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Resumos de Direito da União Europeia I

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Academic year: 2021

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Professor Doutor Jonatas Machado

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Capítulo I: História da integração europeia

1. O contexto histórico-cultural

Os fundamentos da Europa apresentam uma matriz predominantemente greco-romana e judaico-cristã, a partir dos quais tem sido procurada a unidade cultural europeia: durante a Cristandade Medieval, a Igreja Católica assimilou as categorias da filosofia grega e acolheu o imaginário institucional e jurídico do Império Romano. Este Império perdurou na Europa Ocidental e na Ásia Menor. Mas a Europa revê-se igualmente no Sacro Império Romano-Germânico, nos Descobrimentos, no Renascimento, na Reforma Protestante, na emergência dos Estados modernos, subsequente à Paz de Vestefália, e na secularização da soberania política e do direito, incluindo o direito internacional.

Igualmente relevante, no percurso histórico e cultural da Europa, foi o desenvolvimento dos ideais de tolerância religiosa, liberdade consciência, democracia e Estado de direito que estiveram na base da emergência revolucionária do constitucionalismo liberal moderno. Igualmente marcante foi a emergência da questão social e o desenvolvimento dos ideais socialistas e comunistas.

O desenvolvimento histórico comum da Europa foi marcado por muitos e sangrentos conflitos, que culminaram nos mais violentos confrontos que a humanidade já conheceu: as guerras mundiais de 1914-18 e 1939-45.

2. A criação das comunidades europeias

No fim da II Guerra Mundial, o problema da reconstrução, estabilização e defesa da Europa colocou-se com especial acuidade. Aliás, a tentativa de criar um quadro político, económico, social e cultural para a Europa preponderou a partir da ocorrência deste conflito.

Os EUA deram um grande contributo na vitória das forças nazis e envolveram-se, depois, na reconstrução da Europa (estabilização política da República Federal da Alemanha, garantia da defesa militar face ao bloco comunista, Plano Marshall de reconstrução económica, etc.). Para o efeito, ficou claro que era necessária a paz entre a Alemanha e a França, o que viria a ser confirmado num discurso de Churchill em 1946, o qual acabou por reconduzir ao surgimento do Conselho da Europa, em 1949, uma organização internacional de vocação paneuropeia, embora tenha sido também uma influência decisiva na construção das comunidades europeias.

De resto, no pós-guerra assiste-se a uma proliferação de organizações de base regional europeia:  Organização para a cooperação económica europeia (OCEE) em 1948;

 Organização do tratado do atlântico norte (NATO) em 1949;  União da Europa ocidental (UEO) em 1960;

 Organização para a cooperação e desenvolvimento económico (OCDE) em 1960;  Organização para a segurança e cooperação europeia (OSCE) em 1995.

2.1. Os tratados fundadores

Os tratados fundadores das comunidades constituem instrumentos convencionais multilaterais de direito internacional, do ponto de vista, tanto da respectiva validade, como do procedimento de negociação, ajuste, aprovação e ratificação. A sua validade jurídico-internacional é incontroversa, na medida em que exprimem de forma regular o consentimento das partes e não atenta contra nenhuma norma imperativa de direito internacional (ius cogens). Revestem ainda a especificidade de terem criado um ordenamento jurídico autónomo. Existindo lacunas, são preenchidas pelos princípios gerais de direito e não pelos princípios gerais de direito internacional ou pelo direito consuetudinário. No entanto, nas matérias não reguladas pelos tratados, as relações entre os Estados continuam a reger-se pelo direito internacional. Nas matérias reguladas pelo direito comunitário a jurisprudência favorece e apoia a teoria segundo a qual a aplicação do direito internacional é inadmissível – teoria de exclusão total.

2.1.1. O Tratado de Paris

O Projecto europeu assentou em dois tratados fundadores: o primeiro é o Tratado de Roma, de 18 de Abril de 1951, em vigor desde 1952, através do qual se instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Contratantes: França, a R.F.A., a Itália, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo. Pressupunha uma Alta Autoridade. Teve como objectivo a estabilização da Europa no pós-guerra, pois a colocação destas duas matérias-primas, indispensáveis num conflito militar, sob o controlo de uma autoridade independente tornaria a guerra mais difícil e contribuiria para um desenvolvimento económico mais harmonioso. Caducou em 20 de Julho de 2002. A partir dessa data, a regulamentação do carvão e do aço reconduz-se ao sistema mais amplo do Tratado de Roma.

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O Tratado de Roma, de 25 de Março de 1957, instituiu a Comunidade Económica Europeia (CEE): previa-se aí um processo de integração por fases, começando na criação de uma união aduaneira e progredindo para o estabelecimento de um mercado único, assente na livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais e no direito de estabelecimento. Seguiu-se uma fase ulterior de união económica e monetária, onde se pretendia o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividades económicas na comunidade.

O mesmo tratado procedeu à criação da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA), no pressuposto da generalização da energia nuclear como base do desenvolvimento económico.

Numa Convenção anexa ao Tratado de Roma estabeleceu-se o Tribunal de Justiça (TJCE) e o Parlamento Europeu (PE), como órgãos comuns às três comunidades, e o Comité Económico e Social, como órgão comum da CEE e da CEEA. Em 1965 procedeu-se à fusão (tratado de fusão) de executivos, através de um conprocedeu-selho e uma Comissão comuns, e criou-procedeu-se um estatuto único para os funcionários e agentes da Comunidade.

Os tratados CEE e CEEA foram celebrados com uma duração ilimitada, sem previsão da retirada dos Estados. Relativamente à revisão dos Tratados, estabeleceu-se que a mesma podia ocorrer, sob parecer favorável do Conselho e após consulta ao Parlamento, através de uma Conferência Inter-Governamental e subsequente ratificação pelos Estados, num processo típico de direito internacional dos tratados.

2.1.3. Reformas posteriores

A evolução posterior assenta, basicamente, em dois aspectos fundamentais: aperfeiçoamento institucional e alargamento.

Mas o aprofundamento da integração europeia passou pela adopção de outros instrumentos internacionais. 2.1.4. Acto Único Europeu

O primeiro foi o Acto Único Europeu (AUE) – 1986-1987: estabeleceu um fundamento convencional autónomo para a cooperação política europeia. Com este instrumento previa-se um sistema de consultas mútuas e a formação de linhas políticas de referencia para todos os Estados-membros, admitindo-se ainda a possibilidade de extensão deste sistema a uma política de segurança comum; criou-se um Tribunal de Primeira Instância para aliviar o sobrecarregado Tribunal de Justiça.

2.1.5. O Tratado de Masstricht

O Tratado de Masstricht sobre a União Europeia (TUE - 1992) veio operar a revisão dos tratados. Para além do seu objectivo de criação de um mercado único, ele representa uma viragem decisiva no processo de construção europeia; veio alargar a cooperação entre os Estados-membros para além do sistema das comunidades europeias, reconduzindo tudo isso ao conceito mais amplo de EU.

2.1.5.1. Moeda Única

O projecto da CEE apontava par a criação de uma União Económica e Monetária e de uma moeda única. Este projecto viria a realizar-se em várias fases:

- A primeira fase, em 1990, garantiu a livre circulação de capitais;

- A segunda fase passou pela convergência das políticas económicas dos Estados-membros;

- A terceira fase, em 1999, envolveu a criação de uma moeda única através de um sistema de gestão monetária centralizada, criando-se assim o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), composto pelo Banco Central Europeu e pelos Bancos Centrais nacionais;

- A quarta fase, em 2000, com a entrada em circulação do Euro.

Entre nós a adesão à moeda única teve como consequência a necessidade de alterar a CRP de modo a adaptar o sistema financeiro ao Sistema Europeu de Bancos Centrais, os quais ficaram encarregados pela emissão da moeda – novo art. 102º.

2.1.5.2. Cidadania europeia

No contexto da criação do Tratado da EU, assume relevo especial o conceito de cidadania europeia (art. 17º CE): assenta no direito de livre circulação e residência, no direito de sufrágio activo e passivo nas eleições municipais e para o PE, no direito à protecção diplomática fora da EU por qualquer Estado membro e no direito de petição e de queixa perante os órgãos da EU (PE e Provedor de Justiça) – estas petições e queixas podem ser apresentadas individualmente ou colectivamente, por residente ou

Activação de um sistema financeiro com base em recursos próprios (1970), estabelecimento do sistema de cooperação política (1970), a instituição do Tribunal de Contas (1977), consagração do sufrágio universal directo para o Parlamento Europeu (1979).

A comunidade europeia cresceu muito para além dos Estados fundadores da CEE: adesão da Dinamarca, Irlanda e Reino Unido (1972); Grécia (1981); Espanha e Portugal (1986); Áustria, Finlândia e Suécia (1997).

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pessoa sediada estatutariamente num Estado-membro. A cidadania europeia fundamenta um estatuto de igualdade jurídica, assente no princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade, sem prejuízo da existência de excepções.

2.1.5.3. Consolidação do acervo comunitário

O tratado da EU veio consolidar o acervo comunitário adquirido, mediante o alargamento de competências da União Europeia, nos domínios da educação, da formação profissional, da cultura, da saúde pública, da protecção dos consumidores, das redes transeuropeias e da política industrial.

2.1.5.4. Aprofundamento dos três pilares

O tratado da EU procurou dar mais um passo no sentido da união política. O objectivo final consistiu em erguer a UE sobre três pilares: o primeiro, relativo às comunidades, é serviço pela unificação parcial no plano institucional, pela elevação do Tribunal de Contas a órgão principal e comum e pelo alargamento do controlo jurisdicional (foi acolhida a nova designação de CEE que passou a CE); o segundo dizia respeito à chamada Política Externa e de Segurança Comum (PESC), integrando o Comité Político e o “Senhor PESC”; o terceiro, de cooperação em matéria de cooperação policial e judiciária em matéria penal assentava no Comité K4 e tem como domínios de cooperação:

1) Política de asilo;

2) O controlo das fronteiras exteriores; 3) A política de imigração;

4) A luta contra a toxicodependência; 5) A luta contra a fraude;

6) A cooperação judiciária em matéria civil e penal; 7) A cooperação aduaneira;

8) A cooperação policial.

O Acordo de Schengen (1985) assumiu um grande relevo neste sentido pois, embora se trate de um acordo extra-comunitário, o mesmo tem por base a formulação de uma política única de atribuição de vistos, o combate à imigração clandestina, a criação de um ficheiro informático Schengen, a coordenação da concessão de asilo e a cooperação aduaneira, policial e judiciária. Este tratado acabou por ser incorporado no quadro da EU através de um protocolo anexo ao Tratado de Amesterdão.

Existia um quadro institucional único para os três pilares, com algumas notas específicas quanto ao segundo e ao terceiro: o Conselho Europeu definia orientações gerais e posições comuns por unanimidade ou maioria qualificada, competia ainda proceder à definição de posições comuns nos domínios da cooperação intergovernamental; o Comité de Representantes Permanentes também intervinha nos três pilares; o PE participava no segundo e terceiro pilares através de informações, consultas e recomendações.

Porém, com os ulteriores aprofundamentos da UE, a separação entre os três pilares esbateu-se substancialmente, tendo os órgãos comunitários vindo assumir um peso decisivo no processo de decisão respeitante ao segundo e terceiro pilares.

2.1.6. Tratado de Amesterdão

O ratado de Amesterdão (TA) foi aprovado em 1997 e entrou em vigor em 1999, tendo vindo a alterar o Tratado da EU e os tratados das três comunidades. Com o TA pretendeu-se assegurar a manutenção e o desenvolvimento da União, a sua conformação como espaço de liberdade, de segurança e justiça e o reforço de alguns princípios estruturantes (direitos fundamentais, princípio da igualdade, princípio democrático, princípio do estado de direito e o princípio do respeito pelas identidades nacionais. Aliás violações graves e persistentes destes princípios poderiam resultar, se assim fosse decidido pelo Conselho Europeu por unanimidade, em suspensões do direito de voto de um Estado.

Inovações: comunitarização de algumas matérias do terceiro pilar (vistos, asilo e imigração, passaram do terceiro para o primeiro pilar pela sua introdução no TCE); incorporação do adquirido de Schengen no quadro da EU. Ainda assim, aos particulares não foi reconhecido o direito de impugnar directamente normas respeitantes ao terceiro pilar, podendo, quando muito, valer-se do mecanismo do reenvio prejudicial. O TA veio introduzir também alterações importantes na estrutura institucional, como por exemplo, o alargamento e a reestruturação do procedimento de decisão conjunta, o alargamento das decisões do Conselho por maioria qualificada e a inexistência de fixação definitiva dos membros da Comissão.

A edificação da EU e da CE tem dado mostras de uma grande flexibilidade, com a coexistência no quadro comunitário geral de formas e graus diferenciados de integração, como sejam a EU de patentes, o regime de Schengen e a Zona Euro.

2.1.7. O Tratado de Nice

Mais recentemente aprovado foi o Tratado de Nice (TN) por uma Conferência Inter-governamental inaugurada em 15 de Fevereiro de 2000, na presidência portuguesa do conselho, e encerrada em 7 de Dezembro de 200 em Nice, na presidência francesa. O mesmo altera o tratado da EU, os tratados que instituem as comunidades e alguns actos relativos a esses Tratados. A sua entrada em vigor deu-se em 1 de Fevereiro de 2003

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2.1.7.1. Objectivos fundamentais

Os principais objectivos: preparação da EU para novas adesões (alargamento) e a reforma institucional. Igualmente importante foi a disciplina da cooperação reforçada entre os vários estados da UE: esta forma de cooperação não pode recair sobre áreas de competência exclusiva da Comunidade, embora possa incidir sobre o primeiro e terceiro pilares e sobre o segundo pilar por via do art. 23º EU; ela não pode discriminar cidadãos europeus nem restringir o comércio intra-comunitário; deverá além disto ser aberta a todos os estados.

2.1.7.2. Alargamento e reforma institucional

Em 2004 viria a consumar-se o alargamento da EU às repúblicas Checa e Eslovaca, Estónia, Letónia, Lituânia, Hungria, Polónia, Eslovénia, Chipre e Malta. A Bulgária e a Roménia só aderem em 2007. A perspectiva deste alargamento esteve na base de algumas das mais importantes reformas institucionais introduzidas pelo TN, apelidadas por alguns de “mini-reforma institucional”, que manifestam um reforço do peso dos Estados com maior densidade geográfica.

Alterações significativas: limitação do número de comissários; foi reforçada a colegialidade da Comissão; reponderação dos votos no Conselho; alargamento das matérias objecto de maioria qualificada; reforço do procedimento de co-decisão entre o PE e o Conselho; é igualmente modificada a composição do PE, do Tribunal de Contas, do Comité de Regiões e do Conselho Económico e Social; jurisdição europeia.

O TN deixou, no entanto, algumas respostas em branco: eventual criação do Ministério Público europeu (magistratura autónoma); disciplina jurídica dos partidos políticos europeus; reorganização e simplificação dos Tratados; aprovação de uma Carta de Direitos Fundamentais dotada de valor jurídico-vinculativo.

2.2. A constitucionalização da integração europeia

À medida que se sucediam os tratados no processo de integração europeia, foram aumentando as áreas de actuação da EU e este facto fez com que o direito comunitário aumentasse as suas áreas de tensão com o direito constitucional.

O fundamento do direito comunitário reside no direito internacional, na medida em que as instituições que criam, aplicam e adjudicam aquele direito têm o seu fundamento numa sucessão de tratados internacionais. Destes depende pois a validade de todo o direito comunitário criado e aplicado pelas instituições. Todavia, alguma doutrina tem vindo a sustentar a verificação de uma transformação na natureza do fundamento último do direito comunitário no sentido da sua constitucionalização.

Estes desenvolvimentos figuram-se controvertidos do ponto de vista histórico-institucional e jurídico-político, já que, de acordo com um uso corrente no direito público da generalidade dos Estados europeus, o termo constituição surge em regra ligado à expressão última da soberania de uma comunidade política independente. Enquanto uns sustentam que a UE, por exercer prerrogativas de soberania, tem forçosamente de ter uma Constituição, outros duvidam que a dita constitucionalização dos tratados constitutivos tenha atingido um estado de plenitude constituinte que implique a alteração do locus da soberania e criação de uma nova Grundnorm.

Um dos domínios em que esta questão se faz sentir prende-se com a problemática da revisão dos tratados, sendo que a jurisprudência comunitária tem dado uma resposta negativa à questão colocada acerca de poderes de revisão dos tratados por Estados-membros através de declarações, acordos com estados terceiros, devendo seguir-se as normas neles previstas para a sua revisão. Em todo caso, isto não significa que a soberania internacional dos Estados-membros foi desactivada, transformando-os em Estados federados. A verdade é que o avanço do direito da UE tem aumentado as preocupações de muitos estados-membros com a sua identidade nacional.

2.2.1. Projecto do Tratado Constitucional Europeu

Em 2001, os Chefes de Estado e de Governo da UE decidiram convocar uma Convenção Sobre o Futuro da Europa, cujos trabalhos preparatórios decorreram entre 2002 e 2003. Foi então que ganhou consistência o objectivo de criar uma Constituição para a UE, capaz de reforçar a respectiva legitimidade, unidade de acção e credibilidade internacional. O Projecto de Tratado Constitucional europeu foi assinado em Roma em 2004.

Apesar de ser um tratado internacional, o mesmo dotou-se de uma relevância constitucional ostensiva, já que a expressão constituição era claramente assumida, juntamente com o objectivo de criar um instrumento dotado de auto-primazia normativa. Igualmente relevante neste contexto era a expressa adopção da Carta de Direitos Fundamentais da UE. Além disso, os regulamentos passaram a ser designados por leis e as directivas por lei-quadro. Na estrutura institucional destacava-se a existência de um Presidente do Conselho Europeu e de um Ministério dos Negócios Estrangeiros. Paralelamente, procurava-se reforçar o princípio democrático no seio da UE, nas suas dimensões parlamentar, directa e participativa. O PTCE estabeleceu ainda que a UE seria sucessora da CE e da CEEA, ao mesmo tempo que abolia a estrutura dos três pilares, alicerçando-a num único pilar.

O PTCE foi abandonado depois do duplo não em 2005, nos referendos na França e na Holanda. Todavia, ficaram as dúvidas sobre os motivos dessas decisões. O certo é que o mesmo nunca viria a entrar em vigor.

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Estes acontecimentos motivaram um período de reflexão, a que se seguiu uma tentativa de recuperar o Tratado a tempo das eleições para o PE de 2009, através de uma nova conferência inter-governamental, com a responsabilidade de reformular o tratado.

2.2.2. Tratado de Lisboa

Foi assinado em 13 de Outubro de 2007 e entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2009. Este tratado remete para o PTCE, tanto na sua génese como no seu conteúdo.

Quanto ao seu conteúdo, o TL funciona como uma solução de compromisso: por um lado, ele mantém algumas das características do PCTE, assinalando-se uma clara continuidade entre um e outro; por outro lado, ele introduz algumas alterações no equilíbrio institucional que aquele propunha.

Ele procedeu a alterações no TUE e no TCE, passando este último a designar-se por Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). O TL mitiga substancialmente as pretensões constitucionais, assinalando um regresso ao método de integração gradualista tradicional, todavia, não é claro que essas pretensões sejam postas completamente de parte. A Carta dos DF, embora não constando formalmente no TL, é expressamente elevada à mesma dignidade normativa do TUE e do TFUE, isto sem prejuízo da existência de normas protocolares que restringem substancialmente a sua vigência relativamente à Polónia e ao Reino Unido.

Do ponto de vista institucional, acolheu-se a figura do Presidente do Conselho Europeu, mas substitui-se o Ministro dos Negócios Estrangeiros por um Alto Representante, que também é Vice-Presidente da Comissão. Manteve-se a abolição dos três pilares, procedeu-se a um alargamento das competências da UE e manteve-se o esforço da democracia parlamentar, directa e representativa, proposto pelo PTCE. Também o PE viu reforçadas as suas competências legislativas, orçamentais e de controlo. O objectivo da livre concorrência é apresentado de forma mais mitigada e menos genérica, procurando apaziguar os receios de excessos de liberalização económica da Europa. Às autoridades estaduais é deixada uma maior margem de discricionaridade na prestação, execução e organização de serviços não económicos de interesse geral. O TL inclui, no processo de revisão, a realização de uma convenção, à semelhança do que sucedia com o PTCE, por estes motivos, alguns continuam a ver no TL uma constituição disfarçada.

Capítulo III: Organização da União Europeia

1. Relevo substantivo da estrutura institucional

O estudo da estrutura institucional da UE reveste-se do maior relevo substantivo, porque os princípios políticos e constitucionais fundamentais são sempre indissociáveis dos respectivos corolários institucionais.

A estrutura institucional da UE afecta o modo como o direito europeu deve ser encarado: como expressão de um equilíbrio institucional, como diálogo permanente entre os órgãos políticos e jurisdicionais europeus, como concepção de natureza e exercício de soberania estadual.

A UE apresenta uma estrutura institucional autónoma que não tem como único objectivo um maior aumento da eficácia do processo de decisão, mas tem também preocupações de natureza constitucional, relacionadas com o exercício conjunto de soberania estadual, a expressão da vontade política democrática europeia e da solidariedade entre os povos e Estados europeus.

2. Modelos de integração

A análise do direito da UE remete para a consideração de dois modelos básicos de integração e é por referência a estes dois modelos que deve ser equacionada a relação entre a UE e os Estados-membros.

2.1. Funcionalismo e cooperação intergovernamental

O primeiro modelo assenta na compreensão do direito comunitário a partir de um sistema de funcionalismo/cooperação intergovernamental, através da criação de uma OI.

Este caracteriza-se pela primazia dada aos factores técnicos e económicos e à cooperação intergovernamental de tipo funcional/sectorial.

Para os defensores do status quo dos Estados-Nação este seria o modelo de integração mais adequado para as comunidades europeias. Até a doutrina indica que esta perspectiva funcionalista de integração económica através do mercado tem tido a virtualidade de aprofundar a cooperação política e a construção jurídica em áreas que extravasam largamente o domínio económico. Apesar disso, o mesmo depara com algumas dificuldades de relevo:

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- Em primeiro lugar, uma integração técnico-económica em larga escala exige, mais cedo ou mais tarde, uma maior integração institucional, política e jurídica;

- Em segundo lugar, diante das enormes disparidades entre as possibilidades técnico-económicas de cooperação dos vários Estados-membros, cedo se sente a necessidade de introduzir medidas correctivas de tipo federal;

- Em último lugar, a regulação do comércio entre Estados-membros favorecerá sempre a expansão dos poderes da UE. 2.2. Supranacionalismo e federalismo

Este modelo aponta para uma integração de natureza supranacional com vocação federal. Este caracteriza-se pela primazia do político sobre o económico, pela imitação de modelos existentes (EUA, RFA), pelo exercício em comum de prerrogativas de soberania estadual, pelo reforço dos poderes das instituições supranacionais, pelo exercício do poder constituinte e para a consequente supranacionalização da competência das competências e da legitimidade política democrática.

Este modelo tem deparado com uma forte resistência dos chamados Estados-Nação, alegando-se a inexistência de um “povo europeu” que possa chamar a si a titularidade do poder constituinte.

Não obstante, este modelo de integração conheceu um novo alento com a entrada em circulação do euro e com a convocação de uma Convenção Constitucional para a reforma política institucional da Europa.

Apesar disso, parece prematuro pensar na UE como sendo uma estrutura federal dotada de soberania interna e externa: - Em primeiro lugar, os estados permanecem os “senhores dos Tratados” e os titulares últimos das prerrogativas de soberania que transferiram para as comunidades;

- Em segundo lugar, embora se afirme a primazia do direito comunitário sobre o direito nacional, ela é o resultado de uma concessão constitucional dos Estados-membros, não exprimindo ainda a primazia absoluta de um poder federal sobre os poderes federados, como sucede nos EUA ou RFA.

Não obstante, é já evidente a presença de elementos típicos de uma estrutura federal: 1) A união de entidades políticas autónomas;

2) A enumeração dos poderes normativos da UE e o carácter residual das competências nacionais; 3) A aplicabilidade directa das normas comunitárias dentro dos limites territoriais da UE;

4) A existência dos poderes legislativo, executivo e judicial a nível da UE;

5) A supremacia dos actos da UE, na sua esfera de competência, sobre todos os actos nacionais de sentido contrário.

3. Repartição de competências

Um dos problemas fundamentais que se colocam numa estrutura de tipo federal, ou supranacional, prende-se com a repartição de competências entre os estados e essa estrutura, por um lado, e a repartição de competências entre os vários órgãos dessa estrutura.

No primeiro caso, deparamo-nos com um exemplo claro de constitucionalismo multi-nível, em que está em causa a transferência de competências nacionais para a UE, através da criação de um direito constitucional europeu, derivado dos direitos constitucionais nacionais. Esta característica distingue a UE de qualquer outra OI.

É neste ambiente constitucional que devem ser identificados e interpretados os princípios que regem o exercício das prerrogativas de soberania pelos Estados e pela UE. Os Tratados, ao mesmo tempo que identificam os valores e os princípios que servem de base à UE, definem as respectivas atribuições e competências.

3.1. Atribuições e competências dos Estados e da UE

A UE prossegue os objectivos que lhe foram definidos pelos Tratados, pelos meios adequados. Importa clarificar as suas atribuições e competências. Em primeiro lugar, deve considerar-se os critérios que presidem à repartição das competências entre os Estados-membros e a UE. A delimitação das competências da UE está sujeita ao princípio da atribuição. O exercício das competências da UE está sujeito aos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade (art. 5º TUE).

3.1.1. Princípios de repartição de competências 3.1.1.1. Princípio das atribuições limitadas

As competências da UE estão sujeitas ao princípio das atribuições limitadas. Este princípio, também designado princípio da especialidade das competências, ou princípio da atribuição, obriga a que só sejam consideradas competências da UE as que resultam da especificação da transferência de poderes soberanos – art. 5º/1 TUE.

As competências que não sejam expressamente atribuídas à UE pelos Tratados permanecem na titularidade dos Estados-membros (art. 4º/1 e 5º/2 TUE). Isto significa que, em princípio, a UE exerce apenas as competências que lhe forem atribuídas

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pelos tratados institutivos, actuando dentro dos respectivos limites, não podendo criar novas competências ou extravasar os limites das que lhe estão atribuídas.

A violação deste princípio pode vir a desencadear um controlo ultra vires dos actos comunitários pelas jurisdições constitucionais especialmente ciosas dessas prerrogativas.

3.1.1.2. Princípios da subsidiariedade

O princípio da subsidiariedade tem um grande relevo para a compreensão da transferência das competências dos Estados-membros para a UE – art. 5º/1 TUE.

O seu domínio de aplicação diz respeito às matérias de competência concorrente, não se aplicando, portanto, em matéria de competência exclusiva da UE ou dos Estados. Além disso, o seu alcance deve ser determinado com o apoio complementar do princípio da proporcionalidade.

A razão de ser deste princípio tem que ver com a preservação das prerrogativas de soberania dos Estados, bem como com o combate ao centralismo e a preservação das identidades regionais e locais. Este princípio vincula todas as instituições da UE, incluindo as instituições jurisdicionais.

O princípio da subsidiariedade, concretizado no art. 5º/3 TUE, estabelece dois pressupostos cumulativos para justificar a intervenção da UE:

- O primeiro, consiste na falta de eficiência da actuação dos Estados-membros, ao nível centrar, regional ou local;

- O segundo, requer o valor acrescentado da actuação da UE, tendo em conta a dimensão ou os efeitos da acção considerada. 3.1.1.3. Princípio da proporcionalidade

Na delimitação da transferência de competências dos Estados-membros para a UE vigora também o princípio da proporcionalidade (art. 5º TUE). Este é indissociável do princípio da subsidiariedade, vinculando também todas as instituições da UE. Este princípio assenta numa análise da relação entre fins e meios, exigindo a legitimidade dos fins e a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito dos meios relativamente aos fins.

Os fins são dados pelo direito europeu originário e, sendo a transferência de poderes para a UE um meio para atingir as finalidades substantivas dos tratados, o princípio da proporcionalidade impõe a limitação material e formal das medidas da UE ao estritamente necessário à prossecução de objectivos dos tratados (art. 5º/4 TUE).

O requisito da adequação manifesta-se na exigência de eficácia da acção da UE na realização do efeito pretendido. Por sua vez, o requisito da necessidade requer que a adopção da medida adequada seja menos onerosa, quer em termos financeiros, quer do ponto de vista da ingerência na soberania dos Estados e, por isso, o princípio da proporcionalidade aponta para a adopção da medida europeia menos detalhada possível, de forma a permitir uma margem de manobra tão grande quanto possível aos Estados.

Uma correcta aplicação do princípio da subsidiariedade e da proporcionalidade requer a promoção de amplas consultas e publicação de textos a elas relativos antes da apresentação de propostas com iniciativas comunitárias, acompanhada da publicitação dos respectivos textos.

3.1.1.4. Poderes implícitos

Sem prejuízo do princípio da atribuição limitada de competências comunitárias, não está excluída a consideração de poderes implícitos (implied powers). Trata-se de uma figura que tem sido usada no direito constitucional como mecanismo de flexibilização e adaptação dos poderes político e legislativo, permitindo a adaptação e sobrevivência de uma dada comunidade política em contextos de alteração do ambiente político, económico, social e cultural, evitando que a mesma fique paralisada pela rigidez das formas constitucionais.

Desta forma, permite-se a actuação em domínios da actividade próximos das atribuições da UE, mas que não estão expressamente previstos nas normas de competências, quando isso se mostre necessário à prossecução de objectivos funcionais. Estes poderes emergiram da cláusula da flexibilidade – art. 352º TFUE.

Apesar de tudo, a admissão destes poderes implícitos não é isenta de controvérsia. Em todo o caso, justifica-se plenamente o acolhimento de uma medida razoável de competências implícitas (competências não escritas mas logicamente necessárias ao exercício das competências por atribuição). A doutrina dá como exemplo a assunção de competências externas em matérias em que à UE foram atribuídas competências internas. Também o TFUE manifestou-se aberto à teoria dos poderes implícitos. Alguns autores procuram ir mais além defendendo a adopção dos chamados poderes inerentes (inherent powers), deduzidos das necessidades concretas da organização e baseados na premissa de que as acções que não são expressamente precludidas pelos tratados são admitidas quando inerentes a uma organização supranacional. Este último entendimento é, todavia, bastante duvidoso, pois a UE não dispõe de um direito de autodeterminação funcional e competencial. Mas a realidade é que o facto de os objectivos e os poderes a ela confiados serem, por vezes, vagos e indeterminados, nem sempre permite uma distinção clara

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entre poderes inerentes e poderes implicitamente atribuídos. Ora, a inexistência dos primeiros acaba por levar à expansão dos poderes implícitos.

3.1.1.5. Cooperação leal

O princípio da cooperação leal, ou da lealdade europeia, assume uma especial função ao permitir a interacção adequada nas relações entre os Estados-membros e a UE (art. 4º TUE). Ele aplica-se, além disso, na relação que as instituições europeias estabelecem umas com as outras (art. 13º/2 TUE). Este princípio tem como referências axiológicas o princípio da boa fé, que deve caracterizar as relações entre os Estados no âmbito do direito internacional, e o princípio da lealdade federal.

No direito da UE, ele pretende facilitar a interacção que se estabelece entre Estados soberanos numa estrutura com algumas características do tipo federal, implicando deveres recíprocos de respeito, assistência e cooperação. Tem como base o respeito pela identidade nacional e o princípio da igualdade e reciprocidade entre os Estados. Este princípio traduz-se no dever de a UE apoiar todos os Estados no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados, bem como no dever estadual de cumprir essas missões, tomando todas as medidas gerais ou específicas adequadas.

3.1.1.6. Cooperação diferenciada

O ideal da UE é a prossecução dos respectivos objectivos pela União no seu conjunto, num acervo de igualdade de direitos e deveres dos Estados-membros que os candidatos à adesão também devem aceitar. Todavia, na prática nem todos os Estados têm condições políticas, económicas ou sociais para estarem igualmente envolvidos no processo de integração europeia e, por isso, é evidente que se torna necessário introduzir mecanismos de maior flexibilidade. Daí que, entre os princípios que regem a atribuição de competências dos Estados para a UE, encontremos o princípio da cooperação diferenciada.

Por via deste princípio, de aplicação residual, a integração europeia conhece alguma flexibilidade, permitindo soluções jurídicas diferenciadas: nuns casos isso traduz-se na procura de níveis mais elevados e profundos de cooperação, de acordo com uma postura mais activa (opting in); noutros, admitem-se derrogações à aplicação das normas da UE, de acordo com uma postura mais passiva (opting out).

3.1.1.6.1. Cooperações reforçadas

As cooperações reforçadas (art. 20º TUE) são faculdades concedidas aos Estados-membros de procederem um aprofundamento da cooperação dentro do quadro normativo e institucional dos Tratados; permite, desta forma, a evolução gradual da estrutura institucional e funcional da UE. Para a respectiva activação terão que ser respeitados os limites materiais, positivos e negativos, formais e procedimentais impostos pelos art. 20º TUE e 326º e 334º TFUE.

a) Âmbito material

Limites negativos: dever de respeitar os tratados, de não prejudicar o mercado interno, de não pôr em causa a coesão económica e social e de respeitar os direitos e obrigações dos Estados-membros não participantes, não dificultando o seu exercício.

Limites positivos: devem limitar-se às áreas de competências não exclusivas da UE, devendo estar ao serviço dos objectivos e interesses da integração.

Expressamente admitidas são as cooperações reforçadas no domínio da política externa e de segurança comum (art. 329º/2 TFUE) e, dentro deste domínio, admite-se a criação de um novo tipo de cooperação reforçada, designada por cooperação estruturada permanente (art. 42º/6 TUE) e abrange os Estados-membros com capacidades militares elevadas que tenham assumido compromissos mais fortes para a realização de missões mais exigentes.

Mesmo com estes limites, as cooperações reforçadas pretendem ser uma solução ultima ratio, a adoptar apenas quando de todo não seja possível a prossecução dos objectivos pela União globalmente considerada, dentro de um prazo razoável.

b) Procedimento de autorização

Do ponto de vista procedimental está prevista uma tramitação com várias fases:

- Os Estados que a pretendem devem dirigir um pedido à Comissão, especificando o âmbito de aplicação e os objectivos da cooperação pretendida (no caso de uma cooperação reforçada no domínio da política externa e segurança comum, o pedido é dirigido ao Conselho que o transmite ao Alto Representante para que este dê o seu parecer – art. 329º/2 TUE);

- Estabelece-se uma cláusula barreira, exigindo pelos menos 9 Estados-membros, com o objectivo de conseguir a participação do maior número possível (art. 328º/1 TFUE);

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- A comissão decide formular ou não uma proposta de cooperação reforçada, devendo apresentar aos Estados as razões da sua recusa;

- Na observância dos parâmetros materiais, a decisão de autorização é tomada pelo Conselho, sob proposta da comissão e após aprovação do PE (art. 329º/1 TFUE);

- Na deliberação podem participar todos os Estados-membros, embora só participem na votação os que pretendem integrar a cooperação reforçada (art. 20º TUE).

c) Regime de cooperações reforçadas Neste regime há que salientar alguns aspectos:

- O primeiro prende-se com a abertura a todos os Estados-membros: no momento de autorização e em qualquer momento ulterior, as cooperações reforçadas têm que estar abertas a todos os Estados-membros (art. 328º TFUE) – princípio da igualdade entre os Estados; no entanto, um Estado que decida, num momento ulterior, participar na cooperação reforçada deve respeitar, não apenas as respectivas condições de participação, mas também os actos adoptados no respectivo âmbito;

- O segundo aspecto diz respeito à adopção e ao alcance dos actos adoptados no âmbito da cooperação reforçada: todos podem participar na deliberação, mas apenas os Estados participantes têm direito de voto (art. 20º/3 TUE e art. 330º/1 TFUE). No domínio do processo de decisão introduzem-se, ainda, algumas cláusulas-ponte, inaplicáveis quando estejam em causa questões militares ou de defesa – art. 333º/1 TFUE e art. 20º/4 TUE.

- o terceiro aspecto está relacionado com o financiamento da cooperação reforçada: em princípio, este ficará unicamente a cargo dos estados participantes, no entanto, após consulta do PE, o Conselho pode decidir, por unanimidade de todos os seus membros, que as despesas da cooperação reforçada serão suportadas por todos.

- Finalmente, a coerência das acções adoptadas e da cooperação reforçada com as políticas da UE é garantida pela comissão e pelo Conselho (art. 3340º TFUE).

d) Adesão a uma cooperação reforçada

Os estados podem aderir a uma cooperação reforçada que já esteja instituída – art. 331º TFUE.

No caso das cooperações reforçadas em geral, o Estado deve notificar a sua intenção à Comissão, a qual vai verificar o cumprimento das condições e decidir no prazo de quatro meses a contar desde a recepção da notificação. Em caso de decisão positiva, como a participação implica a aceitação dos actos já adoptados, pode haver lugar a um regime transitório. Em caso de decidir negativamente, deve identificar as condições que devem ser preenchidas e determinar um prazo para a nova apreciação do pedido. Se a Comissão entender que as condições de participação ainda não foram satisfeitas pode haver um novo pedido, dirigido ao Conselho (art. 331º/1 TFUE).

No caso de cooperações reforçadas sobre políticas externas e de segurança comum, a notificação da intenção de participação é dirigida ao Conselho e ao Alto Representante. Este é chamado a pronunciar-se, cabendo a decisão final ao Conselho, por unanimidade dos participantes na cooperação reforçada, depois de verificado o cumprimento das condições de participação. Também aqui pode ser determinado um prazo para que os estados satisfaçam essas condições – art. 331º/2 TFUE.

3.1.1.6.2. Derrogações à integração

Em princípio, o estatuto de membro da UE obriga a aceitação da generalidade dos direitos e obrigações previstos nos Tratados que integram o acervo comunitário. Todavia, para além das cooperações reforçadas, existe igualmente a possibilidade do enfraquecimento da cooperação nalgumas áreas, através de cláusulas derrogatórias. Estas impedem a aplicação de determinados direitos e deveres aos Estados criados pelo direito da UE e têm subjacente o princípio de respeito pelos interesses nacionais no processo de integração. Elas facilitam o alargamento, dando a possibilidade aos estados de procederem a adaptações políticas, jurídicas e económicas necessárias ao pleno exercício dos deveres e direitos inerentes ao estatuto de membro da UE.

As derrogações podem ser:

a) Derrogações temporárias: são aquelas que prevêem expressamente um termo resolutivo;

b) Derrogações permanentes: não prevêem um termo resolutivo, mas não significa que sejam eternas;

c) Derrogações voluntárias: são aquelas que podem ser solicitadas pelos estados no momento da adesão ou posteriormente; trata-se aqui de válvulas de escape que permitem aos estados evitar níveis mais elevados de integração europeia; é dada a possibilidade de os estados solicitarem o termo dessa derrogação;

d) Derrogações obrigatórias: são aquelas aplicadas objectivamente aos estados que não preencham um determinado conjunto de requisitos; neste caso, não basta um acto subjectivo de vontade do Estado para por fim à derrogação. 3.1.1.7. Respeito pelas identidades nacionais

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Outro princípio muito importante prende-se com a protecção das identidades nacionais – art. 4º/4 TUE. Este princípio confere aos estados um direito subjectivo de protecção em face da UE e dos demais estados. Ele aponta para uma compreensão material dos “states rights”, conformada pela protecção da identidade histórica e cultural, da identidade constitucional e da estadualidade interna.

O respeito pelas identidades nacionais consagra uma obrigação de ponderação das identidades nacionais nos processos de decisão política, legislativa, administrativa e jurisdicional da UE. Neste sentido, este princípio não pode ser visto como uma proibição de interferências da UE nas identidades nacionais.

Um exemplo da aplicação deste princípio diz respeito à posição adoptada pelo conselho europeu sobre a relação entre a Irlanda e o Tratado de Lisboa; outro exemplo pode encontrar-se na Declaração da Polónia sobre a Carta dos Direitos fundamentais da UE.

3.1.1.8. Respeito pela estadualidade

Outro princípio delimitador das competências da UE é o respeito pelas dimensões da estadualidade.

A UE é uma organização supranacional constituída por estados soberanos e, por este motivo, deve proteger as funções essenciais de cada estado (integridade territorial, manutenção da ordem pública, salvaguarda da segurança nacional, etc.) – art. 4º/2 TUE.

Problemático é saber se o respeito pela estadualidade se estende a todas as funções que os estados, unilateralmente, decidirem definir como essencialmente estaduais. Em todo o caso, o grau máximo de respeito pela estadualidade manifesta-se na previsão expressa do direito dos estados se retirarem da UE – art.50º TUE.

3.1.2. Tipos de competências

Aplicando os princípios anteriormente mencionados, surgem diferentes tipos de competências: matérias de competência exclusiva da UE, de competência partilhada, de competência paralela e de competência exclusiva dos Estados.

3.1.2.1. Competência exclusiva da UE

Segundo esta competência, existem matérias em que só a UE pode legislar e adoptar actos juridicamente vinculativos. Esta reserva de competências pode ser relativa, ou seja, os estados podem ser habilitados ou autorizados a intervir nestes domínios pela UE, enquanto gestores do interesse comum, devendo fazê-lo em articulação com os órgãos da UE. Quando os estados não tiverem a habilitação ou autorização para agirem nestas matérias de competência exclusiva da UE, a sua violação origina uma acção por incumprimento, cabendo-lhes apenas a função complementar, de natureza executiva (art. 2º/1 TFUE).

Nestas matérias os estados não podem tomar iniciativa através de acto legislativo ou regulamentar, cabendo-lhes apenas intervenções secundárias e subordinadas.

Presentemente, o art. 3º/1 TFUE atribui expressamente competência exclusiva nos domínios da: a) União aduaneira;

b) Regras de concorrência necessárias ao mercado interno; c) Política monetária para os estados da zona euro;

d) Conservação dos recursos biológicos no âmbito da politica comum de pescas; e) Política comercial comum.

Nestes domínios os estados foram, em princípio, definitivamente desapropriados das suas competências. A única excepção a este princípio pode correr no caso de radical inoperância por parte das instâncias da UE.

3.1.2.2. Competências partilhadas

Existem, também, matérias de competência concorrente, ou seja, matérias em que tanto os Estados como a UE são competentes – art.2º/1 TFUE.

Matérias de competência partilhada (art.4º/2 TFUE): a) Mercado interno;

b) Aspectos da política social relativos ao TFUE; c) Coesão económica, social e territorial; d) Agricultura e pescas;

e) Ambiente;

f) Defesa dos consumidores; g) Transportes:

h) Redes transeuropeias; i) Energia;

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k) Problemas comuns de segurança em matéria de saúde pública, relacionados com TFUE.

Os Estados exercem a respectiva competência na medida em que a UE não tenha exercido a sua.

Apesar de se admitir a actuação da UE e dos Estados-membros, há que ter em conta a exigência de vinculação pelos fins dos Tratados e a regra da preempção das competências nacionais pela competência comunitária, ou seja: o exercício de competências por parte os Estados-membros não pode pôr em causa as disposições e os objectivos dos tratados, devendo subordinar-se ainda aos princípios gerais do direito da UE, principalmente no que toca ao princípio da cooperação leal; à medida que se exerce a competência da UE, os estados-membros são gradualmente desapropriados da sua competência, até a perderem definitivamente, passando a ter uma actuação meramente complementar e executiva, subordinada à UE. Neste caso, pode chegar a surgir uma verdadeira reserva de competências por parte da UE, necessitando de habilitação expressa os Estados que nela queiram intervir.

3.1.2.3. Competências paralelas

Existem matéria em que as competências da UE e dos Estados são paralelas, ou seja, admite-se uma actuação paritária e concertada das instituições comunitárias e nacionais, sem qualquer exclusão ou preempção. Assim sucede, por exemplo, no domínio da investigação e do desenvolvimento tecnológico e do espaço ou a cooperação e ajuda humanitária – art. 4º/3/4 TFUE.

3.1.2.4. Competências de coordenação e complementação

O aprofundamento do processo de integração europeia requer um esforço de coordenação em vários domínios, principalmente no que toca às políticas economias. Nestes domínios o Conselho pode definir disposições gerais, mas no tocante aos Estados da zona euro prevê-se a definição de disposições específicas. Para além daquelas, também podem ser definidas, pela UE, directrizes e iniciativas no sentido de coordenação de políticas de emprego e sociais (art. 5º TFUE).

Prevê-se o desenvolvimento de iniciativas de apoio, coordenação e complementação da acção dos Estados-membros, no sentido de servirem finalidades europeias, nos domínios:

a) Protecção e melhoria da saúde humana; b) Industria;

c) Cultura;

d) Educação, formação profissional, juventude e desporto; e) Protecção civil;

f) Cooperação administrativa.

Uma vez adoptadas as orientações, directrizes e iniciativas europeias, os estados devem segui-las de acordo com o princípio da boa fé.

3.1.2.5. Competências exclusivas dos Estados

A UE é uma associação de estados soberanos, reconhecendo-se assim a existência de prerrogativas de soberania justificativas da existência de matérias de competência exclusiva dos Estados. Mesmo estas, porém, podem eventualmente ser complementadas pela acção da UE, no sentido de as colocar ao serviço de finalidades europeias.

Estas matérias correspondem aos domínios da nacionalidade, fiscalidade directa, defesa da ordem pública, segurança nacional. No entanto, mesmo as competências exclusivas dos Estados membros devem ser exercidas no respeito pelo direito da UE (principalmente, quando esteja em causa a cidadania europeia, liberdade de circulação, etc.).

O problema é a tentativa unilateral dos estados para estabelecerem as matérias que consideram reservadas, de acordo com as suas próprias teorias e fins do estado. Neste sentido, deve salientar-se que os tratados não deixam de representar uma restrição à competência das competências dos Estados-membros da UE.

3.2. Atribuições e competências dos órgãos da UE 3.2.1. Princípios de repartição de competências

Os tratados da UE cumprem uma função de indiscutível relevo constitucional, na medida em que são instrumentos normativos através dos quais se pretende esclarecer, organizar, regular e limitar o exercício de prerrogativas de autoridade pública. Os princípios de repartição de competências entre as instituições e órgãos da UE são princípios de direito constitucional da UE. Entre eles destacamos o princípio da competência orgânica limitada e o da paridade institucional.

3.2.1.1. Competência orgânica limitada

Também relativamente aos órgãos da UE tem cabimento o princípio da atribuição limitada de competências, que implica uma competência orgânica limitada. De acordo com este princípio, os tratados procedem à especificação das competências, procedimentos e formas dos órgãos da União – art. 13º/2 TUE.

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De acordo com o princípio da competência orgânica limitada, deve sempre existir um fundamento orgânico, procedimental e formal para a actuação das instituições da UE. Estabelece-se, assim, o princípio da tipicidade orgânica, segundo o qual os órgãos comunitários só podem actuar se para isso estiverem habilitados por uma norma de competência. Além disso, os procedimentos e as formas dessa actuação têm de observar as normas que tipificam as correspondentes regras. Daqui decorrem duas importantes implicações:

- Por um lado, é estabelecido o princípio da tipicidade dos procedimentos (exemplo, quando se requer uma maioria qualificada, ou uma proposta da Comissão, etc.);

- Por outro lado, o direito da UE consagra o princípio da tipicidade das formas (exemplo, quando se determina a adopção de uma directiva, ou de um Regulamento, etc.).

A violação destes princípios tem como consequência a ilegalidade procedimental e formal do acto. 3.2.1.2. Paridade institucional

Dentro dos órgãos da UE deve distinguir-se entre instituições e órgãos. Esta distinção permite assinalar a existência de duas categorias de órgãos da UE: a primeira trata-se de um quadro institucional essencial para a promoção das finalidades dos Tratados; a segunda trata-se de órgãos de natureza secundária e complementar.

As instituições são, basicamente, os órgãos fundamentais da UE (o Parlamento Europeu, Conselho Europeu, o Conselho, a Comissão e o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Banco Central e o Tribunal de Contas (art. 13º TUE). Nas relações que entre estes se estabelecem vigora o princípio da paridade institucional e equilíbrio institucional, com as suas dimensões de igual dignidade institucional e equilíbrio institucional, o qual é indissociável, também, dos princípios da tipicidade de competências e da cooperação leal entre os órgãos – art. 13º/2 TUE.

Isto significa que: as instituições comunitárias executam directamente os tratados, pelo que nenhuma das instituições da União se pode sobrepor às outras, ou interferir no exercício das respectivas prerrogativas. Deste princípio decorre a existência de meios processuais para a defesa jurisdicional das prerrogativas das instituições da UE relativamente a intromissões de outras.

4. Instituições europeias

4.1. Considerações gerais

4.1.1. Amplitude das responsabilidades funcionais

As instituições europeias desempenham um papel decisivo no processo de decisão da UE e na dinamização e promoção das suas finalidades. Elas exercem as suas funções autonomamente, de acordo com as atribuições e competências que lhe são tipificadas no Tratados, e numa posição de paridade. Além disso, as suas responsabilidades funcionais abrangem todas as áreas da actividade da UE.

No âmbito do mercado interno, a actividade dos órgãos da UE assume uma natureza preponderantemente jurídica e supranacional. Já no âmbito da política externa e de segurança e à cooperação policial e judiciária, a mesma assume, em maior medida, uma coloração política e intergovernamental.

À amplitude das responsabilidades funcionais das instituições da UE não é alheio o objectivo de assegurar uma maior legitimidade das mesmas, bem como a vontade de, a prazo, consolidar e integrar toda a actividade da UE nos mais diversos domínios.

4.1.2. Representação e participação democrática

O objectivo de um governo democrático à escala europeia consiste em identificar as necessidades e os interesses dos indivíduos, dos grupos, das regiões e dos Estados e harmonizá-los numa óptica de promoção do bem comum, através de processos de decisão representativos, deliberativos e compromissórios. Quando aquelas necessidades se traduzem em direitos fundamentais, o objectivo é a concordância prática e a máxima efectividade, ponderando-os com os bens da UE e dos Estados.

No contexto europeu, a democracia tem sido construída de várias maneiras: 1) Reforço da legitimidade democrática do PE;

2) Reforço dos poderes de decisão normativa e de controlo do PE; 3) Ampliação e consolidação dos direitos de cidadania europeia; 4) Reforço dos direitos de iniciativa popular dos cidadãos europeus;

5) Maior participação de representantes de sectores económicos e sociais e regiões; 6) Reforço do debate aberto e da participação na preparação das decisões;

7) Garantia de transparência e prestação de contas no funcionamento de todas as intuições; 8) Aumento dos poderes dos parlamentos nacionais.

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A estrutura institucional da UE manifesta a trilogia clássica das funções constitucionais legislativa, executiva e judicial. No entanto, ela reflecte um entendimento sui generis do princípio a separação de poderes, tanto do ponto de vista vertical como do ponto de vista horizontal. Desde logo, assinala-se a interdependência pessoal entre instituições comunitárias e nacionais, diferentemente do que sucede uma estrutura propriamente federal. Assim, por exemplo, no Conselho Europeu, órgão político da UE, têm acesso os chefes de estado e de governo dos estados-membros.

O poder legislativo cabe conjuntamente ao Conselho, à Comissão e ao Parlamento Europeu, de acordo com o processo legislativo ordinário e o processo legislativo especial – art. 293º ss. TFUE.

O poder executivo é exercido pelo Conselho Europeu, pelo Conselho, pela Comissão e pelos Estados-membros.

O poder jurisdicional pertence ao Tribunal de Justiça, incluindo o Tribunal de Primeira Instância, e ao Tribunal de Contas. No quadro institucional da UE é frequente a transferência de competência multi-nível e o desdobramento funcional nas relações entre as várias instituições e órgãos e entre estes e os Estados-membros. Mais do que a separação de poderes no sentido tradicional, encontramos uma estrutura de coordenação, colaboração e interdependência.

4.1.4. Estatuto internacional da UE

A UE é uma entidade com personalidade jurídica internacional. A mesma substitui-se e sucede à antiga CE (art. 1º, §3, TUE). A sua natureza jurídica tem características únicas, dada a sua compatibilidade com os diferentes graus de integração política e jurídica existentes no seu seio. Presentemente, e desde o Tratado de Lisboa, a UE tem características institucionais e normativas supranacionais que a colocam a meio caminho entre uma OI clássica, de natureza intergovernamental, e um Estado federal. Os estados-membros garantem-lhe um estatuto de imunidades e privilégios, ao mesmo tempo que lhe reconhecem capacidade jurídica de direito privado na ordem jurídica interna.

A UE dispõe do poder de negociar, ajustar e celebrar convenções internacionais (ius tractum) com os estados que a reconheçam e com outras OI’s, como de resto hoje é comum à generalidade de OI’s. No entanto, os tratados celebrados pela UE aproximam-se mais dos tratados celebrados entre os Estados, do que os celebrados pelas OI’s.

Do mesmo modo, a UE dispõe do direito de legação (ius legacionis) activo e passivo, podendo nomear e acreditar embaixadores. A mesma goza, igualmente, do direito de integrar OI, incorrendo em responsabilidade internacional (apesar de esta consideração ser difícil, já que ela não é um Estado).

A UE autodefine-se como servindo a rigorosa observância do direito internacional, incluindo os princípios da Carta das Nações Unidas (art. 3º/5 TUE).

4.2. Órgãos políticos do Tratado

A UE apresenta hoje uma estrutura institucional autónoma, elemento garantidor da coerência política e da eficiência do processo de decisão. No planto institucional, o Tratado de Lisboa procurou criar condições para uma maior funcionalidade e eficiência e reforçar a democraticidade da UE. Assim, a distinção formal entre os três pilares da Comunidade Europeia deixou de existir, no entanto, materialmente, a mesma continua a existir, sendo fácil observar que se trata de três domínios distintos sujeitos a lógicas diferentes, embora relacionados entre si.

O quadro institucional da UE é constituído pelos seguintes órgãos: o Parlamento Europeu; o Conselho Europeu; o Conselho; a Comissão Europeia; o Tribunal de Justiça da União Europeia; o Banco Central Europeu e o Tribunal de Contas. O mesmo visa promover os seus valores, prosseguir os seus objectivos, servir os seus interesses, os dos seus cidadãos e os dos Estados Membros, bem como assegurar a coerência, eficiência e a continuidade das políticas e das acções da UE – art. 13º TUE.

As instituições distinguem-se dos restantes órgãos e agências da UE, funcionando como uma espécie de “órgãos constitucionais de soberania” da UE. Cada instituição actua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabeleçam.

4.2.1. Parlamento europeu

O PE é o órgão democrático-representativo por excelência dos cidadãos europeus – art. 10º/1/2 e art. 13º/1 TUE. As bases do seu regime jurídico encontram-se definidas nos art. 14º TUE e 223º ss TFUE. Porém, ele é apenas uma peça de uma teoria complexa de democracia desenvolvida tendo em conta as realidades e necessidades institucionais e funcionais da UE.

4.2.1.1. História

Inicialmente designado pelos tratados por Assembleia, o PE começou por ser um órgão de representação meramente indirecta, integrando representantes nomeados pelso Estados-membros de entre os seus deputados nacionais, de acordo com um procedimento estabelecido por cada Estado. Esta forma de representação indirecta pretendia ser temporária, pois o objectivo inicial era o de evoluir para a eleição directa do PE.

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Na gradual afirmação do PE como órgão democrático representativo europeu deve sublinhar-se o relevo assumido pelos seguintes aspectos:

1) Adopção, por iniciativa própria, da designação de Parlamento Europeu, em 1962;

2) Introdução do sufrágio universal directo, por um Acto do Conselho de 1976, em vigor desde 1978;

3) Reconhecimento da existência de partidos políticos europeus como factor de integração (art. 10º TUE e 224º TFUE); 4) Alargamento sucessivo de competências do PE, à custa dos poderes de outras instituições europeias e dos

Estados-membros.

Estes desenvolvimentos têm contribuído para uma maior autonomia institucional do PE a par da criação de uma classe política europeia.

4.2.1.2. Significado jurídico-político 4.2.1.2.1. Função de representação

Esta função corresponde a uma realidade complexa. Ela tem:

i. Uma dimensão democrática, na medida em que representa os povos europeus;

ii. Uma dimensão demográfica, na medida em que essa representação pretende ter correspondência com a realidade demográfica dos estados-membros;

iii. Uma dimensão política, na medida em que se reflectem as diferentes tendências político-ideológicas e presentes na Europa;

iv. Uma dimensão cultural, exprimindo-se igualmente no multilinguismo do seu funcionamento e na expressa da identidades nacionais.

4.2.1.2.2. Função de integração

Por um lado, ele procura constituir um fórum de discussão e deliberação em torno dos diversos problemas com que a UE se depara e que assumam uma dimensão transnacional.

Por outro lado, ele procura levar a cabo essa discussão e deliberação a partir da inclusão de diferentes pontos de vista dos diferentes estados e povos, dos cidadãos europeus e dos diferentes grupos de interesses políticos, económicos e ideológicos que integram a sociedade civil europeia.

4.2.1.3. Eleição

O PE é composto pelos representantes dos cidadãos da UE, exercendo os poderes que lhe são atribuídos pelos Tratados. Os mesmos são eleitos por sufrágio universal, directo, livre e secreto, por um mandato de 5 anos – art. 14º/3 TUE.

O processo de eleição baseia-se em princípios comuns a todos os Estados-membros – art. 223º TFUE. Entre nós, a eleição dos deputados do PE é feita com base num circulo eleitoral único, tendo capacidade eleitoral os cidadãos portugueses recenseados no território nacional, incluindo os residentes nos Estados-membros da UE que não opte por votar no Estado de residência, e os cidadãos da UE não nacionais que se encontrem recenseados em Portugal, sem prejuízo das inelegibilidades e incompatibilidades previstas na lei.

Ao PR compete marcar a data das eleições e as listas de candidatos são apresentadas junto ao TC. 4.2.1.4. Composição

A composição do PE remete para a consideração dos deputados, individualmente considerados, dos grupos políticos e dos partidos políticos.

4.2.1.4.1. Deputados

Presentemente, o PE é composto por um máximo de 750 Deputados, mais o Presidente. A conversão de votos em mandatos obedece a um critério de proporcionalidade degressiva: o limiar mínimo de representação é fixado 6 deputados europeus por estado-membro, ao passo que o máximo é de 96 deputados – art. 14º/2 TUE.

Este sistema tem sido considerado incompatível com uma verdadeira representação paramentar dos cidadãos, por alegadamente não respeitar o princípio da igualdade de sufrágio e o seu corolário do igual resultado dos votos. No entanto, o mesmo parece adequar-se razoavelmente à representação democrática com características federais. Por outro lado, ela é apenas uma das estratégicas de concretização do princípio democrático.

Os deputados do PE têm um estatuto próprio, decorrente do Regimento do PE, que lhes garante privilégios e imunidades. O facto de os privilégios serem previstos no interesse público comunitário justifica o poder dado às instituições de levantarem imunidade. Mas isso não significa que as imunidades e privilégios não sejam concedidos directamente aos seus funcionários, outros agentes e membros do PE. A decisão do PE que levante a imunidade de um dos seus membros pode ser impugnada judicialmente.

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Os deputados desenvolvem o seu trabalho dividindo-se em diferentes grupos políticos, de acordo com critérios políticos e ideológicos. Os grupos políticos uninacionais são expressamente proibidos.

4.2.1.4.3. Partidos políticos

Prevê-se a existência de partidos políticos a nível europeu, orientados para a integração dos povos europeus, a formação de uma consciência política europeia e para a formação da vontade popular dos cidadãos da UE – art. 10º/4 TUE. Os estatutos dos partidos europeus são definidos pelo PE e pelo Conselho, mediante procedimento legislativo ordinário – art. 224º TFUE. O objectivo consiste em transferir, gradualmente, a formação da opinião pública e da vontade política para um plano europeu. No entanto, ele ainda não se traduziu na constituição de um sistema partidário à escala europeia.

4.2.1.5. Funcionamento

O PE realiza uma sessão anual, podendo reunir-se por direito próprio na segunda terça-feira de Março (art. 229º TFUE) – constitui uma manifestação do reforço do papel do PE. Não está excluída a realização de sessões extraordinárias, a pedido da maioria dos Deputados, do Conselho ou da Comissão.

4.2.1.5.1. Organização

O PE desenvolve a sua actividade em Plenário e através de comissões parlamentares (as reuniões, em princípio, são públicas). O PE aprova o seu regimento por maioria – art. 232º TFUE.

4.2.1.5.2. Funções e competências a) Função legislativa

Com as sucessivas reformas, tem-se verificado um reforço da participação do PE nos procedimentos da produção normativa. O PE exerce a função legislativa, juntamente com o Conselho – art. 14º/1 TUE. Apesar de tudo, não vigora ainda plenamente na UE o princípio do parlamentarismo característico dos sistemas constitucionais democráticos, com a inerente existência de uma reserva absoluta de competência legislativa exclusiva assente na chamada teoria da essencialidade.

Do mesmo modo, ainda não vigora uma prerrogativa geral de iniciativa legislativa, tal como é típico na generalidade dos parlamentos. Apesar de tudo, o PE pode, por maioria, solicitar à Comissão que lhe apresente propostas adequadas sobre questões carecidas de acto de execução dos tratados. Caso esta não apresente uma proposta a Comissão deve justificar – art. 225º TFUE.

Não tendo um direito geral de iniciativa legislativa, o PE pode pelo menos provocar a Comissão e forçá-la a um processo público de “reason-giving” no caso de optar pela inacção (a sanção aqui será meramente política).

Concluindo: o PE tem competência para participar nos procedimentos de produção normativa, seja através do exercício de poderes consultivos, seja do exercício partilhado do poder legislativo. As deliberações do PE são adoptadas por maioria dos votos expressos, cabendo ao regimento estabelecer o quórum – art. 231º TFUE. O TL veio reforçar significativamente os poderes do PE no domínio desta função, equiparando o PE ao Conselho no processo de co-decisão, que passou a ser o processo legislativo ordinário; por outro lado, alargou os domínios de competência legislativa.

b) Consulta

O PE desempenha importantes funções consultivas, nomeadamente nas decisões não legislativas do Conselho, naturalmente sem direito de voto. Ele emite, ainda, parecer conforme, no domínio da uniformização do procedimento eleitoral em todos os Estados, o qual pode aparecer inserido num verdadeiro procedimento normativo – art. 294º TFUE.

c) Nomeação e eleição

O PE competências electivas e de nomeação importantes: cabe-lhe eleger, de entre os seus membros, o seu Presidente e a sua Mesa (art. 14º/4TUE), eleger o Presidente da Comissão e de voto de aprovação do colégio de comissários antes da sua nomeação, e ainda, após a sua eleição, cabe-lhe eleger o Provedor de Justiça por um mandato correspondente à legislatura (art. 228º/2 TFUE).

d) Controlo e fiscalização

Os poderes de controlo do PE constituem uma expressão dos princípios da separação e controlo recíproco dos poderes, por um lado, e do princípio da juridicidade e legalidade de toda a actuação dos órgãos da UE:

e) Deveres de informação

A fim de possibilitar ao PE o exercício da sua função de controlo e fiscalização, estabelecem-se importantes deveres de informação. Este dever pode traduzir-se num dever de informação regular sobre questões políticas, como sucede relativamente ao Alto Representante no âmbito da evolução política simples prestações de informações, na declaração do TC sobre a fiabilidade das contas.

Referências

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