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Caracterização do comportamento de uma amostra aleatória de condutores

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Academic year: 2021

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Universidade do Porto

através da Faculdade de Direito está a desenvolver um projecto de investigação, coordenado pelo Professor Cândido da Agra, sobre os comportamentos de condução. Este projecto inspira-se teoricamente na Teoria dos Sistemas e da Complexidade.

Entre os estudos em desenvolvimento apresentam-se seguidamente dois sub-estudos:

a experiência de condução

(Prof. Isabel Freitas) e

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Título:

Descrição da experiência de condução

Autores: Isabel Freitas * e Cândido M. M. da Agra**

*Professora Auxiliar da FPCEUP, colaboradora da Escola de Criminologia da FDUP **Professor Catedrático da FDUP, Director da Escola de Criminologia da FDUP

Data: 5 de Março de 2004, 11h (workshop “Segurança Rodoviária, uma perspectiva de mudança”, Lisboa 4 e 5 de Março 2004, CCB)

Resumo da comunicação:

A comunicação consiste numa apresentação de um estudo empírico sobre a experiência dos condutores realizado no quadro do projecto de cooperação entre a Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto e a Direcção Geral de Viação.

A apresentação inclui os seguintes pontos:

- apresentação e discussão do objectivo empírico do estudo;

- apresentação do modelo teórico que serviu de base ao estudo e a sua aplicação na descrição da experiência dos condutores;

- apresentação da metodologia e discussão dos resultados provisórios.

1 - Objectivo do estudo

O nosso estudo tem como objectivo empírico a descrição da experiência de condução do ponto de vista da actividade, ou seja, da realização de uma tarefa com um determinado objectivo. Para além do estudo da experiência dos condutores do ponto de vista da actividade outra opção orientou a investigação: a actividade de condução foi abordada do ponto de vista do condutor. Esta escolha teve implicações ao nível da metodologia escolhida. Realizamos entrevistas nas quais os condutores relatavam situações vividas e a forma como as viveram: o que fizeram, o que pensaram e o que sentiram.

O objectivo empírico do estudo foi, nesta primeira fase do projecto, descrever a experiência de condução do ponto de vista da actividade e do ponto de vista do condutor sobre essa actividade, através das verbalizações em situação de entrevista. É neste sentido que falamos de experiência de condução.

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2 - Modelo teórico

A descrição da experiência de condução foi analisada tendo como referência um modelo proposto por Rasmussen (1986) e complementado por Hoc e Amalberti (1994). A escolha deste modelo para apoiar a nossa investigação empírica deveu-se a três características principais:

- descreve os processos que um sujeito põe em prática para desempenhar adequadamente uma tarefa com um determinado objectivo;

- descreve os processos em situações dinâmicas, situações que evoluem, em parte, independentemente da acção do homem sobre elas, como é o caso da condução automóvel; - descreve os erros humanos derivados dos processos postos em prática.

Segundo Rasmussen (1986) na realização de uma tarefa com um determinado objectivo o comportamento pode ser controlado por esquemas de acção automatizados, esquemas de acção controlados por regras ou esquemas de acção controlados por conhecimentos. Na condução automóvel o condutor quando é confrontado com situações não habituais põe em prática acções controladas por regras e automatismos e paralelamente inicia uma compreensão alargada do problema que lhe permite a construção de conhecimentos metacognitivos essenciais nas situações de risco de acidente (Amalberti, 1996).

Nestas situações de risco de acidente, a acção resulta do compromisso que o sujeito estabelece entre a segurança (própria e do sistema), os objectivos (impostos ou próprios) e o seu estado (fadiga, stress, etc.) (Amalberti, 1996). Este compromisso só é possível porque o sujeito reflecte sobre as suas capacidades, os seus pontos fracos e fortes, sendo esta capacidade humana habitualmente designada de metacognição (Amalberti, 1996).

Foi com base neste modelo que descrevemos e interpretamos a experiência dos condutores.

3 - Metodologia: 3.1. Amostra

Na investigação participaram quinze condutores voluntários com idades compreendidas entre os vinte anos e os quarenta e cinco anos. O número de anos com carta de condução varia entre os dois anos e os vinte e sete anos.

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3.2. Instrumento de recolha de dados

A recolha de dados foi realizada através da entrevista semi-directiva organizada segundo temas: trajectória de condução, descrição de uma viagem, plano da viagem, emoções/sentimentos/pensamentos/acções, outros comentários. A entrevista foi orientada tendo como objectivo principal obter o sentido que o condutor atribui aos comportamentos em situação e aos elementos da situação, ou seja, explorar o que o sujeito faz, pensa e sente em situação de condução.

3.3. Procedimento de recolha de dados

Os condutores foram recrutados inicialmente com base nos conhecimentos pessoais do entrevistador, numa fase posterior através da indicação dos entrevistados. As entrevistas foram realizadas nos locais de trabalho dos condutores, nas suas casas ou na Faculdade de Direito da UP e após a realização de uma viagem na qual o entrevistado foi o condutor do veículo. A duração média da entrevista foi uma hora e as entrevistas foram gravadas.

3.4. Procedimento de tratamento dos dados

O material recolhido através das entrevistas, foi transcrito e codificado através do programa NUD*IST 4 (

Non-Numerical Unstructured Data Indexing, Searching and Theorizing

), constituindo-se assim, de forma indutiva, critérios temáticos de categorização, posteriormente refinados ao longo da introdução de novos casos.

Assim, e numa primeira fase, distinguimos dois tipos de conhecimentos: os conhecimentos interpretados para a acção de conduzir, ou seja, toda a informação relativa à forma como o condutor age, pensa e sente a conduzir, e os conhecimentos não interpretados para a acção de condução.

Em seguida analisamos o conteúdo dos conhecimentos interpretados para a acção. Estes foram classificados em três grandes categorias: conhecimentos sobre si, conhecimentos sobre os outros e conhecimentos sobre o contexto de condução. Nos conhecimentos sobre si, o condutor reflecte sobre a sua própria acção de conduzir, nos conhecimentos sobre os outros o condutor reflecte sobre a acção de conduzir dos outros, nos conhecimentos sobre o contexto de condução o condutor reflecte sobre a sua acção ou a de outros condutores através da intervenção de factores ligados ao contexto.

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Cada uma destas grandes categorias foram subdivididas em subcategorias emergindo uma grelha de análise de conteúdo composta por categorias, subcategorias e conteúdos.

3.5. Descrição das categorias e sub categorias da grelha de análise de conteúdo Nos conhecimentos sobre si encontramos, entre outras, as seguintes subcategorias: o que eu sei fazer e o que eu sinto.

No que se refere ao que os condutores sabem fazer, estes descrevem:

- procedimentos, manobras, operações visíveis com o veículo enquanto conduzem (por exemplo, a velocidade);

- micro-procedimentos, ou seja, descrevem a realização de operações sobre o veículo com um objectivo muito específico (por exemplo, travar bem);

- operações de controlo da acção, ou seja, operações de ajustamento à situação de condução em função dos imprevistos que podem surgir (por exemplo, recolha de informação, realização de cálculos);

Ainda no que se refere ao que os condutores sabem fazer, eles avaliam os procedimentos que adoptam sob a forma de:

- balanços, indicam as consequências e os custos da adopção de um procedimento; - explicações, justificam o procedimento que adoptam;

- dissonâncias na realização da actividade, indicam o que fazem e não deviam fazer ou o que não fazem e deviam fazer, ou o que sabem e não deviam saber ou o que não sabem de deviam saber.

No que se refere ao que os condutores sentem, nesta categoria incluímos as experiências afectivas, experiências não objectivadas através de procedimentos, micro procedimentos, operações de controlo. As experiências afectivas referem-se a emoções, afectos, estados, experimentados em situação ou sentimentos relacionados com a forma como conduzem.

Nos conhecimentos sobre os outros, encontramos, entre outras, as seguintes sub-categorias: o que os outros sabem fazer e o que os outros sentem. Os condutores referem que os outros condutores realizam:

- procedimentos, manobras, operações visíveis com o veículo quando conduzem (por exemplo, ultrapassagens);

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- micro-procedimentos, ou seja, operações sobre o veículo com um objectivo muito específico (por exemplo, o uso da embraiagem);

- operações de controlo da acção, ou seja, operações de ajustamento à situação de condução em função dos imprevistos que podem surgir (por exemplo, recolha de informação sobre as acções dos outros condutores);

Os condutores entrevistados avaliam os procedimentos que os outros condutores adoptam sob a forma de:

- balanços, indicam as consequências e os custos da adopção de um procedimento dos outros;

- explicações, justificam o procedimento que os outros adoptam ;

- dissonâncias na realização da actividade dos outros - o que os outros fazem e não deviam fazer ou o que os outros não fazem e deviam fazer, ou que os outros sabem e não deviam saber, ou o que os outros não sabem e deviam saber.

Em relação ao que os outros sentem, os condutores consideram os sentimentos dos outros em situação e sentimentos dos outros relacionados com a forma como os outros conduzem.

Nos conhecimentos do contexto de condução, este é constituído por factores de controlo e por processos naturais com os quais o condutor interage. O contexto de controlo refere-se a um contexto social alargado que condiciona a acção do condutor, as regras, as condições das vias, os serviços prestados aos condutores, os modos de gestão do trânsito, as características da formação e selecção.

O contexto de processos naturais refere-se às condições atmosféricas e a outros imprevistos que são julgados pelos entrevistados naturais, ou seja, que não podem ser controlados pelo Homem.

4 - Apresentação e discussão dos resultados provisórios

Nos conhecimentos sobre si e sobre os outros a velocidade é considerado o procedimento mais perigoso (indicado pelo maior número de condutores como o procedimento que origina acidentes), alvo de maior ambiguidade e o mais explicado.

Adoptando a tese de Amalberti (1996) e aplicando-a ao domínio da condução, colocamos a hipótese de que a velocidade sendo um procedimento perigoso revela um compromisso entre

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três elementos: a segurança (própria e do sistema), o desempenho (imposto ao condutor ou próprio) e o estado do condutor (fadiga, stress, etc.). Segundo o mesmo autor, este compromisso só é possível porque o sujeito reflecte sobre as suas capacidades, sendo esta característica humana fundamental nas situações de risco. A tese defendida pelo autor relaciona-se com os resultados provisórios deste estudo já que é relativamente à velocidade, situação de maior risco, que existe um maior número de reflexões (balanços e dissonâncias). Supomos que estas reflexões são utilizadas em situações futuras de velocidade e de risco de acidente, facilitando a resolução de problemas ou melhorando o desempenho, contribuindo para o estabelecimento de compromissos em situação.

Um outro resultado importante é a associação privilegiada entre a velocidade as operações de controlo e os micro procedimentos. Assim, em situação de risco o controlo da acção não é completamente automático, existe identificação da situação, escolha e aplicação dos procedimentos mais adequados.

No entanto os micro procedimentos e as operações de controlo desempenham papéis distintos na situação de velocidade. Enquanto que os primeiros são associados pelos condutores principalmente a situações de velocidade que originam acidentes, os segundos são associados principalmente a situações de velocidade que evitam acidentes. Assim, em situações de risco, o controlo não automático dos micro procedimentos tem consequências negativas enquanto que o mesmo tipo de controlo das operações de controlo da acção tem consequências positivas. Ou seja, em situação de risco, como é a situação de velocidade, um modo de funcionamento baseado num controlo não automático da recolha de informação e dos cálculos parece ser um comportamento de condução mais seguro contribuindo para um menor risco de acidente.

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Título:

Caracterização do comportamento de uma amostra aleatória de

condutores

Autores: Cristina Leite Queirós * e Cândido M. M. da Agra**

*Professora Auxiliar da FPCEUP, colaboradora da Escola de Criminologia da FDUP **Professor Catedrático da FDUP, Director da Escola de Criminologia da FDUP

Data: 5 de Março de 2004, 11h (workshop “Segurança Rodoviária, uma perspectiva de mudança”, Lisboa 4 e 5 de Março 2004, CCB)

Resumo:

São descritos os resultados obtidos através da aplicação de um questionário a uma amostra aleatória de 556 condutores inquiridos na área do Porto no Verão de 2003.

O questionário construído propositadamente para o estudo efectuado pela Escola de Criminologia da FDUP permitiu a caracterização individual do condutor e do seu comportamento de condução, através de cinco grandes grupos de questões (caracterização do condutor, transgressões, acidentes, posição face à lei e dimensões da personalidade).

Com os dados obtidos, foi efectuada uma análise descritiva e uma análise comparativa. Esta última, permitiu identificar diferenças tendo em consideração a função de condução (comparando cinco grupos de condutores) e as dimensões de personalidade de Eysenck (comparando quatro grupos de condutores). As conclusões apontam para a existência de comportamentos de condução diferentes consoante a função de condução e a personalidade do condutor.

1. Enquadramento do estudo

Dos diferentes estudos exploratórios realizados durante o primeiro ano de execução do programa de estudos sobre o comportamento dos condutores, abordaremos apenas a aplicação de métodos de tipo quantitativo. Assim, começamos por desenvolver inicialmente experiências no laboratório da Escola de Criminologia da FDUP, seguindo as regras do método experimental, e posteriormente efectuamos recolhas de dados através de questionários.

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A utilização deste formato resultou de duas razões. A primeira, a nível empírico, porque durante as experiências de laboratório foi sentida a necessidade de complementar a recolha de índices fisiológicos com questionários específicos, nomeadamente de caracterização do condutor e da sua personalidade (destacando-se as dimensões da personalidade de Eysenck). A segunda, a nível teórico, porque durante um levantamento bibliográfico efectuado foi verificado que os questionários eram utilizados em mais de metade dos trabalhos publicados (1300 em 2500 artigos de tipo empírico, utilizando os restantes estudos métodos qualitativos, análise de bases de dados, de documentos, etc.). A utilização de questionários ocorria em trabalhos que tinham como objectivo efectuar a caracterização detalhada do condutor e do seu comportamento normal de condução, do seu comportamento transgressivo ou de acidentes.

Decidimos então avançar para a construção de um questionário sobre o comportamento de condução, que teve como principal objectivo efectuar a caracterização de uma amostra aleatória de condutores.

2. Metodologia 2.1. Instrumento

Baseando-nos em instrumentos já existentes, nos resultados inicialmente obtidos nas experiências de laboratório e nos resultados obtidos em entrevistas a condutores, o questionário construído contemplou cinco grandes grupos de questões, organizados de modo a permitirem efectuar a caracterização individual do condutor e a caracterização do seu comportamento de condução.

No que se refere à caracterização individual do condutor, recolhemos informação sobre a idade, sexo, profissão, habilitações literárias, tipo e ano de obtenção da habilitação de condução, características e propriedade dos veículos que habitualmente conduz, frequência da sua utilização, tipo de percurso habitualmente efectuado, modo ou função de utilização do veículo (como meio de transporte para cumprimento de uma actividade regular, meio de transporte para actividades de lazer, meio de transporte para o exercício da actividade de diversão, como actividade de diversão ou como actividade profissional) e valores da velocidade máxima e velocidade média habitualmente atingidas.

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No que se refere à caracterização da condução, recolhemos informação sobre as transgressões cometidas, acidentes, posição face à lei e características da personalidade segundo a teoria de Eysenck.

Na caracterização das transgressões incluímos a condução sem habilitações, transporte de objectos de auto-defesa, reacções emocionais perante outros condutores, frequência e tipo de transgressões efectuadas, tipo e número de contra-ordenações ou multas relacionadas com a condução, e caracterização de situações de apreensão de carta de condução.

Na caracterização dos acidentes inquirimos sobre a frequência, responsabilidade, consequências e causas nos acidentes em que o inquirido esteve envolvido.

Na posição face à lei tentamos conhecer o grau de concordância com algumas regras de condução.

Por fim, nas características de personalidade utilizamos as dimensões definidas por Eysenck, através da adaptação efectuada por Debuyst em 1989, e que de forma abreviada utiliza quinze itens (sete de psicoticismo, cinco de extroversão, um de neuroticismo e dois de sinceridade), considerando-os suficientes para diferenciar os indivíduos com tendência para a delinquência e os indivíduos que não apresentam esta tendência.

As questões foram apresentadas sempre que possível num formato fechado, tentando facilitar o preenchimento por parte do inquirido e contemplar o máximo de situações existentes. Para atingir este formato foram efectuados três pré-testes, um com 40 sujeitos, outro com 55 sujeitos e outro com 60 sujeitos. A versão final do questionário foi inicialmente aplicada a 52 sujeitos e tendo-se verificado que não surgiam dúvidas, foi seguidamente alargada a mais 504, num total de 556 inquiridos.

2.2. Procedimento

O procedimento de recolha de dados foi extra-laboratorial, e globalmente foi o mesmo para todas as versões do questionário, utilizando-se como critério de inclusão na amostra o possuir habilitação e prática de condução.

A amostra final foi obtida de modo aleatório, abordando os 556 condutores nos parques de estacionamento de centros comerciais e hipermercados, bem como junto de instituições como bancos, seguradoras, escritórios, etc. A recolha foi efectuada durante os meses de Junho e Julho

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de 2003 na cidade do Porto ou arredores. A cada condutor foi explicado que o questionário era anónimo e confidencial, destinando-se a um estudo sobre o comportamento de condução efectuado pela Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto com o apoio da Direcção Geral de Viação. Solicitou-se o auto-preenchimento do questionário no local, e em caso de necessidade, com a ajuda do aplicador. De um modo geral os inquiridos não recusaram colaborar nem apresentaram dúvidas pertinentes, demorando entre 30 a 60 minutos para a tarefa de preenchimento do questionário.

2.3. Codificação e tratamento dos dados

Depois de recolhidos, os dados foram introduzidos numa matriz de dupla entrada construída no programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), colocando em cada linha o inquirido e em cada coluna a questão formulada. Como algumas questões apresentavam um formato de resposta fechada não mutuamente exclusiva, a matriz final de dupla entrada apresenta um total de 163 colunas ou variáveis, para um total de 556 linhas ou sujeitos inquiridos.

Os dados recolhidos foram analisados num primeiro momento de forma descritiva, e num segundo momento de forma comparada. A análise descritiva permitiu caracterizar o comportamento de condução a diferentes níveis, enquanto a análise comparativa foi efectuada a partir de duas variáveis independentes: dimensões de personalidade segundo a teoria de Eysenck e função atribuída à condução. As variáveis dependentes consistiram nas questões utilizadas para a caracterização do condutor e do seu comportamento de condução.

O facto de a variável independente ser de tipo nominal e as variáveis dependentes serem, sobretudo, de tipo nominal ou ordinal, justificou o predomínio do teste do Qui-Quadrado (

χ

2), através do qual foi possível identificar o modo de distribuição dos inquiridos pelas diferentes categorias de resposta.

3. Resultados

3.1. Análise descritiva

A análise descritiva dos dados permitiu verificar que no que se refere à caracterização do condutor, predominam os condutores jovens (com idades entre os 18 e os 35 anos), do sexo masculino, com habilitações até ao 12º ano, com profissões variadas e possuindo sobretudo carta de condução de veículos ligeiros ou de motociclos. Estes condutores possuem carta há

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cerca de dez anos e conduzem veículos com data de fabrico inferior a oito anos, do qual são proprietários. Poucos condutores conduzem dois ou mais veículos, e quando o fazem, estes veículos são propriedade de outrem. Os veículos conduzidos são sobretudo de tipo utilitário, com cilindrada entre 1000 e 1500, e com potência inferior a 100. A maioria dos inquiridos conduz todos os dias, sobretudo em ruas da cidade ou estradas nacionais e utiliza o veículo como meio de transporte para exercer uma actividade regular. De um modo geral admitem atingir os 180km de velocidade máxima (apesar de alguns condutores terem atingido já os 250km), circulando contudo em auto-estrada a 120 ou 140km (apesar de alguns condutores terem atingido os 200km).

No que se refere às transgressões, poucos inquiridos conduziram antes de possuírem carta, e quando o fizeram foi sobretudo entre os 16 e os 18 anos e de forma pouco frequente. Verificamos também que existem poucos condutores que transportam consigo objectos de auto-defesa, e os que o fazem referem sobretudo a arma de fogo ou o taco de basebol/pau. Relativamente às interacções com os outros condutores, a maioria dos inquiridos refere tentar ignorar, apesar de sentir cólera ou irritação. Quase metade dos inquiridos assume que fala sozinho sem que os outros condutores se apercebam, ou expressa com sinal de luzes, buzina ou gestos o seu descontentamento perante a condução dos outros. As transgressões mais frequentes consistem no excesso de velocidade, estacionar em locais proibidos ou utilizar o telemóvel. As contra-ordenações recebidas confirmam esta situação, sendo mais frequentes as contra-ordenações relativas ao estacionamento, velocidade excessiva, falta de documentos e desrespeito do uso de cinto de segurança e de regras ou sinais de trânsito. Encontramos poucos condutores a quem já foi apreendida a carta de condução, e quando esta situação ocorreu foi sobretudo por excesso de velocidade.

Relativamente aos acidentes, mais de metade da amostra já esteve envolvida neles entre há 2 a 5 anos, sendo mais frequente a situação de terem tido um ou dois acidentes. Contudo, nestes acidentes quase metade dos inquiridos não foi dada como responsável, e quando o foram, os acidentes tiveram como causa a distracção ou a velocidade excessiva, e como consequência os danos materiais.

No que diz respeito à posição face à lei, a maioria dos inquiridos concorda com mais rigor nos exames, inspecção de veículos e seguro, mas defende o aumento dos limites de velocidade em auto-estrada.

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No que se refere às dimensões da personalidade segundo Eysenck, predomina a extroversão (28%), seguida do neuroticismo (21%) e do psicoticismo (13%). Efectuamos também a combinação das dimensões, falando em personalidade delinquente no caso do inquirido apresentar uma tendência simultânea para o neuroticismo, psicoticismo e extroversão, tendo verificado que na amostra existem 4% dos condutores com personalidade delinquente.

O interesse do estudo das dimensões da personalidade segundo a teoria de Eysenck resulta do facto de este autor já na década de 60 ter defendido a existência de uma associação entre personalidade, condução e crime. Assim, alguns tipos de personalidade teriam maior propensão para acidentes, como por exemplo, os extrovertidos, que seriam mais distraídos e menos cautelosos, tendo mais acidentes e transgressões. Segundo o autor, 30% de condutores com acidentes apresentavam também alguma relação com o crime, ideia expressa nas citações “quem viola as regras da sociedade viola também as leis do trânsito, sobretudo quando a transgressão é grave e reveste graves consequências”, “conduz-se como se vive” e “certos traços da personalidade acompanham a propensão para o acidente e esses traços assemelham-se muitíssimo aos dos criminosos”, como por exemplo, falta de cuidado, impaciência, emotividade, distracção, impulsividade, imprudência e instabilidade. Eysenck defende também que a condução sob a influência de álcool tornaria o indivíduo mais extrovertido, mais propenso a erros e mais confiante nas suas capacidades, e que o sexo feminino conduziria de forma menos agressiva e segundo as regras de trânsito.

Definindo cada uma das dimensões de personalidade de Eysenck, a extroversão seria caracterizada por atitudes sociáveis, activas, impulsivas, despreocupadas, aventureiras e busca de sensações, e os indivíduos com este traço conduziriam rápido mas com mais erros. O neuroticismo seria caracterizado pela ansiedade, depressão, culpa, baixa auto-estima, timidez, instabilidade e obsessão, e os indivíduos teriam um comportamento rígido e cumpririam as regras de trânsito. No psicoticismo encontraríamos atitudes anti-sociais, agressivas, frias, egocêntricas, e os indivíduos tentariam a satisfação imediata dos impulsos desprezando as consequências destes e não cumprindo as regras. Por fim, na personalidade delinquente estaríamos na presença simultânea das três dimensões anteriores, e os indivíduos não cumpririam as regras e teriam comportamentos agressivos e egocêntricos.

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3.2. Análise comparativa

3.2.1. Comparação segundo as dimensões da personalidade de Eysenck

No que se refere à caracterização do condutor encontramos o sexo feminino mais associado à extroversão, enquanto o psicoticismo surge associado aos condutores com menos habilitações (até ao 12º ano). No ano de matrícula e na potência do veículo, o psicoticismo e a personalidade delinquente surgem associados a veículos de anos mais recentes e mais potentes. Não foram encontradas diferenças significativas no que se refere à função atribuída à condução, apesar de a actividade de diversão ser a única situação em que a extroversão surge em maioria. A velocidade máxima atingida revela uma associação entre o psicoticismo e velocidades mais elevadas.

Relativamente às transgressões, no que se refere à condução sem habilitação, surge associada ao psicoticismo, enquanto o neuroticismo e a personalidade delinquente se associam a condução sem carta em idades mais jovens. A personalidade delinquente associa-se à condução sem carta mais frequentemente. Encontramos também diferenças significativas para o transporte de objectos de autodefesa, associados ao psicoticismo, predominando as armas de fogo ou arma branca, e o taco de basebol ou barra de ferro. Quanto à reacção emocional perante os outros condutores, encontramos diferenças significativas, associadas de forma mais evidente à extroversão e ao neuroticismo, e em menor grau à personalidade delinquente e ao psicoticismo. O insultar ou discutir sem parar/sair do veículo surge associado às quatro dimensões da personalidade, enquanto o travar ou apertar o outro veículo surge associado ao psicoticismo e à extroversão. Por fim, o sair do veículo para discutir, surge associado à extroversão e à personalidade delinquente. No que se refere ao comportamento transgressivo, encontramos diferenças significativas apenas para alguns dos itens, destacando-se o competir com os outros condutores, efectuar manobras sem sinalizar, ultrapassar pela direita e passar vermelhos, associados ao psicoticismo, extroversão e personalidade delinquente. Já o exceder os limites de velocidade no local, inversão de marcha proibida e utilização de telemóvel, surgem associados ao psicoticismo e à extroversão. Exceder a velocidade na auto-estrada surge associada ao neuroticismo e ao psicoticismo, enquanto o pisar de linhas contínuas se associa apenas à extroversão. Desrespeitar a utilização de cinto, estacionar em local proibido e conduzir com excesso de álcool surgem associados apenas psicoticismo. Relativamente às contra-ordenações recebidas, destaca-se o desrespeito pelas regras e sinais de trânsito e o excesso de álcool ou

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drogas, associados ao psicoticismo, estando a apreensão de carta também associada a esta dimensão da personalidade.

No que se refere aos acidentes, encontramos diferenças significativas para o número de acidentes em que o inquirido foi dado como responsável, de novo associado ao psicoticismo. Já nas possíveis causas dos acidentes, a velocidade excessiva surge associada à extroversão, enquanto a sonolência/aborrecimento surge associada à personalidade delinquente.

No que diz respeito à posição face à lei, analisada através da concordância com as regras de condução, existe uma associação entre o psicoticismo e concordância com o aumento das taxas de álcool e de conduzir sem cinto, enquanto a extroversão se associa à utilização do telemóvel. A abolição da apreensão da carta surge associada ao psicoticismo, à extroversão e à personalidade delinquente.

3.2.2. Comparação segundo as funções atribuídas à condução

Ao nível da caracterização do condutor, verificamos que os cinco grupos de condutores apresentam poucas diferenças entre si. Contudo emergiram algumas associações interessantes, como por exemplo o sexo feminino surgir proporcionalmente mais associado à condução como meio de transporte para o lazer, as datas recentes de fabrico dos veículos conduzidos estarem associadas à condução como meio de transporte para exercer uma actividade profissional ou como actividade profissional, e a potência mais elevada dos veículos estar associada ao meio de transporte para exercer uma actividade regular ou para o lazer. No que se refere à propriedade do veículo, o facto de ser de outrem surge associado à condução como actividade de diversão ou actividade profissional, enquanto a condução efectuada todos os dias se associa ao meio de transporte para exercer uma actividade regular e à condução como actividade profissional.

Relativamente às transgressões, os condutores que utilizam a condução com a função de meio de transporte para exercer uma actividade regular são os que mais cedo começaram a conduzir sem habilitações e que durante mais tempo efectuaram esta transgressão. O transporte de objectos de auto-defesa não apresenta diferenças significativas entre os cinco grupos de condutores, sendo contudo proporcionalmente mais utilizados pelos condutores de diversão ou como actividade profissional. No que diz respeito à reacção emocional perante a condução de outros condutores, encontramos diferenças significativas apenas para o apertar ou travar bruscamente, associadas proporcionalmente à condução enquanto actividade de diversão ou

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actividade profissional. No que se refere ao comportamento transgressivo quanto à velocidade, encontramos diferenças significativas no exceder desta, seja na auto-estrada ou nas localidades, e proporcionalmente está associada à condução como meio de transporte para exercer uma actividade profissional. Nas manobras transgressivas existem poucas diferenças significativas entre os grupos, estando estas sobretudo associadas à condução enquanto meio de transporte para exercer uma actividade regular ou para o lazer. Relativamente às contra-ordenações recebidas, constatamos que são poucos os tipos de contra-ordenações que apresentam diferenças significativas, estando sobretudo associadas à condução enquanto meio de transporte para exercer uma actividade regular, e ocorrendo para o desrespeito do cinto de segurança, pisar linha contínua, ultrapassagem indevida ou velocidade excessiva. A condução sem documentos está associada à condução como meio de transporte para exercer uma actividade profissional, e a velocidade excessiva está associada ao transporte para o lazer e exercer uma actividade profissional. A apreensão de carta surge associada ao transporte para exercer uma actividade profissional, tendo como principal motivo a velocidade excessiva.

No que se refere ao tipo de acidentes encontramos apenas diferenças significativas entre os grupos quanto ao facto de os condutores terem estado envolvidos, sendo de realçar a proporção inversa para os condutores cuja função é o meio de transporte para o lazer (com menos acidentes) e a proporção mais elevada de condutores com acidentes para aqueles cuja condução tem como objectivo a actividade de diversão e a actividade profissional. Nas possíveis causas destaca-se velocidade excessiva associada à condução como actividade de diversão, actividade profissional ou transporte para exercer actividade profissional.

Relativamente à posição face à lei, existem poucas diferenças entre os grupos. Contudo o aumento dos limites de velocidade na auto-estrada e um maior rigor nos exames de condução recolhem uma opinião proporcionalmente mais desfavorável junto dos condutores de transporte para o lazer, enquanto a permissão de conduzir sem cinto, e o maior rigor na inspecção mecânica e do seguro recolhem opiniões proporcionalmente mais favoráveis nos inquiridos que utilizam a condução como meio de transporte para exercer uma actividade profissional, como actividade de diversão ou como actividade profissional.

No que diz respeito às dimensões da personalidade segundo Eysenck, não encontramos diferenças significativas entre os cinco grupos de condutores.

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4. Conclusões

Uma análise global dos principais resultados, corroborada por outros dados obtidos numa amostra intencional de 55 condutores, nos estudos de laboratório com 40 condutores e nas entrevistas efectuadas a 40 condutores, permitem destacar as dimensões de personalidade como um factor diferenciador do comportamento de condução. Assim, o neuroticismo surge associado a menos acidentes e a menos transgressões. Já a extroversão surge associada à expressão intensa de reacções emocionais, a algumas transgressões e à velocidade excessiva como causa de acidentes. O psicoticismo e personalidade delinquente surgem associados a maior número de acidentes com responsabilidade, maior desrespeito pelas normas de trânsito, transgressões mais frequentes, variadas e graves, e expressão de reacções mais agressivas perante o comportamento dos outros condutores. Estes dados confirmam a hipótese de Eysenck, existindo dimensões da personalidade que tornam os indivíduos mais propensos a acidentes e a comportamentos transgressivos.

Ou seja, a nível da personalidade poderíamos falar da existência de uma desviância latente, expressa nos traços de psicoticismo (associado ao comportamento criminal e contra-ordenacional), de extroversão (relacionada com as incivilidades e com a associabilidade social) e de neuroticismo (associado à instabilidade, pois ora apresentam um estilo de condução desviante, ora um estilo normativo). Ao nível da função de condução também existiriam diferenças no comportamento. Assim, os grupos de condução como “diversão” ou como “profissão” apresentam índices mais elevados de transgressão grave. O seu comportamento inscreve-se numa lógica de moral utilitária segundo a qual os fins (entrega de uma mercadoria ou jogo da condução) justificam os meios, adoptando um estilo de condução desviante mais duro. Já os grupos “meio de transporte para exercer uma actividade regular”, para o “lazer” ou “exercer uma actividade profissional”, adoptariam um estilo de condução desviante menos duro.

Perante os dados obtidos, e em desenvolvimentos futuros deste projecto de investigação, revelou-se necessário proceder à reformulação do questionário (simplificando alguns itens e introduzindo mais questões sobre interacções agressivas e procura de sensações durante a condução), bem como emparelhar o tamanho das amostras seleccionadas pela função de condução, aumentar o número de inquiridos e alargar a recolha dos dados a outras zonas urbanas e rurais do país.

Referências

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