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Como a intuição se manifesta em profissionais de diferentes áreas do conhecimento no processo de criatividade e tomada de decisões

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Academic year: 2021

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COMO A INTUIÇÃO SE MANIFESTA EM PROFISSIONAIS DE DIFERENTES

ÁREAS DE CONHECIMENTO NO PROCESSO DE CRIATIVIDADE E TOMADA

DE DECISÕES

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Alessandra Bastos2

Florence Marie Dravet3

RESUMO

A pesquisa apresenta alguns casos de profissionais de diferentes áreas que relatam usar as informações, ideias e conhecimentos trazidos pela intuição em seus trabalhos. O objetivo é refletir como a intuição ajuda um profissional a ser mais criativo, desenvolver trabalhos ou mesmo na tomada de decisões. São usadas como metodologia a pesquisa exploratória, bibliográfica e a transdisciplinaridade. A intuição é uma fonte de informação e de conhecimento. Infelizmente a separação entre ciência e espiritualidade a “rebaixou” como um assunto místico, o que fez com que poucos estudos no meio acadêmico tentassem entendê-la. No entanto, vários cientistas, como Newton, Einstein ou o matemático Ramanujan afirmam que suas respostas lhe eram dadas. No mundo moderno, a velocidade atrapalha a capacidade do desenvolvimento da intuição. Por outro lado, a ciência passa a reconhecer a necessidade da transdisciplinaridade e a física quântica vem comprovando muitos temas até então considerados místicos.

PALAVRAS-CHAVE

Intuição. Empreendedorismo. Transdisciplinaridade. Conhecimento. Pausa.

INTRODUÇÃO

Quem nunca teve a sensação de que algo iria acontecer antes que ocorresse? A intuição faz parte da vida de todos. O que nem sempre se percebe é como ela pode ajudar no dia a dia. A intuição é uma informação que chega de maneira instantânea, repentina, pronta para ser utilizada. É um aviso que vem como uma ordem, totalmente isenta de emoção. É simples e direta: “não vá”, “vá agora”, “não saia”, “conte agora”.

1 Anais Interprogramas Secomunica. I Congresso de Economia Criativa e Comunicação (I Conecom).

Universidade Católica de Brasília (UCB). Brasília, DF. Volume 4. 2019. ISSN: 2526-382x

2 Jornalista (UniCEUB), especialista em Recursos Humanos. (ESAD), Marketing. (ESAD), História, sociedade e

cidadania. (UniCEUB). Mestranda em Comunicação no PPGCOM/UCB, linha Gestão e Estratégia Comunicaional. Servidora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Membro do Grupo de Pesquisa em Inovação, Empreendedorismo e Comunicação.

3 Doutora em Didactologia das Línguas e Culturas. (Sorbonne-Nouvelle), pós-doutora em Comunicação. (UnB).

Coordenadora do Mestrado Profissional Inovação em Comunicação e Economia Criativa da Universidade Católica de Brasília. Membro do corpo editorial da revista Esferas e da revista Comunicologia. Coordena grupo de pesquisa Travessia - Transdiciplinaridade e Criatividade do DGP/CNPq.

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Para Jung, a intuição é uma das formas de se obter informação por meio de processos inconscientes de percepção. Não é uma função emocional, nem racional, de julgamento. Pelo contrário, quanto mais se silencia mente e emoções, mais se aguça a intuição. É uma experiência que vem antes da lógica, da razão, da emoção e, consequentemente, do próprio julgamento. Muitas vezes, contrariando-os. As informações racionais (lógicas) ou sentimentais (emocionais) estão ligadas às experiências, vivências, crenças, condicionamentos e cultura. Já a informação intuitiva é livre e, portanto, pode ser inovadora.

Dessa forma, vem sendo abordada como uma das bases iniciais para a dedução de respostas, tomada de decisões, criatividade e para a prática dos negócios. A forma histórica e, até então convencional, da administração com soluções apenas analíticas das questões não consegue mais enfrentar a rapidez das mudanças, dos cenários sem precedentes, das incertezas e dos conflitos da moderna organização das empresas. A possibilidade de desenvolvimento e o uso da intuição como fonte de informação torna-se importante para a criação, visão integrativa e para o empreendedorismo.

Apesar de ser um tema pouco explorado pelas ciências, a intuição sempre foi uma faculdade manifestada por grandes cientistas, como se verá a seguir. E agora, passa a ser também mais discutida e utilizada por administradores e empreendedores. O empreendedorismo e a inovação se fazem cada vez mais emergentes.

As tecnologias oferecem um extraordinário volume e fluxo de informações, mas que precisam ser filtradas. Um dos grandes questionamentos é como gerenciar e transformar tanta informação em conhecimento. A criatividade é uma das respostas. Embora a lógica e a racionalidade tenham um papel inquestionável, essa capacidade de desenvolver estratégias visionárias surge, de forma subjetiva, muitas vezes pela intuição. Dessa forma, a intuição representa uma competência importante no perfil dos profissionais de diferentes áreas, empreendedores ou cientistas.

Ao unir a intuição com a razão em um processo decisório ou de busca por respostas, há maior possibilidade de sucesso. Usar a intuição pode ser um caminho para que o profissional seja mais criativo, inovador e audacioso.

A intuição não é algo comprovável como um produto matemático, uma experiência físico-química ou que tenha um efeito de causa e efeito facilmente observável. Historicamente foi negada pela ciência e pouco estudada. Portanto, tende a ser vista

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somente de um ponto de vista espiritual ou religioso, o que atrasa ainda mais seus estudos e possibilidades de qualquer comprovação.

O objetivo deste trabalho é refletir como a intuição pode ajudar profissionais de diferentes áreas e a importância de ser um objeto de estudo científico. Para isso, traz alguns casos de célebres cientistas e também de profissionais modernos que se utilizam da intuição como ímpeto e certeza em seus processos criativos ou resoluções. O artigo se inicia com a pesquisa sobre a visão filosófica da intuição e como ocorreu o distanciamento da ciência. Por último, traz um pouco dos comportamentos da vida moderna que atrapalham o processo intuitivo.

As abordagens teóricas realizadas são da pluridisciplinaridade e a perspectiva filosófica da noção de intuição. É utilizada como metodologia a pesquisa exploratória, por ser um estudo para a familiarização com o objeto que está sendo investigado; a pesquisa bibliográfica se constituindo na etapa inicial de um estudo maior e, principalmente, a transdisciplinaridade como princípio teórico que busca a interação máxima das disciplinas, respeitando suas individualidades, para um olhar global. A transdisciplinaridade se propõe a reaproximar conhecimentos e trabalhar a partir da complexidade do pensamento tentando trazer uma nova visão da humanidade.

“Transdisciplinar é a metodologia pela qual, usando, da inter, da multi e da pluridisciplinaridade as informações e os resultados da combinação de informações e metodologias ultrapassa o campo próprio de cada disciplina, excede o quadro das abordagens metodológicas próprias de cada uma, e chega a conhecimentos que, por outros caminhos, jamais seriam reconhecidos como crenças verdadeiras e justificadas” (Korte, 2005, p.28).

Nesse sentido, a metodologia almeja a abertura de todas as disciplinas, as atravessa e, assim, as ultrapassa. De acordo com a Carta da Transdisciplinaridade, faz emergir dados novos que as articulam entre si (FREITAS; MORIN; NICOLESCU, 1994) e pode ser um excelente recurso na superação de um saber que se fecha e se compartimenta e representar a reforma do pensamento e um saber mais complexo e multidimensional (MORIN, 2003).

É inerente à atitude transdisciplinar o reconhecimento da existência dos diferentes níveis de realidade, regidos por lógicas distintas. Usando conceitos da física, a transdisciplinaridade se interessa pela dinâmica gerada na ação de vários níveis de realidade ao mesmo tempo.

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Assim, a escolha pela utilização da transdisciplinaridade como metodologia, para além da leitura feita pelas várias áreas, pelo intuito de promover a reaproximação da ciência a outras formas de conhecimentos renegadas, como é o caso da intuição.

Falar da intuição de forma científica é também a procura transdisciplinar entre as ciências exatas e humanas; entre o conhecimento empírico e a experimentação objetiva; entre aquilo que é comprovado matematicamente e aquilo que é sentido e que a ciência não consegue comprovar por fórmulas gerando a religação de ideias e saberes.

1 INTUIÇÃO NA FILOSOFIA

O filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) afirma que o verdadeiro conhecimento se dá pela intuição, quando nosso espírito apreende profundamente a realidade sentida sem utilizar lógica ou analisar. Pela intuição, se conhece o objeto de uma maneira absoluta. Já a inteligência relaciona-se à distância com o objeto e, portanto, tem um conhecimento relativo dele. Para Bergson, o intelecto humano, por si só, não é suficiente para se alçar como detentor do conhecimento do real. Para tanto, o conhecimento intuitivo tem papel fundamental.

A análise intelectual é o recorte da realidade, mediação entre sujeito e objeto; um meio falho de acesso à realidade. A memória é emocional ou racional. Lembra fatos de um passado distante que marcaram emocionalmente, positiva ou negativamente, ou informações e dados. A intuição, ao contrário, não é emocional, nem racional. Não é a memória de algo que leva à intuição. Mas a ausência momentânea do racional e do emocional leva a uma área desconhecida: a verdadeira realidade.

Em geral, a realidade é vista a partir de uma perspectiva individual, formada por memórias conscientes e subconscientes. A intuição leva a um patamar superior: enxergar a realidade de uma perspectiva que não ocorre a partir das memórias. É uma janela que se abre e, às vezes, se fixa. Essa duração é o lugar onde habita o ser; a atmosfera na qual o ser, plenamente, se manifesta.

Em diferentes épocas, a intuição sempre foi tema de debates e estudos entre filósofos. Além de Bergson, René Descartes (1596-1650), Immanuel Kant (1724-1804) e

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Charles Sanders Pierce (1839-1914) são alguns dos que se debruçaram em tentar entendê-la e validá-la ou não cientificamente.

De acordo com Descartes, considerado o pai do racionalismo, a intuição é o processo por meio do qual a razão certifica-se de que suas ideias são inequívocas. Para ele, é possível dispor de um acesso seguro, transparente e privilegiado à mente que fornece essas ideias claras, distintas e verdadeiras.

“Nunca tomaremos o falso pelo verdadeiro se julgarmos apenas o que vemos clara e distintamente (...). E mesmo quando tal verdade não tenha sido ainda demonstrada, somos tão naturalmente inclinados a dar o nosso consentimento às coisas que apreendemos manifestamente que não poderíamos duvidar enquanto as apercebemos dessa maneira.” (DESCARTES, 1997, p. 42).

Para Kant, o conhecimento depende também de uma experiência sensível, que consiste na relação entre ‘sensibilidade’ e ‘fenômeno’ e não entre ‘sensibilidade’ e ‘número’. Ele defende que a intuição é uma das categorias da sensibilidade. Enquanto que, para Kant, a pessoa intui quando percebe sensivelmente o mundo; para Descartes, intui-se quando se tem uma certeza ‘clara’ e ‘distinta’ da qual não se pode duvidar.

Já Peirce, considerado o fundador do pragmatismo, define a intuição como uma cognição não determinada por cognições anteriores, imediatamente determinada por algo (o objeto transcendental) fora da consciência.

“(...) o termo intuição significará uma cognição não determinada por prévia cognição do mesmo objeto, mas determinada por algo fora da consciência. Considere o leitor o seguinte. Intuição aqui terá o sentido de ‘premissa não conclusiva’, residindo a única diferença em que tanto premissas como conclusões são juízos, enquanto que a intuição (a definição uma vez estabelecida) pode ser qualquer espécie de cognição. Mas exatamente como uma conclusão (boa ou má) é determinada no espírito de quem raciocina pela premissa, as cognições-que-não-são-juízos podem ser determinadas por cognições anteriores; uma cognição não determinada desta maneira, e sim pelo objeto transcendental, deve ser denominada intuição” (PEIRCE, 1983, p. 61)”.

Para Pierce, “não há prova de que tal faculdade exista, a não ser que sentimos possuí-la” (1983, p. 62) e, entre sentir algo e provar a existência de algo, há uma diferença considerável. O filósofo estava convencido de que o ser humano dispõe da faculdade cartesiana da intuição, mas não de que as informações vindas da intuição estejam certas, como propôs Descartes.

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Apesar de a intuição ser uma fonte de informação e de conhecimento estudada por vários filósofos, o desligamento entre ciência e espiritualidade a “rebaixou” como um assunto místico, imaginário, sobrenatural, que não ocorre segundo as leis físicas e reservado a cerimônias religiosas secretas. Esse entendimento fez com que, no decorrer do tempo, ela sequer fosse aceita como objeto de estudo científico, muito menos que a ciência tentasse entendê-la. Praticamente, só a própria filosofia ou a psicologia produziram reflexões sobre o assunto.

2 O DESLIGAMENTO ENTRE A CIÊNCIA E A INTUIÇÃO

A ciência se originou dos mitos no seio das grandes tradições espirituais. Na filosofia grega, Platão (429 a 427 a.C. – 348 ou 347 a.C.) afirmou a existência de uma instância superior à realidade não acessível aos sentidos, mas ao pensamento no qual as ideias teriam sua sede. Para ele, as ideias eram distintas, tanto da matéria, quanto da divindade, e formariam uma ponte entre ambas. As proposições de Platão ganharam o nome de Realismo. É importante ressaltar suas teorias vieram de experiências coletivas e milenares e não de especulações. Dessa forma, nasceu, por exemplo, a teoria platônica dos arquétipos.

Com ênfase na experimentação como principal condutora ao conhecimento, um dos precursores da ciência moderna foi Roger Bacon (1214 ou 1220-1292). Ele buscava no estudo do mundo material um caminho de evolução espiritual. Assim como ele, o também inglês Isaac Newton (1642-1727). Essa junção não era vista com negatividade, pelo contrário, como elementos que se somavam em busca da verdade ou da alma do mundo.

As linguagens místicas, o xamanismo, a alquimia cristã, a cabala judaica ou o taoismo chinês foram decisivos na concepção e no desenvolvimento da ciência inicial (ARANTES, 2005, p. 9). Assim também o xamanismo, no qual o “assim denominado ‘mundo dos espíritos’ não é produto da fantasia ou da divagação intelectual, mas um dado empírico imediato, ao qual homens e mulheres iniciados nos segredos da tradição podiam ter acesso, mediante procedimentos técnicos precisos” (ARANTES, 2005, p. 14). Posteriormente, em seus estudos e desenvolvimento de técnicas sobre a expansão da consciência, os iogues trabalharam no mapeamento e detalhamento desse domínio do suprassensível.

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Mas a aceitação dos conhecimentos empíricos nunca foi uma unanimidade entre os cientistas. Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) pensou diferente de seu mestre Platão e refutou a realidade empírica, a percepção extra-sensorial e o conhecimento intuitivo colocando a razão intelectual como único critério aceitável.

Em seguida, o pensamento platônico foi rejeitado também pelo teólogo franciscano Guilherme Occam (1285-1349), que se encarregou de banir o mundo sensível da razão intelectual. “Sob sua inspiração, operacionou-se, paulatinamente, um duplo empobrecimento da espiritualidade, que foi privada do crivo crítico proporcionado pela reflexão filosófica; e da filosofia, que foi privada do influxo vivificador proporcionado pela experiência espiritual” (ARANTES, 2005, p. 18).

Com o tempo, esse afastamento se acentuou. Ciência e espiritualidade passaram a negar-se mutuamente ainda que, muitas vezes, afirmando o mesmo. A ciência conduziu ao ceticismo e adotou a racionalidade, censurando qualquer relação dos conceitos intelectuais com as coisas existentes fora do intelecto.

Esse foi o início de uma interdisciplinaridade que foi sendo negada não apenas no campo do “espiritual”, “religioso” ou “místico”, mas em todas as diversas áreas de conhecimento. O mundo pode ser compreendido de muitas formas, por meio, por exemplo, da percepção pessoal aguçada, intuição, arte e também pelos sistemas de crença das religiões. Mas, entre os muitos caminhos disponíveis, apenas um se tornou o caminho da ciência, o de métodos rigorosos de experimentações comprováveis.

A especialização é fundamental e isso não está sendo questionado. Mas o incentivo apenas a ela levou a um esvaziamento na transitoriedade de um conceito e nas diferentes maneiras de abordar um mesmo tema. “Os conceitos molares de homem, de indivíduo, de sociedade, que perpassam várias disciplinas, são de fato triturados ou dilacerados entre elas, sem poder ser reconstituídos pelas tentativas interdisciplinares” (MORIN, 2005, p. 17).

A racionalidade ocidental, se vendo como juiz e medida de toda cultura e civilização, não proporcionou uma transformação no próprio modo de pensar o real. Essa impotência da ciência, citada acima por Morin, em explicar ou dar algum sentido a esses conceitos fez com que propagasse como ingênuas, ilusórias ou mistificadoras muitas ideias de Homem, de indivíduo e de sociedade. Como se vê, houve historicamente uma separação entre o sujeito criador/formulador da tese e o objeto/resultado da sua pesquisa. Assim como a

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possibilidade de uma informação que chega ao sujeito e, a partir da qual, este formula sua tese.

E assim a ciência que traz tantos avanços tecnológicos, não vem conseguindo responder a muitas angústias do pensamento humano.

Constituiu-se grande desligamento das ciências da natureza daquilo a que se chama prematuramente de ciências do homem. De fato, o ponto de vista das ciências da natureza exclui o espírito e a cultura que produzem essas mesmas ciências, e não chegamos a pensar o estatuto social e histórico das ciências naturais. Do ponto de vista das ciências do homem, somos incapazes de nos pensar, nós, seres humanos dotados de espírito e de consciência, enquanto seres vivos biologicamente filosóficos constituídos (MORIN, 2005, p. 16 e 17).

2.1 RELIGAÇÃO DAS CIÊNCIAS AOS SABERES NEGADOS

O filósofo e historiador francês Alexandre Koyré (1892 - 1964), em ensaio sobre as origens da ciência moderna, pondera que a exaltação ao ceticismo no desenvolvimento da ciência é um profundo equívoco histórico e filosófico e afirma que “o modelo nominalista conduz ao ceticismo e não à renovação da ciência” (1982, p. 72). Nicolescu, ao falar das duas revoluções que atravessam este século, a quântica e a informática, questiona:

“A soma dos conhecimentos sobre o Universo e os sistemas naturais, acumulados durante o século XX, ultrapassa em muito tudo aquilo que pôde ser conhecido durante todos os outros séculos reunidos. Como se explica que quanto mais sabemos do que somos feitos, menos compreendemos quem somos? Como se explica que a proliferação acelerada das disciplinas torne cada vez mais ilusória toda unidade do conhecimento? Como se explica que quanto mais conheçamos o universo exterior, mais o sentido de nossa vida e de nossa morte seja deixado de lado como insignificante e até absurdo? A atrofia do ser interior seria o preço a ser pago pelo conhecimento científico? A felicidade individual e social, que o cientificismo nos prometia, afasta-se indefinidamente como uma miragem (NICOLESCU, 1999, p.1)”.

O físico romeno destaca ainda o perigo do ser humano se afastar de sua essência na busca de realidades ilusoriamente criadas.

“Devido ao casamento insólito entre nosso próprio corpo e a máquina informática, podemos modificar livremente nossas sensações até criarmos uma realidade virtual, aparentemente mais verdadeira que a realidade de nossos órgãos dos

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9 sentidos. Nasceu assim, imperceptivelmente, um instrumento de manipulação das consciências em escala planetária (NICOLESCU, 1999, p.2)”.

Em 1986, a Declaração de Veneza4 resgatou a necessidade da procura transdisciplinar

entre as ciências exatas e humanas, a arte e a tradição. Por meio dela, os cientistas apontaram para a necessidade de o conhecimento científico reiniciar esse diálogo.

“O conhecimento científico, devido a seu próprio movimento interno, chegou aos limites em que pode começar o diálogo com outras formas de conhecimento. Neste sentido, reconhecendo as diferenças fundamentais entre a ciência e a tradição, constatamos não sua oposição, mas sua complementaridade. O encontro inesperado e enriquecedor entre a ciência e as diferentes tradições do mundo permite pensar no aparecimento de uma nova visão da humanidade, até mesmo num novo racionalismo, que poderia levar a uma nova perspectiva metafísica” (FUNDAÇÃO GIORGIO CINI, 1986, sem página)”.

Em seguida, a Declaração ressalta que o estudo conjunto da natureza e do imaginário, do universo e do homem, poderia assim “nos aproximar mais do real e nos permitir enfrentar melhor os diferentes desafios de nossa época” (FUNDAÇÃO GIORGIO CINI, 1986, sem página). À luz das descobertas mais recentes, sobretudo da física quântica, a ciência reconhece que a vida e a mente são elementos integrantes do mundo e não subprodutos.

Os cientistas acham difícil dizer o que conecta o universo físico com o mundo vivo, o mundo vivo com o mundo da sociedade, e o mundo da sociedade com os domínios da mente e da cultura. Hoje, porém, isso está mudando; na linha de frente das ciências um número cada vez maior de pesquisadores estão procurando por uma imagem do mundo mais integrada e unitária. Isso é verdade especialmente no que se refere aos físicos, que estão trabalhando intensamente para criar “grandes teorias unificadas” e “supergrandes teorias unificadas”. Essas GTUs e superGTUs relacionam conjuntamente os campos e as forças fundamentais da natureza em um esquema teórico lógico e coerente, sugerindo que eles têm origens em comum (LAZLO, 2008, p. 15).

A física quântica renovou o pensamento epistemológico transdisciplinar. Se a ciência estava percorrendo um caminho de separação e redução, agora começa a observar a necessidade de também percorrer caminhos contrários. “O princípio de simplificação, que animou as ciências naturais, conduziu às mais admiráveis descobertas, mas são as mesmas descobertas que, finalmente, hoje arruínam nossa visão simplificadora” (MORIN, 2005, p.

4 A Declaração de Veneza é o comunicado final do Colóquio "A Ciência diante das Fronteiras do

Conhecimento", organizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com a colaboração da Fundação Giorgio Cini em Veneza nos dias 3 a 7 de março de 1986.

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É nesse sentido que trabalha a transdisciplinaridade, com o intuito de unir o mundo “não universitário” ao científico, cujo distanciamento se dá primordialmente pela hiperespecialização profissional com grande número de disciplinas. Faz emergir da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si; oferece-nos uma visão da natureza e da realidade” (FREITAS, MORIN e NICOLESCU, 1994).

Mesmo com a ciência renegando, por tantas décadas, saberes não comprovados por ela, alguns dos mais importantes físicos e matemáticos afirmam terem tido suas respostas ou formulações ditadas por ela, a intuição.

3 A INTUIÇÃO NAS CIÊNCIAS EXATAS

Os cientistas mudam de opinião muitas vezes e várias teorias consideradas absolutas, com o tempo, são desmentidas. Newton explicou a força da gravidade. Einstein, tempos depois, disse que não era bem assim porque os corpos se deformam ao serem atraídos por essa força. E hoje alguns cientistas questionam até mesmo se a gravidade seria uma força.

Sabe-se, por exemplo, que a Terra não está no centro do universo e que o sol é bem maior que a Terra. No entanto, os cientistas um dia acreditaram que o átomo era indivisível. Hoje sabe-se que não é. A ciência, no entanto, continua acreditando na existência de uma partícula indivisível, porém não sabe qual é e, neste momento, pela inexistência de uma tecnologia suficiente para proporcionar aceleração, não é possível encontrar essa partícula. Mas se não é comprovável, como afirmam sua existência?

Isso ocorre porque os cientistas em princípio não trabalham com certezas. A experimentação só é possível através da dúvida e da incerteza. Quando cientistas buscam ter o máximo de cuidados e precauções ao fazer um experimento, isso não significa que eles acreditam que estão livres de erros e, sobretudo, influências desconhecidas durante o processo investigativo.

Ocorre aí uma contradição da ciência. A intuição ou o ato da descoberta é um aspecto, ao mesmo tempo, conhecido e totalmente ignorado, driblado e expulso da análise lógica. Ao contrário de outros elementos, como os listados acima, foi eliminada pela

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ciência porque esta não saberia explicá-la ainda que esteja na origem das próprias explicações científicas. Assim, é preciso desmistificar o que se pensa antes, a priori, da chegada a uma conclusão científica.

Alguns dos mais importantes cientistas asseguram terem chegado às suas formulações ou, até mesmo, às suas respostas por meio da intuição. Eles afirmam categoricamente a existência de outras forças e formas de conhecimento que agem sobre eles.

O físico Thomas Kuhn, autor de A estrutura das revoluções científicas, traz o conceito de “paradigma”. O paradigma é aquilo que está no princípio da construção das teorias, é o núcleo obscuro que orienta os discursos teóricos neste ou naquele sentido (MORIN, 2005, p. 45).

Albert Einstein dizia ser movido por uma força maior. Afirmava que as respostas que obtinha não vinham dele; eram lhe dadas. Contava que estudava incansavelmente uma questão até a exaustão. Até que desistia e, de repente, sentado embaixo de uma árvore, a resposta vinha. “Penso 99 vezes e nada descubro. Deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio e eis que a verdade se me revela”, é uma das célebres frases do cientista.

O cientista brasileiro com maior sucesso na atualidade pensa igual. Marcelo Gleiser, em junho deste ano, recebeu mais um prêmio. Se tornou o primeiro latino a ganhar o

Templeton, o "Nobel da espiritualidade". Ele procura respostas sobre a origem do universo

unindo ciência, filosofia e espiritualidade e fala sobre como a intuição moveu os maiores cientistas da história.

“Quando Newton trabalhava num problema, o mundo à sua volta deixava de existir. Sua concentração era tamanha que até se esquecia de comer, beber ou dormir. (...) Dotado de um incrível poder de concentração, uma intuição genial, uma devoção obsessiva e uma enorme habilidade matemática...” (GLEISER, 1997, p. 165)”.

Além de Newton, Gleiser cita outros importantes cientistas movidos pela intuição, como Platão, Kepler, Faraday, Lemaitre e o próprio Einstein. A impossibilidade de provar o que se intui, no entanto, pode ser frustrante.

“Físicos que usam principalmente sua intuição em sua pesquisa podem identificar-se com essa situação, muitas vezes frustrante, quando suas ideias estão muito à frente de sua matemática. Você sabe aonde quer chegar, ou pelo menos tem uma boa ideia da direção a ser tomada, mas se sente completamente paralisado” (GLEISER, 1997, p. 328).

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O matemático indiano Srinivasa Ramanujan (1887–1920) é considerado um dos mais influentes do século XX. De origem humilde e sem formação acadêmica, contribuiu para a matemática com diversos trabalhos, como a teoria dos números, séries infinitas e frações continuadas. Sua vida, retratada no filme O homem que viu o infinito, foi marcada pelo conflito entre a razão (matemática) e a crença de que suas teorias eram de origem divina já que as respostas e cálculos lhe brotavam à mente sem que ele nunca tivesse estudado. Ramanujan dizia que ouvia as fórmulas serem-lhe sussurradas.

“Conforme enunciado do físico Nicola Tesla, as ideias criativas chegam a nós ‘como um raio de iluminação’ (GOSWAMI, 2015, p. 120)”. Processo semelhante teria ocorrido com o físico, matemático e filósofo francês Henry Poincaré.

Henry Poincaré debruçava-se sobre um problema matemático por dias a fio, mas nada acontecia em seu fluxo de consciência, em seu modo de pensar passo a passo. Algum tempo depois, durante uma viagem, um novo contexto para funções matemáticas lhe ocorreu de modo inesperado, descontinuamente, em um percurso de ônibus. Algum tempo depois ele contou que sua ideia não estava relacionada com os pensamentos que ele tinha no momento do lampejo, nem mesmo ao conteúdo e contextos do que previamente pensara sobre o tema em questão (GOSWAMI, 2015, p. 120).

Ao defender uma teoria que não é matematicamente comprovável, é provável que ninguém a leve a sério. Afinal, ideias são mais difíceis de serem compreendidas. Mesmo assim, quando se retorna a Einstein, se vê que seu esforço foi recompensado e que a Teoria da Relatividade Geral, entre várias de suas descobertas, revolucionou a ciência.

Mas não são apenas os gênios dos cálculos matemáticos que a utilizam. A intuição é fonte também para profissionais que tem na criatividade sua matéria prima.

4 A INTUIÇÃO NO MARKETING

Nizan Guanaes é um publicitário brasileiro sócio e co-fundador do Grupo ABC de Comunicação. Reunindo dezoito empresas nas áreas de publicidade, marketing, conteúdo e entretenimento, o Grupo ABC é o maior conglomerado de comunicação da América Latina e o 18º maior grupo de comunicação do mundo, segundo ranking do Advertising Age. Guanaes

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foi eleito um dos cinco brasileiros mais influentes (Financial Times, 2010) e uma das cem pessoas mais criativas do mundo (Fast Company, 2011).

Em 2012, após sair do Grupo ABC, surpreendeu ao anunciar a criação da Africa Zero, “uma nova agência de propaganda em que a intuição é base de tudo, com zero de burocracia e quase zero de pesquisa” (2016, sem página). Para Nizan, tanto a pesquisa, quanto a informação, precisam estar a serviço da geração de ideias, não no controle.

“Às vezes, é preciso deixar de lado a mania de querer provar. (…) A intuição é a mãe da invenção. E intuição é quando as pessoas parecem falar uma coisa e você percebe que elas estão dizendo outra. Assim pode entregar o que elas querem antes mesmo de elas pedirem” (GUANAES, 2016, sem página).

Nizan usa o conceito de ‘Big data’, a capacidade de armazenar e trabalhar a quantidade avassaladora de dados disponíveis, dos likes no Facebook até enormes bancos de dados.

“Big data sem intuição é como aquele personagem de Charlie Chaplin em Tempos Modernos apertando parafusos como se fosse extensão da máquina. O cérebro humano não pode ser a extensão do software. Sua intuição será cada vez mais a sua profissão. O resto será feito por coisas e programas” (GUANAES, 2016, sem página).

Na Africa Zero, intuição é a “base de tudo”. A empresa contratou um matemático e um sociólogo para que os publicitários não se preocupem com pesquisas e possam usar todos os sentidos; mais do que enxergar, sentir. Para Nizan, ainda não inventaram uma tecnologia que seja mais criativa e inteligente que a sensibilidade humana. E esse talvez seja o diferencial para muitos profissionais continuarem empregados no futuro.

Em seu artigo O Significado da Vida em um Mundo sem Trabalho, o historiador Yuval Noah Harari afirma que, até 2050, uma nova classe de pessoas deve surgir: a dos inúteis. São trabalhadores que ficarão desempregados e não serão empregáveis. “A maioria dos empregos que existem hoje pode desaparecer dentro de décadas. À medida que a inteligência artificial supera os seres humanos em tarefas, cada vez mais, ela substituirá humanos em mais e mais trabalhos” (HARARI, 2019, sem página). Trabalhar a criatividade, a intuição e as funções cerebrais humanas que as máquinas não conseguem substituir talvez seja uma forma de vencer os novos desafios do mercado de trabalho moderno.

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Independentemente de ser um gênio da lógica, um profissional das artes e da criatividade, um empreendedor ou um administrador de empresas, usar a intuição pode ser, literalmente, um bom negócio. Cada vez mais empresários afirmam usar a intuição em seus processos decisórios para que eles sejam bem sucedidos.

5 INTUIÇÃO NO AMBIENTE DE NEGÓCIO

Analisar a experiência de Guanaes faz pensar que muitos empresários e gerentes podem não estar usando adequadamente o seu potencial intuitivo e que a razão, nos processos decisórios atuais, necessita ser complementada pela intuição.

Cada vez mais, a intuição se torna um elemento fundamental nas práticas de negócios. De acordo com Parikh (1997), um número cada vez maior de administradores, incluindo presidentes de empresas, usam a intuição no processo de tomada de decisões: 53,6% dos administradores consultados em vários países, afirmaram que utilizam, em igual proporção, a intuição e a lógica/raciocínio. “Há a expectativa de que a intuição se torne um elemento mais discutido e utilizado por administradores e empresas em virtude dos avanços das tecnologias de informação que oferecem um extraordinário volume de subsídios que precisam ser filtrados” (OLIVEIRA; SOUZA NETO, 2003, p. 3).

Com as aceleradas mudanças econômicas e tecnológicas e a necessidade de resoluções cada vez mais instantâneas em um ambiente econômico e comercial que se altera rapidamente, busca-se novas abordagens que vão além do aspecto reducionista no trabalho, que já não permite mais manter a empresa competitiva. Em um processo de tomada de decisão, é cada vez maior a necessidade de uma visão integrada, intuitiva e criativa, e não somente racional.

“O seu entendimento e as vantagens oferecidas, embora ‘ainda desconhecidas’, podem se tornar um diferencial de sucesso tanto para as pessoas quanto para as organizações, especialmente no desenvolvimento de uma visão corporativa integrada e inovadora. A intuição pode ajudar os administradores a ampliar a eficácia dos seus processos de decisão, garantindo o desenvolvimento de estratégias em suas organizações” (OLIVEIRA; SOUZA NETO, 2003, p. 1).

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Antes, essas decisões podiam ser maturadas já que os problemas se repetiam e existiam soluções padronizadas. Muitos cenários hoje não encontram precedentes. Agora, nos novos esquemas produtivos, é preciso decidir e colocar em prática de forma imediata. As decisões precisam ser tomadas sem essa segurança e a intuição pode ajudar de forma complementar à razão. Em um processo decisório eficaz, ambas devem coexistir.

Na prática, no entanto, nem sempre é tão fácil assim conseguir ouvir a intuição. Com tanta informação, correria e pressa, a mente é cada vez mais acelerada e menos silenciada. No mundo moderno, a velocidade atrapalha a capacidade de desenvolvimento da intuição.

6 A PRESSA NA CONSTRUÇÃO E ANÁLISE DA INFORMAÇÃO

O jornalismo hoje faz parte da decisão política e ideológica de um mundo sem pausa e sem silêncio. A informação precisa ser instantânea, sem contexto, declaratória. Bondía cita Benjamin para dizer que o jornalismo é o grande dispositivo moderno para a destruição generalizada da experiência. “Se reduz o estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. O acontecimento nos é dado na forma de choque, (...) da vivência instantânea, pontual e fragmentada” (BONDÍA, 2002, p. 4).

A velocidade desses estímulos não permite a análise mais profunda de cada um deles levando, assim, a formulações rápidas de respostas, opiniões sem reflexão e julgamento antecipado.

“E se alguém (…) não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente, sente-se em falso, como se lhe faltasse algo essencial. E pensa que tem de ter uma opinião. Depois da informação, vem a opinião. No entanto, a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que nada nos aconteça. (...) Esse “opinar” se reduz, na maioria das ocasiões, em estar a favor ou contra” (BONDÍA, 2002, p. 3).

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A internet revoluciona o acesso à informação, mas traz informações incompletas. De acordo com Bauhman (2015) 5, o Google tem a maior biblioteca do mundo, não de livros,

mas de trechos, citações, partes desconectadas, notas de rodapé. E será que oferece uma capacidade maior de conhecimento?

6.1 A NECESSIDADE DA PAUSA NO MUNDO MODERNO

A informação é o primeiro degrau para o conhecimento. Mas, para subir o degrau, é necessária a experiência. O conhecimento é tão somente o segundo degrau para a sabedoria. O sábio dorme porque, apenas no repouso, ouve sua voz interior: a intuição. O sábio é por sua natureza pacifista porque já encontrou o seu lugar no mundo. Não vive mais no nível da ansiedade.

O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman chama a atenção para a necessidade de mais lentidão e critica a hipervelocidade e a informação sem reflexão. E o que isso tem a ver com o processo de intuição? Com tanta informação, não é oferecida a tarefa de conseguir a visão da totalidade nem do repouso da mente e das emoções, onde habita a intuição.

“A educação é vitima da modernidade líquida. Existe uma grave crise de atenção, na qual os jovens não conseguem se concentrar durante um longo tempo numa mesma questão. (…) A sociedade está misturada em um mesmo espaço. Mas, no entanto, espiritualmente, estão vivendo de forma separada” (BAUMAN, 2015).

O livro 24/7 (CRARY, 2014) se refere a estar em funcionamento 24 horas por dia, sete dias da semana, o que impede a possibilidade de experiência. As pessoas dormem cada vez menos e pior. O autor Jonathan Crary cita o filme Solaris, de Andrei Tarkóvski, de 1972, para exemplificar o colapso ao qual o ser humano é levado.

“Para os habitantes do ambiente intensamente iluminado e artificial da estação espacial, a insônia é uma condição crônica. Nesse ambiente hostil ao descanso e ao

5 Entrevista concedida ao programa Observatório da Imprensa, publicado com o título “Observatório da

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17 retiro, e no qual se leva uma vida exposta e externalizada, o controle cognitivo entra em colapso” (CRARY, 2014, p. 14).

O autor retoma também à obra de Hannah Arendt:

“Sem o espaço ou o tempo da privacidade, ‘longe da luz implacável e crua da constante presença de outros no mundo público’, não se pode alimentar a singularidade do eu” (CRARY, 2014, p. 16).

Não há ser não criativo. O que existe, muitas vezes, é a necessidade de um processo de ruptura para se chegar ao ápice individual. O pintor Claude Monet (1840-1926) e outros artistas impressionistas, por exemplo, optaram pelo isolamento físico deixando Paris.

“Você não acha que a gente fica melhor sozinho com a natureza? A gente se preocupa demais com o que vê e ouve em Paris para conseguir manter a força; o que eu faço aqui terá pelo menos o mérito de não se parecer com o de ninguém, porque é simplesmente a expressão do que experimentei por mim mesmo” (GAY, 2009, p.95).

Esse texto, escrito por Monet em carta a um amigo, pode ser visto como uma declaração de autonomia, independência e originalidade artísticas. Outros encontram essa ruptura sem o isolamento físico aprendendo a ouvir a intuição.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se, por um lado, a velocidade moderna atrapalha a capacidade intuitiva, por outro, a ciência vem reconhecendo a necessidade da transdisciplinaridade; a física quântica vem comprovando muitos temas até então considerados místicos, e a experiência de profissionais de diversas áreas mostra que a intuição pode ser uma ferramenta para a inovação, a criatividade ou o diferencial para um negócio bem sucedido.

Não se trata aqui de dividir o assunto em espiritualidade ou ciência porque ambas estão atrás do mesmo objeto de estudo: a verdade. Não é espiritualismo pois não se refere a espírito, mas à presença plena. Também não é teoria evolucionista porque não se trata de evolução, mas da gênese da vida, da realidade em via de se fazer.

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A problemática do conhecimento não é culpa do jornalismo, nem está na falta ou no excesso de informação, mas na união da informação à vivência, na quase inexistência da sabedoria. É preciso voltar ao que deveria ser comum e simples: a vivência da intuição, uma capacidade inata do ser humano, assim como a respiração, ainda que as pessoas não sejam incentivadas, nem ao menos educadas, a desenvolvê-la.

A grande quantidade de informação pode ser uma grande aliada no processo de conhecimento e não uma vilã se for uma companheira que caminha, lado a lado, com a vivência transformando a experiência em conhecimento. Quando se dá espaço à intuição experimentando ouvi-la e vivê-la, ainda que se desafie a racionalidade e, sobretudo, desafiando a racionalidade, transforma-se conhecimento em sabedoria.

Em O Código Básico do Universo, o médico Massimo Citro defende que, por trás do mundo complexo da natureza, há um código básico, um campo universal de informação que registra tudo o que foi, é e será. Esse código controla as comunicações e interações energéticas entre todos os seres vivos e não vivos. Citro fala sobre como o chamado “campo

akáshico universal de informação” conecta cada pessoa, animal, planta e mineral,

conhecimento esse há muito utilizado, por exemplo, pelos xamãs.

“O fato é que nós percebemos somente uma porção ínfima do oceano de vibrações em que estamos imersos. Somos incapazes de detectar o infravermelho e o ultravioleta, o infrassom e o ultrassom, e em geral as frequências muito altas e as muito baixas; não podemos sequer detectar os raios X, os raios gama, a radioatividade e os raios cósmicos, todos os quais, no entanto, afetam nosso corpo. E tantas frequências ainda são para nós desconhecidas” (CITRO, 2014, p. 25).

Citro conta fazer o uso prático dessa ciência invisível com um sistema de medicina vibracional, que utiliza esse campo universal de informação para obter benefícios de substâncias e medicamentos naturais na forma de informação "pura", oferecendo tratamentos que seriam livres de efeitos colaterais para a saúde e o bem-estar.

Como se observou neste trabalho, a intuição não é um processo já comprovado cientificamente, nem sequer sua existência uma unanimidade entre cientistas. No entanto, a necessidade de reencontro das várias ciências, da transdisciplinaridade e de uma maior aproximação com os saberes tradicionais é hoje um caminho aberto e que vem sendo percorrido por pesquisadores das mais diversas áreas.

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Da mesma forma, assim como se vê no trabalho médico de Massimo Citro, nas afirmações e obra de Einstein ou na publicidade de Nizan Guanaes, este campo universal de informação é utilizado na prática trazendo benefícios ainda que a ciência não consiga hoje dizer como isso ocorre.

Muitos negócios e empreendimentos começam com uma ideia inovadora para um produto ou serviço. Os negócios precisam de criatividade e de estender essa criatividade para a esfera sutil da experiência. Homens e mulheres de negócios intuitivamente sabem. O negócio criativo se inicia a partir de uma ideia, uma intuição, um campo aberto para o novo. “Quando iniciamos, não sabíamos para onde estávamos indo. Não sabíamos que produtos iríamos fazer” (GOSWAMI, 2015, p. 239), conta o fundador da Raychem Corporation6, Paul

Cook.

“A razão é um esforço para conhecer o desconhecido e a intuição é a ocorrência do incognoscível. Penetrar o incognoscível é possível, mas explica-lo não é. A percepção é possível, a explicação não é” (OSHO, 2014, antecapa). Ainda que a ciência não a explique em totalidade, muitos profissionais a utilizam instintivamente ou aprendem a desenvolvê-la usando as informações intuitivas em seus campos profissionais. A intuição é o som do silêncio. Tão importante quanto tentar traduzi-la é vivenciá-la e lembrar que a máquina não tem intuição.

É necessário que também faça parte do estudo científico o elo entre a percepção, a visão inicial e o trabalho final de um profissional ou a descoberta em si de um cientista. No entanto, a atividade da mente humana que inventou a teoria ou criou algo foi completamente renegada pela ciência.

Ainda que não se possa racionalizar a intuição ou transformá-la em uma equação, como E = mc2, foi a intuição o ponto de partida do gênio criador dessa equação. O ato da descoberta escapa à análise lógica, mas não pode escapar da análise científica. De um lado, existem livros e monumentos consagrados à glória dos grandes gênios, como Newton e Einstein. De outro, existe uma negação da ciência da ideia inicial na qual suas descobertas foram feitas ainda que os próprios gênios afirmem que eram guiados por ideias embrionárias e visões vindas dos seus processos intuitivos.

6 A Raychem Corporation é um dos maiores produtores mundiais de componentes eletrônicos

industriais. Atende a indústrias aeroespaciais, automotivas, construção, eletrônicos de consumo, médicos e telecomunicações e gera vendas anuais superiores a um bilhão de dólares.

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Se a ciência nasce de uma ideia original, torna-se óbvia a importância, também científica, de se incentivar essa reflexão intuitiva para que novos paradigmas, diferentes trabalhos e descobertas científicas surjam. Existem fenômenos e capacidades cerebrais que não são especificamente religiosos, mas assim considerados porque a ciência, não sendo capaz de comprová-los e, assim, os afastou como objeto de estudo.

A racionalidade busca os recursos organizadores da mente e isso é indispensável. Porém, “no dia em que a invenção for programada, não haverá mais invenção” (MORIN, 2005, p. 49).

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANTES, José Tadeu. Bacon e Newton: em busca da alma do mundo. São Paulo: Terceiro Nome e Mostarda Editora, 2005.

BAUMAN, Zygmunt. Entrevista concedida ao programa Observatório da Imprensa, publicado com o título “Observatório da Imprensa entrevista o sociólogo Zygmunt Bauman”. Canal: TV Brasil. Programa gravado em 11/09/15, exibido em 15/10/15 e publicado na mesma data. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=kM5p8DqgG80>. Acesso em 11/03/19

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Campinas (SP), nº 19, jan./fev./mar/abr. 2002.

CITRO, Massimo. O código básico do universo: a ciência dos mundos invisíveis na física, na medicina e na espiritualidade. Trad Humberto Moura Neto, Martha Argel.São Paulo: Cultrix, 2014.

CRARY, Jonathan. 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify, 2014. DESCARTES, Renè. Princípios da filosofia. Trad. João Gama. Lisboa: Edições 70, 1997.

FREITAS, Lima de; MORIN, Edgar; NICOLESCU, Basarab. Carta da Transdisciplinaridade. In: Adotada no Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, Convento de Arrábida, Portugal, 2-6 novembro, 1994.

FUNDAÇÃO GIORGIO CINI. Declaração de Veneza. In: Simpósio sobre ciência e os limites do conhecimento: o prólogo de nosso passado cultural, Veneza, 1986. Disponível em:

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GAY, Peter. Modernismo: o fascínio da heresia, de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos de criação ao Big Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

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21 GOSWAMI, Amit. Criatividade para o século 21: uma visão quântica para a expansão do potencial criativo. 2. ed. São Paulo: Goya, 2015.

GUANAES, Nizan. Os dados estão lançados. São Paulo, 2 mai 2016. Artigo disponível em:

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HARARI, Yuval Noah. The meaning of life in a world without work. Artigo disponível em: < https://www.theguardian.com/technology/2017/may/08/virtual-reality-religion-robots-sapiens-book>. Acesso em 17/06/19.

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PEIRCE, Charles Sanders. Escritos publicados: questões sobre certas faculdades reivindicadas pelo homem. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

How intuition manifests itself in professionals from different areas of knowledge in the process of creativity and decision making

ABSTRACT

The research presents some situational ocurrencies from professionals of different areas of kwoledge which they have reported using some of the information, ideas and knowledge drawn by the intuition within their work. The purpose of its paper is to make a reflection on how intuitivity can trigger creativity, therefore, making a more creative professional apt to develop work and even take part in decision making. Exploratory, bibliographical and transdisciplinary research are used as methodology. Intuition is a source of information and

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knowledge. Unfortunately, the divided discrepancies along science and spirituality "downgraded" it as a mystical subject, which has as an outcome just a few studies among scholars in an attempt to understand or take it seriously. Nonetheless, many scientists, such as Newton, Einstein or the mathematician Ramanujan claim that their cues were granted to them. In this post-modern world, speeding interferes with the ability for developing the intuition. On the other hand, science has come to acknowledge the need for transdisciplinarity and quantum physics has been proving many subject matters, then before considered solely mystical.

Keywords: Intuition. Entrepreneurship. Transdisciplinarity. Knowledge. Pause.

Cómo está la intuición se manifiesta en profesionales de diferentes áreas de conocimiento en el proceso de creatividad y toma de decisiones

RESUMEN

La investigación presenta algunos casos de profesionales de diferentes áreas que informan que utilizan la información, las ideas y los conocimientos aportados por la intuición en su trabajo. El objetivo es reflexionar sobre cómo la intuición ayuda a un profesional a ser más creativo, desarrollar trabajo o incluso en la toma de decisiones. La investigación exploratoria, bibliográfica y transdisciplinaria se utiliza como metodología. La intuición es una fuente de información y conocimiento. Desafortunadamente, la separación entre ciencia y espiritualidad lo "rebajó" como un tema místico, lo que hizo que pocos estudios académicos trataran de entenderlo. Sin embargo, varios científicos, como Newton, Einstein o el matemático Ramanujan afirman que se dieron sus respuestas. En el mundo moderno, la velocidad dificulta la capacidad de la intuición para desarrollarse. Por otro lado, la ciencia ahora reconoce la necesidad de transdisciplinariedad y la física cuántica ha demostrado muchos temas que antes se consideraban místicos.

Palabras clave: Intuición. Emprendimiento. Transdisciplinariedad. Conocimiento. Pausa.

Recebido em: dia/mês/ano Aceite em: dia/mês/ano

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