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Outubro, 2013 Relatório de Estágio de Mestrado em Ensino de Filosofia no Ensino Secundário

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(1)

Ratio Studiorum, do ensino tutorial ao ensino em sala de aula.

José Cristóvão Carneiro de Andrade

Outubro, 2013

Relatório

de Estágio de Mestrado em Ensino de Filosofia no Ensino Secundário

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(2)

-Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ensino da Filosofia no Ensino Secundário, realizada sob a orientação científica de

(3)

Ao meu Pai,

(4)

AGRADECIMENTOS

Um agradecimento especial ao Externato Marista de Lisboa, por toda a ajuda e

disponibilidade que durante dois anos demonstrou para que eu pudesse terminar a

tese. Ainda um agradecimento á professora Rita Lopes pela ajuda e apoio durante a

(5)

A Ratio Studiorum, do ensino tutorial ao ensino em sala de aula.

The Ratio Studiorum,school tutorial to education in the classroom.

[José Cristóvão C. Andrade]

[José Cristóvão C. Andrade]

[RESUMO]

Partindo do documento editado pela Companhia de Jesus em 1599 intitulado

Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Iesu procurarei fazer uma pequena leitura

histórica de como e quando surgiu e a sua importância. Posteriormente irei comparar

as inovações trazidas por este documento para a educação e se estas inovações

poderão ser aplicáveis aos nossos dias no contexto da escola pública. Para isso utilizei

a minha prática de ensino da filosofia supervisionado para aplicar algumas destas

estratégias.

[ABSTRACT]

Starting on the document published by the Society of Jesus in 1599 titled Ratio

Atque Institutio Studiorum Societatis Iesu I will try to do a little of historical reading of

how and when it appeared and its importance. Later I will compare the innovations

brought by this document for education and whether these innovations may be

applicable to the present day in the context of public schools. For this I used my

practice teaching philosophy supervised to apply some of these strategies.

PALAVRAS-CHAVE: Aluno, Colégios, Educação, Ensino, Estágio, Exercícios Espirituais,

Filosofia, Jesuítas, Método, Método Parisiense, Pedagogia, Professor, Público, Ratio

(6)

KEYWORDS: Student, Colleges, Education, Teaching, Training, Spiritual Exercises,

Philosophy, Jesuits, Method, Method Parisian, Pedagogy, Teacher, Public, Ratio

(7)

ÍNDICE [exemplo]

Introdução ... 7

Capítulo I: Ratio Studiorum, Percurso Histórico ... 9

I. 1. Santo Inácio de Loila: da experiencia à prática ... 10

I. 2. A Ratio Studiorum ... 12

I. 3. Em que consistia o método parisiense ... 15

I.4. A importância dos Exercícios Espirituais para o método pedagógico da Ratio Studiorum... 17

Capítulo II: Estágio supervisionado: do contexto da escola pública à aplicação Do método inaciano das escolas privadas ... 20

Capítulo III: Aplicação do método em contexto de estágio ... 22

III. 1. Aplicação prática no contexto de estágio ... 24

III. 2. Aplicação prática contexto de estágio. ... 24

III. 3. O tempo dos intervalos passados com os alunos ... 26

III. 4. Fim de semana multicultural ... 27

III.5 Preparação do Fim de semana ... 27

III.6 Fim de semana com os alunos ... 27

III.7 Apoio escolar ... 30

III.8 Visita de Estudo ... 31

Conclusão ... 33

Bibliografia ... 36

(8)

Introdução

Com os novos desafios que se colocam cada vez mais no mundo da educação,

achei por bem fazer uma breve reflexão através de um documento (Ratio Studiorum)

que, no meu entender, é a essência para a educação nas escolas de hoje. Refletir sobre

o passado pode ajudar-nos a preparar o futuro.

Não pretendo fazer um trabalho exaustivo sobre a Ratio Studiorum dos jesuítas

nem da sua importância no mundo da educação. Pretendo sim, analisar a importância

deste documento na minha prática letiva supervisionada e refletir sobre esta mesma

prática e a pertinência deste documento nos dias de hoje.

Analisar este documento é fazer um percurso que nasce da experiência pessoal de

um grupo de pessoas do mundo da educação, ou seja, não nasce de uma teoria, mas

sim de uma praxis vivida pelos primeiros jesuítas.

Duas questões às quais neste trabalho pretendo responder são: Como é que a

filosofia poderia ganhar com o método da Ratio? Quais os contributos da Ratio

Studiorum para a pedagogia educativa?

Através dos quatrocentos e sessenta e seis regras que a Racio Studiorum

propõe e que focam as férias, feriados, formação de professores, relação entre os pais

e alunos, compêndios e manuais de ensino a utilizar, metodologia de trabalho com os

alunos (repetições, disputas, desafios, declamações), construção de um plano de

estudo, orientação pedagógica (memorização, exercício, emulação), regime de

avaliação, prémios, castigos, reconhecemos a evolução pedagógica que a Ratio

Studiorum originou, nomeadamente quando comparada com o ensino tutorial que era

o mais utilizado na época do seu nascimento.

Devido a esta inovação introduzida pelos jesuítas, quando a Companhia de

Jesus foi suprimida pelo Papa Clemente XIV, na bula Domus ac Redemptor de 1773, a

Czarina Catarina (a Grande), e Frederico da Prussia acolheram-nos. Nesta altura a

Companhia de Jesus contava com 669 colégios e 237 casas de formação. Só em

Portugal os jesuítas contavam com cerca de 30 estabelecimentos de ensino, a única

(9)

Isto para não falar das Universidades que estavam ligadas aos jesuítas, nomeadamente

a Universidade de Coimbra e a Universidade de Évora. Tudo isto terminou em 1759

com o mandato de expulsão erigido pelo marquês de Pombal e proclamado por D. José

I.

Neste trabalho será feita uma breve reflexão sobre os métodos jesuíticos, bem

como a sua origem e importância ao mesmo tempo procuro perceber qual a mais-valia

que a Companhia de Jesus deu ao ensino através dos seus colégios. Partindo deste

ponto, analisarei os prós e contras que este método daria ao ensino nos dias de hoje e

a aplicabilidade do método nas nossas escolas. Tentarei ainda refletir como poderá

este tipo de ensino ser posto em prática quando aplicado à filosofia e como é que no

(10)

1. Ratio Studiorum, breve percurso histórico.

O que é a Ratio Studiorum? A Ratio Studiorum foi o documento base elaborado

pelos jesuítas no seculo XVI que padronizava o ensino nos colégios da Companhia de

Jesus. Mas antes deste documento serviram de base a este. Um importante percurso

foi feito até chegar à “RatioAtque Institutio Studiorum” editado em 1599 em Roma. A Ratio Studiorum é “un documento específicamente pedagógico de caracter

universal que contó para su promulgación definitiva, en 1599, com la experiencia de

los primeiros colegios jesuitas de Gandia, Coimbra, Lovaina, Pádua y Bolonia. Recoge el

ideal educativo de Ignacio de Loyola e tiene como punto de partida los Ejercicios

Espirituales y la parte IV de las c, documentos Constituciones de la Compañia de Jesús,

documentos pedagógicos para la formación intelectual, humana e religiosa”1.

Este documento editado pela Companhia de Jesus tinha por objetivo

uniformizar o ensino nos colégios dos jesuítas. O conteúdo do mesmo, dividido em

trinta capítulos foi formulado em regras que fazem referência às funções,

competências e tarefas das autoridades académicas dos colégios (superior, reitor,

perfeito de estudos, etc). Assim, o documento não só denomina uma estrutura

hierárquica, como também, da mesma forma aponta a todos os professores do Ensino

Superior disciplinas específicas diferenciadas. Ao mesmo tempo “se establecen normas

concretas sobre los alunos, sobre el modo de estudiar y aprender, sobre los exámenes,

los premios, las relaciones docentes, la convivencia y qualquer outro aspecto que

tuviera relación com el progresso de los estudantes”2

.

Na realidade este documento nasce de uma série de experiências pessoais que

alguns membros da Companhia de Jesus passaram, nomeadamente dos exercícios

espirituais e das constituições da mesma ordem religiosa. Antes mesmo da Ratio

Studiorum, surgiram outros documentos como a Ordo Studiorm elaborada pelo padre

Nadal. Mais tarde a De Ratione et Ordine Studiorum do Padre Dielo Ladesma

1 HERRAIZ, Carmen, L., El processo de enseñanza-aprendizaje en la Ratio Studiorum, in Repensar a Escola

Hoje: o contributo dos jesuítas, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Filosofia, Braga, 2007. P.39

(11)

exclusivamente para o colégio romano (primeira faculdade dos jesuítas em Roma que

daria origem mais tarde a Pontifícia Universidade Gregoriana), em 1573 Summa

Sapientia elaborada pela congregação geral. Em 1581 o Superior Geral dos Jesuítas o

Padre Claúdio Aquaviva designa uma comissão para elaborar uma formula de estudos

para os colégios da Companhia de Jesus intitulada ad conficiedam formulam

studiorum. Em 1599 nasce a Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu. Este

documento nasce de um “trabalho de sua (Padre Claudio Aquaviva) redação prolongou-se por obra de 15 anos (1584-1599) e obedeceu ao critério com que se

preparam os currículos modernos mais bem elaborados. Primeira redação

aproveitando um imenso material pedagógico acumulado em dezenas de anos; críticas

dos melhores pedagogos de todas as províncias europeias da Ordem; segunda

redação; nova remessa às províncias para que a submetessem por um triênio à prova

da vida real dos colégios; aproveitamento das últimas sugestões sugeridas à luz dos

fatos; promulgação definitiva.”3

Como nos podemos aperceber este documento surge depois de um longo

caminho, nomeadamente através da experiência de aprendizagem que o fundador da

Companhia de Jesus viveu.

Por outro lado, este documento ainda permanece vigente nos colégios da

Companhia de Jesus em todo o mundo. É verdade que ao longo dos séculos foi

sofrendo alterações, para uma melhor adequação ao meio onde estava inserido o

colégio ao mesmo tempo que sentia a necessidade desta atualização adaptando-se aos

novos meios.

1.1 S. Inácio de Loiola: da experiência à prática.

Como era tradição nos tempos de S. Inácio, toda educação era feita em casa

com um perceptor ou orientada pelas mulheres da família, uma vez que os homens

desde muito novos e depois de terem uma instrução base se dedicavam ao mundo da

cavalaria e da nobreza ocupando os cargos que o rei de Espanha lhes dava. Assim,

Inácio depois de receber esta formação base rumou a Arévalo para servir como pajem

(12)

de Juan Velasquez de Cuéllar, contador mor do rei Fernando (O Católico), deixando a

sua educação para um plano secundário.

Depois de vários acontecimentos marcantes da sua vida, aspirando sempre

cargos mais importantes como cavaleiro, durante uma batalha em Pamplona ao

serviço de António Manrique vice-rei de Navarra, foi gravemente ferido deixando

mazelas irreversíveis no seu corpo, nomeadamente na sua perna que foi destroçada

por uma bala de canhão. Durante a recuperação não tendo nada para fazer,

aproveitou para ir lendo os poucos livros que a sua casa possuía4, uma vez que nesta

época os livros eram muito caros e morosos de se fazerem, pois que eram copiados à

mão pelos monges copistas. Depois da sua recuperação notou que para melhor levar

os seus ideais de fé até às pessoas precisava de obter estudos. Por isso rumou a

Barcelona onde, com quase trinta anos voltou ao banco das escolas para aprender as

letras fundamentais, nomeadamente aprender latim. Nesta época o ensino, apesar de

já ser em turmas, enquanto o professor trabalhava com um aluno os outros estavam

distraídos e com pouca coisa para fazer. Numa das suas reflexões posteriores Inácio

apresenta esta mesma dificuldade, e propõe para o mundo dos colégios jesuíticos que

o ensino seja ministrado de uma forma diferente para que os estudantes não se

percam nem se distraiam. Podemos ver que a experiência pessoal de Inácio vai marcar

a própria elaboração da Ratio.

Depois de concluir os estudos de latim, percebeu que tinha de continuar os

mesmos na universidade. E porque é que tinha a necessidade de obter mais estudos se

na sua época era apenas necessário, para ser ordenado padre fazer algumas disciplinas

de teologia e saber ler e escrever em latim? A resposta é simples; a época em questão

é o período da reforma luterana e da contra reforma da igreja romana. Assim Inácio

percebeu que para poder fazer frente às teorias luteranas precisava de aprender. Por

isso mesmo em 1528 rumou a Paris. E porquê Paris e não outra Universidade? “Talvez

porque Paris fosse considerada «omnium laudatissimam academiam» e porque o

modus parisiensis– assim foi chamado o método escolástico de Paris – se adaptasse

4

(13)

perfeitamente à maneira de ser de Inácio.”5 Mais ainda é a experiência que Inácio vive

em Paris, nomeadamente no Colégio de Santa Bárbara, “onde Inácio estudou Artes, que o Humanismo ganhou toda a sua força. E foi este o berço pedagógico dos Jesuítas.

Santa Bárbara era um feudo português, cujos estudantes eram sustentados pelo

monarca lusitano, D. João III.”6 Neste colégio foi instaurado um novo método didático

de aprendizagem concebido por André de Gouveia que consistia numa divisão

metodológica da aprendizagem. Assim, no método introdutório, os professores

ensinavam línguas clássicas, no método mais avançado ensinavam os humanistas da

Alemanha e Itália. A aprendizagem não era um bloco estanque, mas um avançar

progressivo das diferentes matérias. Nesta época dá-se uma passagem entre a Idade

Média e o Renascimento. Aristóteles torna-se um dos autores mais estudados,

sobretudo a sua Lógica, Metafísica e a Ética. Juntamente a Aristóteles, o estudo de S.

Tomás de Aquino torna-se igualmente fulcral.

1.2 A Ratio Studiorum

Depois de termos visto o percurso histórico que leva a criação da Ratio

Studiorum pretendo agora apresentar em que consiste este documento e porque se

torna tão fundamental para a educação e para a pedagogia.

Se nos situarmos nos séculos XV a XVI percebemos que o ensino nesta altura

estava só ao alcance de alguns,, nomeadamente da classe nobre ou burguesa. Este

ensino era ministrado geralmente em casa através de um tutor ou perceptor que

acompanhava o aluno ao longo da sua formação. Além disso esta formação fornecida

pelo tutor não se baseava só numa determinada matéria, mas em vários campos do

saber. Era um professor que lecionava todas as matérias, de certa forma faz lembrar o

mundo sofista da Grécia antiga.

Ora, a Ratio Studiorum torna-se o documento base para a formação dos novos

colégios da Companhia de Jesus, e nele aparecem várias regras de como estes colégios

5 LOPES, José “O Projecto Educativo da Companhia de Jesus: Dos Exercícios Espirituais aos nossos dias”,

Publicação da Faculdade de Filosofia, UCP, Braga, 2002, pg. 40

(14)

devem ser geridos. As normas são claras, e são postas em prática por todos os colégios

da Companhia de Jesus pelo mundo fora. Os 45 colégios iniciados por Inácio de Loyola

e os 245 que nos 40 anos posteriores se edificaram mostram a eficácia e o interesse

por parte das pessoas por esta “nova”7 forma de educação.

Este documento, por exemplo, fixa o número de alunos por turma, a duração

de uma aula, as diferentes disciplinas leccionadas (predominando a filosofia), que cada

professor leccionaria penas uma disciplina e não várias para que pudesse haver um

maior aprofundamento da mesma.

Baseado neste documento normativo está a própria experiencia educativa dos

membros da Companhia de Jesus. A IV parte das Constituições desta ordem religiosa é

dedicada aos estudos e à formação dos jesuítas. Por isso mesmo a Ratio Studiorum é

uma transposição e adaptação deste documento. Na quarta parte podemos ver as

disciplinas que são a base da formação, nomeadamente o maior bloco é dedicado á

filosofia e um mais pequeno às humanidades, os tempos que cada estudante deve ter

para o estudo, em função do professor tutor.

Como ultima curiosidade, quando a Companhia de Jesus foi extinta pelo Papa

Clemente XIV em 1773 através da bula Dominus ac Redemptor, a imperatriz Catarina (a

Grande) da Rússia nunca deixou que os Colégios da Companhia se extinguissem pois

segundo ela o método jesuítico de educação era um dos melhores.

Os princípios básicos deste método assentavam na ideia base em que o

educando desenvolvesse um “carácter activo, personalizador e autoformativo, exigido

expressamente ao estudante, protagonista da sua aprendizagem, evitando abulia,

passividade, desinteresse e indiferença.”8

Juntamente à exigência que é pretendida do

aluno consigo mesmo o “acto educativo è considerado um acto de transfusão de vida

entre o professor e o aluno, isto é, o acto educativo é um acto intercomunicativo de

7 Aspas minhas

8 LOPES, José M. O Projecto Educativo da Companhia de Jesus: Dos Exercícios Espirituais aos nossos dias,

(15)

ensinamento e aprendizagem mútua, entre educador e educando. Ambos dão, e

ambos recebem e constroem algo em comum.”9

No célebre documento elaborado por Jacques Delors, para a UNESCO esta

dimensão humanista é uma referência. Aquilo que nos oferece a Ratio e que é

transposto para o ensino da Companhia de Jesus exige que seja o “aluno a sentir, a

compreender e a pensar por si próprio; a reflectir, a julgar, a crer; a saber ler, a saber

estudar e a saber tomar notas; a saber exprimir-se, já que a palavra é o veículo mais

universal do pensamento. Por isso, o humanismo que ressalta na Ratio pretende uma

profunda formação do homem, através, principalmente, do conhecimento e

interiorização de grandes autores e das suas obras mais significativas.”10 O contato

com a história e com o legado do passado pode ajudar cada um a projetar o futuro.

Não é qualquer coisa que nos prende a si, num determinado tempo, mas sim algo que

nos projeta para o futuro visto que podemos aprender com a história passada. A

vantagem da história é que permite ao homem sempre que nasce não começar do

ponto zero, mas evoluir.

Esta importância histórica é mencionada no já mencionado documento da

Unesco, quando este nos diz que “A história humana sempre foi conflituosa, mas há elementos novos que acentuam o perigo e, especialmente, o extraordinário potencial

de autodestruição criado pela humanidade no decorrer do século XX. A opinião

pública, através dos meios de comunicação social, torna-se observadora impotente e

até refém dos que criam ou mantêm os conflitos. Até agora, a educação não pôde

tomar medidas decisivas situação real. Poderemos conceber uma educação capaz de

evitar os conflitos, ou de os resolver de maneira pacífica, desenvolvendo o

conhecimento dos outros, das suas culturas e da sua espiritualidade?”11 Só com a dimensão humana do ser é que se pode combater este flagelo. Neste mesmo

documento escrito para a Unesco, Delors sustenta que o aprender a ser é fundamental

para o homem, defendendo mesmo que “na escola, a arte e a poesia deveriam ocupar

9

Ibidem

10 Idem, Pg 114

11 DELORS, Jacques (Org.), “Educação um Tesouro a Descobrir, Relatório para a UNESCO da Comissão

(16)

um lugar mais importante do que aquele que lhes é concedido, em muitos países, por

um ensino tornado mais utilitarista do que cultural. A preocupação em desenvolver a

imaginação e a criatividade deveria, também, revalorizar a cultura oral e os

conhecimentos retirados da experiência da criança ou do adulto.”12

No meu entender, aquilo que Delors propõe, já há muito foi aplicado pela

pedagogia jesuítica. A importância das humanidades no ensino é fulcral, visto que é

através da língua que expormos os nossos conhecimentos, ora se não dominamos a

língua a nossa exposição nunca será a ideal. Por outro lado os instrumentos que a

filosofia fornece são essenciais para a regulação do pensamento, ou seja, a filosofia

ensina-nos a pensar. Sem esta dimensão do aprender a pensar, toda a criatividade

morre.

1.3 Em que consistia o método parisiense?

O método parisiense baseava-se em três pontos fundamentais: “sólida

fundamentação de gramática; graduação nos estudos, desde os mais elementares aos

mais complexos, segundo a capacidade do aluno13; exigência de um grande número de

repetições14.”15

A partir deste método parisiense os jesuítas condensaram cinco proposições

base do seu sistema de ensino. Estas cinco proposições base são: “instruir solidamente os estudantes nos fundamentos de gramática; segundo, estabelecer uma hierarquia

nas aulas, de acordo com as capacidades de cada aluno – cada aula teria um grau superior de dificuldade e um mestre próprio; terceira, assinalar uma sucessão nos

12 Idem. Pg. 115

13 Nos dias de hoje esta diferenciação apesar de existir não é assim tão frequente. Ainda mais se

compararmos o nosso sistema de ensino com o da Alemanha, onde a diversificação e a importância dos cursos profissionais é enorme. De facto o nosso sistema conduz maioritariamente os alunos para o ensino superior. Por isso mesmo as universidades tendem a nivelar o ensino não por um patamar exigente mas mais acessíveis para que os alunos possam transitar.

14 As repetições e memorizações foram quase abolidas pelo ensino, privilegiando a compreensão,

nota-se sobretudo nos alunos mais novos. Um exemplo disso é a precoce utilização da máquina de calcular em detrimento da memorização da tabuada. O ensino torna-se mais técnico.

15 LOPES, José M. O Projecto Educativo da Companhia de Jesus: Dos Exercícios Espirituais aos nossos

(17)

estudos, desde a aula inferior de Gramática, passando pelas Humanidades e Retórica,

até aos cursos de Filosofia, Matemática, etc., e Teologia, para evitar a dispersão das

lições, segundo as preferências académicas dos professores, costumes locais e

caprichos dos alunos; quarta, exigir dos alunos a assiduidade e a presença nas aulas;

quinta fazer acompanhar as lições de diversos exercícios, isto é, repetições, disputas,

lições de memória e composições.”16

Mas mais do que isto, foi em Paris por volta de 1509 que Montaigu cria de

maneira clara e precisa uma divisão de alunos por classes “c’est-à-dire la répartition

graduée d’une même matière à des paliers ou niveaux successifs, dans un ordre de complexité croissante, en foction de l’âge et du degré de connaissaces acquis par les

élèves”17 O modo como Montaigu entendia as classes era segundo a evolução

progressiva de cada aluno na aquisição do conhecimento. Assim estruturavam-se por

salas de aulas os alunos que estavam num mesmo patamar de conhecimento18.

O método parisiense tinha ainda como particularidade a execução de vários

exercícios escolares. Se olharmos para o ensino na Idade Média, notamos que

funcionava através da leitura em sala de aula das aulas preparadas anteriormente pelo

professor, ou apenas liam um autor e explicavam o conteúdo da leitura. Os

comentários do professor relativos às diferentes matérias, levava a uma despotatio por

parte do aluno e do professor. O Método Parisiense “insiste mais na prática e no

exercício, do que nos preceitos: usus non praecepta, parece ser a divisa dos

pedagogos. As crianças aprenderão o Latim, usando efectivamente a língua latina. É o

uso da língua e não a memorização das regras da mesma, que é importante.”19

O modo parisiense foi influenciado por Montaigu em muitos aspetos,

nomeadamente:

16

Ibidem

17 CODINA MIR, Gabriel, Aux Souces de la Péfagogie des Jésuite - Le “Modus Parisiensis”, Roma,

Institutum Historicum Societatis Iesus, 1968, Pg. 101

18 Até aos anos 90 muitas das turmas existentes em algumas regiões do país, sobretudo em regiões com

poucas crianças, as crianças eram agrupadas na mesma sala de aula, apesar de estar em níveis diferentes de aprendizagem. Frequentemente era visto no primeiro ciclo de ensino.

(18)

- repartição dos alunos em classes, cada uma com o seu programa, o seu

professor e a sua sala de aula;

- os alunos das primeiras classes eram ensinados por alunos da classe mais

adiantada (lectores, submonitores ou exercitadores);

- cada classe era dividido por decúrias. Isto implicava um aumento do trabalho

do professor, pelo recurso á entreajuda mútua dos alunos;

- à frente de cada decúria estava um decurião, que devia vigiar a conduta dos

seus colegas, tomar nota das faltas que cometiam e de as delatar ao Reitor;

- a emulação era muito apreciada;

- a promoção de uma classe superior fazia-se por meio de exames;

- eram praticados castigos corporais e outras punições;

- eram concedido prémios aos melhores alunos;

- a delação era um meio de manter a disciplina;

- o horário escolar era sensivelmente aliviado;

- o teatro escolar era usado como meio de diversão e como exercício literário;20

A partir desta experiência em Paris, Inácio e os primeiros companheiros jesuítas

foram atualizando os seus conhecimentos através da experiência prática. Certamente

esta experiência ainda foi mais rica porque não foi vivida por apenas uma pessoa, mas

por um grupo, que ajudou através da sua experiência a redigir a Ratio.

1.4 A importância dos Exercícios Espirituais para o método pedagógico da

Ratio Studiorum.

Os Exercícios Espirituais são o centro de toda a dimensão espiritual dos

Jesuítas. Foi através da experiência destes Exercícios que Inácio reuniu os primeiros

companheiros em Paris. Por outro lado é um método de aprendizagem e de

conhecimento interno de cada individuo. De certa forma a junção dos Exercícios com o

20

(19)

Método Parisiense permitiu a criação da Ratio Studiorum. Os Exercícios são “uma

pedagogia activa, não através de comunicações verbais de princípios pedagógicos, mas

sobretudo, através de acções”21

Mas em que aspetos os Exercícios Espirituais

ajudaram à criação da Ratio?

De uma forma muito simplificada, um dos principais benefícios que os

Exercícios trazem é o da atenção pessoal a cada um, que se donomina por Cura

Personalis. A dimensão da Cura Personalis era a atenção individual e única a cada

pessoa, respeitando o seu ritmo e as suas capacidades, propondo uma evolução

centrada na pessoa em si. Ou seja “na relação pedagógica entre o orientador e o exercitante, a pessoa mais importante é este último. Não é este que se deve adaptar

ao ritmo do director, às suas ideias ou esquemas mentais […] é o director que deve

fazer-se servidor e diácono.”22 Da experiência dos exercícios nasce esta atenção

pessoal a cada um, mesmo que este esteja inserido numa sala de aulas com os

restantes alunos.

Nos Exercícios Espirituais de St. Inácio a dimensão pedagógica parte toda do

exercitante, deixando um espaço muito pequeno ao diretor dos exercícios, este apenas

acompanha e guia o exercitante a fazer o seu próprio caminho. Por outro lado, o

diretor tem como missão conduzir e realçar os aspetos que o exercitante não

reconhece à partida. O mesmo se passa no ideário dos colégios da companhia de

Jesus, em que o aluno tem na sua mão a dimensão pedagógica, o professor ou perfeito

de estudos é um mero condutor do percurso delineado por ele. Além disso, os

Exercícios privilegiam o uso da imaginação, através das suas meditações ou

composições de lugar. Logo aqui podemos ver que a educação se centra

essencialmente em quem faz o percurso e não em quem o conduz. O aluno é

responsável por si mesmo.

Como é sobejamente conhecido muitos foram os alunos que passaram pelas

escolas da Companhia que mais tarde forma reconhecidos, destacando-se por

21 LOPES, José M. O Projecto Educativo da Companhia de Jesus: Dos Exercícios Espirituais aos nossos

dias, Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Braga, Braga, 2002, Pg.62

22 GOMES, Joaquim Ferreira, O “Modus Parisiensis” como Matriz da Pedagogia dos Jesuítas, in «Revista

(20)

exemplo, Descartes. Quando olhamos para a vida de Descartes, ele mesmo reconhece

a importância da educação que teve nos colégios dos jesuítas. Aliás foi o seu perfeito

de estudos que o incutiu em algumas leituras e o conduziu a algumas linhas de

pensamento que mais tarde seriam fundamentais no seu percurso. É verdade que

muito criticou a Companhia de Jesus, mas é também verdade que reconheceu a sua

importância durante os anos de formação.

Os Exercícios Espirituais são por isso mesmo uma “escola de eleição e oração através do exercício de decisões livres, empenhativas e concretas. São, por isso, uma

pedagogia activa, não através de comunicações verbais de princípios pedagógicos,

mas, sobretudo, através de acções”.23

1.5Planificações e Avaliações

Uma outra dimensão do plano de estudos proposto pelos jesuítas eramos

vários tipos de avaliações que se deveriam aplicar aos alunos. Um dos caracteres

inovadores dos colégios da Companhia de Jesus era a das áreas divididas por

disciplinas concretas, e cada uma destas disciplinas era lecionada por um professor

diverso. Isto fazia que cada professor se especializasse numa única área de saber e não

houvesse dispersão de matérias, por outro lado foi criado blocos de aulas com tempo

muito específico para cada área. Além disto foram criadas planos de estudos, uma

espécie de guião, que os professores punham ao serviço dos alunos para que estes

pudessem consultar24.

Além desta dimensão, os métodos de avaliação começaram a ser diversificados.

Além das provas escritas e orais, a desputatio fazia parte da avaliação, ou seja, através

da defesa de uma tese os alunos tinham de esgrimir argumentos de pros e contras.

Além de uma dimensão sintética na exposição era necessário a validação dos

23

LOPES, José M. O Projecto Educativo da Companhia de Jesus: Dos Exercícios Espirituais aos nossos dias, Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Braga, Braga, 2002, Pg.62 – A ação entendida por Santo Inácio é a de que o homem é criado para louvar e reverenciar a Deus e mediante isso salvar a sua alma. A ação implícita nos exercícios é a da salvação, que não poderá ser atingida sem obras concretas.

24 Também eu criei um guião de aula que colocarei em anexo, juntamente com algumas planificações

(21)

argumentos apresentados. De certa forma esta metodologia foi-se perdendo. Nas

aulas por mim lecionadas, procurei que esta dimensão da disputa de argumentos

estivesse presentes, obrigando o aluno a uma assertividade e a investigação das teses

apresentadas.

2. Estágio Supervisionado: Do contexto da escola pública à aplicação do método

inaciano das escolas privadas.

Depois de introduzir o percurso proposto pelo modelo jesuítico da Ratio

Studiorum, gostaria comparar as dimensões que este modelo nos dá, com o modelo

proposto na escola pública.

Para mim a experiencia de estagiar numa escola pública apresenta-se como

algo novo, toda a formação que fiz foi umo contexto de ensino privado. Mais do que

uma dificuldade foi um desafio.

A escola situa-se no concelho de Sintra, ou seja, periferia de Lisboa. Está rodeada

por um ambiente multicultural, predominantemente habitada por minorias étnicas,

nomeadamente, culturas africanas (Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Angola, etc.),

países do Leste (moldavos, lituanos, estónios, etc.), ciganos, e outras etnias de menor

vulto. Por causa da diversidade de origens, a zona encontra-se mergulhada em vários

problemas sociais, nomeadamente o da violência (de vários tipos), o desemprego, a

toxicodependência, roubos, etc.

Os encarregados de educação em geral têm poucos estudos, salvo raras exceções.

Acompanham pouco os seus filhos pois a maioria do tempo passam no trabalho que se

situa longe de casa, chegando tarde e saindo cedo.

Com a nova legislação do ensino passou a ser obrigatório a frequência escolar até

18 anos acrescendo assim um novo problema. Muitos alunos saiam no final do ensino

obrigatório, que até ao ano passado, era o nono ano. Ou seja a obrigatoriedade de

permanecer no ensino tornou-se mais longa, alargando assim os casos de alunos que

queriam sair da escola.

É neste contexto que a Escola Leal da Câmara está mergulhada. Existe a mais-valia

(22)

responder aos problemas que aparecem dia após dia. A estabilidade do corpo docente

é outro valor acrescentado, bem como as estruturas já montadas que respondem aos

desafios que todos os dias são colocados.

O desafio que tive de enfrentar foi algo novo, visto que nunca tive contacto com a

educação pública. Por um lado fiquei muito surpreendido pela positiva, com as

dificuldades pela qual a escola passa enquanto instituição, pelo descrédito que os

professores vivem, pela gigantesca burocracia que os professores quotidianamente

têm de lidar e que influencia depois o tempo que têm para os alunos e para os

acompanhar. Juntamente a tudo isto, a escola tem mais do que nunca, um papel

fulcral na vida de cada aluno. De facto exigem-se respostas mais cedo, quando todos

sabemos que a maturidade chega cada vez mais tarde. Desde muito novos os alunos

são chamados a decidirem o seu percurso, quando todos sabemos que não tem

maturidade ou capacidade de escolherem, muitas vezes, acertadamente.

Por outro lado, o ensino dos Colégios da Companhia de Jesus têm uma estrutura

diferente da escola pública, começando pela autonomia de ensino. É verdade que

alguns colégios dos jesuítas têm contrato de associação, mas a possibilidade da

autonomia de ensino, o que permite uma maior liberdade em relação ao ensino

público. Por outro lado, o corpo docente é mais estável e a própria formação de cada

docente é diferente. Juntamente com estes espetos, os colégios jesuítas apostam

numa formação humana dos alunos além da dimensão normal de uma escola,

proporcionando imensas atividades extracurriculares de formação, dias de turma,

fins-de-semana de turma, encontros de relações humanas, troca de experiencias entre

colégios, acampamentos juvenis.

Esta dimensão do investimento na formação humana para além da sala de aula ou

do espaço escolar, permite um maior conhecimento de cada aluno. Além do mais, a

dimensão afetiva que é tão importante no ensino, orienta o aluno para querer

melhorar o seu trabalho empenhando-se nas tarefas que lhe são propostas. Poderá

não ser a busca de um conhecimento meramente desinteressado, mas uma busca do

(23)

3. Aplicabilidade do método no contexto do estágio.

Para responder a esta pergunta precisamos de ter presente a dimensão

evolutiva do processo pedagógico ao longo dos tempos. Aqui podemos perceber que

este processo não é de todo linear, ou seja, não é organizado nem evolui da mesma

forma ao longo dos séculos. A pedagogia não pode ser organizada por etapas com

contornos nítidos fáceis de identificar. Se olharmos para a antiguidade, “não podemos deixar de reparar em diversas e apaixonantes contendas que ocuparam os filósofos e

escolas contemporâneas, e de entre as quais destacamos, pelo proveito e vivacidade

de argumentos que envolveram, as de Sócrates e Sofistas ou Platão e Aristóteles.

Contudo, curiosamente, em tudo semelhantes àquelas que na segunda metade do

século XX, tiveram lugar entre teóricos de inspiração behaviorista, sócio-construtivista

e cognitiva, e que vislumbramos ocuparem uma parte significativa do século que nos

situamos.”25

Se olharmos então para os vários modelos de escola que nos são apresentadas

nos dias de hoje, podemos notar que mantendo uma identidade própria nos dias de

hoje, são condicionadas e actualizadas constantemente por condicionantes sociais,

filosóficas, politicas, ideológicas ou científicas.26

Uma das características presentes na educação jesuítica é a estabilidade, visto

que ao contrário das escolas que estão dependentes das políticas educativas dos

governos que constantemente mudam, as políticas educativas do mundo dos colégios

são estáveis, pois estes são defendidos por uma autonomia pedagógica.

Não é de todo fácil responder prontamente a esta questão, se bem que a Ratio

Studiorium foi pouco e pouco sendo actualizada. Concretamente nos dias de hoje a

experiência da Ratio Studiorum passa por três conceitos base: Acção, Reflexão,

Experiência.

25 Damião, Maria Helena, Tradição e inovação em educação, in Repensar a escola hoje, contributo dos

Jeusitas, Aletheia, Braga, 2007, pg. 182

26 Nos dias de hoje foi lançado a ideia de entregar às famílias o cheque ensino, com isto poderá iniciar

(24)

Em que consiste a experiência, reflexão e a acção?

Com a experiência pretende-se que os alunos “recordem conteúdos da sua

própria experiência e seleccionem o que consideram relevante quanto ao tema que

estão a tratar: fatos, sentimentos, valores, perspectivas e intuições.”27

Com a reflexão pretendem que o aluno trabalhe a memória, a compreensão a

imaginação e os sentimentos para apreender o significado e o valor essencial que está

a estudar.

Finalmente é na ação que o “professor verifica se estão oferecidas

oportunidades que desafiem a imaginação e exercitem a vontade dos alunos para

escolherem o melhor caminho de atuação que dê sequencia para prosseguirem

naquilo pretendido”28

Nesta mesma medida podemos ver que a pedagogia inaciana29 teve e tem

muito a dar à pedagogia “como se pode concluir, muito antes dos estudos de Piaget,

Ausubel, Vygotsky, e tantos outros, já a pedagogia inaciana praticava e pratica uma

concepção educativa, uma teoria de aprendizagem próxima do chamado

27

GRACOS, Pedagogia Inaciana: Uma abordagem prática, Cinforina, 1994. Pg.20

28 Ibidem

29 Designação dada à corrente escolar fundada por S. Inacio de Loyola, e ainda hoje utilizada nos

Colégios da Companhia de Jesus.

(25)

construtivismo.”30 O construtivismo procura que o professor tenha um papel de

orientador do estudo e não de um possuidor do saber, ou seja, não dá o saber, mas

orienta o saber, tornando um caminho dinâmico o da aprendizagem e não algo

estático que está restringido por alguém. Por isso mesmo “a sala de aula é entendida

como um laboratório que proporciona aprendizagens múltiplas em ambiente

cooperativo ou colaborativo onde todos aprendem de todos através da troca de

experiências motivada pela curiosidade de saber mais. Assim, estabelece uma nova

relação entre educador e educando, entre professor e aluno, mais próxima, mais

horizontal, mais personalizada. O aluno torna-se mais responsável pela sua

aprendizagem31 e pelo seu crescimento pessoal a par da aquisição de novos saberes,

valores, critérios, e atitudes que o ajudarão a construir a sua identidade única e

irrepetível. Estuda, não pelo medo ou pressão social, mas pelo prazer de aprender, de

crescer, saboreando interiormente as diferentes matérias na busca de novos

conhecimentos que o ajudarão a explicar e a compreender melhor o mundo em que

vive e habita.”32

3.1. Aplicação prática no contexto de estágio.

Uma das questões que me interpela enquanto docente, é a de como podemos

melhorar o ensino ajudando os nossos alunos a não serem apenas bons

academicamente, mas sendo motor para uma sociedade igualitária e mais justa.

Durante o estágio supervisionado reparei que a escola pode ser fundamental para uma

sociedade equilibrada e justa. A sala de aula e a diferença cultural e multicultural que

se vive nas nossas escolas, por um lado coloca novos desafios aos docentes por outro

pode ser cruel tanto para alunos como professores. Todos nós sabemos as múltiplas

30 LOPES, José (org), Repensar a Escola Hoje: o contributo dos jesuítas”, Ed. Aletheia, Braga, 2007, pg.

276

31

Ou deveria tornar-se mais responsável. Na verdade para mim esta é a parte mais desafiante de ser professor, em que o aluno não veja a escola ou a disciplina como algo que tem que ser e tem que fazer, mas como um desafio na aquisição de conhecimentos. Muitos problemas poderíamos levantar aqui, como por exemplo, a falta de interesse dos alunos, a quantidade de propostas extra aulas que lhes são colocadas, a problemática dos valores, etc. Independentemente destes aspectos, é um desafio quanto a mim válido e que responsabiliza o aluno num salutar crescimento.

(26)

problemáticas que afetam o mundo escolar destacando alguns exemplos: a carreira de

docente cada vez mais instável; os novos problemas que a escola tem que lidar,

abandono escolar, violência, problemas familiares, droga, etc.; o excesso de

burocracia, o aumento da carga horária, etc.

Sabendo que será impossível resolver todos estes problemas, como posso pelo

menos melhorar o que está à minha volta? Desde o final da minha licenciatura que

tenho dado conta, sobretudo no mundo saxónico, de novas correntes educativas que

vêm a escola como fundamento para uma educação integral. Ou seja, a educação não

é exclusivamente feita dentro da sala de aulas, mas dentro do complexo escolar, onde

o professor surge como modelo. A educação é feita através da presença, criando

referências aos alunos baseados nos professores. Claro que podemos colocar uma

pergunta de muito difícil resposta; será que os professores são só educadores dentro

da sala de aula, ou em qualquer espaço público que estejam?33

Podemos sempre contestar dizendo que a escola não tem o dever de ser mais

do que é, ou seja, um espaço educativo e que toda a outra componente pertence aos

pais. Contudo os dias de hoje mostram que um dos problemas das nossas escolas é

exatamente este, muitas vezes porque os pais trabalham de manhã à noite não

podendo acompanhar os seus filhos como gostariam. Por outro lado os filhos tem mais

educação escolar do que alguns pais, a imagem de uma sociedade onde tudo é

permitido, a super proteção dos pais em relação à escola (e que quase todos os dias

vemos nos jornais docentes agredidos pelos encarregados de educação, etc.). A escola

é garante não só de uma formação académica, mas muitas vezes como meio de

educação integral. Exemplo disso é que, cada vez mais a escola é chamada a intervir,

por exemplo na higiene pessoal dos alunos, ensinando-os a vestir a ter regras básicas

de higiene como tomar banho, lavar os dentes etc., a prevenir comportamentos de

risco ou mesmo denuncia-los caso o aluno sofra violência, etc.

Tendo em mente a Ratio Studiorum criei alguns momentos onde se pudesse

colocar em prática algumas estratégias pedagógicas, nomeadamente aquelas que para

33 Exemplo: Será lícito a um docente sair da escola, e mal saia dos portão da escola comece a fumar,

(27)

mim são o fundamento do documento inicial (que no meu entender é a cura

personalis), que consiste em apoiar e ajudar os alunos, ouvindo-os e

acompanhando-os no seu dia-a-dia com acompanhando-os seus problemas diáriacompanhando-os.

Na nova abordagem que os jesuítas fazem a Ratio Studiorum fazem um apelo a

uma inculturação “como professores, portanto, necessitamos de compreender o

mundo do aluno, incluindo os modos como família, amigos, companheiros, e costumes

juvenis assim como as pressões sócias, vida escolar, política, economia, religião, meios

de comunicação social, arte, música, e outras realidades tem impacto, naquele mundo

e afectam o aluno para o bem e para o mal. Na verdade, de tempos a tempos

deveríamos trabalhar empenhadamente com os alunos para reflectirem sobre as

realidades contextuais dos nossos mundos. Que forças actuam neles? Até que ponto

eles experimentam a influência dessas forças nas suas actitudes, valores e crenças e

modelam percepções, juízos e opções? Até que ponto as realidades do mundo afectam

o próprio modo como eles aprendem, ajudando a modelar os seus padrões de pensar

e agir? Que passos práticos eles podem e desejam das para alcançar maior liberdade e

controlo sobre o futuro?”34 Confrontado com este desafio, coloquei em prática alguns

princípios da Ratio através de quatro estratégias:

1) Tempo dos intervalos passado com os alunos,

2) Fim-de-semana multicultural,

3) Apoio escolar,

4) Visita de estudo.

3.1.1 Tempo dos intervalos passado com os alunos

Procurei durante este ano, fazer um esforço e sair da sala de professores

durante os intervalos para acompanhar os alunos no ambiente extra letivo. Na

realidade surgiram várias reflexões quando colocava em prática esta estratégia. Se por

um lado a presença era importante (pois descobria a sua linguagem do quotidiano

bem como os problemas que viviam no dia-a-dia e os desafios que tinham que

(28)

enfrentar), por outro a tensão de saber que os alunos precisam do seu espaço e da sua

liberdade ao mesmo tempo que eu precisava de descansar um pouco da sala de aula

foi uma constante. Na realidade num primeiro momento tentei ir ao encontro dos

alunos, mas devido a esta tensão comecei a utilizar outra abordagem que era a de

simplesmente passear no espaço recreativo, dando oportunidade, a quem queria, de

se aproximar. As reações foram muito positivas se bem que no início causava algum

espanto, pois os alunos não estavam habituados a ver o professor fora do contexto de

sala de aula ou de sala de professores.

3.2 Fim-de-semana Multicultural

3.2.1 Preparação do fim-de-semana

A prof. Estagiária Inês e eu resolvemos propor ao prof. Narciso (orientador do

estágio) uma atividade extra curricular com os alunos do décimo ano das nossas

turmas. O objetivo do fim-de-semana era trabalhar com eles as relações humanas e os

problemas ligados às diferenças raciais. Penso que o contexto escolar está muito

propenso a esta formação, pois os alunos têm de várias proveniências (se não na

primeira geração cá em Portugal, na segunda ou terceira). Ainda se nota uma grande

influência cultural dos países de origem. Assim, a ideia é que os alunos possam

partilhar as diferenças culturais, através de espaço de diálogo, de música, cultura,

ideias e por outro lado tentar perceber como é que eles interagem na sociedade

portuguesa, bem como as dificuldades que tiveram. Futuramente, caso o número seja

significativo, far-se-á um acompanhamento na escola.

Esse fim-de-semana vai realizar-se em Janas (conselho de Sintra). Realizar-se-ão

ainda atividades lúdicas e desportivas.

3.2.2. Fim-de-semana com os alunos

Saímos no sábado, da Escola Secundária Leal da Câmara por volta das nove

horas da manhã. Depois de uma curta viagem chegamos á casa de Janas propriedade

(29)

de explicação do funcionamento do fim-de-semana. De seguida foram entregues os

respetivos quartos e distribuídas as tarefas a realizar (cozinhar, limpar espaços, etc.)

Na primeira atividade da manhã, realizaram-se jogos de apresentação visto que

iam três turmas diferentes, duas de décimo e uma de décimo primeiro. Depois dos

jogos de apresentação, seguiu-se uma atividade intitulada “Ser diferente é…” onde os

participantes foram chamados a interagir em grupos formados na altura. Seguiu-se a

preparação do almoço por uma equipa. Depois do almoço houve um tempo para

descanso e depois fez-se uma caminhada de Janas à Praia das Maçãs. Na Praia das

Maçãs realizaram-se uma série de jogos, desde futebol, a jogos tradicionais e houve

um tempo informal de conversa. A meio da tarde regressámos a casa. Depois do

lanche fez-se um jogo intitulado “uma bandeira, uma música, uma cultura”. O jogo tinha como objetivo que as diferentes equipas tentassem obter o maior número de

pontos possivel através do adivinhar a que país pertencia aquela bandeira, qual a

capital desse país, quais as suas tradições.

Seguiu-se o jantar. Logo após o jantar foi apresentado um filme “América Proibida”, seguido de debate do mesmo, no qual foi possível ouvir os alunos sobre os problemas raciais que enfrentam no dia-a-dia. Seguidamente serviu-se um chá e foram

dormir.

No domingo de manhã, depois do pequeno-almoço realizou-se um jogo

apresentado por uma professora onde eram aprendidas diferentes danças de vários

países. De seguida houve uma atividade de grupos com vista à promoção da igualdade

entre todos. Depois almoçamos e de seguida procedeu-se às arrumações da casa. No

final de tudo houve tempo para uma avaliação dos alunos da atividade. Por volta das

dezasseis horas regressámos à Escola Leal da Câmara.

Gostava de salientar a avaliação extremamente positiva por parte dos alunos e

dos professores presentes e como este fim-de-semana foi importante para a chamada

de atenção e reflexão sobre as diferenças culturais existentes no nosso sistema de

ensino e como este tipo de atividades pode ajudar a promover mais igualdade entre

todos, bem como a desmistificar alguns dogmas que ainda se veem presentes no nosso

(30)

aprendizagem informal que deu muitos frutos, demonstrando que nem só em

contexto de sala de aula se pode aprender ou adquirir conhecimento.

Ficou muito presente a ideia da proximidade entre o docente e o discente e

como esta proximidade, comedida é claro, pode trazer grandes benefícios à educação.

Afinal não estamos a lidar com máquinas, mas com pessoas.

Apresenta-se em anexo o material de preparação bem como as circulares que

seguiram para os encarregados de educação, da proposta feita à escola por parte dos

estagiários e a avaliação dos alunos sobre o fim-de-semana.

Podemos ver que estas saídas eram muito importantes no próprio método de

ensino dos jesuítas. Começando com as famosas “casas de campo”35, um dia por

semana em que os professores saiam os alunos para uma visita de campo, onde

ensinavam os alunos a pôr em prática o que tinham aprendido nos colégios naquela

semana, também através da contemplação da natureza ou através de conversas e de

debates de um tema específico incentivavam os alunos a uma participação ativa e

responsável. Estas saídas permitiam um ambiente diferente e menos formal, onde a

aprendizagem se dava de uma forma menos estruturada, mas mais afetiva por parte

do aluno. Ao mesmo tempo exercitava-se o corpo, através de jogos e brincadeiras,

como proclama a própria máxima mens sana in corpore sanos.

Por outro lado, uma das características do ensino da Companhia de Jesus era a

realização de peças de teatro e musicas. Nos colégios, normalmente preparava-se

durante um ano inteiro uma peça de teatro que seria representada no final desse

mesmo ano. O objetivo era mostrar aos alunos a dimensão da representação, do saber

estar em público, da cultura, juntamente com exercício da memória e da criatividade.

Nesse sentido a música fazia parte da mesma formação integral dos alunos. O saber

ouvir, o saber ritmar ajudava o aluno a treinar competências importantes para a vida.

Durante o fim-de-semana tentámos colocar isto em prática, através de algumas peças

de teatro que os alunos idealizaram, bem como o despertar para os diferentes tipos de

música e de danças. Notou-se que os alunos estavam muito hesitantes, porque

culturalmente não estavam preparados para esta forma de exposição pública de

(31)

utilizar a criatividade e o improviso. Culturalmente deu para perceber quais as

referências que os alunos têm na sua vida, ao mesmo tempo que se via que a

criatividade não é exercitada na sala de aula, mas sim a reprodução exata dos

conteúdos dados pelo professor.

Outra característica fundamental deste fim-de-semana foi a da

responsabilidade. Estavam poucos professores para muitos alunos, cabia aos alunos

assumir um papel autónomo e responsável. O professor não tinha a seu cargo a

vigilância, mas as propostas de atividades durante o fim-de-semana, ou seja, os

tempos em que não havia nada era por conta de cada um, promovendo assim o

respeito por cada pessoa e pelo espaço público, bem como o diálogo entre cada um. A

responsabilidade foi ainda posta em prática nas pequenas tarefas que cada um tinha

que desempenhar, desde lavar a loiça, fazer almoços e jantares, arrumar mesa,

cozinhar, etc. Estas atividades permitiram aos alunos trabalhar a sua autonomia

3.3 Apoio Escolar

Habitualmente ia ao encontro dos alunos ou no recreio ou mesmo nos tempos

onde estes podiam tirar duvidas e esclarecia questões que muitas vezes não ficavam

explicadas na sala de aula. Este tempo informal, proporcionava que o estudante

estivesse mais à vontade, fora de um contexto de sala de aula fazendo com que se

libertasse mais para expôr as suas dúvidas. Uma outra vantagem é que nestes tempos

não estavam todos os alunos, só mesmo aqueles que queriam aprofundar mais os seus

conhecimentos, logo estes tempos decorriam num ritmo mais intenso de

esclarecimento de dúvidas da matéria e mesmo de temas que não eram referidos pelo

programa. Ou seja, levava o aluno para além do programa e específico da disciplina,

num interesse de conhecer mais.

Em sala de aulas, muitas vezes as questões não são levantadas por vergonha do

aluno. Fora deste contexto, a liberdade do aluno é maior. De certa forma é um dos

pontos aconselhado ao professor pela Ratio Studiorum, visto que a repetição e a

condução do aluno a uma busca interessada pelo saber, é fundamental. Além do mais,

(32)

Este tempo poderia ser visto como a tutoria ou acompanhamento individual do

aluno, onde este poderia estabelecer num espaço diferente e só com o professor um

diálogo de aprendizagem, que poderia ir além da mera matéria lecionada em sala de

aula.

3.4 Visita de Estudo

A visita de estudo contemplou uma ida ao teatro. A nossa ida ao teatro foi uma

tentativa de despertar os alunos para outro tipo de arte que não é tão comum no

meio: Fomos ver uma peça centrada nos escritos de Fernando Pessoa intitulada

“Verbo Pessoa”. Na dinâmica pedagógica jesuítica o teatro fazia parte, sobretudo, por causa da prática pedagógica do mestre de Retórica.

O teatro era usado pelos jesuítas para colocarem em prática uma série de

mecanismos didáticos, assente no jogo dramático, que fazia de teatro um lugar cénico

por natureza. Para os jesuítas o uso da palavra e o seu domínio era fundamental, por

isso mesmo tentavam que o aluno utilizasse todas as técnicas de comunicação

interpessoal e social.

Gostaria que o teatro se estendesse à sala de aula, onde os alunos seriam

atores e público em simultaneo, mas é impossível com o tempo de aulas dadas e por

vezes pela falta de interesse demonstrado por esta arte. Por exemplo a dimensão

teatral que se poderia aplicar às apresentações dos trabalhos dos alunos seria,

certamente uma mais-valia que ajudava o discente em não se centrar exclusivamente

no power point, onde coloca uma série de palavras-chave, mas sem sentido ou

algumas imagens, mas que não é capaz de produzir um discurso fluido e lógico do

pensamento da pessoa e por vezes não é suficiente para tirar as dúvidas aos alunos.

Por outro lado, a dimensão humanística que as peças de teatro trazem,

combatem o paradigma vigente do nosso sistema de ensino, em que só as ciências são

a arte suprema para onde vão os bons alunos. Para humanidades, nos dias de hoje,

vão aqueles que não são capazes para mais. “A valorização das humanidades como objecto de estudo tão importante como a filosofia e a teologia, por um lado; a

(33)

de retórica que libertava os estudos literários do primado da dialética e da filosofia e

se inspirava não só nos livros de Aristóteles mas também de Cícero e de Quintiliano, e

se torna obrigatória para todos quantos (estudantes e leigos) quisessem avançar nos

restantes saberes, foram factores que elevaram definitivamente o nível de todos os

estudos e tiveram como resultado a multiplicação de gerações de humanistas, em

todas as partes do mundo”36.

A ida ao teatro foi positiva, mas demonstrou que os alunos não estão

habituados a este tipo de arte. No início foi difícil só o simples parar e escutar a

mensagem transmitida pela peça. Fazendo a análise do com o fim-de-semana

multicultural, onde os alunos que foram tiveram oportunidade através de pequenos

sketch teatrais, de experimentar este tipo de arte, parece-me que conseguimos ajudar

a libertar os alunos não só de preconceitos, mas obrigando-o a enfrentar um público e

a estruturar ideias para apresentar a este mesmo público.

36 MIRANDA, Margarida, O teatro na proposta pedagógica dos Jesuítas, in Repensar a escola hoje: o

(34)

CONCLUSÃO

A elaboração desta tese não foi fácil para mim. Por um lado a dificuldade da

datação do tema, por outro o perceber que se quisesse aprofundar o tema teria

certamente muitas ideias para desenvolver. De certa forma a elaboração desta tese

reflete uma necessidade pessoal em ir ao encontro de um sistema educativo que

sempre me acompanhou enquanto aluno da Companhia de Jesus.

Uma das dificuldades que senti durante a elaboração da tese é que na Ratio

Studiorum esta implícita necessariamente a dimensão da fé. Então, como é possível

adaptar este método, com uma característica tão central, a um sistema de ensino

público laico, onde não se contempla esta dimensão?

Na realidade seria um bastante difícil, sobretudo pela multiplicidade étnica e

religiosa que existe no sistema de ensino em Portugal. Por outro lado, como tentei

mostrar que através da cura personalis, a atenção pessoal ao aluno é uma forma de

aproximação de métodos. Se o sistema jesuítico visa a promoção da fé, na escola

pública poderá passar pela transmissão de valores humanos. É verdade que mais

problemas se levantariam, por exemplo: quais ao valores a transmitir ao aluno? Será

que a própria visão pessoa do docente não influenciaria a transmissão desses valores?

Delors, no documento que citei anteriormente37, faz referência à necessidade

de que o homem precisa de se conhecer interiormente para atingir uma maturidade

equilibrada. Sem esta viagem ao interior a maturidade demorará a chegar, de fato

exigimos aos nossos jovens respostas cada vez mais cedo (que área de estudo

escolher, que profissão futura, que valores) quando estes amadurecem mais tarde.

Além desta dimensão do acompanhamento pessoal, Delors refere ainda a importância

da criatividade. Ora, no trabalho refiro algumas vezes a importância do teatro como

um meio privilegiado para a formação do aluno. Este método não é exclusivamente

jesuítico nem foram estes a introduzi-lo na educação. Já anteriormente existiam,

contudo servi-me deste exemplo como um dos métodos privilegiados dos jesuítas para

a transmissão de saber fundamentada na memória e na palavra, bem como na

importância de saber estar em público. Cada vez me apercebo mais que estas atitudes

(35)

estão a desaparecer no nosso ensino; cada vez mais os alunos utilizam das novas

tecnologias quando querem expôr um trabalho, limitando-se a ler o que lá escreveram,

tornando a apresentação monótona e sem expressão. A filosofia neste campo tem

muito que ensinar e que transmitir: em primeiro lugar ao nível da dimensão

argumentativa, em segundo a nível da importância de conteúdos a transmitir e em

terceiro lugar no campo da reflexão pessoal.

Ao longo da elaboração da tese, fui-me dando conta que a história de educação

foi sempre progressiva. À medida que o tempo passa é necessário adaptações. Refiro

no meu trabalho a importância da Czarina Catarina (a Grande) da Rússia para os

jesuítas, mas é uma mera referência histórica para mostrar porque é que o ensino dos

jesuítas nunca se perdeu e sempre se manteve em funcionamento, mesmo quando a

Companhia de Jesus foi suprimida pelo Papa Clemente XIV. Na realidade, mal a

Companhia quando foi restaurada pelo Papa Pio VI, automaticamente foi expulsa do

território Russo.

Este trabalho tentou mostrar sobretudo a minha prática de ensino na escola

pública, nunca antes tinha passado por esta realidade, pois toda a formação foi feita

no ensino privado. Portanto para mim foi um desafio e uma descoberta. Por outro lado

esta reflexão levou-me a questionar se o método jesuítico de ensino seria aplicável ao

mundo do ensino público.

Muitas vezes criamos um hiato demasiado grande entre o que é público e o que

é privado, entre o tipo de alunos que cada ensino tem, que antecedentes trazem para

a escola. Para mim foi uma surpresa muito agradável ver o trabalho que os professores

do ensino público fazem e ver que muitas vezes não é reconhecido. É verdade que são

chamados a enfrentarem uma série de desafios que o ensino privado não enfrenta,

mas isto não pode servir de desculpa para se fazer mais e melhor.

No meu entender a Ratio Studiorum poderia ser perfeitamente aplicável ao

ensino privado, se se terminasse com a burocracia excessiva que existe na escola de

forma a que o professor pudesse ser mais professor e menos funcionário burocrático.

Para mim o ponto central de todo o projeto educativo jesuítico centra-se na decisão

pessoal do aluno em querer uma boa educação. O aluno é o centro de todo o

(36)

que melhor se adapta a cada aluno. Ou seja, a educação deixa de ser de massas e

passa a requerer tempo individual, na realidade pode parecer o que defendo um

pouco utópico, na medida em que o nosso ensino esta cada vez mais longe deste

patamar.

Analisemos o que aconteceu este ano com o aumento do número de alunos

por sala de aula. Como é que um docente pode querer dar tempo individual a cada

aluno quando tem numa sala no mínimo trinta aluno, vezes as turmas em que leciona.

De certa forma este é um dos pontos fortes do ensino privado com o qual o ensino

público não pode concorrer.

Como último ponto da minha reflexão e como futuro professor de filosofia

sinto-me preocupado com o que se passa na escola, sobretudo com o descrédito que

algumas disciplinas vivem em relação a outras, particularmente as disciplinas de

caracter geral em relação às disciplinas técnicas e que é impulsionado pelo próprio

sistema educativo. Começa logo pelo peso que as disciplinas específicas têm sobre as

disciplinas gerais. Um exemplo disso foram os últimos exames nacionais (na primeira

fase) do ano passado onde todos os exames das disciplinas específicas decorreram da

parte da manhã e os exames de disciplinas gerais todos na parte da tarde. Por outro

lado o tipo de comentários que se ouvem quando um bom aluno abdica de ir para um

campo científico em detrimento de um campo geral.

Por outro lado apercebi-me de que existe uma dificuldade muito grande em

ajudar o aluno a fazer o seu caminho, coisa que a Ratio Studiorum defende. Os alunos

não se responsabilizam pela sua educação (vejamos a quantidade de cartas que tem de

ser enviadas quando um aluno não aparece na escola). No meu entender não

responsabiliza o aluno mas infantiliza-o. No mesmo nível, a complexidade de reter um

aluno, parece que quem falha é o professor, mesmo quando é o aluno que não faz

nada para aprender, ou seja, há quase uma garantia de sucesso, será que este é o

melhor método para lidar com a vida futura? O método onde se promove a

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