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O Algarve nos séculos V e IV a.C.

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o

Algarve nos séculos

V

eNa. C.

ANA MARGARIDA ARRUDA

Os núcleos urbanos do Algarve contemporâneos de Atenas Introdu§ão

Em meados do primeiro milénio a.

c.,

existiam no Algarve alguns núcleos populacionais, com características eminentemente urbanas.

São cidades localizadas na orla costeira, algumas delas situadas na foz de rios navegáveis, o que lhes possibilitava um contacto permanente com os navegadores/comerciantes do mundo mediterrâneo e uma ligação directa ao interior, por via fluvial.

Infelizmente, são poucos os dados de que dispomos para analisar, com detalhe, as suas características concretas. Na ausência de fontes escritas, a arqueologia é o único processo de aproximação possível a estas realidades. Mas os trabalhos arqueológicos de campo têm sido poucos e quando existiram foram, quase sempre, pouco expressivos em termos da dimensão das áreas escavadas.

Assim, a informação que possuímos sobre os núcleos urbanos que floresceram no Algarve, durante a Idade do Ferro, é escassa, faltando dados sobre muitos dos seus aspectos concretos, como, por eXemplo, o urbanismo, a organização política e social e a religião.

As escavações arqueológicas efectuadas em Castro Marim, entre 1983 e 1989, permitiram, no entanto, recolher alguns dados, que, cruzados com o pouco que foi divulgado sobre Faro, e. com o que nós próprios recolhemos em Monte Molião (Lagos), possibilitam uma leitura aproxi-mada sobre uma realidade que urge conhecer melhor.

Os núcleos urbanos: os dados arqueológicos e as fontes escritas

Bawwís, Balsa, Ossonoba, Portus Hannibalis e Lacobríga são as cidades pré--romanas citadas pelos autores clássicos e localizadas no Algarve litoral. Algumas não estão ainda localizadas devidamente.

É

o caso de Lacobriga,

cuja implantação na actual cidade de Lagos, como muitas vezes foi pro-posto, é discutível. Actualmente, os investigadores inclinam-se para situar

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arco fenício

Cerâmica grega de Baesuris (Vide extratexto, p. 310)

Cerro de Castro Marim, onde se situava Baesuris (Vide extra texto, p. 311)

o

ALGARVE NO MUNDO MEDITERRÂNEo ANTIGO

o povoado da Idade do Ferro em Monte Molião, sítio onde é possível recolher, à superfície, alguns materiais com esta cronologia e onde são ainda visíveis restos de uma muralha. No entanto, só uma intervenção arqueológica em área poderia, talvez, esclarecer a questão da localização de Lacobriga e, mesmo, a sua cronologia, uma vez que este sítio é apenas citado nas fontes clássicas a propósito de episódios das guerras lusi-tano-romanas, durante o período em que Sertório comandava os exérci-tos lusitanos.

Também Portus Hannibalis continua por localizar, apesar das suspeitas de que possa corresponder a Portimão. Uma vez mais, a ausência de dados arqueológicos concretos, impede-nos também de confirmar a sua exis-tência durante os séculos V e IV a.

c.,

isto porque as únicas referências das fonfes clássicas a este sítio dizem respeito a uma época posterior, concretamente aos finais do século III a.

c.,

momento em que se travava na Península Ibérica a II Guerra Púnica.

Citada no Itinerário de Antonino, Baesuris corresponde, indubitavel-mente, à actual vila de Castro Marim. Durante a Idade do Ferro, o seu espaço habitado localizava-se onde se "implantou mais tarde o castelo medieval.

Ocupada desde o Bronze Final, sofreu, a partir do século VII a.

c.,

for-tes influências leste-mediterrâneas. O espólio recuperado pelos trabalhos arqueológicos mostra bem essa influência, tendo-se aí encontrado cerâ-micas de inspiração fenícia que revelam contactos, directos ou através do reino de Tartessos, com o mundo oriental.

A partir de meados do século V a.

c., Baesu1'Ís

importou quantidades apreciáveis de cerâmicas gregas. Essas importações, que perduraram até meados do século IV a.

c.,

consistem em vasos produzidos em Atenas. São de verniz negro ou decorados com figuras vermelhas. Paralelamente às importações atenienses, a população que habitava o Castelo de Castro Marim comprava também produtos manufacturados (vasos) ao Norte de África (Kouass) e a Ibiza. Os produtos alimentares, envasados em ânfo-ras, chegavam da área de Cartago e da região tartéssica, a actual Andaluzia.

O povoado pré-romano estava rodeado de uma espessa muralha e as habitações eram rectangulares. A área escavada, muito diminuta, não per-mite extrapolar sobre o tipo de urbanismo existente, mas um traçado rectilíneo não seria surpreendente. Tão pouco foi possível determinar se existiam espaços públicos (Ágora), ou religiosos (Templo), ou ainda se a população se distribuía, no interior da cidade, por áreas diferenciadas, conforme a Sl[[a classe social, características que definem, afinal, uma cidade.

Finalmente, é importante recordar que a localização de Castro Marim denuncia uma estratégia de povoamento cujo significado é evidente. Implantado num cerro que se destaca bem na paisagem, tem boas condi-ções naturais de defesa e possui um terrirório visual bastante amplo. No século XVI, era, ainda, uma península, como nos transmiriu Frei João de S. José. «Está Castro Marim situado na cabeça de um monte alto, de

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todas as partes cercado de mar senão de poente.» dizia, em 1577, o reli-gioso quinhentista.

Mais explícito é Abel Viana que afirma que Castro Marim « ... assenta num penhasco ( ... ) que devia, em determinado momento da época qua-ternária, ter constituído um recife a meio do estuário do Guadiana».

Se bem que actualmente Castro Marim esteja rodeada de terra firme e alguns sapais - com o rio já longe do bairro da Ribeira - não restam dúvidas que o progressivo assoreamento do rio Guadianr: transformou consideravelmente a paisagem de Castro Marim, evidenciando a acelerada evolução geológica que esta zona sofreu. Sabemos que, ainda no século XVI, acostavam ao cais da Ribeira navios de grande tonelagem.

Na foz de um grande rio navegável, tinha fácil acesso ao interior e os contactos directos com as zonas mineiras do Baixo Alentejo estavam, assim, assegurados. A proximidade do mar facilitava a actividade portuá-ria, e o comércio com os navegadores/comerciantes vindos do Mediter-râneo tornava-se, pois, possível.

Castro Marim tem, assim, uma situação estratégica fundamental, ímpar no Algarve, área de charneira entre dois mundos culturais distin-tos, mas economicamente complementares. Certamente funcionou como placa giratória do comércio inte;-regional e a longa distância, e foi segu-ramente responsável pela divulgação, no interior alentejano, da cerâmica grega que aí se encontra, por exemplo em Mértola ou no concelho de Moura.

A cidade de Balsa costuma localizar-se na Quinta de Torre d' Aires, perto de Tavira. Bem conhecidos os seus vestígios romanos, nada sabe-mos, no entanto, sobre a sua ocupação pré-romana. De facto, nem as extensas escavações levadas a efeito nesse local por Estácio da Veiga, nos finais do século XIX, nem os trabalhos arqueológicos dos finais da déca-da de setenta, revelaram quaisquer estruturas ou materiais arqueológicos que possamos fazer corresponder à Idade do Ferro.

Até há pouco tempo, apenas o topónimo Balsa parecia indicar uma fundação pré-romana, possivelmente túrdula.

Porém, muito recentemente, trabalhos arqueológicos de emergência, realizados na área urbana de Tavira, puseram a descoberto níveis arqueo-lógicos datados da Idade do Ferro, concretamente dos séculos VIII a IV a.

c.,

onde se evidencia uma muralha, associada à cerâmica fenícia e grega desta mesma cronologia. Parece pois pertinente voltar a colocar a ques-tão da localização da Balsa pré-romana, mesmo admitindo que a cidade se tenha transferido, após o século II a.

c.,

para a Quinta de Torre d'Aires. A localização e a topografia de Tavira correspondem, aliás, melhor que as da Quinta de Torre d'Aires, ao modelo de implantação das cidades pré--romanas algarvias. Na margem direita do rio Gilão, a área ocupada durante a Idade do Ferro devia centrar-se na colina do Castelo, que desce, praticamente, até ao rio. Tendo boas condições portuárias, o acesso à cidade, por via marítima, estava facilitado. Se Balsa se localizou neste local tinha boas condições naturais de defesa, ainda reforçadas por uma

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Prato de pescado pré-romano da TI Idade do Ferro, de Ossonoba

(Vide extratexro, p. 310)

Cerfunica grega do Cerro da Rocha Branca, Silves

(Vide extratexro, p. 3 10)

o

ALGARVE NO MUNDO MEDITERRÂNEo ANTIGO

muralha, e podia dominar, visualmence, um rerrirório muiro vasco, con-nolando bem as chegadas por mar.

Ninguém, hoje, duvida que Ossolloba se situava na anual cidade de Faro, concrecamente na pequena colina, hoje rodeada pela muralha medieval e que corresponde ao Bairro da Sé. Durante o primeiro milénio a.

c.,

esta colina seria, muito provavelmente, uma ilha, localizada num ambiente lacunar, com bons portos e ancoradouros. Esta localização da antiga Ossol1oba corresponde, pois, a um padrão de assentamento típico de uma cidade marítima, cuja estrarégia de povoamenro indica uma voca-ção comercial por excelência.

Infelizmente, desconhecemos quase tudo da ocupação pré-romana de

Ossol1oba. Contudo, algumas cerâmicas encontradas, há largos anos, no .Largo' da Sé, e actualmente depositadas no Museu Lapidar Infance D. Henrique, comprovam que, num momento claramente anterior à romanização, este local se encontrava habitado. Trata-se de pratos de peixe, tipologicamente idênticos a outros recolhidos no Castelo de Castro Marim, e datados da segunda metade do século IV a. C. São as chamadas cerâmicas de Kouass, im.portadas, talvez, do Norte de África. Desta mesma cronologia será o fragmento de biberão recolhido durante os mesmos trabalhos naquele local e que é semelhante a vasos de Cartago. Em escavações recentes no edifício da Polícia Judiciária, foram iden-rificadas cerâmicas gregas, da primeira metade do século IV a.

c.,

o que demonstra que, nesta época, a cidade se integrava nas rotas comerciais ocidentais, e que a população que a habitava era detenrora de um razoá-vel poder de compra.

Para além destas cidades, existiam, no território algarvio, outros núcleos urbanos que não são mencionados nas fontes clássicas, talvez por terem perdido importância no momento da redacção desses textos. É o caso, por exemplo, de Cilpes e, talvez, de Ipses, cujos nomes apenas conhecemos pelo facto de terem cunhado moeda, durante a época roma-no-republicana.

Cilpcs tem vindo a ser localizada na área da actual Silves e deve, muito provavelmente, corresponder ao Cerro da Rocha Branca. Este sítio arqueo-lógico, rotalmente destruído há poucos anos, foi objecto de escavações durante a década de

80.

Trata-se de uma pequena elevação alongada, a cerca de I km, para poente, de Silves, que, na Antiguidade, seria, certa-mente, uma península, sobranceira ao rio Arade.

A investigação realizada mostrou a existência, neste local, de um povoado follf'tificado, cuja ocupação, remoncando ao século VII/VI a.

c.,

se prolongou por roda a Idade do Ferro e Época romana. Durance o século IV a.

c.,

a população que habitava o Cerro da Rocha Branca importou cerâmica grega de verniz negro e de figuras vermelhas, cujas formas e pintores são os mesmos que surgem em Castro Marim, o que deixa pres-supor a existência de uma rota comercial comum. Também, à semelhança do que sucede no sítio do Barlavenro, o Cerro da Rocha Branca é mar-cado por uma impo~tação de produros alimentares comprovada pelas ânforas aí encontradas.

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A qualidade do espólio recuperado, sobretudo ao nível do material importado, permite supor que o Cerro da Rocha Branca era um povoa-do importante, onde habitava uma população com hábiros alimentares mediterrâneos e que usava, no seu quotidiano, cerâmicas de luxo, nomea-damente vasos áticos.

Conhecemos bem a localização de Ipscs, cidade que, como já referi, cunhou moeda na época romano-republicana. Vila Velha de Alvor implan-tou-se numa vasta colina, que domina a entrada da ria de Alvor pelo lado nascente, exactamente em frente a Monte Molião (Lacóbriga). A ampli-tude do domínio visual de ambos os sítios faz pensar que a sua localiza-ção se destinava a controlar esta importante via de acesso ao interior e é fácil supor que esse controle fosse efectuado em estreita colaboração. As escavações que aí tiveram lugar, no final da década de 80, comprovam' que, no século V e IV a.

c.,

este núcleo urbano tinha j<í sido fundado e que a actividade metalúrgica era praticada no local. A publicação dos resultados destes trabalhos arqueológicos poderá fornecer informação mais precisa sobre o tipo de povoamento e integração cultural do espó-lio recolhido.

A organização política e social

Ao contrário do que sucedeu no Centro e Norte da Península Ibérica, o Algarve não foi merecedor, por parte dos autores chíssicos, de uma atenção que lhes suscitasse uma descrição pormenorizada. Os dados de que dispomos para analisar a complexa questão da organização política e social das sociedades proto-históricas que habitaram o Algarve, durante os séculos V e IV a. C. são, pois, escassos. Por outro lado, e como vimos, a massa informativa que a investigação arqueológica forneceu não é sufi-cientemente ampla para podermos colmatar o quase silêncio das fontes. Tanto Heródoto como Avieno, afirmam que o Algarve era habitado pelos Cinetes, aparentemente o povo autóctone, que os autores mais tar-dios chamaram de Cónios. No entanto, é preciso lembrar que algumas cidades pré-romanas algarvias, como Ossolloba e Balsa, foram cons,ideradas, também pelos aurores clássicos, como túrdulas, e que, algumas vezes, os célticos foram localizados nesta mesma região. Não é fácil, e certamen-te não será relevancertamen-te, certamen-tentar compreender estas aparencertamen-tes discordâncias dos escritores greco-Iatinos. E isto porque é sabido como estes autores têm, por vezes, tendência para generalizar os etnónimos a grupos de povos, ou mesmo a estender um único etnónimo a uma área vasta.

Não é, pois, através dos textos que podemos deduzir se o Algarve dos séculos V e IV a. C. correspondia a uma única unidade políúca (um esta-do) ou, se, pelo contrário, era constituído por núcleos independentes, organizados em torno dos núcleos populacionais mais importantes.

A informação que a arqueologia proporcionou, como já se explicou. também não permite grandes extrapolações sobre o tipo de organização política exis tente.

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o

ALGARVE NO MUNDO MEDITERRÂNEo ANTIGO

o

que é possível afirmar é que parece existir uma grande unidade cul-tural entre os vários núcleos ·urbanos que acima descrevemos.

Ao longo da costa algarvia, desenvolveu-se, durante a Idade do Ferro, um tipo de povoamento muito específico. São povoados localizados na orla costeira, quase sempre junto a vias de comunicação fluvial, implan-tados em pequenas elevações que dominam visualmente amplos territó-rios e controlam as chegadas por via marítima. Os testemunhos arqueo-lógicos permitem afirmar que, a maior parte deles, estava já plenamente urbanizada nos séculos V e IV a.

c.,

devendo a sua fundação datar-se, pelo menos, do século VII a. C.

Em todos este núcleos são visíveis relações de tipo comercial com a área tartéssica e com o mundo fenício ocidental. As importações de cerâ-micas áti'cas e de produtos alimentares envasados em ânforas devem ter sido efectuadas em perfeita conjugação com a área do Estreito de Gi-braltar, concretamente a região de Cádiz, que cedo se tornou o grande centro distribuidor dos produtos mediterrâneos no Ocidente.

A localização específica dos povoados indica que a fundação destes centros urbanos se prendeu com a actividade comercial, a longa distân-cia e inter-regional.

Não sabemos se, do conjunto dos povoados algarvios anteriormente indicados, houve algum que se destacou e controlou toda esta activida-de comercial, constituindo-se como «capital» activida-de uma área que domina-ria político-administrativamente. Esta situação implicava, como é óbvio, a existência de um estado centralizado, cuja elite dirigente assumiria não só o controle político como regularia e dirigiria todo o comércio a longa distância.

Os poucos dados de que dispomos para estudar o Algarve nos sécu-los V e IV a. C. não permitem aceitar este modelo explicativo ou qualquer outro. Por agora, o pouco que foi investigado não deixa ver se algum dos núcleos urbanos já identificados é efectivamente mais importante que os restantes, tanto ao nível da área ocupada, como das construções existen-tes ou sequer da quantidade e qualidade do material importado. Pelo que se conhece dir-se-ia mesmo que eles se assemelham, mais do que se dife-renClam.

E se voltarmos aos textos clássicos verificamos que, se noutras regiões os autores greco-Iatinos falam de povos, quando se referem ao Algarve nomeiam

oppida.

Tendo em consideração todos os elementos disponíveis, parece perti-nente pensar ~rue os núcleos urbanos da Idade do Ferro, bem distribuí-dos pelo litoral algarvio, funcionaram com uma significativa autonomia político-administrativa, controlando as suas próprias actividades econó-micas, concretamente o comércio. Abastecidos de produtos exógenos pelos mesmos agentes comerciais, cada um deles teria o seu próprio território de exploração territorial e comercial. A própria distribuição geográfica destes povoados, disseminados ao longo da costa do Algarve, faz pensar que nenhum deles estaria na dependência directa de outro, à

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excepção talvez de Lacóbriga e

Ipses.

Os territórios de exploração directa nunca se cruzam nem sequer se aproximam e as regiões interiores às quais tinham acesso por vias fluviais diversas são bem distintas.

É

óbvio que isto não significa que não estivessem em permanente contacto e que em determinadas situações não pudessem, eventualmen-te, unir-se numa qualquer espécie de confederação. Mas parece evidente que detinham uma verdadeira autonomia, e que a riqueza gerada pelo comércio revertia em benefício das elites de comerciantes qu~1 aí habita-vam e controlahabita-vam a sua principal actividade económica.

Se falar de classes sociais diferenciadas é certamente, neste contexto, prematuro, a existência de uma sociedade complexa e, naturalmente, hie-rarquizada parece ser plausível. Os grupos sociais diferenciavam-se, sobretudo, pelas actividades a que estavam adstritos, e dentro desses grupos sociais haveria indivíduos que se destacariam, por exemplo, pela idade. O grupo mais importante seria constituído pelos comerciantes, mas era necessária a existência de agentes produtivos, directamente rela-cionados com tarefas de recolha e produção alimentar. O cultivo da fava está documentado em Castro lvIarim e o trigo foi, certamente, uma das bases essenciais da alimentação dos habitantes da região. Tal como hoje, os recursos marítimos foram aproveitados, e a pesca constituiria uma importante actividade.

Uma economia de bens de prestígio desempenhou papel relevante no processo de complexificação económica e social a que se assistiu, duran-te o primeiro milénio a.

c.,

nas sociedades algarvias da Idade do Ferrq.

Civilização e cultura

As populações que habitavam o Algarve, durante a Idade do Ferro, mais concretamente nos séculos V e IV a.

c.,

são populações autóctones que contactavam de muito perto, e desde pelo menos o século VII a.

c.,

com povos de origem mediterrânea. Estes contactos, estabelecidos por via do comércio, produziram, inevitavelmente, a absorção mútua de cer-tos hábicer-tos existentes em cada região, a maior parte dos quais ,não é detectável pelo processo arqueológico.

A existência de fíbulas prova que estas populações se vestiam à manei-ra mediterrânea, e a presença de vasos áticos em contexto habitacional mostra a aquisição de novos hábitos alimentares e sociais. De facto, a maior parte dos vasos gregos encontrados no Algarve, têm formas desti-nadas ao consumo do vinho, podendo deduzir-se que este consumo se generalizou, justamente, a partir do século V a. C. Muitas ânforas de Castro Marim, Rocha Branca ou Monte Molião

(Lacobríga) ,

importadas da área de Cartago e da Baía de Cádiz, podem ter transportado tanto vinho como produtos à base de peixe, cuja produção nestas regiões está bem atestada.

Infelizmente, não foram escavadas quaisquer necrópoles correspon-dentes a esta época. Os enterramentos de Bensafrim, de Cômoros da

Ânforas pré-romanas e romanas recuperadas do fundo do rio Arade

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o

ALGARVE NO MUNDO MEDmRRÂNEo ANTIGO

Portela ou da Corte de Pére Jacques correspondem a uma fase anterior, cujo final data justamente do século V a. C.

Os locais de culto, também, nunca foram encontrados, nem no inte-rior dos povoados nem fora deles. Assim, pouco sabemos da religião de quem habitou o Algarve nos séculos V e IV a. C. e quais foram as possí-veis influências, se as houve, dos povos mediterrâneos, neste domínio.

Para concluir, diria que os habitantes dos povoados da Idade do Ferro, construídos na primeira metade do primeiro milénio a. C. no litoral algarvio, tinham por actividade económica dominante o comércio. Por isso mesmo, o contacto com as populações mediterrâneas foi, funda-mentalmente, comercial, o que não provocou uma qualquer semitização ou helenização deste território. O enriquecimento progressivo das elites que controlavam o processo económico ficou a dever-se, exactamente, a esta actividade, que, assim, de algum modo contribuiu para a complexi-ficação e hierarquização destas sociedades. Como é óbvio, as «visitas» frequentes de navegadores/comerciantes, exteriores ao território, foram determinantes na aquisição de hábitos até então desconhecidos, ou menos frequentes nesta região. O uso da toga, perceptível através das fíbulas, o consumo generalizado de produtos alimentares importados, como o vi-nho e os preparados de peixe são bons exemplos de adopção de «costu-mes» mediterrâneos.

Determinadas inovações tecnológicas, como a técnica da redução do ferro, ou a roda de oleiro, foram introduzidas no território algarvio atra-vés do contacto com os povos mediterrâneos, mas num momento muito anterior àquele que nos ocupa. Tal como a escrita (chamada tantas vezes algarvia), chegaram área 700 a. C., tendo sido os fenícios, então já ins-talados na costa da actual Andaluzia, os responsáveis pela sua divulgação no Ocidente.

Gostaria ainda de chamar a atenção para o enorme desenvolvim.ento da sociedade indígena que se pode pressupor através da leitura dos dados existentes. Estamos, de facto, perante populações que controlavam, elas próprias, o comércio inter-regional, escoando para o Mediterrâneo as matérias-primas que o interior alentejano extraía, e levava até si através dos rios que dominavam. Eram também importantes centros de consumo. Importavam produtos alimentares e manufacturados, consumindo-os, mas também concentrando-os para depois os distribuir nas regiões inte-riores. Todo o processo extractivo e comercial estava, pois, nas mãos da sociedade indígena. que tinha atingido um estádio de desenvolvimento sufi-cientemente al/tplo para tal lhe ser permitido.

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