• Nenhum resultado encontrado

Janela Da Alma - Antonio Carreiro.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Janela Da Alma - Antonio Carreiro."

Copied!
325
0
0

Texto

(1)

APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO 003 CAPÍTULO I - HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA, RELIGIÃO 015

Noção de physis e casualidade 018

O Arché e o kosmos 019

O Logos e o Crítico 023

Filósofos Eclesiásticos 025

A ciência Experimental 029

Método Cartesiano-Newtoniano 032

Ciência Sistêmica ou Holística 036

Hipnoterapia e Ciência 040

Mito, Rito e Religião 050

Transe e religiosidade 052 Vegetais hipnóticos 054 Religiões ayahuasqueiras 057 Transe e sincretismo 064 Padres hipnotistas 066 Hipnose e reencarnacionismo 074

CAPÍTULO II - HISTORIA DA HIPNOSE E DA HIPNOTERAPIA 080

Magnetismo e mesmerismo 083 Mesmerismo e sonambulismo 096 Magnetismo e kadercismo 100 Mesmerismo e psiquiatria 106 Mesmerismo e anestesia 108 Mesmerismo e sugestão 110 Brandismo 111 Hipnodontia 115 Hipnoterapia 117 Sugestão pós-hipnótica 118 Hipno-análise 119 Hipnose e histeria 125 Hipnose e psicanálise 132 Hipnose e fisiologismo 153 Auto-hipnose 159

CAPÍTULO III - ETIOLOGIA DA HIPNOSE 164

Hipnose é projeção 165 Hipnose é sugestão 166 Sugestão é prestigio 167 Hipnose é sono 167 Entrega amorosa 169 Mamadeira hipnótica 170 Gênero dramático 171

Hipnose como dissociação 173

Estado normal 174

Exclusão psíquica relativa 175

CAPÍTULO IV - PRÁXIS DA HIPNOSE 177

Técnicas de indução 177

Métodos de indução 179

Método de Bernheim 182

Método de Moss 183

Método de Kuehner 184

Método de Erickson e Wolberg 186

Método de autovisualização 197

(2)

Testes de suscetibilidade 190

Hipnose de palco 198

Hipnose, hiperestesia e clarividência 202

Regressão hipnótica 203

Hipnose acordada 207

CAPÍTULO V - A PESQUISA DE CAMPO 209

Sintomatologia do transe 212 O transe hipnótico 218 Testes de eficácia 220 Saída do transe 221 Suscetibilidade à indução 222 Formulação da sugestão 224

O ambiente das sessões 225

A ética e a legalidade da hipnose 226

Categorias de hipnotistas 229

O poder do hipnotista 230

Janela da Alma 232

CAPÍTULO VI - APLICAÇÕES ESPECIAIS DA HIPNOSE 237

Hipnose e Comunicação 237

Propaganda subliminar 238

Merchandising 243

Sugestão desejada e indesejada 244

Hipnose contra vontade 245

Hipnose cotidiana 246 Hipnose no Direito 251 Hipnose e psicopedagogia 255 Psicologismo na Educação 261 Psicologia da gestalt 264 Teoria topológica 265 Fenomenologia existencial 266 Epistemologia genética 266 Teoria Histórico-social 268 Educação humanista 272

Educação como prática política 273

CAPÍTULO VII - HIPNOTERAPIA E OUTRAS PSICOTERAPIAS 275

Gestalt-terapia 275

Terapia centrada na pessoa e topológica 276

Teoria de Vygotsky 277 Teoria de Reich 278 Teoria organísmica 279 Filosofia fenomenológica 280 Filosofias orientais 281 Outras concepções 283

CAPÍTULO VIII - AUTO-HIPNOTERAPIA 285

Prática da auto-hipnose 292

O relaxamento 295

Testes e Métodos para a auto-hipnose 298

Tipos de matrizes 303

Saúde e estética do corpo 307

Ativadora da memória 307

Solução da gagueira 309

Supressão e alívio da dor 310

(3)

APRESENTAÇÃO Esta publicação é mais do que um livro, representa um ideal de vida, signi-fica o desejo de informar, discutir, refletir e produzir conhecimento. Por isso, passa longe de qualquer interesse, como reconhecimento pessoal ou retorno pecuniário. Trata-se de uma dissertação, seu conteúdo resulta de uma investi-gação rigorosamente cientifica. A pesquisa foi produzida de forma sistemática e metodológica, para conceituar o significado do hipnotismo, conhecer o processo de produção do transe hipnótico e identificar, classificar e esclarecer sua sinto-matologia e efeitos.

O levantamento bibliográfico e a construção referencial teórico foram favo-recidos pela intensa dedicação do autor, no decorrer de mais de trinta anos, pe-lo tema, pela leitura teórica e pela prática da hipnose. Isso em muito contribuiu para traçar uma metodologia que conduzisse aos resultados esperados, para a definição e clareza dos objetivos, das técnicas e dos métodos de investigação que foram utilizados.

Este trabalho foi escrito para quem pretende conhecer ou praticar hipnose e auto-hipnose, principalmente com finalidade terapêutica. Apresenta uma rede de temas transversais, esclarece dúvidas, desfaz mitos, elimina ou atenua pre-conceitos. É fonte imprescindível de permanente consulta sobre as tradicionais psicoterapias, tanto ortodoxas como contemporâneas, e suas associações com a hipnose.

O autor comprova durante toda a leitura que a hipnose abrange um campo muito vasto e que sempre aparecem ramificações do seu efeito na maior parte das atividades humanas. A amplitude e a profundidade de como trata o assunto são explicitas na extensa lista de títulos bibliográficos utilizados que, somada ao conhecimento prático do autor, transformam esta obra em uma grandiosa fonte de pesquisa para esta complexa área do saber. Revela o que é a hipnose a partir da evolução histórica de diversas teorias quando faz referências a mais de cento e cinqüenta autores, por isso, torna-se de interesse particular para o meio acadêmico que não dispõe com facilidade de uma bibliografia que trate dessa temática de forma tão abrangente.

Esta leitura elucida noções equivocadas acerca do tema do hipnotismo e apresenta um conjunto de dados que, de alguma forma, envolve a interdepen-dência do transe hipnótico com várias manifestações humanas que são anali-sadas através da intricada rede de causas intermediárias entre a emoção e a razão (inconsciente e consciente). Esclarece conceitos e confronta opiniões, demonstra como as controvérsias e coincidências das diferentes escolas atuais têm raízes históricas. Explora idéias e teorias que são necessárias, cooperati-vas e seqüenciais para facilitar, a cada passo, a reflexão de conceitos e consi-derações apresentadas ao longo da leitura.

O autor relata os procedimentos metodológicos utilizados, como aplicou o rigor cientifico e efetuou a análise qualiquantitativa dos dados coletados na fase da investigação, efetuada na cidade de Salvador, na Bahia, entre 1997 e 2002,

(4)

com um universo de 400 sessões, para uma população de 1.984 participantes. Descreve as conclusões a que chegou através de uma série de observações diretas e da análise das respostas de 500 questionários, aplicados para quem durante o transe apresentou sintomatologia mais completa, além de 100 entrevistas para esclarecer questões não amplamente respondidas pelos questionários.

Para melhor descrever o transe hipnótico em suas diferentes formas de produção, ocorreu ligeira ampliação da área temática e do campo empírico da pesquisa. Foram realizadas algumas incursões teóricas e observações in loco em associações declaradas religiosas, todas reconhecidas e legalizadas. Isto permitiu ao autor, motivado pelo senso de investigação, ser submetido a algu-mas práticas de rituais. Para fundamentar uma descrição precisa dos aconteci-mentos, procedimentos e sensações, em alguns casos o autor foi além da ob-servação e participou ativamente das experiências, inclusive ingerindo o chá ayahuasca e o vinho de jurema, ambos considerados como desencadeadores de transe.

Através dos dados empíricos e teóricos levantados, a leitura confronta es-colas e correntes de pensadores, aponta controvérsias e coincidências, separa fatos de opiniões, tendo como principal objetivo facilitar o leitor refletir e se defi-nir pela sua própria descoberta. O autor primou por manter a postura de investi-gador absolutamente cientifico, tanto na fase da pesquisa como na redação da comunicação final dos resultados. Procurando demonstrar sempre neutralidade axiológica, em nenhum momento teve a pretensão de ser doutrinário ou dogmá-tico, contestar ou validar credos, religiões, filosofias, idéias ou teorias.

Outra preocupação do autor foi não limitar a informação e, ao mesmo tempo, facilitar a compreensão do texto. Para isso, optou por uma redação que apresenta aspectos pedagógicos essenciais; foi escrito de modo claro, didático e bem fundamentado. Descreve de forma precisa e justifica com profundidade teórica as técnicas, métodos e procedimentos específicos. Assim, acredita que incentiva a leitura até o final e gera o desejo por mais conhecimentos, o que pode transformar o leitor não apenas um hipnotista hábil, mas um amplo conhe-cedor do assunto.

No decorrer da dissertação, algumas questões são polêmicas por haver fatos no hipnotismo sobre os quais ainda não se chegou a uma conclusão clara. Por isso, seu estudo envolve uma reflexão antropológica e evolutiva do conhe-cimento e expõe os paralelos paradigmáticos da ciência. Demonstra o conflito entre a percepção mecanicista-reducionista e a sistêmica e propõe uma revisão dos pressupostos conceituais conhecidos. Reflete sobre as exigências de uma abordagem multidimensional do ser humano para entendê-lo de forma menos fragmentária.

Considerando que a base semiológica não é suficiente para esclarecer to-dos os pontos sobre a prática da hipnose e das principais psicoterapias, o autor busca sustentação em teorias subjacentes quando recorre à leitura da evolução

(5)

do pensamento filosófico, cientifico e religioso. Neste aspecto, apresenta uma revisão literária que tem como objetivo apontar a gênese do misticismo que ain-da persistem nos tempos modernos.

Ao concluir, descreve a auto-hipnoterapia como sendo uma ferramenta poderosa na solução de muitos conflitos, não deixa dúvidas de que a hipnose é uma forma válida para superação de certos problemas que afligem o corpo e a mente humana. E, mais uma vez, desmistifica o poder atribuído às coisas ex-ternas ou sobrenaturais para solucionar conflitos humanos que prejudicam, em muito, a qualidade de vida, sem ao menos se buscar antes soluções naturais e em si mesmo.

A estruturação do conteúdo de estudo é dividida em oito capítulos:

• O primeiro capítulo faz parte do campo teórico da pesquisa e é prope-dêutico, apresenta breve análise da evolução do pensamento, do mítico ao filosófico e científico, como base para o estudo da história da hipnose e seu envolvimento com rituais religiosos e místicos.

• O segundo desenvolve o campo teórico específico, apresenta um desfile histórico-cronológico dos autores clássicos do hipnotismo. As principais obras citadas neste capítulo são de domínio público, estão disponíveis gratuitamente no site (http://gallica.bnf.fr/) da Biblioteca Nacional da França.

• O terceiro capítulo complementa o referencial teórico e trata da etiologia da hipnose. Analisa através das diferentes correntes de pensadores e ci-entistas como se desenvolve o transe hipnótico, apresenta as técnicas e os métodos de indução e seus efeitos práticos.

• O quarto capítulo é dedicado à práxis, é um preâmbulo para a interpreta-ção da pesquisa de campo realizada pelo autor. Seu principal objetivo é conhecer, passo a passo, como de fato se prática a hipnose e como ela se apresenta e descreve situações que permitem desencadear sua ocor-rência.

• O quinto versa sobre a pesquisa de campo, descreve as observações di-retas do autor, a metodologia utilizada, como procedeu ao tratamento dos dados, a análise e os resultados à que chegou para fundamentar o que considera como sintomatologia do transe e os diferentes níveis de aprofundamento. Finaliza descrevendo o que entende como explicação conceitual da hipnose e denomina como sendo uma “Janela da Alma”, um momento em que o ser humano entra em contato com sua essencia-lidade.

• O sexto capítulo é um desdobramento de toda a pesquisa realizada. En-volve o estudo do hipnotismo em situações naturais do cotidiano e sua aplicação em áreas específicas, como na Mídia, no Direito e na Educa-ção. Inclui neste último aspecto a hipnose como possível parte da psico-pedagogia.

(6)

• O sétimo capítulo reforça a tese de que a hipnose pode ser validada co-mo um procedimento terapêutico. Compara a hipnoterapia com co- moder-nas teorias e práticas das principais psicoterapias conhecidas, demons-trando semelhanças e diferencias.

• O oitavo e último capítulo descreve o que considera o autor como mais um aporte da pesquisa. É dedicado à auto-hipnoterapia, representa na prática a soma dos conhecimentos estudados nos capítulos anteriores. Este aspecto é de grande importância para o leitor que busca soluções para problemas existenciais, principalmente problemas de caráter psico-terapêutico.

No geral, após a leitura e rápidos exercícios, o livro esclarece o que é e como funciona a hipnose e a auto-hipnose, como sua execução é bem simples e como os bons resultados são surpreendentes. Porém, bem mais importante talvez seja o fato de reafirmar e exemplificar, o tempo todo, que cada ser hu-mano traz dentro de si o dom da autocura e é capaz de viver bem e ser feliz, mesmo na adversidade. É um livro que deve ser relido várias vezes, cada nova leitura sempre apresenta surpresas e induz novas descobertas.

Por fim, recomenda o autor que, para obter melhor domínio sobre o tema e evitar conclusões precipitadas, é aconselhável uma leitura seqüencial e que as reflexões ocorram na medida em que seja vencido cada capítulo. Também aconselha que este livro deva ser lido sem preconceito, mas com espírito crítico, separando os fatos das opiniões. Lembra ainda que a proposta desta obra não é passar informação, mas conhecimento e, isso, depende muito mais do leitor do que do autor.

(7)

INTRODUÇÃO Embora faça parte do cotidiano dos indivíduos de várias formas e em diferentes situações, o hipnotismo ainda é desacreditado por alguns, equivocado na opinião de outros, temido ou pouco conhecido para a maioria. As explicações sobre o transe hipnótico e seus efeitos, por conta de sua vinculação com práticas religiosas e crenças no sobrenatural, é cercada de mitos, magias e preconceitos. Mesmo entre pessoas com alto nível de escolaridade, o desconhecimento sobre este tema é bastante generalizado e, no conceito popular, a descrença de que os efeitos hipnóticos existam ou possam ser provocados é geralmente substituído por um temor supersticioso.

Na literatura é fácil perceber que todas as culturas, de todas as épocas, conheceram, procuraram e desenvolveram métodos para estabelecer o transe hipnótico. Esse antigo estado da mente foi perseguido por muitas formas; desde o uso de ervas, drogas e aplicações de equipamentos especiais até rituais dos mais diversos. Na maior parte das vezes, o transe foi e é produzido por métodos simples que vão da dança selvagem, passando pelo ritual religioso, pela prática de uma tranqüila e intensa meditação até uso de técnicas hipnóticas clássicas. Qualquer que seja sua origem, o transe sempre implica em uma função normal do cérebro humano, embora algumas pessoas sejam mais propensas ao seu alcance e aprofundamento.

Transe hipnótico é o estado mental que resulta em alterações na neurofi-siologia e decorre de várias situações, pode ser produzido por simples estímu-los sensoriais normais; auditivos, visuais, táteis e olfativos, além de estados mentais de grande expectativa com violenta carga emocional, sono intenso sem possibilidade de dormir, jejum nutricional, isolamento social, abstinência sexual prolongada, meditação, relaxamento físico e mental ou atitude contemplativa, em geral de fundo religioso ou místico. Pode também ser provocado por inges-tão de substâncias químicas.

Efeitos da hipnose sempre aconteceram na história da humanidade. Em atos religiosos têm presença marcante, quanto mais solene ocorre um ritual associado a forças incompreensíveis, místicas ou mágicas, maior é o efeito hipnótico. Porém, não é apenas relacionado a situações que se prendem ao misticismo; ao longo da história foi produzido ou observado também pela perspectiva do materialismo científico ou simultaneamente por ambos. Definida com vários termos e diferentes sentidos, a hipnose é patrimônio da filosofia e da medicina ocidental e oriental, tanto a antiga quanto a contemporânea.

No oriente os efeitos hipnóticos, geralmente com objetivos de cura, fazem parte de culturas milenares e se mantiveram quase que inalterados através dos séculos. No ocidente foram se adequando ao imaginário dominante, se ajustando á representação de cada nova realidade cultural, se identificando com diferentes correntes do pensamento, valores, fantasias e mistérios que surgiam com as migrações e miscigenações étnicas. A maior e mais rápida

(8)

diversificação de procedimentos hipnóticos ocorreram na Europa, devido à fusão étnica cultural do seu povo através de suas ações colonizadoras. Esse viés antropológico do hipnotismo constitui a principal abordagem histórico-lógica e teórica dedutiva deste livro.

Embora sugestão não seja sinônimo de hipnose, é certo que toda e qualquer hipnose começa pela aceitação, consciente ou inconsciente, da sugestão que pode até desencadear o transe hipnótico, caracterizado como o momento em que a sugestão atinge o ponto mais alto da sua ação. A execução desse processo é bem simples e os resultados se aproximam de fatos extremamente compensadores, podendo em alguns casos proporcionar efeitos terapêuticos inexplicáveis e até mesmo inacreditáveis.

Nem sempre uma sugestão representa a possibilidade de desencadear o transe hipnótico, mas é, no mínimo, o preâmbulo imprescindível para que isso ocorra. É comum o uso de um nome como se fosse o outro, às vezes chama-se sugestão de hipnose e, hipnose de sugestão. No entanto, deve ser chamada de sugestão hipnótica aquela que se perfaz no transe hipnótico ou que permeia a aplicação de métodos e técnicas com o objetivo de atingir os efeitos da hipnose.

Através da sugestão o pensamento se concentra numa idéia cujo resultado ou tendência é provocar determinado efeito, impele muitas ações humanas, tanto construtivas como destrutivas. A maior parte do resultado da vida das pessoas é conseqüência da sugestão; desde o desfrutar de sentimentos de alegria, paz e prazer, até situações negativas como doenças físicas e morais. Mas, situações negativas podem ser reversíveis pelo mesmo processo que se instalam, isto é, o que a sugestão faz, a sugestão desfaz.

Da sugestão podem resultar ações inconscientes, compulsivas ou hipnóticas, que podem decidir o curso da vida das pessoas. E, a melhor maneira de fazer as sugestões produzir bons efeitos é através da hetero-hipnose e da auto-hetero-hipnose. No primeiro caso um hipnotista funciona como um guia que influencia através de sugestões as ações inconscientes de alguém. No segundo caso é o próprio hipnotizado quem o faz. Um indivíduo razoavelmente instruído poderá conduzir e controlar as ações do seu próprio inconsciente, em seu próprio benefício.

Do início do século XIX até hoje termos como hipnose inconsciente e sugestão caminham juntos, um tentando explicar o outro. No início de suas pesquisas, Freud se valia do hipnotismo como procedimento de acesso ao inconsciente que o conceituou como sendo uma espécie de porão onde fica guardado o que não se quer mostrar. Fatos e sentimentos que o indivíduo não tem coragem de contar nem para si próprio e, por isso, guardou no inconsciente e esqueceu. No entanto, pesquisas modernas revelam um conceito de inconsciente bem diferente desse estabelecido há cem anos.

(9)

A explicação mais aceita hoje é a de que o inconsciente, longe de significar uma parte física localizada em uma determinada região do cérebro, é uma espécie de programa operacional capaz de processar, ao mesmo tempo, milhares de informações paralelas. Enquanto o consciente executa suas tarefas de forma serial, uma atrás da outra. Fornecendo informações ao consciente sob forma de intuição, o inconsciente é hoje compreendido como uma ferramenta de trabalho mental que executa tarefas fundamentais e pode determinar, em certas circunstâncias, atitudes que uma pessoa deve tomar.

Modernamente o inconsciente é considerado como uma forma de inteligência, diferente da inteligência convencional. É hábil também em executar tarefas sem que o consciente perceba; relaciona e toma decisões, determinando o que uma pessoa deve ou não fazer. As pessoas agem em determinadas situações, compelidas pelas sugestões ou informações que foram instaladas em seu inconsciente. Conscientemente, não sabem o que estão fazendo, mas fazem. Entender esse mecanismo é se aproximar de como funciona os efeitos hipnóticos.

O inconsciente tem um mecanismo de realimentação de sugestões; o que é depositado nele é retro-alimentado para o consciente e vice-versa. Toda pessoa, a menos que possua uma patologia psiquiátrica séria, é sugestionável e, um meio eficaz de fazer a sugestão funcionar é a sua repetição; com isso, imprime-se no inconsciente uma idéia que realimentará o consciente. É comum na infância se ouvir dos adultos algumas palavras ou frases repetidas, até que o inconsciente da criança aceite a idéia do que isso representa e depois a execute. Disso pode resultar situações que definirão, de forma positiva ou negativa, uma vida inteira.

Na atualidade os efeitos da sugestão, agindo com força hipnótica extraordinária, são observados em diferentes veículos de comunicação, através de mensagens explicitas ou subliminares embutidas na informação principal. Esse tipo de comunicação pode determinar tendências no comportamento de massa e, existem organizações que são responsáveis pela difusão de sugestões sistematizadas e repetidas que agem modelando o comportamento social. Por isso alguns efeitos hipnóticos devem ser entendidos como fato social normal que não se restringe só a momentos especiais.

Embora os seres humanos vivam como se estivessem sob efeito hipnótico é, ironicamente, por não perceber essa possibilidade que podem ser manipulados ou modelados por idéias alheias à sua própria vontade. Na comunicação de massa, cada vez mais, esse recurso tem sido instituído e serve como instrumento a serviço da mídia na propaganda política, comercial e ou religiosa.

Efeitos hipnóticos estão presentes em diversos setores da comunicação, mas sem dúvida, é a propaganda que mais aplica este recurso. Utilizando-se da sugestão subliminar como estratégia para atingir seus objetivos, a chamada hipnose de massa é bastante evidente nos modernos processos publicitários,

(10)

isso tem evoluído muito nos últimos tempos porque hipnotizar é antes de tudo convencer e a propaganda tem este mesmo propósito.

Já existem sistemas de publicidade, sobretudo na chamada publicidade indireta, capazes de criar no ânimo dos consumidores o desejo, quase sempre irresistível, para fazer ou deixar de fazer alguma coisa; como adquirir determinado produto, preferir marca ou modelo e alimentar o consumo desnecessário, deixando-os num estado que se assemelha à hipnose clássica. Assim, identificar esses processos é uma forma de defender-se quando for preciso.

A mídia é capaz, de uma só vez, de modificar conceitos e comportamentos de grande parte da sociedade através da repetição da informação que, às vezes, são equivocadas ou ideologicamente construídas pelos interesses da dominação. Tem a mídia, através da sugestão, o poder de influenciar e convencer os coletivos sociais estabelecendo conceitos e preconceitos, alterando costumes, modificando hábitos, gerando consumo e formando opiniões.

O recurso da sugestão hipnótica é também fortemente utilizado quando a religião determina o comportamento das pessoas com base na idéia de céu e de inferno, virtude e pecado, santos e demônios. Uma vez sugestionado o indivíduo pode ampliar ao máximo, por si só, o poder da sugestão que recebeu. O resultado desse processo depende de como foi, direta ou indiretamente, sugestionada a agir e, agindo, reforça a sugestão que recebeu em uma realimentação constante, aumentando cada vez mais o seu grau de convencimento em torno do objetivo induzido.

O ritual religioso quando associado ao transe hipnótico, produz efeitos que ultrapassam a compreensão pela racionalidade; através de linguagens simbólicas promove o aumento da percepção e curas inexplicáveis acontecem. Algumas religiões milenares que se desdobram em várias outras, chegam à contemporaneidade como no passado, produzindo bem a associação de transe e cura. Nem sempre o transe é produzido apenas através de estímulos dos sentidos normais, pode ser desencadeado por ingestão de substâncias que agem no organismo com este propósito. Em algumas sociedades primitivas substâncias hipnotizadoras encontradas na natureza, geralmente em vegetais, foram incorporadas às liturgias e são usadas até hoje com surpreendentes efeitos.

Entre os grandes clássicos do hipnotismo europeu, é comum a referencia inicial ao Padre Gassner que praticava na Alemanha, por volta de 1770, métodos e aplicações de técnicas hipnóticas, associadas à crença católica, com objetivo de curar enfermidades. Para ele as doenças e os demônios estavam quase sempre juntos e uma pessoa doente poderia ser alguém possuída. Aquele que se sentia com o diabo no corpo, e por conseqüência doente, vinha ou era trazido ao Padre para que ele o expulsasse e, assim, promovesse a cura.

(11)

Franz Anton Mesmer assistiu várias apresentações de Gassner e não se conformando com a explicação do Padre, deu uma versão não menos fantástica para as curas através do hipnotismo, em lugar de responsabilizar demônios pelas enfermidades, responsabiliza os Astros. Para ele a doença resulta da freqüência irregular dos fluidos astrais e a cura depende de sua adequada regulagem. Acreditava que certas pessoas teriam o poder de controlar esses fluidos, podendo comunicá-los a outrem, direta ou indiretamente, por intermédio de objetos magnetizados pelo seu contato.

Os efeitos hipnóticos saíam da explicação religiosa indo para a explicação da influência astral, tese segundo a qual os fluidos magnéticos invisíveis regulam a vida das pessoas e, por volta de 1780, o mesmerismo se espalhou pela Europa; Mesmer dizia que o crucifixo de metal usado por Gassner era responsável por concentrar e transmitir para os enfermos um fluido magnético curativo. Cria assim a doutrina do Magnetismo Animal, que foi logo bem recebida por legiões de adeptos. Foi ele um dos maiores mistificadores do que mais tarde seria conhecido como hipnose.

O magnetismo animal prossegue com o Marquês de Puységur, um dos discípulos de Mesmer. O Marquês, casualmente, enquanto magnetizava um camponês com objetivo de curá-lo de enfermidade, percebeu que o paciente caía em um estado de sonambulismo, como se mantivesse em sono profundo, com movimentos respiratórios tranqüilos. Nada havia das clássicas agitações provocadas pelo Mesmerismo. Puységur percebeu, com surpresa, que o camponês podia falar sem sair do sono hipnótico e com lucidez maior que a habitual, indicou sua própria doença como sendo uma infecção pulmonar e para sua própria cura indicou remédios precisos. Puységur chamou isso de sonambulismo artificial, e descobriu o estágio mais profundo do transe hipnótico que até hoje é chamado de sonambúlico.

O magnetismo tomou outro rumo através do médico e filósofo, Denizard Hippolyte Léon Rivail. Em 1850 o mesmerismo atraiu a sua atenção, passando a integrar o grupo dirigido pelo Barão Du Potet, dirigente da Sociedade Magnética de Paris. Inicialmente Rival freqüentou sessões de magnetismo em busca de solução para os casos de enfermidades de pacientes a ele confiados e tornou-se mais tarde o codificador da doutrina espírita.

Em 1859, com o pseudônimo de Allan Kardec, publica o Livro dos Espíritos e cria outra versão para o magnetismo, a de que a força curativa era atribuída aos espíritos. A estruturação de sua doutrina tem por base o pensamento de Pitágoras sobre a existência da alma e sua evolução defendida por Platão, herda diretamente as teorias do magnetismo e os rituais mesmeristas, se desenvolve absorvendo, incorporando e reinterpretando seus efeitos. O espiritismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba sendo substituído pelo hipnotismo.

Vários foram os homens famosos que desenvolveram e aplicaram as idéias de Mesmer. Mas foi James Braid, médico escocês que usou pela

(12)

primeira vez, por volta de 1841, a palavra hipnotismo. Deve-se sua iniciação nos estudos da hipnose ao famoso mesmerista suíço Lafontaine, discípulo de Puységur. Em 1843 Braid publica seu livro sobre o assunto; dizia que a fixação do olhar era o processo para o efeito mesmerista. Batizando esses efeitos como hypnos, nome do deus grego do sono, anexado ao vocábulo ismo, que significa estudo, cria a expressão hipnotismo e, disso derivando outros nomes como hipnose, hipnótico, hipnólogo, hipnotizador, hipnotista e hipnotizado.

Hipnotista é quem induz o transe hipnótico de forma metódica, técnica e sistemática, é teórico e prático na área da hipnose. Hipnotizador é quem casualmente hipnotiza sem possuir conhecimento teórico, às vezes não sabe o significado da hipnose ou até mesmo como provoca seus efeitos. Hipnólogo é o teórico, estudioso do assunto, conhecedor das técnicas hipnóticas, mas nem sempre hábil na prática de hipnotizar. Hipnotizado é quem está sob a ação do hipnotismo e é também chamado de paciente quando a hipnose é produzida para tratamento médico.

Liébaut foi quem acrescentou a sugestão verbal à fixação do olhar desenvolvido no método de Braid. Sua técnica tranqüila e discreta baseava-se nas palavras e no tom de voz. Em 1864, lendo um exemplar da obra de Braid, fez-lhe renascer o interesse pelo assunto que não mais deixaria por toda a sua vida. Seus clientes eram pessoas humildes e camponesas e a eles Liébaut dizia: “Se quiser tratamentos com drogas, terá que pagar a consulta, mas se permitir que faça o tratamento pelo hipnotismo, não terá de pagar nada”.

Por volta de 1880, Bernheim foi o primeiro a perceber que o estado hipnótico era normal em todas as pessoas e, principalmente, foi quem definiu os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como elemento provocador de ações inconscientes compulsivas, e propôs aplicar isso como terapia. Nesta mesma época, Charcot achava que a hipnose era uma forma de histeria, descobriu que podia induzir sintomas histéricos através de sugestões hipnóticas. Não concordando, Bernheim apontou a Charcot os seus erros, mostrando-lhe que as características histéricas não eram critérios para o transe hipnótico e que os sintomas da histeria podiam ser provocados artificialmente por mera sugestão. Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas francesas de hipnotismo, uma no hospital La Salpêtrière em Paris e, a outra na Cidade de Nancy.

Salpêtrière e Nancy foram escolas que serviram de base para Freud e, as investigações com o uso da hipnose, forneceram muitas pistas que lhe permitiu os primeiros passos para o desenvolvimento da teoria e da técnica da psicanálise. Mas, não é apenas a psicanálise que tem forte envolvimento com o hipnotismo e, principalmente com a hipnoterapia; também pode ser identificado, de algum modo, semelhanças com outras teorias que fundamentam várias psicoterapias, filosofias de vida e concepções de mundo, produzidas nas mais diferentes culturas, tanto orientais como ocidentais. Mesmo que tentem seus idealizadores e seguidores se afastarem do tema, sempre aparecem laços que

(13)

vinculam suas teorias ou idéias aos processos sugestivos ou efeitos terapêuticos próximos aos produzidos pelo hipnotismo.

Das duas clássicas escolas de hipnotismo, Salpêtrière e Nancy, resultaram muitos outros pesquisadores; cada um tentando compreender e difundir a hipnose pelo mundo, como Krafft-Ebing na Áustria, Forel na Suíça, Wetterstrand na Suécia, Bramwell na Inglaterra, Heidnhain na Alemanha, Felkin na Escócia, Pavlov na Rússia, McDougall e Phineas Puimby nos Estados Unidos. Com tanta gente estudando e teorizando, a hipnose ganha impulso na aplicação terapêutica e cresce através de demonstrações recreativas.

Donato e Hansen, ambos no fim do século XIX, destacaram-se por arbatarem multidões para demonstrações de grandes espetáculos de hipnose re-creativa. Violentas controvérsias explodiram pela impressa, acerca da natureza destes espetáculos, cada qual procurou interpretar a seu modo este fatos es-tranhos, que tão vivamente incitavam a curiosidade pública. Os homens de ci-ências, solicitados, foram obrigados ao exame deste tema e muitos médicos, professores e cientistas se interessavam pelo assunto. Nas platéias, cada vez mais, estavam presentes importantes personalidades e, a partir daí, davam no-vos impulsos à hipnose. Assim, por meio do palco, o hipnotismo alcançou mais intensamente o debate nas academias.

Os estudos acadêmicos ortodoxos quando se aproximaram da hipnose foi com receio e cautela. Das tentativas para explicar o hipnotismo cientificamente, muito se deve ao cientista russo Pavlov, quando analisou o fenômeno baseando seu estudo nos reflexos condicionados. Suas hipóteses para enquadrar as explicações nos princípios do paradigma mecanicista não prosperam; as tentativas da ciência neste campo foram vagas e os resultados obtidos nas pesquisas foram sempre imprecisos.

Para as neurociências ainda é um desafio desvendar como o processo hipnótico acontece. Mas, com o avanço dos novos recursos tecnológicos aplicados como instrumentos de pesquisa, grandes revelações já ocorrem em laboratórios do mundo científico. Somando-se a isso o fato da ciência estar caminhando por um novo paradigma, a hipnose sairá, em breve, do conceito de pseudociência, ganhará a respeitabilidade da comunidade científica, deixando de ser privilégio de alguns para ser conhecida pelo grande público. Na atualidade estudos sistematizados já despontam em grandes centros de pesquisa acadêmica, como na Universidade de Harvard, juntamente com a Universidade Stanford.

Embora vagos os conhecimentos científicos disponíveis para explicar a hipnose, muito antes de ser descartada, está sendo cada vez mais utilizada. Nos dias atuais o hipnotismo é apontado como uma arma eficiente de que dispõe a humanidade em sua incessante luta contra alguns males. O domínio da auto-hipnose pode ajudar na eliminação das doenças psicossomáticas ou eliminar efeitos psicológicos que agravam doenças orgânicas.

(14)

A hipnose quando processada pelo próprio interessado, pode representar um caminho para que seja atingida a melhoria da qualidade de vida, requisito indispensável para a solução de muitos problemas e conflitos. Sua prática permite a descoberta da autoconfiança, promovendo o desenvolvimento da auto-estima e da compreensão de si mesmo, sem que para isso seja preciso, necessariamente, crer ou seguir doutrinas ou ser convencido a colaborar de forma econômica para pessoas ou organizações.

O uso da sugestão hipnótica em benefício próprio dá lugar ao conceito conhecido como auto-sugestão ou auto-hipnose, muito difundida na Europa e que entrou em moda nos Estados Unidos na metade do século XX. Charles Baudouin e Pierce, entre outros, escreveram sobre o assunto, mas se deve a Emile Coué a sistematização desse processo. Foi ele quem formulou vários princípios e leis que fundamentam a aplicação da auto-sugestão e desenvolveu o célebre método que chamou de “Domínio de si mesmo pela auto-sugestão consciente”. Suas idéias e frases estão, invariavelmente, escritas nos livros de auto-ajuda.

Mesmo que convivam com ela, normalmente as pessoas não acreditam na hipnose; a maioria só acredita quando presenciam demonstrações práticas que não devem ser simples espetáculos de curiosidade. É através de cursos e apresentações que os participantes podem analisar os efeitos hipnóticos a que estão sujeitos no cotidiano e, mais ainda, que podem desmistificar desvendando como é processada a sugestão ou a auto-sugestão e conhecer seus efeitos.

As discussões acadêmicas representam o melhor caminho para difundir e desmistificar a hipnose e a Faculdade é o fórum ideal para esse trabalho; neste espaço as apresentações fogem àquele sentido superficial e comum de espetáculo. Seu estudo deve ser claro e baseado, ao máximo, na verdade e nos princípios éticos, morais e científicos, portanto válido pelo sentido útil que se traduz na apropriação do conhecimento teórico e prático revelado nas demonstrações. Nessa oportunidade não se tem um mero espetáculo de curiosidade; tem-se uma exposição de fatos que são reproduzidos para efeito de aprendizagem. A prática é muito importante para quem deseja aprender além da capacidade teórica; a habilidade e a competência nesta área não se adquirem através de simples leitura.

Nas páginas seguintes, os aspectos abordados nesta introdução são tratados com detalhes e fidelidade com as fontes pesquisadas. O principal objetivo, não é tomar partido por essa ou aquela opinião, é sim apresentar idéias, conceitos, teorias e métodos que foram desenvolvidos ao longo da história, envolvendo de alguma maneira a hipnose, para comparar com as modernas teorias e práticas das principais psicoterapias.

(15)

CAPÍTULO I – HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO

Entender melhor as explicações sobre algumas terapias, incluído a psico-terapia e, especificamente, a hipnopsico-terapia, depende da forma como suas práti-cas foram introduzidas nos múltiplos e diferentes domínios culturais. Assim, tor-na-se indispensável uma reflexão histórica, filosófica e científica, mesmo que resumida, para melhor compreender os autores que, no decorrer dos séculos, trataram desse tema. Neste retrospecto, é fácil observar como algumas “verda-des” desaparecem e são esquecidas para novamente reaparecerem, talvez mais aperfeiçoadas ou distorcidas.

Considerando que a evolução de qualquer ramo do conhecimento jamais ocorreu por meio de atos isolados de um único pensador ou cientista, mesmo que uma descoberta seja atribuída a uma única pessoa, esta, certamente, está embasada em idéias anteriores. É fácil a percepção de como traços culturais de civilizações, sistemas filosóficos, crenças, religiões e modo de se fazer ciência vão, voltam e se vão novamente, é a eterna ciranda do pensamento. Por isso, quando se deseja conhecer a explicação sobre um fato social qualquer, é im-portante lembrar parte da história do desenvolvimento do conhecimento que o-rientou teorias sobre a natureza dos homens, das coisas e do Universo.

Para melhor refletir sobre a hipnose e a hipnoterapia é importante conhe-cer as diferentes fases da evolução das idéias que, embora muitas vezes con-traditórias entre si, preservam heranças culturais e desenvolvem, a cada mo-mento sobreposto, uma crescente babel conceitual e pré-conceitual chegando à contemporaneidade como sofismas atormentadores. Isso talvez explique, em parte, o porquê e a gênese de algumas práticas curativas que, de formas anta-gônicas, se apresentam ora centrada na filosofia ou na perspectiva da ciência cartesiana, ora radicalizada no mito, na magia ou na religião.

Procurar compreender e explicar a realidade faz parte da natureza huma-na e, huma-na busca de respostas sobre o mundo, a humanidade desenvolveu dife-rentes formas de pensar, construídas não apenas pelo senso comum, mas tam-bém através do conhecimento dominante, àquele que tem origem no mundo acadêmico. Enquanto o senso comum revelava-se pela cultura acumulada, o conhecimento dominante sempre foi agregado a paradigmas, compreendidos como um conjunto de valores, crenças e convenções que determinam as ver-dades ou respostas aos problemas humanos.

Para o ser humano viver no mundo necessita se sentir seguro, esta segu-rança é conquistada a partir dos conceitos que ele formula e o conjunto de con-ceitos forma um paradigma. Enquanto prevalecer um paradigma o estado de segurança é permanente, pois um conceito só é derrubado através do surgi-mento de um novo conceito que o substitua. Cada paradigma representa um longo período, nos quais se destacam diferentes orientações para o pensamen-to e considera suas revelações como o ápice do conhecimenpensamen-to. No entanpensamen-to, a próxima fase considera as idéias anteriores como absurdo, mas, mesmo assim,

(16)

permanecem impregnadas na cultura popular e, mesclando-se ao novo conhe-cimento, criam contradições, crenças e superstições baseadas em conclusões equivocadas a partir da observação dos fatos ou da experiência vivenciada. Is-so exerce influência direta ou indireta Is-sobre o indivíduo e a Is-sociedade, configu-rando a forma pela qual o humano pode compreender o mundo em que vive e se ajustar nele.

Entre os povos primitivos o mito é um paradigma, é forma do humano se situar no mundo, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. O mito não depende de reflexão ou crítica para estabelecer algumas verdades que explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural. É intuitivo e não necessita de provas para ser aceito. É, portanto, uma intuição sobre o mundo, cuja função principal é acomodar o homem na natureza. Mas, o mito não é exclusividade de povos primitivos, existe em todos os tempos e cul-turas como componente indissociável da maneira de compreender a realidade. Cada povo, com base em seus mitos, tem uma visão própria da natureza e ma-neiras diferenciadas de explicar os fenômenos e os processos naturais. O mito não é lenda, ficção ou fabulação, é uma organização da realidade a partir da in-tuição sobre a experiência vivenciada.

Para o povo antigo o mito era extremamente precioso por seu caráter e-xemplar, dogmático e sagrado, sempre verdadeiro, confirmado na vida social, portanto, inquestionável. A sua aceitação não é racional, tem de ser através da fé e da crença, isto é, construído pela afetividade e pela imaginação. Até o sé-culo V a.C. o mito era a forma de revelação do conhecimento e significava ori-entações para a conduta, representava modelos explicativos para as funções e as atividades humanas praticados em diferentes civilizações como os gregos, romanos, assírios, babilônios, chineses, indianos, egípcios, persas e hebreus, além de sociedades primitivas.

O pensamento mítico pertence ao campo do pensamento simbólico e da linguagem simbólica, se caracteriza como uma das formas pela qual um povo explica aspectos essenciais da realidade em que vive; a origem do mundo, o funcionamento da natureza e os processos naturais, além da origem e o destino das pessoas e seus valores básicos. O povo grego antigo tinha essa percepção e o termo grego mythos significa um tipo bastante especial de discurso que pressupõe adesão e aceitação dos indivíduos para a explicação mágica de sua experiência do real.

O mito não se justifica e não se fundamenta, nem se presta ao questio-namento, à crítica ou à correção, não obedece à lógica nem da verdade empíri-ca, nem da verdade científica. É verdadeiro para quem vive, é a verdade cons-truída pela afetividade e pela imaginação, não necessita de provas para ser a-ceita. É, portanto, uma intuição compreensiva da realidade, uma forma espon-tânea do ser humano situar-se no mundo.

A forma de explicar a realidade apelando para o sobrenatural, para o mis-tério e o sagrado é através do pensamento mítico. Assim, as causas dos

(17)

fenô-menos naturais, ou seja, aquilo que acontece aos seres humanos é entendido como que governadas por realidades superiores, misteriosas, divinas. São exte-riores ao mundo natural, forças universais e invisíveis provindas dos deuses, dos espíritos, dos Astros e das Estrelas do céu, aceitas como capazes de influir e governar a natureza e o destino dos homens.

O mito pretende dar uma explicação da realidade, mas recorre ao mistério e ao sobrenatural, ou seja, àquilo que não pode ser explicado, que não pode ser compreendido por estar fora do plano da compreensão humana. A explica-ção dada pelo pensamento mítico termina na impossibilidade da explicaexplica-ção do que se deseja conhecer. Ao responder, o mito cria outro problema irrespondível, por isso, a resposta tem de ser definitiva, misteriosa e dogmática.

Como proposta para o homem tentar entender o mundo sem recorrer ao misterioso e dogmático surge, no século VI a.C. na Grécia, o pensamento filo-sófico. Os primeiros filósofos da escola jônica iniciam com o objetivo de buscar uma explicação do mundo natural, na física (physis), baseada essencialmente em causas naturais. A chave da explicação do mundo e da experiência humana estaria então, para esses pensadores, no próprio mundo e não fora dele. Mas, isso não significa o desaparecimento do mito como forma explicativa, muitos dos seus elementos sobrevivem, chega às sociedades contemporâneas e são manifestados pelo imaginário coletivo, criando ou modificando crenças, supers-tições e fantasias.

O pensamento mítico fez parte de uma sociedade baseada em uma mo-narquia divina em que a classe sacerdotal tinha grande influência e o poder po-lítico era hereditário, sustentado por uma aristocracia militar e mantida por uma economia agrária. A partir da invasão da Grécia pelas tribos dóricas, vindas pro-vavelmente da Ásia central, em torno de 900 a 750 anos a.C. começam a surgir cidades-Estado. Ocorre uma participação política mais ativa dos cidadãos e a religião vai tendo seu papel reduzido, paralelamente surge uma nova ordem e-conômica, baseada em atividades comerciais e mercantis. Este novo cenário al-tera o conjunto de conceitos e inicia um novo paradigma, o pensamento filosófi-co.

Com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, o pensamento mítico vai deixando de satisfazer às necessidades da nova organização social, mais preo-cupada com a realidade concreta, com a atividade política mais intensa e com as trocas comerciais. É nesse contexto que a filosofia encontrará condições fa-voráveis para o seu nascimento. Mas, a influência do pensamento mítico per-manece por muito tempo ativo também nas escolas de pensamento filosófico, como no pitagorismo e na obra de Platão. A perda do poder explicativo baseado no mito resulta de um longo período de transição e de transformação da socie-dade, que torna possível uma nova forma de pensar e alimenta as primeiras es-colas do pensamento filosófico no século VI a.C.

O pensamento filosófico surgiu não nas cidades do continente grego co-mo Atenas, Esparta, Tebas ou Micenas, mas nas antigas colônias gregas do

(18)

Mediterrâneo oriental, no mar Jônico, na península da Anatólia, território que hoje faz parte da Turquia. Essas colônias, dentre as quais se destacaram Mileto e Éfeso, eram importantes portos e entrepostos comerciais, locais de encontro das caravanas provenientes da Mesopotâmia, Pérsia, talvez também da Índia e China. Para lá eram levadas mercadorias que eram embarcadas e transporta-das para outros pontos que os navegadores gregos aportavam com suas em-barcações.

Nas cidades gregas do Mediterrâneo oriental conviviam em harmonia dife-rentes culturas, pois o interesse comercial fazia com que os povos que ali se encontravam, sobretudo os gregos fundadores das cidades, fossem bastante tolerantes. As colônias do mar Jônico eram então cidades cosmopolitas imersas no pluralismo cultural, com a presença de diversas línguas, costumes, cultos e mitos. Considerando o fato de que cada povo tem sua forma de ver o mundo, seus costumes e valores, é possível que o confronto entre as diferentes tradi-ções tenha contribuído para enfraquecer o poder do mito, de dar explicatradi-ções absolutas e verdadeiras sobre os questionamentos humanos.

Nas sociedades gregas, dedicadas às práticas comerciais e aos interes-ses pragmáticos, as tradições míticas e religiosas vão perdendo progressiva-mente sua importância e surge o tipo de pensamento inaugurado, na Escola de Mileto, por Tales (625-547 a.C.) que pode ser considerado como o primeiro filó-sofo a buscar respostas além daquelas obtidas pelo pensamento mítico. Algu-mas das características centrais desse novo tipo de pensamento exercem influ-ências entre o século VI e V a.C. em quase todos os pensadores pré-socráticos. É uma nova forma de analisar e ver a realidade porque propõe o uso da razão, mas não significa que a filosofia rompe radicalmente com o mito, apenas susci-ta o uso da razão no seu esclarecimento, sobretudo aos que se referem à ori-gem do mundo.

A principal contribuição da Escola de Mileto ao desenvolvimento do pen-samento filosófico e pode-se dizer também científico, foi construir um conjunto de noções para tentar explicar a realidade, a partir de alguns conceitos básicos que rompem com a narrativa do mito. O pensamento das primeiras escolas de filosofia toma por base:

• A noção de physis (natureza) e de causalidade. • O conceito de arché ou elemento primordial.

• A concepção de kosmos como o Universo racional e ordenado. • O lógos como explicação racional.

• O caráter crítico, a discussão e não dogmatismo.

Noção de physis e causalidade

O objeto de investigação dos primeiros filósofos-cientistas é o mundo na-tural, suas teorias buscam dar uma explicação causal aos processos e aos fe-nômenos da natureza, a partir de causas puramente naturais, isto é, encontrá-veis no mundo concreto, e não em um mundo sobrenatural ou divino como nas

(19)

explicações míticas. Segundo esse tipo de visão, a compreensão da realidade natural encontra-se nesta própria realidade e não fora dela. Aristóteles (384-324 a.C.) chama os primeiros filósofos de physiólogos, ou seja, estudiosos ou teóri-cos da natureza (phvsis) e dedicou as primeiras páginas de Metafísica a um breve resumo sobre os pensadores que o precedeu. 1

A causalidade é a característica central da explicação da natureza pelos primeiros filósofos, a natureza das coisas é interpretada em termos puramente naturais e o estabelecimento de uma conexão causal entre determinados fenô-menos naturais constitui a forma básica da explicação filosófica e científica. Ex-plicar passa a ser relacionar um efeito a uma causa que o antecede e o deter-mina; é reconstruir o nexo causal existente entre os fenômenos da natureza; é tomar um fenômeno como efeito de uma causa. A existência desse nexo torna a realidade inteligível e permite considerá-la como tal, mas é importante, entre-tanto, que o nexo causal se dê apenas entre fenômenos naturais, considerando que o pensamento mítico também estabelece explicações causais entre fenô-menos naturais e sobrenaturais.

A explicação de causa e efeito entre fenômenos naturais e sobrenaturais é bem explícita na narrativa da guerra de Tróia na Ilíada de Homero, um entre os maiores poemas épicos da Grécia antiga, composto no século VIII a.C. e que teve profunda influência sobre a literatura ocidental. No texto pode ser lido quando os deuses tomam partido dos gregos e dos troianos e influenciam os acontecimentos em favor de um ou de outro. Portanto, fenômenos humanos e naturais têm, nesse caso, causas sobrenaturais. Trata-se de uma explicação causal, porém dada através da referência a causas sobrenaturais. A proposta dos primeiros filósofos é romper com essa possibilidade, o nexo tem de ser a-penas entre fenômenos naturais.

A explicação causal entre os fenômenos naturais possui um caráter re-gressivo, explica sempre uma coisa por outra. É a possibilidade de buscar uma causa anterior, mais básica, até o infinito. Cada fenômeno poderia ser tomado como efeito de uma nova causa, que, por sua vez, seria efeito de uma causa anterior, e assim sucessivamente, num processo sem fim. Isso invalida o pró-prio sentido da explicação, pois, mais uma vez, a exposição levaria ao inexpli-cável, a um mistério tal como no pensamento mítico. Para evitar a regressão ao infinito da explicação causal surge a necessidade de se estabelecer uma causa primeira, um princípio, ou um conjunto de princípios, que possa servir de ponto de partida para o processo racional. Neste ponto nasce a noção de arché (ele-mento primordial).

O Arché e o kosmos

Os filósofos começam postular a existência de um ponto de partida para todo o processo do pensamento. O primeiro a formular essa noção é

1ARISTÓTELES, Metafísica (trad. Leonel Valandro), Porto Alegre, Ed. Globo, Biblioteca dos

(20)

te Tales de Mileto, quando afirma que a Terra flutua como um disco boiando sobre a água, no oceano, e que a água está presente em quase tudo que existe na natureza, em seus três estados físicos; líquido, sólido e gasoso. Para ele, a água (hydro) é o princípio e o fim de tudo. Tales escolheu esse elemento como primordial influenciado, provavelmente, por antigos mitos do Egito e da Mesopo-tâmia; regiões onde a água teve um papel crucial para o desenvolvimento de ci-vilizações, principalmente em locais fluviomarinhos como a margens de rios, la-gos e mares.

Segundo Tales, a água ao se resfriar torna-se densa e dá origem à terra e ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A hipótese de Tales pode ser resumida nas proposições de que a terra flutua sobre a água; a água é a causa material de todas as coisas e, em suas diferentes formas, é cheia de deuses e poderes divinos. Foi também um dos primeiros pensadores a afirmar que o ímã possui vida, pois atrai o ferro, tendo assim inaugurado a doutrina magnética, básica para o desenvolvimento da “medicina magnética” que se desdobra no mesmerismo, no kardecismo e, por fim, no hipnotismo.

A busca por um elemento real que dá unidade à natureza é a contribuição mais importante de Tales, elegendo a água enquanto princípio para a explica-ção do mundo, inaugura o pensamento filosófico. Para ele a água não era sim-plesmente a substância encontrada em rios, mares, lagos e simbolizava um e-lemento real, o mais básico, o mais primordial; presente em todas as coisas em maior ou menor grau. No imaginário coletivo a água vai se tornando também re-ferencia indispensável para a explicação de todas as coisas questionáveis, se transforma em um elemento mágico capaz de promover a cura para o corpo e a purificação para a alma humana. Passa a ser a fonte de explicação para o que não se pode compreender.

Os discípulos de Tales elegem outros elementos como sendo primordial para a explicação do mundo, como exemplo, Anaximandro de Mileto (611-547 a.C.), discordando do mestre, identifica o arché não mais como um elemento natural, mas no apeíron, termo grego que indica o ilimitado, o infinito, uma realdade sem limites e sem fronteiras, um princípio abstrato significando algo de i-limitado, indefinido, subjacente à própria natureza. Anaximandro dizia que a ori-gem de tudo está no movimento eterno que resulta na separação dos contrá-rios; como o quente e o frio, o seco e o úmido. Neste sentido, como forma expli-cativa da vida, do mundo e do Universo, o pensamento teológico, impõe tam-bém contrários como o bem e o mal, a virtude e o pecado, o sagrado e o profa-no, o céu e o inferprofa-no, anjos e demônios, Deus e o diabo.

Anaximandro é contraditado por Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) quando afirma ser o ar o princípio e o fim de tudo, dizia que esse elemento se diferenciava nas substâncias por refração e condensação; atenuado torna-se fogo; condensado, vento; ao crescer a condensação, transforma-se em água e

(21)

depois em terra, pedras e tudo mais na natureza. Mas, os gregos também pas-sam a compreender o ar pela expressão pnêuma, ou seja, o vento quente e ra-refeito, de natureza mais espiritual do que material, presente em cada ser vivo e que se exala do corpo como no último suspiro. O ar de Anaxímenes passa a ser entendido como o princípio da vida, algo que entra e sai do corpo, entre o nas-cimento e a morte, por isso passa a significar mais do que uma substancia natu-ral. Dessa idéia mais tarde deriva a concepção de alma e sua imortalidade. A-romatizar o ar passa a ser entendido como forma de melhor sentir sua presença capaz de promover benefícios mágicos para o ser humano.

Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.) recebeu o cognome de "pai da dialética", problematiza a questão do devir (mudança) e dizia ser o fogo o princípio expli-cativo para tudo que fosse questionável, para ele tudo muda e tudo flui. Dizia que todas as coisas podem ser transformadas em fogo e que o fogo pode se transformar em todas as coisas. Mas, o pensamento de Heráclito parece ser metafórico, compara a ação do fogo com a ação da moeda pela capacidade que ambos têm de transformar as coisas. Dizia que do mesmo modo como se troca o ouro, no sentido de moeda, por todas as coisas, tudo pode ser trocado por ouro. 2 Suas idéias sobre o fogo, como elemento primordial ou metáfora ex-plicativa, no conceito popular ganha relevância. Além do seu poder de exercer fascinação, o fogo já não se limita apenas à iluminação ou outros serviços; pas-sa a representar mais uma facilidade na relação do humano com o divino. Pa-radoxalmente a filosofia que surge em substituição ao pensamento mítico, a ca-da passo o fortalece.

Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), natural da colônia dórica de A-grigento, na Sicília, realizou uma síntese filosófica e propôs uma explicação ge-ral do mundo, considerando todas as coisas como resultantes da fusão do que considerou os quatro princípios eternos e indestrutíveis; a terra, o fogo, o ar e a água. Acreditava que esses elementos são misturados ou separados pela ação do amor ou pelo ódio. Tese retomada por Platão (428-347 a.C.) e difundida em toda a Antigüidade, chegando até o período moderno nas especulações da al-quimia no Renascimento até o surgimento da química moderna no século XVIII, quando em 1789, Antoine-Laurent Lavoisier publicou a primeira lista de elemen-tos químicos. Depois de Empédocles, Demócrito de Abdera acrescenta mais um elemento, o átomo, acreditava que tudo era composto por átomos e vazio. O atomismo de Demócrito passa a ser a medida explicativa de tudo.

Pitágoras (570-500 a.C.) identificou o arché no número, afirmando que cada figura geométrica e, portanto, cada corpo existente, pode ser pensado como quantidade finita de elementos-base unitários. Com a certeza de que tudo é número e tudo pode ser quantificado em números, Pitágoras construiu a pri-meira matemática e elaborou uma metafísica, um ideal de ordem, racionalidade e harmonia universal. Para ele o número não era um ente abstrato, mas algo

2 NICOLAS, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna (trad. Maria

(22)

concreto e real com uma dimensão espacial; os números são figuras como e-xemplo o quadrado, o triângulo e o circulo que se apresentam como um ente in-termediário entre a aritmética e a geometria e é capaz de explicar o mundo. Daí se desenvolve a numerologia.

No que se refere à magia, Pitágoras também se revela como crédulo das culturas curativas arcaicas baseadas no pensamento mítico. Isso é demonstra-do pela lista de estranhas regras de purificação da alma que impôs aos seus discípulos. Algumas ações eram absolutamente proibidas por motivos religio-sos, como exemplo, não comer favas; não recolher o que caiu; não tocar em um galo branco; não partir o pão para comer; não saltar sobre traves; não atiçar o fogo com ferro; não morder um pão inteiro; não partir as guirlandas; não se sen-tar sobre um jarro; não comer coração; não se olhar em um espelho perto do fogo; alisar a marca do corpo ao levantar-se na cama. Outra idéia de Pitágoras é a de que os Astros produzem no seu movimento uma música perfeita e divina, literalmente celestial, a música das estrelas não é percebida pelos homens por não serem estes perfeitos ou refinados do ponto de vista da suprema purifica-ção da alma.

Pitágoras foi o primeiro filosofo acidental a sustentar a existência da alma e sua transmigração de um copo para outro no momento da morte. Para ele, devido à culpa anterior, a alma é obrigada a reencarnar sucessivamente, nem sempre em corpos humanos, mas também em animais, em um ciclo que só é interronpido após a purificação. Esta teoria conhecida como metempsicose, pro-fessada no oriente pelas religiões hinduísta e budista, chegou à Grécia com a seita misteriosa dos Órficos, cresceu com os ensinamentos de Pitágoras e de-pois foi assumida por Platão como explicação da anamnese ou reminiscências. Anamnese, em grego, significa recordação, reminiscências. O termo indi-ca a teoria de origem mítico-filosofiindi-ca com que Platão tenta expliindi-car o problema do conceito e do conhecimento em geral. Segundo sua hipótese a alma, no sentido da mente humana, não adquire conhecimento a partir do exterior, mas recorda no seu interior, aquilo que outrora adquiriu e depois esqueceu. Reto-mando a teoria da metempsicose de Pitágoras, Platão também acha que as al-mas transmigram de um corpo para outro, al-mas antes de ocupar um novo corpo têm a possibilidade de contemplar as idéias, o modelo perfeito das coisas. Este conhecimento, perdido no esforço do nascimento, é posteriormente despertado pela observação das coisas. Assim, a percepção do mundo externo não fornece nenhum conhecimento, somente o estimulo à recordação. O conhecimento dá-se por meio de uma visão intelectual, quando o dá-ser humano condá-segue reconhe-cer na complexidade do mundo real as formas essenciais e prototípicas, ou se-ja, as idéias.

Para os filósofos compreender o mundo era necessário outro princípio, o Kosmos. O significado do termo para os gregos liga-se diretamente às idéias de ordem, harmonia, circularidade e serenidade representada pelos Astros e pelo espaço celeste. O belo resulta da harmonia das formas vistas no Cosmo; daí a

(23)

origem do termo “cosmético” como símbolo de beleza. A visão do Cosmo dis-tinguia a natureza celeste da natureza terrestre, o mundo supralunar e o mundo sublunar que se opunham, um como perfeito e o outro imperfeito. O imperfeito corruptível e perecível se opõe ao perfeito que é eterno e imutável.

As coisas terrestres eram imperfeitas, mas ao contrário da Terra, os As-tros celestes eram vistos como perfeitos pela sua forma circular, de movimentos uniformes, sem começo nem fim, sempre girando em torno de um ponto central do qual não se afasta nem se aproxima, habitação dos seres perfeitos e eter-nos. O Cosmo, entendido como ordem, se opõe ao caos que seria precisamen-te a falta de ordem. Passa a ser conprecisamen-templado pelos pensadores como o mundo real, natural e ordenado de acordo com certos princípios racionais, em que cer-tos elemencer-tos são mais básicos e se constitui de forma determinada, tendo a causalidade como lei principal.

A astrologia é envolvida pelo pensamento mítico com a idéia de um Cos-mo finito, esférico, fechado sobre si mesCos-mo, inteiramente contido na esfera dos céus, a Terra imóvel em seu centro e fora do qual, como diz Aristóteles, nada existe, nem lugar, nem tempo. Os Astros celestes, principalmente os noturnos como a Lua e as Estrelas, passam a representar o modelo para a vida humana, espelham a virtude, representam a idéia de perfeição que deveria influenciar o humano, suas atitudes e sua existência. Dessa filosofia deriva a convicção da influência dos Astros na vida e no destino das pessoas, é como se a vida de cada um estivesse escrita nas estrelas.

Há na concepção grega o pressuposto de correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real para a compreensão do Cosmo. É a raciona-lidade do mundo que o torna compreensível ao entendimento humano, a ordem do Cosmo é vista como uma ordem racional, uma realidade possível de ser compreendida. É porque este real pode ser compreendido que se pode fazer ciência, isto é, tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo “cosmolo-gia”, como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral sobre a natureza e o funcionamento do Universo.

O Lógos e o Crítico

Para o grego compreender o mundo faltava mais um princípio, a argu-mentação da realidade, o discurso, o lógos. O termo significa literalmente dis-curso e é com tal acepção que é explicitado, por exemplo, em Heráclito de Efé-so. O lógos enquanto discurso difere fundamentalmente do mythos, narrativa de caráter poético que recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. É uma explicação em que razões são dadas no discurso dos primeiros filósofos, explicando o real por meio de causas naturais.

Lógos são razões argumentativas, frutos não de uma inspiração ou de uma revelação, mas simplesmente do pensamento humano aplicado ao enten-dimento da natureza. É, portanto, o discurso racional em que as explicações são justificadas e estão sujeitas a critica e à discussão (disso deriva o termo “lógica”). Heráclito caracteriza a realidade como tendo um lógos, ou seja, uma

(24)

racionalidade que seria captada pela razão humana. Um dos pressupostos bá-sicos da visão dos primeiros filósofos é a correspondência entre a razão huma-na e a raciohuma-nalidade do real, o que torhuma-naria possível um discurso raciohuma-nal sobre o real.

Para construir o lógos era necessário o crítico, um dos aspectos mais fun-damentais do saber que fundamenta as primeiras escolas de pensamento, so-bretudo na escola jônica. O caráter crítico impedia que as teorias formuladas fossem dogmáticas, apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas como teorias passíveis de serem discutidas, de suscitarem divergências e dis-cordâncias, de permitirem formulações e propostas alternativas. Como se trata de construções do pensamento humano, de idéias de um filósofo, e não de ver-dades reveladas de caráter divino ou sobrenatural, estão sempre abertas à dis-cussão, à reformulação, a correções. Isso aconteceu na escola de Mileto com os dois principais seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, quando não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o elemento primordial e postulam outros elementos como tendo esta função.

Nas escolas filosóficas o debate, a divergência e a formulação de novas hipóteses eram estimulados, a única exigência era que as propostas divergen-tes pudessem ser justificadas, explicadas e fundamentadas por seus autores e submetidas à crítica. O que é acrescentado de novo na filosofia grega, não é a substituição dos mitos por algo mais “científico”, mas sim uma nova atitude em relação aos mitos, a atitude crítica. Em lugar de uma transmissão dogmática da doutrina, na qual todo o interesse consiste em preservar a tradição autêntica, encontra-se uma tradição crítica da doutrina.

Outros pensadores começam a fazer perguntas a respeito do mito, duvi-dam de sua veracidade, a dúvida e a crítica tornam-se agora parte da tradição da filosofia. Uma tradição superior que substitui a preservação tradicional do dogma e, em lugar da teoria tradicional, do mito, encontra-se a tradição das teo-rias que criticam a si mesmas e, no decorrer dessa discussão crítica, a obser-vação é adotada como testemunha dos fatos. Não foi por mero acaso que Ana-ximandro, discípulo de Tales desenvolveu uma teoria que divergia explícita e conscientemente de seu mestre, e que Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, tenha também divergido. A explicação parece ser que o próprio fundador da es-cola tenha desafiado seus discípulos a criticarem sua teoria, e que eles tenham transformado, com esta atitude de fazer crítica, a tradição da escola, trocando o dogma pela reflexão do pensamento.

O Cosmo passa a ser entendido pela astrologia, existe agora uma forma de conhecimento racional sobre os Astros, e surgem os pensadores astrôno-mos. Mas, até o século XVI e o início do XVII o pensamento ainda estava im-pregnado do ocultismo e da magia. A Igreja incorpora e defende o pensamento filosófico; passa a impor a idéia de que o mundo acima da Lua era reservado à habitação das substâncias mais puras, mais perfeitas e divinas, superiores so-bre o mundo imperfeito das coisas terrestres. A filosofia e a Igreja caminham

Referências

Documentos relacionados

Currently, the Ub-L family includes 10 mem- bers: small ubiquitin modifier (SUMO), neural precur- sor cell expressed developmentally downregulated 8 (NEDD8) or Related to Ubiquitin

Antes de estudar o instituto da sucessão, convém demonstrar seu histórico nas várias legislações passadas, em especial na antiguidade e idade média, assim como

6.4 - Decorrido o prazo de 60 dias, contados da data de recebimento da Nota de Venda, sem que o arrematante tenha providenciado, ou ao menos agendado por desídia, a

A teoria das filas de espera agrega o c,onjunto de modelos nntc;máti- cos estocásticos construídos para o estudo dos fenómenos de espera que surgem correntemente na

Uma agrofloresta foi implantada tendo espécies arbóreas frutíferas e florestais, plantas de cobertura, espécies adubadeiras, culturas anuais e como espécie-chave

Na interação entre os tratamentos com os períodos de coleta, para a contagem de fi broblastos, observou-se que os três tratamentos tiveram aumento progressivo da média de

Ao ser ouvida pelo Jornal do Médico, ela ressaltou também o exemplo dos seus pais, o carinho e o amor deles como sendo os responsáveis pelo sucesso na criação dos filhos e

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o