, outubro de 1998).

Referências

Documentos relacionados

Através dos conceitos da Psicologia Analítica, das considerações feitas pelo psicólogo e antropólogo Roberto Gambini e pelo crítico literário Tzvetan Todorov, pretende-se

Observa-se nos cursos dagua do Rio Grande do Norte a particularidade de serem mais ou menos parallelos quasi todos os rios que descem da ver­ tente oriental

As colônias não apresentaram diferença na atividade entre as estações, porém Soares- Junior (2018), que trabalhou em uma área de cerradão, com árvores maiores, afirma

E, quando se trata de saúde, a falta de informação, a informação incompleta e, em especial, a informação falsa (fake news) pode gerar danos irreparáveis. A informação é

O presente questionário se configura em instrumental de pesquisa como parte de um estudo sobre a política de Educação Profissional em andamento no estado do Ceará, sob o

 Há certa resistência ou falta de conhecimento dos professores e da própria escola a respeito do Programa com o intuito de utilizá-lo como instrumento que

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

Boyce (2003) expõe de forma lógica que conforto visual é nada mais que a au- sência de desconforto visual, pois as condições de iluminação que causam o des- conforto podem