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O MODULOR DE LE CORBUSIER:

O MODULOR DE LE CORBUSIER:

FORMA, PROPORÇÃO E MEDIDA NA ARQUITETURA

FORMA, PROPORÇÃO E MEDIDA NA ARQUITETURA

ESUMO

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BSTRACT

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 Le Corbusier é um dos raros  Le Corbusier é um dos raros arquitetos, não só do século XX, arquitetos, não só do século XX, mas de toda a História da mas de toda a História da Ar-quitetura, que propôs uma quitetura, que propôs uma teo-ria de proporções e forneceu ria de proporções e forneceu descrições de como foram descrições de como foram apli-cadas em seus projetos. Na sua cadas em seus projetos. Na sua obra

obra transparece, transparece, além além dodo olhar atento para a criação de olhar atento para a criação de uma arquitetura consoante com uma arquitetura consoante com as transformações sociais, as transformações sociais, trazidas pelas tecnologias trazidas pelas tecnologias despontantes no século XX, um despontantes no século XX, um  pensamento lógico, racional e  pensamento lógico, racional e disciplinador que encontra sua disciplinador que encontra sua  plena expressão, em termos de  plena expressão, em termos de  proporções,

 proporções, no seu no seu sistema sistema de- de-nominado Modulor.

nominado Modulor.

 Palavras-chave:

 Palavras-chave:arquitetura,arquitetura, comodulação. comodulação.  LE CORBISIERS   LE CORBISIERS   MODULATOR: FORM,  MODULATOR: FORM,  PROPORTION AND  PROPORTION AND  MEASURE IN   MEASURE IN   ARCHITECTURE  ARCHITECTURE

 Le Corbusier is one of the few  Le Corbusier is one of the few architects, not only in the 20th architects, not only in the 20th century, but in the whole history century, but in the whole history of Architecture, to propose a of Architecture, to propose a theory of proportions and to theory of proportions and to make descriptions on how they make descriptions on how they were applied to his projects. His were applied to his projects. His work shows, besides the attentive work shows, besides the attentive look to the creation of an look to the creation of an ar

architecture consonant with chitecture consonant with soci- soci-al changes brought by the 20th al changes brought by the 20th century

centurys s emerging tecemerging technologies,hnologies, a logical, rational, and a logical, rational, and disci- plinary thinking that finds its full   plinary thinking that finds its full  expression, in terms of  expression, in terms of   proportions, in his system named   proportions, in his system named 

Modulor. Modulor.

 Keywords:

 Keywords: architecture,architecture, comodulation.

comodulation.

** Ennio Possebon é graduado e mestre pela Faculdade de ArquitEnnio Possebon é graduado e mestre pela Faculdade de Arquit etura e Urbanismo da USPetura e Urbanismo da USP. Trabalha com arquit. Trabalha com arquitetura, desietura, designgn

gráfico e artes visuais. Leciona desenho arquitetônico no curso de Arquitetura e Urbanismo do

gráfico e artes visuais. Leciona desenho arquitetônico no curso de Arquitetura e Urbanismo do UniFIAM-FAAMUniFIAM-FAAM e desenho dee desenho de observação e geometria no curso de Educação Artística dessa Instituição.

observação e geometria no curso de Educação Artística dessa Instituição.

Ennio Possebon Ennio Possebon**

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e Corbusier é um dos ra-ros arquitetos, não só do século XX, mas de toda a História da Arquitetu-ra, que propôs uma teoria de propor-ções e forneceu descripropor-ções de como foram aplicadas em seus projetos. Mais ainda, pretendeu e propôs que sua teoria fosse

utili-zada por outros. Seus desenhos e projetos são, por esta razão, um fértil terreno para o estudo da Geometria na sua conexão com a Arquitetura.

O MÓDULO DE OURO

Segundo John Summerson, [...] nos  primeiros anos da

Se-gunda Guerra Mundi-al Le Corbusier criou o sistema que se cha-mou  Modulor .

Modulor é uma pala-vra composta a partir

de module, ou seja, unidade de

me-dida, e  section d´or ou secção de

ouro: a divisão de uma reta de tal modo que o segmento menor está  para o maior assim como o segmen-to maior está para o segmen-todo. O Modulor é um sistema de propor-cionamento do espaço arquitetônico  baseado neste critério geométrico, e oferece toda uma gama de

dimen-sões. As dimensões medianas estão relacionadas com o corpo humano; as dimensões extremas aplicam-se,  por um lado, aos detalhes diminu-tos dos instrumendiminu-tos de precisão e,  por outro lado, à escala dos grandes  projetos de planejamento. 2

  Na obra de Le Corbusier, transparece, além do olhar atento  para a criação de uma arquitetura consoante com as transformações sociais, trazidas pelas tecnologias despontantes no século XX, um   pensamento lógico, racional e

disciplinador, ao buscar um traçado orientador do projeto, baseado na   proporção áurea. E, aí, ele não é

menos clássico que Palladio ou Alberti, ao retomar um tipo de con-trole de projeto tão essencialmente  pertencente a Renascença.

A PORTA DOS MILAGRES DE LE CORBUSIER

 A matemática é o magistral edifí-cio imaginado pelo homem para com-  preender o Univer-  so. Nela encontra- se o absoluto e o in- finito, o apreensível 

e o não-apreensível, e está rodeada de altos muros diante dos quais pode-se   passar e de novo  passar sem proveito nenhum. Neles às vezes abre-se uma   porta, entra-se e aí    se está no lugar  onde se encontram os deuses e as cha-ves dos grandes sis-temas. Estas portas são as portas dos milagres, e, franqueada uma delas, já não é o homem quem atua,  porém o Universo que se manifesta e diante dele desenrolam-se os pro-digiosos tecidos das combinações  sem limites. Estais no país dos nú-meros. Deixai-vos permanecer nele, maravilhados diante de tanta luz in-tensamente espalhada. 3

Estais no país dos números.

 Deixai-vos permanecer nele, maravilhados diante de

tanta luz intensamente espalhada. 

(Le Corbusier)

L

2 SUMMERSON, John. in A linguagem clássica da Arquitetura, p.116.

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ORIGENS E INTENÇÕES DO MODULOR

O Modulor1tinha como

subtítu-lo Ensaio sobre uma medida harmô-nica à escala humana e aplicável uni-versalmente à Arquitetura e à Mecâ-nica. Sem dúvida, uma grandilo-qüente e pretensiosa aspiração ...

Acompanhar o fio condutor do seu pensamento ao longo do texto, tão rico em idéias mas nem sempre claro e organizado, às vezes até per-turbado por excesso de dados, rela-tos burocráticos, citações enfado-nhas e até mesmo com algumas im- precisões geométricas, de certa ma-neira desvenda parte do que foram seu grande esforço, seus ideais, seus sonhos, suas conquistas e seu lega-do: o que não é pouca coisa. Acom- panhemos alguns fatos narrados nos

livros Modulor 1 e 2.

Pertencente a uma família de músicos, embora sem sê-lo, Le Corbusier sabia muito bem que a música, assim como a arquitetura, se desenvolvem no espaço e no tempo e dependem da medida. Em algumas considerações sobre a música ele ob-servou como, historicamente, o

continuum sonoro foi fragmentado,

dividido, mas tornado passível de ser compreendido por meio de propor-ções estabelecidas entre suas subdi-visões. Com isso teve sua transmis-são possível, através do tempo e do espaço, por meio da escrita musical, que finalmente veio a ser codificada no Ocidente por J. S. Bach, em sua gama temperada. Este utensílio aper-feiçoado trouxe imenso impulso à

composição e pôde exprimir o pen-samento musical de Mozart, Beethoven, Debussy, Stravinsky, Satie, Ravel ... até os dias atuais.

E na busca de uma analogia, Le Corbusier se coloca a questão: um utensílio correlato, que tratasse de medidas visuais, geométricas, não seria desejável também no âmbito da construção, não facilitaria tam- bém sua escrita e traria um

enor-me benefício à composição arquite-tônica? Entende que sim, e assim conclui o seu raciocínio:

 Numa sociedade moderna me-canizada, cujas ferramentas se aper-feiçoam a cada dia para proporcio-nar recursos de bem-estar, a apari-ção de uma gama de medidas visu-ais é admissível, posto que o primei-ro efeito deste utensílio será unir, enlaçar, harmonizar o trabalho dos homens, precisamente desunido neste momento até mesmo des-troçado pelo presença de dois sistemas dificilmente conciliáveis: o sistema dos anglo-saxões e o siste-ma métrico decisiste-mal.4

Ele compreende também que os partenons, os templos indianos e

as catedrais de todos os tempos sempre foram constituídos segundo um código e se fundamentaram num sistema coerente que afirmava uma unidade essencial. E perguntando-se sobre de que instrumentos dispu-nham, encontra sempre a resposta nas medidas baseadas em propor-ções humanas: codo, dedo, polega-da, pé, braço, palmo etc. .

Com esses instrumentos sutis

  participando da matemática que rege o corpo humano, era possível sustentar, também na construção, a mesma harmonia. E como eles es-tavam circunscritos a cada cultura específica, sem ter de cruzar distân-cias pelos mares, eram aptos e sufi-cientes para cumprir seus desígnios,   já que também não havia por que reclamar dessas medidas dentro de seus âmbitos operacionais.

Com a Revolução Francesa, diz Le Corbusier, o pensamento laico entendeu que podia conquistar o mundo. E além de colocar em   jogo razões profundamente

huma-nistas, apresentou ainda muitas pro-messas: ciência e cálculo empreen-deram caminhos sem limites. No rastro dessa revolução também fo-ram destronados pés e polegadas,   juntamente com seus complicados

cálculos, e então substituídos por uma medida despersonalizada e abs-trata, o metro (a décima milionési-ma parte do quadrante do meridiano terrestre),5 adotado imediatamente

 por sociedades mais ávidas de no-vidades, porém ainda em grande  parte rejeitado em favor dos

tradi-cionais pés e polegadas. Uma ten-são se estabeleceu entre a nova me-dida de cálculo mais simples e a tra-dicional, mais complexa, porém mais adequada à escala humana.

Le Corbusier entende que exis-te uma carência de medida ou sis-tema proporcionalizador que satis-faça, sendo válidos para qualquer   parte do mundo estes quesitos:

racionalidade, simplicidade na orde-nação do cálculo e adequação à

es-4 LE CORBUSIER, in Modulor 1, p. 17. (Trad. nossa.)

5 Na atualidade, definido como a distância correspondente a 1.553.164, 03 longitudes de onda da banda vermelha do cádmio no espectro a ar seco, a 15º de temperatura e a 760 mm de Hg de pressão.

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cala humana tanto para a Arqui-tetura quanto para a Mecânica. Des-de o início do século XX ele vinha observando em obras de arquitetu-ra aquilo que chamou de o ângulo reto dirigindo a composição. Tam-  bém encontraram ressonância nele

as palavras de Choisy com sua  His-tória da Arquitetura(1902) ,

especi-almente quando trata de traçados re-guladores ao explicar a organização de composições arquitetônicas.

 Na revista L´ Esprit Nouveau,

 junto com outros, Le Corbusier pro-duz artigos teóricos, base doutriná-ria para sua atividade projetual pos-terior.   A grande indústria deve ocupar-se com a edificação e esta-belecer em série os elementos da casa. Deve ser criado o estado de espírito da série: de construir casas em série, de habitar casas em série, de conceber casas em série. 6 E

aqui a normatização se torna ques-tão fundamental.

Depois que publica o artigo Os traçados reguladores na  L´    Esprit Nouveau, em 1921, Le

Corbusier conhece os livros de Matila Ghyka, sobre a proporção áu-rea, que lhe confirmam e demons-tram matematicamente assuntos que  já o ocupavam. E também em suas  pinturas, experimenta a plasticidade sobreposta a uma rigorosa geometria. Posteriormente, por volta dos anos 1940, as idéias desenvolvidas   por Wittkower a respeito do

Renascimento, da proporção e dos traçados reguladores de projetos também encontrarão ressonância em Le Corbusier. Embora tenha

expres-sado algumas críticas à arquitetura renascentista, por ver nas suas cons-truções, quando rigorosamente ori-entadas pela geometria, e por vezes segundo complexas estruturas, a   pressuposição de um observador ideal que teria de se colocar no cen-tro da obra e perceber como um todo, simultaneamente, todos os de-talhes. Contra essa interpretação ele argumenta, então, que o observador concreto sempre está de pé, tem o foco de visão a mais ou menos 1,60 m de altura e está em movimento   pelo espaço, apreendendo, a cada

vez, e no decorrer do tempo, as suas várias perspectivas. Tem percepções diferenciadas a cada momento e, enfim, uma estatura que deve ser sempre considerada.

 Nos anos de ocupação da Fran-ça durante a Segunda Guerra Mun-dial, instituiu-se o AFNOR, um órgão

cuja função era auxiliar a reconstru-ção do país. Industriais, engenheiros e arquitetos foram convocados a

 participar do empreendimento. Le Corbusier foi um deles.

O  AFNORpropõe normatizar os

objetos da construção e seu método é  simplista: simples aritmética aplicada aos usos e utensílios dos arquitetos, engenheiros e industriais. Parece-me arbitrário e pobre. As árvores, por  exemplo, com seu tronco, seus ramos,  suas folhas e nervuras, me afirmam que as leis de crescimento e combina-ção podem e devem ser mais ricas e  sutis. Um laço geométrico tem de in-tervir nestas coisas e sonho instalar  nas obras que mais tarde cobrirão o  país, um enredado de proporções tra-çado sobre o muro ou apoiado nele,  feito com ferros laminados e soldados, que será a regra da obra, o modelo que inicia a série ilimitada das combi-nações e das proporções. O pedreiro, o carpinteiro e o serralheiro irão aí  escolher as medidas para seus traba-lhos, os quais, diversos e diferencia-dos, serão testemunhos da harmonia. Tal é o meu sonho. 7 

6 In Casas em série,  L´ Esprit Nouveau, 1921, citado em LECORBUSIER, Modulor 1, p. 31. (Trad. nossa.)

7 LE CORBUSIER, in Modulor 1, p. 34. (Trad. nossa.)

 Nos anos de ocupação da

França durante a Segunda

Guerra Mundial, instituiu-se

o AFNOR, um órgão cuja

 função era auxiliar a

reconstrução do país.

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TENTATIVA E ERRO NA INVENÇÃO DO MODULOR Em 1943, Le Corbusier propõe a seu assistente Hanning uma tare-fa: Tome um homem com o braço levantado com 2,20 m de altura, inscreva-o em dois quadrados  superpostos de 1,10 m, coloque-o a cavalo sobre os dois quadrados e um terceiro quadrado resultante lhe dará uma solução. O lugar do ân- gulo reto deve poder ajudá-lo a co-locar o terceiro quadrado. Com este enredado, regido por um homem instalado no seu interior, estou se-  guro que chegará a uma série de medidas que poderão colocar de acordo a estatura humana (o bra-ço levantado) e a Matemática. 8

Essa indicação, um tanto enig-mática quando meramente lida, en-tretanto, continha o germe do que viria a ser claramente desenvolvido no traçado final do modulor. Era ainda uma primeira intuição.

Mas daí surgiu o primeiro tra-çado, em 25 de setembro de 1943, que sofreria uma retificação realiza-da por Elisa Maillard, três meses depois, em 26 de dezembro de 1943. Ambos os traçados têm ain-da incoerências e incorreções geo-métricas, que, embora não interfi-ram totalmente na praticidade e na aplicabilidade da idéia, serão revis-tos posteriormente, e mediante vá-rias tentativas e aproximações, pro-gredirão até resultar num traçado rigoroso e preciso em todos os sen-tidos. O traçado definitivo contou com a colaboração de dois jovens,

o uruguaio Justino Serralta e o fran-cês Maisonnier, e foi relatado no

  Modulor 2. Esse traçado produz

duas séries de valores baseados na   proporção áurea, então chamadas

 série vermelha e  série azul , esta

última correspondendo aos valores referidos ao duplo quadrado.

Essa rede de proporções antropometricamente combinadas, recebeu depois a denominação modulor (sugerida a Le Corbusier   por Robert Lancrey-Javal, doutor

em Direito). O modulor, na sua pri-meira versão, tinha como base um homem com 1,75 m (a altura mé-dia de um francês), de onde resul-tavam suas medidas principais. Tec-nicamente foi definido da seguinte maneira: O modulor é um aparato de medida fundamentado na estatu-ra humana e na matemática. Um homem com o braço levantado dá os pontos determinantes de ocupa-ção do espaço: o pé, o plexo solar, a cabeça e a ponta dos dedos com o braço levantado três interva-los que definem uma série de  secções áureas de Fibonacci; e ain-da por outra parte, a matemática, que oferece a variação mais imedi-ata e significativa de um valor: o  simples, o dobro e as duas secções áureas. 9 Em síntese, a unidade, a

duplicidade e a proporção áurea o modulor.

Essa régua de proporções com- bina-se, assim, através do ponto das duas séries de segmentos áureos, que ele chamou de vermelha e azul, com a estatura humana nos seus principais pontos de ocupação do espaço. Num momento posterior,

a altura padrão do homem será retificada para 6 pés ou 182,88 cm. (altura média de um inglês), valor esse que irá satisfazer mais, em vir-tude de os valores em polegadas corresponderem com mais proximi-dade à série Fibonacci que se forma na série azul: 3, 5, 8, 13, 21, 34 ...

Le Corbusier quer contribuir  para o jogo das normatizações ne-cessárias a uma produção em série, racional e eficiente, de elementos  pré-fabricados. Mas quer evitar tam- bém o empobrecimento formal pro-duzido por normatizações efetuadas  pelo mínimo esforço. Quer colocar no lugar do trivial, do monótono e sem graça o harmonioso, o diverso, o elegante. E remover o obstáculo que resulta da incompatibilidade das medidas centímetro e polegada.

O modulor rege as longitudes, as superfícies e os volumes, manten-do sempre a escala humana, pres-tando-se a infinitas combinações e assegurando a unidade na diversi-dade: benefício inestimável, milagre dos números. 10

Quando elege a proporção áurea como princípio estruturador do seu enredado de proporções (modulor), Le Corbusier preocupa-se em acoplar nele a estatura humana (estabelecida no padrão médio de 1,82 m ou 6 pés) e pretende com isso criar um disposi-tivo proporcionador das medidas de sua arquitetura. E neste aspecto pare-ce se colocar em perfeita sintonia com o conceito vitruviano de sime-tria, de comodulação. A proporção áurea é o módulo que engendra as

8 Idem, op. cit., p. 35. (Trad. nossa.)

9 LE CORBUSIER, in Modulor 1, p. 52. (Trad. nossa.)

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formas da arquitetura, nas partes e no todo, e leva em conta, todo o tempo, a escala humana. E aqui, como Zeizyng o fizera no século XIX,11

re-afirma a insinuação de ser ela a legismetria12 do crescimento e do

de-senvolvimento dos seres orgânicos. O modulor, dito de uma outra maneira ainda, é a combinação de duas séries coordenadas de segmen-tos áureos que estabelecem um sis-tema proporcional e relacionado com a estatura humana evidentemen-te, com um padrão médio escolhido: uma grandeza referencial que deter-mina as dimensões e proporções cri-adas dentro deste criterium

defini-do pela proporção áurea.

  Nota-se que existe, de certa maneira, uma obsessão em eliminar a incompatibilidade entre os siste-mas métrico e de polegadas. Isso é resolvido, ou contornado, em parte,

mas na verdade não é o que tem mais importância. Parece-nos mais importante a tentativa de Le Corbusier de buscar coerência na disposição das proporções de suas obras, guiando-se por determina-ções sugeridas pelos processos construtivos da Geometria, combi-nados com todas as outras disposi-ções e determinadisposi-ções necessárias ao dimensionamento da Arquitetura. E nesse sentido ele age, antes de tudo, como um geômetra.

O modulor é patenteado por Le Corbusier. Durante as conversações no processo burocrático de requeri-mento e concessão de patentes irão despontar as várias perspectivas co-merciais e direitos possíveis pela sua utilização, aos quais Le Corbusier depois renunciará. Como um produto a ser lançado no mer-cado foi, na época, pensado e com- posto das seguintes peças: uma fita

com 89 polegadas contendo as duas escalas, um quadro numérico com as medidas das duas séries e um manual de instruções. John Dale editou, então, um boletim mundi-al contendo notícias e discussões entre os usuários do modulor. Isso foi cogitado em 1947. Houve pers- pectivas de que empresários ame-ricanos se interessassem pela sua fabricação e comercialização, mas o produto modulor nunca chegou ao mercado.

A partir da edição do livro

  Modulor 1 (1948) há uma intensa

troca de correspondência entre Le Corbusier e inúmeros estudiosos e usuários interessados no modulor. Correções, retificações e ampliações da idéia são dirigidas a ele, e interagindo com essas respostas o   projeto se redefine, torna-se mais  preciso e se esclarece. Ele mesmo,  por iniciativa própria, estará sempre interessado em dialogar com mate-máticos, engenheiros e outros pro-fissionais, buscando e aceitando o aperfeiçoamento do projeto quando lhe é proposto por outros. O próprio nome modulor foi proposto por Lancrey-Javal. A princípio, Le Corbusier não o considerou adequa-do e o rejeitou. Toda troca de infor-mações, idéias, sugestões e adver-tências, e as respectivas respostas e considerações, se encontram exaus-tivamente descritas no  Modulor 2

(1950), juntamente com as defini-ções finais do sistema, além da des-crição de inúmeros casos do siste-ma aplicado por ele mesmo ou por outros arquitetos.

11 ZEISING, Adolf. in  Neue Lehre von den Proportionen des menschlichen Korpers, aus einem bisher unerkannt gebliebenen, die

ganze Natur und Kunst durchdringenden morphologischen Grundgesetz entwicklt. (Nova teoria das proporções do corpo hu-mano desenvolvida de uma lei morfológica básica, até então desconhecida, que impregna a inteira Natureza e a Arte.) (Trad. nossa.)

12 Legismetria . Neologismo criado por F. Muller para a tradução do vocábulo Gezetzmassigkeit, do alemão.

 Durante as conversações no

 processo burocrático de

requerimento e concessão de

 patentes irão despontar as

várias perspectivas comerciais

e direitos possíveis pela sua

utilização, aos quais Le

Corbusier depois renunciará.

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Sobre o modulor, o rigoroso Ernst Neufert, a despeito de algumas críticas com relação às aproximações e arredondamentos de medidas esta- belecidos nas séries vermelha e azul, comentou em seu livro  A industria-lização das construções:

[...] é importante que um ar-quiteto de tanta popularidade como   Le Corbusier tenha dedicado sua atenção ao problema das medidas na construção e que tenha coloca-do em primeiro plano necessidades arquitetônicas que haviam sido dei- xadas de lado, como pouco acerta-das, substituídas por normatizado-res mecânicos e exclusivistas.

 Não menos importante é o fato de que para desenvolver as constru-ções se possa jogar com proporconstru-ções baseadas na secção áurea.13

E Wittkower comenta em So-bre a arquitetura na idade do humanismo, em tom um tanto

exa-gerado e claramente apologético: [...] Todos sabemos que quan-do a geometria não-euclidiana pas- sou a ser a base da visão moderna do universo no final do século XIX e início do XX, produziu-se uma ruptu-ra básica com o passado, mais pro- funda até que aquela entre o univer- so hierarquizado e escolástico da   Idade Média e o matemático e

euclidiano de Leonardo, Copérnico e  Newton. Que repercussões teve e terá  sobre a proporção nas artes e a subs-tituição das medidas absolutas do espaço e do tempo por uma nova re-lação dinâmica espaço-tempo?

O modulor de Le Corbusier constitui uma resposta preliminar. À luz da História aparece com a inten-ção fascinante de coordenar a tradi-ção com o nosso mundo não-euclidiano. Em primeiro lugar por-que toma como ponto de partida o homem e seu entorno, e não um conjunto de universálias. Com isto Le Corbusier acerta o passo das nor-mas absolutas com o das relativas.

Porém, tenta uma nova conso-lidação neste nível. Os velhos sis-temas de proporções eram o que po-deríamos chamar de sistemas de mão única, por constituírem desen-volvimentos coerentes de conceitos  básicos, geométricos ou numéricos (mais aritméticos). Outro tanto ocorre com o modulor de Le Corbusier. Seus elementos são ex-tremamente simples: quadrado, du- plo quadrado e as secções áureas. Estes elementos se fundem num sis-tema de razões geométricas e numé-ricas: o princípio básico da simetria se combina com as duas séries di-vergentes de números irracionais derivados da secção áurea.

 A despeito do que esta opinião  possa suscitar, se trata, sem dúvida, da primeira síntese coerente desde a decomposição dos velhos siste-mas, síntese que reflete a natureza da nossa própria civilização e é, ao mesmo tempo, um testemunho de nossa tradição cultural. E, igual-mente como as proporções da geo-metria plana utilizadas na Idade   Média e as proporções musicais e

aritméticas do Renascimento, o sis-tema dual de magnitudes

irracio-nais de Le Corbusier segue depen-dendo dos conceitos que o pensa-mento pitagórico-platônico legou à humanidade do Ocidente. 14

  Num encontro com Albert Einstein, Le Corbusier relata que, após ouvir suas explicações e co-mentários, e depois de ter verifica-do matematicamente os esquemas do modulor, teria assim resumido seu parecer a respeito: Uma esca-la de proporções que torna o mau difícil e o bom fácil . 15 Essa boa

receptividade ele encontrou também entre numerosos matemáticos, enge-nheiros e arquitetos. O modulor re-almente despertou, na época, um significativo interesse no ambiente  profissional e acadêmico.

Com o passar dos anos o inte-resse se esmaeceu e o próprio Le Corbusier acabou pondo de lado sua obsessão inicial e o uso persistente e sistemático do sistema. E, desafor-tunadamente, também deixou de ser estudado com a profundidade que merece o que representou esse im- portante processo surgido dentro da obra de um dos mais representativos arquitetos do século XX.

O PRODUTO MODULOR

John Summerson também afir-ma:  Le Corbusier defendeu inten- samente o Modulor como um siste-ma que, se amplamente adotado,  poderia solucionar muitos dos pro-blemas de padronização na indús-tria e, ainda, dar harmonia ao con- junto do meio físico. Talvez isso pu-desse ter acontecido. Porém desde

13 NEUFERT, Ernst. in Industrializacion de las construciones, p. 35. (Trad. nossa.)

14 WITTKOWER, Rudolf. in Architectural principles in the age of humanism, p. 537-538. (Trad. nossa.)

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a sua publicação, em 1950, o inte-resse por esse sistema vem diminu-indo. Estou inclinado a pensar que, como em outras situações seme-lhantes, a importância real do  Modulor está em que ele é parte da aparelhagem mental de seu autor e lhe permite realizar projetos tão originais como a capela de  Ronchamp um edifício de forma

tão livre que chega a ser quase uma escultura abstrata , seguro de seu completo domínio dos procedimen-tos racionais. 16

Summerson parece ter alguma razão quando afirma que a raciona-lidade conquistada por Le Corbu-sier, ao aprofundar-se na pesquisa da proporção áurea e sua expressão sistematizada, que é o Modulor, tem um valor relativo, isto é, vale como ferramental de projeto de seu autor,   porém não pode como tal servir a

mais ninguém.

Mas também essa afirmação tem valor relativo. Pois ao esforço de Le Corbusier para chegar até este  pretendido produto final, o Modu-lor, subjaz todo um processo de   pensamento organizacional de  projeto que tem a proporção áurea como célula-mãe e se desdobra em harmonias derivadas dela. E o que tem valor maior, finalmente, é a compreensão que hoje temos desses desdobramentos que ele pôde exe-cutar, operando com este paradig-ma, e não aquilo que ele bem-intencionadamente, mas talvez equi-vocadamente, tenha sonhado em oferecer à cultura do século XX como produto. O resgate e o aprofundamento no estudo desse  processo de busca de uma

comodu-lação, que estão contidos no seu tra- balho, é que podem ser de imenso

valor.

Ou seja, se o Modulor não   pôde servir como produto final,   pronto e acabado para ser usado  por outros é, no mínimo, um

imen-so manancial de pesquisa para uma   profunda imersão no significado

real e mais profícuo do que pode a Geometria, quando bem compreen-dida, significar para o trabalho do arquiteto. Mas mesmo arquitetos e teorizadores que tiveram o velho mestre como a grande figura inspiradora de uma arquitetura ra-cional, liberta das formas do pas-sado, criativa e inovadora, parecem ter deixado de lado esse aspecto de sua obra.

Mas a carência dos tempos sempre acaba por despertar  potencialidades latentes. Klaus-Peter Gast, por exemplo, é uma  bem-vinda alteração dessa situação com seu livro Le Corbusier. Paris-Chandigarh,recentemente

publica-do (2000).

Poderíamos discutir a estética de suas obras, questionar até que  ponto Le Corbusier conseguiu, por esse seu geometrizar, resultados sig-nificativos e expressivos. Mas, inde-  pendente disso, sua atuação como

arquiteto-geômetra, que é inegável, está longe de ser entendida e divulgada tanto quanto o são tantos outros aspectos exemplares e conhe-cidos de sua obra. E dentro do âm- bito desta pesquisa, nossa ênfase é   justamente no processo geometri-zador por meio do qual eram gera-dos seus projetos.

CRÍTICAS UNILATERAIS

Recentemente, Frings, num ar-tigo sobre a ocorrência e o papel que a proporção áurea desempenhou na teoria da Arquitetura, escreve duras e unilaterais críticas ao traba-lho de Le Corbusier, embora, em exame de detalhes, também possam ser justificadas em parte. E como contraponto ao que já foi exposto até agora, cabe aqui também a sua apresentação:

O Modulor, na proposta de Le Corbusier, combina quadrado e   secção áurea, mas como resultado não oferece nada além de um siste-ma modular. Da série azul de núme-ros (secção áurea da altura total) e da série vermelha (altura do umbi- go) resulta uma seqüência de medi-das de 27 a 226 cm (e mais além) em degraus de 27 e 16 cm. Na fun-ção desempenhada pelo umbigo como origem da série vermelha, Le Corbusier alude à tradição do homo vitruvianus e às especulações relacionadas com as harmonias num cosmos antropocêntrico, bem mostrados numa figura emblemá-tica no livro Modulor 2.

O Modulor tem, entretanto, al-gumas deficiências. Primeiro, em-  bora Le Corbusier pretenda que seja usado para todas as dimensões, verticais e horizontais, ele prioriza a dimensão vertical. Além disso, é   baseado em aproximações aos

nú-meros da série Fibonacci. E desde que as séries azul e vermelha podem ser combinadas ao sistema, ele se torna tão elástico que a secção áu-rea acaba sendo difícil de detectar.  Neufert critica, numa edição mais

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17 FRINGS. Marcus, in The Golden Section in Architectural Theory,  Nexus Network Journal , vol. 4, no 1, 2002,

http://www.nexusjournal.com/Frings.html Referências bibliográficas:

G AST, Klaus-Peter.  Le Corbusier: Paris Chandigarh. Basel: Birkhauser, 2000.

LECORBUSIER. El Modulor. Buenos Ayres: Poseidon, l953.

LECORBUSIER. El Modulor 2. Buenos Ayres: Poseidon, 1962.

LECORBUSIER. The Marseille´s block. London: The Harvill Press, 1953.

LE CORBUSIER. L´Architecture et l´esprit mathématique, in  Les grand courants de la pensée mathématique , presentée par F. de

Lionnais. S. l.: Cahiers du Sud, 1958.

LECORBUSIER. L´ Unité d´ habitation de Marseille.  Le Point , nº 38. S.l.: Souillac (Lot) Mulhouse, nov. 1950.

NEUFERT, Ernst. Industrializacion de las construciones. Barcelon: Gustavo Gili, 1969.

SUMMERSON, John.  A linguagem clássica da arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ZEISING, Adolf. Neue Lehre von den Proportionen de menschlichen Korpers, aus einem bisher unerkannt gebliebenen, die ganze

 Natur und Kunst durchdringenden morphologischen Grundgesetz entwicklt. Leipzig: s.e., 1854.  WITTKOWER, Rudolf. Architectural principles in the age of humanism. London: Tiranti, 1952.

recente do Bauordnungslehre, ambas as indefinidas práticas: de ar-redondar números, de tal modo que as adições passam a ser incorretas e mais ainda nas imprecisões ao transcrever medidas

mé-tricas para o sistema britâ-nico das polegadas. E fi-nalmente, o Modulor não está de fato longe do pró- prio sistema de Neufert, o

Sistema Octamétrico (Neufert, 1941). Por esta razão o Modulor não deve ser considerado um siste-ma de proporções, siste-mas sim um catálogo de medi-das irregulares [...]

Durante um longo   período a secção áurea

não foi mencionada na teoria da arquitetura. Ela primeiramente aparece no século XIX, através de   Zeising e Fechner, e então surge

novamente com um certo fascínio na terceira e quarta décadas do sé-culo XX, quando Neufert e Le Corbusier vêm a conhecê-la.   Neufert alimenta grandes

esperan-ças para uma renovação da arqui-tetura através da secção áurea, mas logo cai em si. Não obstante ele a apresenta in extenso. Depois dos

  primeiros experimentos onde Le Corbusier usa a secção áurea para desenvolver seu catálogo de medi-das, o qual não tinha devido aos arredondamentos e combinações

muito mais em comum com a  secção áurea ou a série Fibonacci.  De fato, Neufert e Le Corbusier pa-recem utilizar a secção áurea de modo a glamourizar sua própria criação artística subjetiva com te-oria e razão. Em todo caso, a  secção áurea certamente

desempe-nha um papel nos escritos destes teoristas da Arquitetura. Antes do  século XIX, todavia, a secção áurea está simplesmente ausente da teoria da arquitetura escrita até então .17

O LEGADO DE LE CORBUSIER

O modulor parece representar um curioso ponto de virada na His-tória da Arquitetura. Num sentido, foi um corajoso, persisten-te e prepersisten-tensioso esforço   para criar uma regra

unificadora para toda a Ar-quitetura; e noutro, mos-trou a falência e as limita-ções de tal tentativa. Mas isso não invalida nem desqualifica o processo geometrizador do seu cri-ador, nem a riqueza formal e funcional de sua arquite-tura; ao contrário, confere a esse legado de «Corbu»

um imenso valor. O esfor-ço despendido por Le Corbusier, até onde ele pode ser compreendido como intenção consciente, eviden-ciou uma busca intensa por determinantes e alvos que foram também aqueles mesmos anterior-mente pertencentes à Arquitetura clássica, conforme descritos por Vitrúvio e expressos na Renascença  por seus arquitetos e teóricos. Ou seja, a proporção, a simetria ou co-modulação, a harmonia e a euritmia do edifício. A beleza, enfim.

 Mas isso não invalida

nem desqualifica o

 processo geometrizador 

de seu criador, nem a

riqueza formal e

 funcional de sua

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