Cláudio de Araújo Ferreira
Aspectos Jurídicos dos Fundos de Investimentos sob a Ótica da
Governança Corporativa
MESTRADO EM DIREITO
Cláudio de Araújo Ferreira
Aspectos Jurídicos dos Fundos de Investimentos sob a Ótica da
Governança Corporativa
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Direito Comercial sob a orientação do Professor
Doutor Fábio Ulhoa Coelho.
Banca Examinadora
______________________________________
______________________________________
A Governança Corporativa é uma realidade na sociedade brasileira. O desafio passa
a ser a dosagem ideal entre proteção ao investidor e a liberdade do empreendedor,
de maneira que o espírito capitalista não seja prejudicado, criando um desincentivo á
atividade empresarial e ao mercado de capitais.
O objetivo do presente trabalho é percorrer o histórico da governança
corporativa no Brasil e no mundo e sua aplicação à realidade dos fundos de
investimentos. Vislumbrar a relação entre governança e capitalismo, o surgimento
das
Corporations,
as diferentes crises a que o sistema foi submetido e como se deu
a sua evolução diante deste quadro é o percurso a ser estudado, até chegar ao
conceito de governança corporativa nos dias atuais, inclusive levando-se em conta a
definição dada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Cotejar a
legislação pátria existente se faz necessário num primeiro momento para
compreender quais são as normas de adoção obrigatórias, dentre elas as expedidas
pela Comissão de Valores Mobiliários e pelo Banco Central do Brasil, bem como
para compreender os limites legais dos fundos de investimentos no Brasil. Por meio
da análise dos diversos tipos de fundos de investimentos existentes se esclarecerá
aspectos importantes tais como a administração, a gestão, as políticas de
investimentos e limites de concentração dentre outros. A escolha deste tema se
justifica devido à pequena bibliografia sobre o assunto, tendo em vista a recente
criação e evolução do mercado de fundos de investimentos no Brasil e a escassez
de decisões sobre o tema, bem como devido à grande relevância que estes veículos
de captação da poupança popular representam no Brasil e o seu potencial de
crescimento conforme observado em países com mercado de capitais mais
desenvolvidos como Estados Unidos e Inglaterra.
The aim of this work lays on working around the corporate governance
history in Brazil and worldwide, besides its application to investment´s funds world.
Catching a glimpse when it comes to mention the relationship between governance
and capitalism, Corporations upcoming, distinct recessions by which the system had
to pass through and how the evolution took place upon such scenario is exactly the
path to be studied here; up to the concept of corporate governance nowadays,
including taking into account the definition provided by the
Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa.
Comparing the existing domestic legislation is necessary in
first place in order to comprehend which are the mandatory rules and among them,
the ones issued by the
Comissão de Valores Mobiliários
and
Banco Central do
Brasil
, such as it is also to understand the legal limitations on Brazil´s investment
funds. By verifying the analysis of distinct types of funds of investments that are in
place today, it will be clarified some important aspects such as administration side,
management, investment policies and focusing limitations among other subjects.
Choosing such subject is well justified due to the small bibliography about it existing
nowadays, and also taking into account the upcoming creation and evolution of
investment funds in the Brazilian market besides the shortage of decision making
about it and the great relevance of such vehicles in getting the popular savings
representing Brazil and their chance to grow as verified in countries where the capital
markets, the ones the most developed as United Stated and England.
AGE - Assembleia Geral Extraordinária
ANBID - Associação Nacional do Bancos de Investimentos
ANBIMA - Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de
Capitais
ANCINE - Agência Nacional de Cinema
ANDIMA - Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro
BACEN - Banco Central do Brasil
BOVESPA - Bolsa de Valores de São Paulo
CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CEO -
Chief Executive Officer
(diretor presidente)
CFO -
Chief Financial Officer
(diretor financeiro)
CVM - Comissão de Valores Mobiliários
DFs - Demonstrações Financeiras
FIDC - Fundo de Investimento em Direitos Creditórios
FII - Fundo de Investimento Imobiliário
FIP - Fundo de Investimento em Participações
FMIEE - Fundos Mútos de Investimentos em Empresas Emergentes
IASC
- International Accounting Standards Committee
IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
IPO -
Initial Public Offering
(Oferta Pública Inicial)
NASDAQ -
National Association of Securities Dealers Automated Quotations
OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OPA - Oferta Públicas de Aquisição
S.As. - Sociedades Anônimas
SEC -
Securities and Exchange Commission
SOX -
Sarbanes-Oxley Act
SPE - Sociedade de Propósito Específico
ANEXO A
–
Lei 6.404/76 (Lei das S.As.)
113
ANEXO B
–
Lei 4.728/65
154
ANEXO C
–
Lei 6.385/76
167
ANEXO D
–
Instrução CVM 308
174
ANEXO E
–
Instrução CVM 356
182
ANEXO F
–
Instrução CVM 391
194
Anexo G
–
Instrução CVM 400
199
ANEXO H
–
Instrução CVM 409
215
ANEXO I
–
Instrução CVM 472
234
ANEXO J
–
Instrução CVM 476
244
ANEXO K
–
Ofício Circular CVM/SIN/04/2010
246
INTRODUÇÃO
14
1 CONTEXTO HISTÓRICO
18
1.1 Origem da Governança
18
1.2 Governança e Capitalismo
19
1.3
O surgimento das “Corporations” ou Sociedades Anônimas
21
1.4 A crise de 1929
24
1.5 O Mundo pós-crise
24
1.6 A Crise de 2008
25
1.7 A Crise de 2011
26
2 GOVERNANÇA CORPORATIVA NO MUNDO
27
2.1 Evolução
27
2.2 Modelos de Governança no Mundo
30
2.3 Grandes Escândalos
32
2.4
Sarbanes Oxley
- SOX
33
2.5 Definições atuais da expressão “Governança Corporativa” no mundo
e a definição do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa)
35
3 GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL
38
3.1 Histórico
38
3.2 Normas de adoção espontânea/obrigatórias
39
3.2.1 Lei das S.As.
40
3.2.2 CVM
42
3.2.3 Banco Central do Brasil
44
3.2.4 Os Níveis Diferenciados de Boas Práticas de Governança
Corporativa da BOVESPA
45
3.2.5 O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa
do IBGC
47
3.2.5.1. Propriedade
49
3.2.5.5. Conselho Fiscal
52
3.2.5.6. Conduta e Conflito de Interesses
53
3.3 A independência do Conselheiro de Administração
53
3.4 O Desafio da Sustentabilidade
56
4 ASPECTOS LEGAIS DOS FUNDOS DE INVESTIMENTOS NO BRASIL
58
4.1 Histórico
58
4.2 Natureza Jurídica dos Fundos de Investimentos
60
4.3 Aspectos Gerais
61
4.3.1 Legislação
61
4.3.2 Constituição
62
4.3.3 Distribuição das Cotas, Emissão, Resgate e Amortização
63
4.3.4 Administração
67
4.3.5 Gestão
70
4.3.6 Outros Prestadores de Serviços
71
4.3.7 Política de Investimentos e Limites de Concentração
71
4.3.8 Assembleia de Cotistas
72
4.4 Espécies de Fundos
72
4.4.1 Fundos 409
72
4. 4.1.1 Fundos de Investimentos em Ações
73
4.4.1.2 Fundos de Investimentos em Renda Fixa
73
4.4.1.3 Fundos de Investimentos Multimercado
73
4.4.1.4 Fundos de Investimentos Referenciados
74
4.4.1.5 Fundos 409 que investem no exterior
74
4.4.1.6 Fundos de Investimentos em Cotas de Fundos de
Investimentos
74
4.4.2 Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios
75
4.4.3 Fundos de Investimentos em Participações
75
4.4.4 Fundos de Investimentos Imobiliários
77
5.1 O legislador buscando a proteção ao investidor
81
5.2 Autorregulação – ANBIMA e os Códigos de Autorregulação
83
5.3 Fundos de Investimentos: semelhanças e diferenças com Sociedades
Anônimas
85
5.4 Acordos de Cotistas
88
5.5 Oferta Pública de Aquisição e
Tag Along
89
5.6 Cancelamento de Cotas e Amortização Parcial e Total Desproporcional
92
5.7 Direito de Retirada e Operações “Societárias”
93
5.8 Fato Relevante Versus Dever de Sigilo
94
5.9 A Soberania das decisões da assembleia geral de cotistas frente à
proteção aos cotistas minoritários e o administrador
94
5.10 Conflitos de Interesses
95
5.11 Comitê de Investimentos
97
5.12 Nome de Fundos e direito marcário
100
5.13 Insider Trading
100
5.14 Cotas em Tesouraria em Fundos de Investimentos
103
5.15 Informações e pedidos públicos de procuração para exercício do direito
de voto em assembleias
103
5.16 Restrição do Direito de Voto em Fundos de Investimentos
104
5.17 Fundos de Investimentos e o CADE
105
CONCLUSÃO
107
REFERÊNCIAS
109
INTRODUÇÃO
Embora existente há certo tempo, recentemente um tema ganhou espaço na
agenda de investidores, acionistas, executivos, profissionais do mercado financeiro e
da sociedade como um todo: a governança corporativa. A discussão deste tema se
acentuou após a ocorrência de alguns escândalos (a serem tratados ao longo do
presente trabalho), principalmente no mercado corporativo americano, que
colocaram em cheque toda a estrutura de direção, controle e relacionamentos entre
acionistas, executivos e pessoas físicas e jurídicas que de alguma forma se
relacionam/relacionavam com as
“
corporações
”
. Assim, os acionistas se atentaram
para as necessidades do estabelecimento de regras e normas de conduta que
buscassem garantir a segurança necessária contra abusos e desvios da diretoria
executiva das sociedades investidas, coibir a ineficiência dos Conselhos de
Administração, regular situações de conflito de interesses, entre outros, de forma a
permitir o crescimento de médio e longo prazo das sociedades, bem como o acesso
ao financiamento por meio do mercado de capitais (captação de poupança popular),
em se tratando de companhias abertas.
Neste sentido, Adam Smith, há mais de dois séculos atrás, afirmava que não
se pode esperar que os gestores de empresas cuidem do dinheiro de outras
pessoas da mesma forma como fariam com o seu. Em
“
The Wealth of Nations: An
Inquiry into the Nature and Causes
”
(1776), o sábio escocês, considerado pai da
economia moderna, não tratou diretamente do problema, mas lançou as bases para
que, passados dois séculos, se começasse a compreender mais profundamente as
questões relacionadas com propriedade e gestão.
1Com a internacionalização do comércio e a abertura da possibilidade de
realização de investimentos e captação de recursos junto a investidores de quase
todo o globo, passou a ser necessário o estabelecimento de diretrizes que
assegurassem a determinado investidor ou potencial investidor o acesso a
informações que obedecessem ao mínimo de princípios válidos para diversos
países/culturas, ou mesmo à adoção de práticas que protegessem seus
1
Conforme GIACOMETTI, Celso; ALVARES, Elismar; GUSSO, Eduardo.
investimentos e que mitigassem conflitos potencialmente existentes entre acionistas
e administradores das companhias (sendo que no caso de alguns países como
Brasil, por exemplo, onde as companhias possuem o capital pouco disperso, este
conflito se dá entre acionistas controladores e acionistas minoritários).
Um conceito novo que surge com as discussões atuais é o de
stakeholders,
2que fez com que a empresa passasse a ser olhada não apenas sob a ótica dos
acionistas ou de seus administradores, mas também sob a ótica de todas as partes
que com esta se relacionam, de forma a potencializar uma convivência harmoniosa,
respeitando ao máximo as diferenças de interesses existentes. É possível ainda
fazer um paralelo desta ideia com
o conceito de “
direito
da propriedade”
elaborado
pelo constitucionalismo brasileiro moderno, o qual é expressamente disposto na
Constituição Federal em seu artigo 5º, XXII, que estabelece a propriedade como um
direito fundamental. Expandindo este conceito (mas não se confundindo com o
mesmo) a Constituição Federal em seu artigo 170, III estabelece que a ordem
econômica tem por fim observar o princípio da “função social da propriedade”
, ou
seja, mais do que servir seus acionistas (no caso de empresas) estas devem servir à
sociedade. Fabio Konder Comparato corrobora com tal entendimento ao afirmar que
o
direito contemporâneo passou a reconhecer que todo o proprietário tem o dever
fundamental de atender à destinação social dos bens que lhe pertencem.
3E é
justamente à luz dessa consideração de propriedade como fonte de deveres
fundamentais que se deve entender a determinação constitucional de que ela
atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII). No mesmo sentido dispõem a
Constituição Italiana (art. 42, segunda alínea), e a Constituição Espanhola (art. 33,
2). Dentro desta concepção de função social da propriedade, em específico na sua
relação com as empresas, é que temas como sustentabilidade ganham grande
relevância, passando inclusive a ser considerados como um dos grandes desafios
da humanidade para o século XXI. Para muitos, a harmonia entre capitalismo e
sustentabilidade será um dos maiores desafios da humanidade dos tempos atuais,
que terá como principal agente as companhias. Como atores de grande relevância
2
Indivíduos ou entidades que assumam algum tipo de risco, direto ou indireto, em face da
no mundo, as companhias podem ser o “fiel da balança” na definição do destino das
próximas gerações.
Com o desenvolvimento do mercado de capitais mundial, outras formas de
captação de recursos foram desenvolvidas, em paralelo à existência das
companhias, dentre as quais, os fundos de investimentos, os clubes de
investimentos, os fundos de pensão, as fundações, endowments (fundações de
universidades, muito difundidos em países anglo saxões), condomínios, sociedades
de propósito específico, etc.
O objetivo do presente trabalho é tratar do conceito de governança
corporativa, sua evolução histórica, modelos adotados no Brasil e no mundo, em
especial, aplicando-o aos fundos de investimentos. Assim, ao longo do presente
trabalho serão abordados assuntos como o arcabouço jurídico dos fundos de
investimentos no Brasil, papel dos órgãos reguladores, papel dos
stakeholders
nos
fundos de investimentos, competência da assembleia de cotistas, administrador e
gestor, potenciais conflitos de interesses, etc. A principal ideia desta dissertação não
é compilar em um único trabalho as normas aplicáveis aos fundos de investimentos,
mas sim trazer à discussão o conceito de governança corporativa aplicada aos
fundos de investimentos que, embora no Brasil possuam a figura jurídica de
condomínio, em muito se assemelham às empresas. A este respeito ambos
possuem como órgão máximo deliberativo a assembleia geral de cotistas/acionistas,
sua “gestão” é realiza
da por terceiros que não necessariamente são os
acionistas/cotistas (administradores/gestores/diretores), seus documentos de
constituição e regulamento em muito se assemelham a documentos societários e
possuem como finalidade principal a valorização de seu patrimônio, sendo as
empresas por meio da realização da atividade empresarial e os fundos por meio da
realização de investimento de seus recursos, o que se assemelha em parte à
atividade empresarial, pois a organização do Fundo é semelhante à de uma
sociedade de participações
(
também conhecida como
holdings)
(como será
1 CONTEXTO HISTÓRICO
1.1 Origem da Governança
A primeira utilização conhecida do termo
governança corporativa
se deu em
1991, por R. Monks, nos Estados Unidos, sendo que o primeiro código de melhores
práticas foi publicado na Inglaterra somente em 1992, denominado
“
Cadbury
Report
”
. O primeiro livro com este título foi lançado em 1995, por R. Monks e N.
Minow, e a primeira iniciativa de um organismo multilateral para a difusão de boa
governança e seu impacto positivo sobre o crescimento ecomômico das nações
ocorreu em 1999, por meio de um trabalho denominado
“
Principles of corporate
governance
”
, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE)
–
grupo das trinta maiores economias industriais do mundo.
4Pode-se dizer que a origem da governança corporativa e sua evolução
acompanharam o desenvolvimento das companhias (e do capitalismo em si), que é
o centro da discussão, e conforme estas foram evoluindo e tendo suas
características alteradas, consequentemente o enfoque da governança corporativa
foi sendo alterado. Posteriormente, cada país/região desenvolveu suas
peculiaridades e tradições, mas, em linhas gerais, pode-se dizer que todos partiram
da mesma origem.
Vale ressaltar que o termo inicial do conceito de governança corporativa é
divergente na doutrina estudada, sendo que para muitos este tema passou a ser
discutido com o crash de 1929 (por meio da publicação do livro
“
The Modern
Corporation and Private Property
”
de autoria do professor da Universidade de
Harvard, Gardner C. Means, com a colaboração do professor da Columbia Business
School, Adolph Berle) e para outros, apenas em 1950 (época de conselhos
inoperantes e companhias com forte presença de um acionista controlador), fato
que, para o presente trabalho acaba se tornando irrelevante, pois da maneira como
se pretende desenvolver, importa apenas a compreensão de que a partir do
momento em que a atividade econômica passa a ser realizada de maneira coletiva é
4
ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal.
que nasce a governança, ou seja, enquanto conjunto de normas e princípios que
regem as relações entre sócios, gestores e
stakeholders
. O diferencial será o nível
de governança dentro de cada atividade econômica entre sócios, podendo ser “boa
governança”, péssima ou quase ausência e assim por diante, sendo que o próprio
conceito do que é “boa governança” poderá variar com o tempo e de país para país.
Ou seja, de certa forma, a ausência de governança ou boa governança, em si é uma
forma de governança (embora possa não proteger os interesses das partes
empreendedoras).
1.2 Governança e Capitalismo
Uma das grandes discussões do capitalismo é a sua própria definição. Há
diversas maneiras de se definir o capitalismo. Em geral, a maioria destas gira em
torno “do espírito capitalista”, ou seja, do homem enquanto empree
ndedor,
desbravador, capaz de buscar a riqueza e produzir acima de suas necessidades, um
ser ousado e corajoso, disposto a correr riscos para alcançar o prêmio capitalista, o
lucro. Dentre alguns dos autores que adotam definições similares pode-se citar W.
Sombart e Max Weber. Entretanto, não se pode deixar de citar a linha adotada por
Karl Marx, que foge da concepção acima e busca fazer uma crítica às formas que
assumiram as relações sociais entre as forças produtivas, convergindo para uma
concentração da propriedade, acumulação de retornos e o poder do capital em
detrimento da força de trabalho.
5Diversos fatores foram determinantes para a evolução do capitalismo, e
dependendo da ótica adotada, muitas divergências poderão ser encontradas. Dentre
estes se podem citar a ética calvinista, a doutrina liberal e a revolução industrial
como os mais abordados na academia. Assim, embora se considerando a existência
de outros fatores fundamentais para a evolução do capitalismo sob outros pontos de
vista, abaixo serão tratados apenas estes três fatores a fim de contextualizar o
presente trabalho, sem perder de vista, no entanto, que o tema mereceria maior
aprofundamento, podendo inclusive ser o tema central de uma dissertação ou tese.
5
ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal.
Na Idade Média, os princípios da acumulação de capital e ganho econômico
eram repugnados pela Igreja Católica. Entretanto, com a descoberta de colônias no
novo mundo e a efervescência mercantil, fez-se necessária uma nova concepção
religiosa que conciliasse o empreendedorismo com a vida espiritual, e neste
momento surgiu a doutrina de fé calvinista. Os Calvinistas pregavam uma vida
disciplinada, focada principalmente no trabalho e na diligência, o que seria um
indicativo de valor espiritual, diferentemente dos teólogos cristãos que viam na
atividade econômica e a busca da riqueza como coisas fúteis e vãs.
O segundo fator preponderante para a evolução do capitalismo veio com a
Revolução Liberal, ocorrida no século XVIII. Até então, as bases das atividades
econômicas eram ditadas por um estado regulador (fruto da ordem mercantilista), o
qual estabelecia seus limites e buscava direcionar seus rumos. Entretanto, tal visão
de estado foi colocada em cheque com a chegada de correntes de pensamento que
coincidiram com a Revolução Francesa e Guerra de Independência dos Estados
Unidos. Nesta mesma época, Adam Smith publicou
“
A Riqueza das Nações
”
, a qual,
em síntese, pregava a mão invisível do mercado (mínima interferência), uma vez que
a racionalidade do homem, as forças de mercado e a livre iniciativa se
encarregariam de buscar o interesse da sociedade, o que, no plano econômico,
juntamente com as ideias de outros pensadores liberais deu o suporte para a
construção das instituições do sistema capitalista e redução da interferência do
Estado na economia.
1.3 O surgimento das
“
Corporations
”
ou Sociedades Anônimas
Ao tratar do tema governança e sua evolução histórica se faz imprescindível
abordar o tema do surgimento das
“
corporations
”
(corporações) ou Sociedades
Anônimas, uma vez que a evolução do termo governança se deu com a evolução do
capitalismo, o que se tornou possível graças a este “aparato jurídico”, que
possibilitou que os capitalistas, de forma organizada e estruturada, viabilizassem
seus sonhos empreendedores e proporcionassem o mínimo de segurança àqueles
que desejassem financiá-los.
Os primeiros indícios de atividades econômicas organizadas remontam-se a
Roma por meio de entes personalizados, responsáveis pelo recolhimento dos
impostos.
6Na Baixa Idade Média, existem registros de associações de monges,
corporações de ofícios e associações marítimas com estruturas e organização
semelhantes às sociedades.
As companhias, para a maioria dos doutrinadores, possuem sua origem na
Idade Média. A criação das companhias licenciadas (associações marítimas), que
vendiam o excedente da produção das corporações de ofício
7para fora das
muralhas pode ser entendida como uma das origens das Sociedades Anônimas. As
mais conhecidas companhias foram a Companhia das Índias Orientais (de origem
britânica) e a Companhia Holandesa das Índias Orientais (de origem holandesa).
A Companhia das Índias Orientais, nascida em 1600, por licença concedida
pela Rainha Elizabeth I, é considerada a maior sociedade de comerciantes da
época, possuindo frotas imensas, detentora do monopólio do comércio com a Índia e
do chá oriundo da China. No começo do século XVII esta realizou duas captações
públicas por meio de emissões ações (provavelmente o primeior IPO
8da história)
captando 418 mil libras e 1,6 milhão de libras respectivamente,
nos seus “dois
primeiros IPOs”
.
6
SALOMÃO FILHO, Calixto.
Sociedade Anônima:
Interesse Público e Privado. Revista de
Direito Mercantil, São Paulo: Malheiros, v. 27, p.9, jul/set. 2002.
7
As corporações de ofício eram unidades coletivas de negócios difundidas no final da Idade
Média, por meio da qual as atividades artesãs e manufatureiras eram administradas, sendo
tais corporações responsáveis por estabelecer as regras de comércio, fixar os preços, definir
deveres e direitos, em síntese, regular a atividade produtiva destes setores.
8
Sigla inglesa para
Por sua vez, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, que recebeu
autorização para funcionar em 1602, controlava o comércio com os Países Baixos;
com a África, nas regiões do Cabo da Boa Esperança e do Trópico de Câncer; com
as Américas, chegando às regiões orientais de Nova Guiné. Esta é conhecida como
a primeira “sociedade” a ter suas ações transacionadas em uma bolsa regular, a
bolsa de Amsterdã, identificada pela sigla VOC, de
Vereenigde Oost-Indische
Compagne
, ou como “Dezessete”, pelo fato de ter sua diretoria 17 membros.
Um aspecto interessante destas companhias é que seus diretores investiam
parcela relevante do capital para os negócios e ainda assim todos os acionistas
possuiam o direito de voto nas assembleias. Na prática os conflitos se davam mais
com os governos, uma vez que estas passavam a ter grande importância no
comércio e rivalizar com o poder dos governos. Aos poucos estas companhias foram
se desintegrando, até que em 1874 o exército da Companhia das Índias Ocidentais
passou às ordens da Coroa Britânica e o famoso empreendimento desapareceu. A
Companhia Holandesa das Índias Orientais encontrou seu ocaso da mesma forma.
9Na Itália, por exemplo, na época do Renascimento, algumas cidades italianas
desenvolveram complexos mecanismos de financiamento da atividade estatal, que
se concretizavam pela emissão de títulos, cujo pagamento era garantido pela
arrecadação futura de tributos. Quando do início do século XV, a República de
Gênova empreendeu guerra contra Veneza, a fim de renegociar dívidas existentes e
levantar novos empréstimos. A associação de credores surgida na oportunidade,
denominada
Officium Procuratorum Sanct Georgi
(Casa de São Jorge), constitui-se
numa grande instituição financeira que operou até os primórdios do século XIX.
Esta, juntamente com as companhias licenciadas podem de certa forma ser
consideradas como a origem das sociedades anônimas, embora para autores como
Rubens Requião, a Casa de São Jorge se assemelharia mais a uma associação de
debenturistas por representar tão somente os interesses de credores e não uma
sociedade em si.
109
ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal.
Governança Corporativa: fundamentos,
desenvolvimentos e tendências.
São Paulo: Atlas S.A., 2009, p. 42.
10
REQUIÃO, Rubens.
Com relação às associações de monges, há autores que defendem a grande
influência do Direito Canônico na criação da personalidade jurídica, uma vez que na
época havia a ideia de que
os monastérios não pertenciam aos seus membros, mas a Deus. A
personalidade jurídica das corporações eclesiásticas dependia de um
ato da Igreja, o que foi transportado para as primeiras sociedades
anônimas que dependiam de ato formal dos Estados Nacionais para
serem constituídas.
11As primeiras sociedades anônimas foram criadas em um “Sistema de
Monopólio do Estado”, pois competia a este aut
orizar por meio de ato legislativo
(“carta”) a constituição das sociedades anônimas. Estas, via de regra, atuavam em
segmentos determinados pelos Estados haja vista seus interesses. Destas podiam
ser acionistas o Estado e pessoas físicas e jurídicas escolhidas por este. As
companhias pertenciam ao direito público e nessa época, definido a esta
impessoalidade, sugiram os alicerces
da conhecida “responsabilidade limitida”.
Com a Revolução Industrial, ganhou-se força a ideia da empresa privada
como mecanismo de captação de recursos para a captação da poupança pública.
Neste sentido, o Código Comercial Francês de 1807 foi um divisor de águas ao
alterar a estruturação de constituição das companhias de Monopólio do Estado para
um sistema via autorização administrativa do Estado, ou seja, ainda competia ao
Estado autorizar a constituição das Companhias, mas não mais pela via legislativa e
sim pela via administrativa. Adicionalmente, passou-se a prever a possibilidade de
criação de companhias destinadas a qualquer atividade e não mais àquelas
pre-determinadas pelo Estado. Alguns princípios passavam a ser vistos como pilares das
sociedades, como a responsabilidade limitada, por exemplo.
A primeira companhia constituída no Brasil foi o Banco do Brasil, em 1808,
por alvará do príncipe regente. O objetivo era arrecadar fundos para manter a
monarquia. Foi constituída prevendo a existência de ações circuláveis,
responsabilidade limitada, conselho de administração, diretoria, dividendos mínimos
e outras características existentes nas sociedades anônimas conhecidas hoje.
11
RIBEIRO, Milton Nassau.
1.4 A crise de 1929
Outro fator que pode ser visto como importante para a consolidação e
evolução das práticas de governança foi a crise de 1929. Nesta época, os Estados
Unidos, com a evolução do capitalismo viviam a euforia do progresso econômico
após o fim da Primeira Grande Guerra Mundial: o desemprego era próximo de zero,
as companhias possuiam seus papéis negociados em bolsa de valores e mostravam
uma valorização extraordinária (mais do que dobrando ano a ano), até que em 1929
este sistema não suportou um crescimento sem bases econômicas para tanto.
Em 29 de outubro de 1929 não foi registrada nenhuma ordem de compra, e a
corrida generalizada para vender os papéis fez com que as ações despencassem,
em alguns casos, muito abaixo do valor patrimonial das companhias, gerando
prejuízos irreparáveis. Nesta época, cerca de 85 mil empresas faliram e o Produto
Nacional Bruto caiu quase que para a metade em três anos. Tal feito se repetiu em
todo o ocidente.
Pode-se afirmar que o
crash
de 1929 foi o marco do fim do pensamento
idealizado por Adam Smith que se resume à mão invisível do mercado. Ao se buscar
compreender a crise, verifica-se que alguns fatores foram cruciais para a sua
ocorrência: houve uma euforia generalizada com a possibilidade de se obter ganhos
extraordinários nas bolsas de valores que fez com que a poupança popular fosse
sem prudência aplicada nos papéis de companhias, houve uma grande
concentração de renda e falta de mercado interno para consumir os produtos
produzidos pela indústria. Juntos, estes fatores criavam condições para que a crise
surgisse. Após a Crise de 1929, diversas medidas foram tomadas para evitar crises
semelhantes e muitas delas foram sementes das boas práticas de governança da
atualidade, como será visto abaixo.
1.5 O Mundo pós-crise
socialista implantando este regime na União Soviética e preconizando que o
socialismo não se sustentaria em um único país, ou seja, a revolução deveria ser
levada para todo o mundo, uma vez que capitalismo e socialismo seriam forças
antagônicas e não poderiam conviver.
Desta maneira, é possível definir que do sistema anterior deveriam ser
mantidos e assegurados a liberdade individual e de negócios, ou seja, a democracia
seria a forma de governo ideal, a privatização deveria ser vista como algo positivo, e
a busca pelo lucro permaneceria como o centro do sistema capitalista. Porém,
devido à crise, ganharam força valores como o interesse coletivo sobre o individual,
a intervenção do governo na economia
–
mas apenas de forma que esta fosse
guiada para promover o pleno emprego e equilíbrio macroeconômico
–
, mais a
regulação do Estado (aperto da política fiscal, etc.), e a busca de uma melhor
distribuição de riquezas. Assim, nos Estados Unidos surgiu a política conhecida
como o
New Deal
, idealizada pelo então presidente Franklin Roosevelt, que consistia
em reformas de maneira a recuperar a economia americana após a crise de 1929.
Em 1929, ano da crise, é criada a
Securities Exchange Commission
–
SEC
(Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos), uma possível resposta do
governo à crise, frente à pressão da opinião pública por maior controle do Estado
sobre as operações em bolsas de valores.
1.6 A Crise de 2008
Em 2008, após duas décadas de grande euforia com o
“
boom
”
do mercado
financeiro, o mundo presenciou a pior crise financeira depois da crise de 1929.
Conhecida mundialmente também como a crise do
“
subprime
”,
teve origem nos
Estados Unidos e se alastrou principalmente pela Europa, sendo que foi menor seu
impacto nos países conhecidos como emergentes (Brasil, China, Índia, etc.).
financiamentos emitindo títulos, os quais eram colocados no mercado financeiro de
capitais. De posse de novo dinheiro, fruto da securitização, os bancos concediam
novos empréstimos e este ciclo se repetia. Como a oferta de crédito era bastante
ampla e a possibilidade de realização de lucro pelos bancos com base neste tipo de
operação era muito grande, os bancos flexibilizaram a análise de crédito dos
adquirentes dos imóveis, tendo, como consequência, títulos emitidos no mercado
com pagadores em muitos casos de baixa qualidade e alto risco.
E como não poderia ser diferente, certo dia estes pagadores passaram a
inadimplir, isto é, deixaram de pagar os títulos e estes, que estavam na tesouraria de
bancos, na carteira de fundos de investimentos, passaram a gerar prejuízos sem
tamanho a seus detentores. Referida situação gerou a pior crise nos Estados Unidos
desde 1929 e se alastrou pela Europa e diversos países do mundo. Como dito
anteriormente, o Brasil, que já possuía uma estabilidade financeira fruto da política
do Banco Central do Brasil, da política econômica do governo anterior e uma
economia crescente, não foi tão afetado, embora a crise tenha sido percebida.
1.7 A Crise de 2011
2 GOVERNANÇA CORPORATIVA NO MUNDO
2.1 Evolução
Com o desenvolvimento do capitalismo e das Sociedades Anônimas,
começaram a ficar evidentes os potenciais conflitos que poderiam surgir dentro
destas sociedades, seja entre acionistas controladores e acionistas minoritários ou
entre acionistas e administradores (como já mencionado acima, segundo Adam
Smith, não se pode esperar que gestores de empresas cuidem do dinheiro dos
outros da mesma forma que fariam com o seu). Assim, com o passar dos anos
diversas práticas foram adotadas pelo mercado, seja por meio da adoção voluntária,
seja por meio da positivação destas práticas.
Como exemplo, em 1926 a regra de
“
um voto por ação
”
foi transformada em
lei e adotada pela
New York Exchange
(bolsa de valores de Nova Iorque). Antes, os
direitos de votos nas corporações eram baseados no
Common Law
, desta maneira,
cada pessoa tinha direito a um voto. Tal situação, com o passar do tempo se tornou
insustentável, uma vez que investidores ou potenciais investidores passaram a exigir
o direito de um voto por ação.
Neste sentido, algumas Sociedades Anônimas passaram a ter a figura de um
acionista controlador ou grupo de controle, uma vez que, quanto mais participação
este(s) investisse(m) nas sociedades, mais poderiam influenciar seu poder de
decisão. Por outro lado, em outras sociedades, verificou-se a dispersão da
propriedade, e cada vez mais o vínculo entre acionistas e gestores foi se rompendo.
“Neste momento,
a sociedade passa a ser dividida em parte, por essa separação
entre propriedade e controle, e também por um controle que está sendo exercido
mediante pequena parcela da propriedade
”
.
12O conceito de acionista controlador pode se tornar subjetivo em não havendo
acionista detentor de mais de 50% das ações com direito a voto. No Brasil, de
acordo com o artigo 116 da Lei das S.As.,
13acionista controlador é aquele que de
12
GIACOMETTI, Celso; ALVARES, Elismar; GUSSO, Eduardo.
Governança Corporativa
–
Um modelo brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 4.
modo permanente tenha poder de voto para atingir a maioria nas assembleias,
possibilitando-o dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos
da companhia. Segundo Fábio Ulhoa Coelho, a identificação do controlador, num
caso específico, é questão de fato, que deve levar em conta os pressupostos do
conceito legal, entre os quais o requisito de permanência (art. 116, a da lei das
S.As.):
O Banco Central, em 1976, estabeleceu que se considera
“permanente” a manifestação do poder de controle se o acionista
titulariza ações que lhe asseguram maioria absoluta de votos ou,
quando inexistente alguém nessa situação, se ele obteve a maioria,
nas três últimas assembléias gerais (Res. N. 401, item IV). O objeto
do preceito regulamentar era a alienação do poder de controle das
companhias abertas, a que se deveria proceder, por força do art. 25
da Lei das S.As, mediante oferta pública de aquisição de ações, com
prévia autorização da CVM, para assegurar tratamento paritário aos
demais acionistas. Em 1997, com a revogação do referido dispositivo
da lei acionária, é evidente que a norma infralegal, que o disciplina,
perde eficácia. O critério, contudo, continua pertinente: quem não
dispõe de ações correspondentes a mais da metade do capital com
direito a voto deve ser considerado controlador se, nas três últimas
assembléias, fez a maioria nas deliberações sociais.
14Neste mesmo sentido discorre Nelson Eizirik:
não será considerado acionista controlador, para os efeitos da Lei
das S.A. a pessoa que embora detendo quantidade de ações que,
em tese, lhe assegura a maioria dos votos nas assembléias gerais,
não utiliza efetivamente tal poder para impor sua vontade na
condução dos negócios sociais e na eleição da maioria dos
administradores.
15Pode-se dizer que os três grandes marcos históricos da governança
corporativa mundial foram o ativismo pioneiro de Robert Monks, O Relatório Cadbury
e os Princípios da OCDE. Embora alguns autores considerem outros marcos como
fundamentais, como, por exemplo, a crise
de 1929, a política conhecida como
New
Deal
ou os escândalos corporativos das décadas de 90 e 2000. Mas para efeitos
deste trabalho, serão aprofundados os três marcos mencionados acima.
14
COELHO, Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2: direito da empresa, 11ª edição,
São Paulo, Saraiva, 2008.
15
EIZIRIK, Nelson. Aquisição de controle minoritário. Inexigibilidade de oferta pública In
Robert Monks realizou estudos aprofundados sobre o “divórcio entre
propriedade e gestão” que desmembrou em diversas práticas (aproximação
entre
acionista e conselho, maior fiscalização, como forma de maximização de retorno aos
acionistas, etc.). Nascido em 1933, era advogado formado pela Universidade de
Harvard, filho de pais de classe média alta e alto nível intelectual; envolveu-se com
os negócios da família e ao longo de sua carreira logo percebeu a contradição
existente nas relações entre acionistas e gestores. Atuou fortemente na defesa dos
fundos de pensão (inclusive fazendo parte de órgão governamental responsável por
estes fundos) e reconheceu que os gestores destes fundos eram responsáveis pela
maximização de seus retornos e viu no ativismo uma forma de mudar a gestão das
empresas e seus retornos. Publicou diversos livros, entre eles “
Power and
Accountability”
(1992), por meio do qual trata da necessidade de monitoramento das
empresas e
“
Corporate Governance
”
(1995), um manual prático sobre as melhores
práticas de governança corporativa, a seu ver.
O Relatório Cadbury foi um Código de Boas Práticas de Governança
Corporativa, criado e divulgado em 1992 por um comitê estabelecido pelo Banco da
Inglaterra diante de grandes pressões exercidas pela sociedade e seus grupos de
influência para fazer frente aos abusos ocorridos no mundo corporativo inglês, onde
predominavam Conselhos ineficientes, com seus membros sem as devidas
competências, que dificultavam o exercício dos direitos dos acionistas minoritários e
os desrespeitavam. Os dois princípios basilares da governança abordados com
ênfase no código seriam “a prestação responsável de contas” e “a transparência”.
O outro marco histórico foi o estabelecimento dos “
Principles of Corporate
Governance
”
(Princípios em Governança Corporativa) em 1999 pela OCDE. A
OCDE,
“
Organization for Economic Co-operation and Development
”
(Organização
para Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), é uma organização
multilateral que congrega os trinta países industrializados mais desenvolvidos do
mundo. Esta organização via no assunto uma forma de as companhias e mercados
trabalharem de maneira harmônica entre si, beneficiando as nações e seus povos.
Em 2004 estes princípios foram revisados, e atualmente podem ser resumidos em:
(i) boas práticas de governança como pilar das ações da companhia; (ii) a
governança corporativa deve proteger os direitos dos acionistas; (iii) tratamento
equânime entre todos os acionistas; (iv) divulgação precisa de informações
relevantes ao mercado; (vi) definição de responsabilidades dos conselhos,
envolvendo orientação, fiscalização e prestação de contas das corporações.
2.2 Modelos de Governança no Mundo
É possível se constatar que não existe um modelo de governança universal
ou um conjunto de boas práticas que se aplica em qualquer parte do mundo ou em
qualquer companhia. Com o passar dos anos, cada país foi criando suas boas
práticas de governança. Assim, deverão ser levadas em consideração as bases
legais de cada país (
Common Law
ou Direito Civil, por exemplo), a forma de controle
das companhias, (se com capital pulverizado ou controle na mão de um ou poucos
investidores [bloco de controle], se, neste caso, o bloco de controle seria composto
por fundos de investimentos, famílias ou bancos), organização econômica de cada
país (empresas estatais, privadas ou de capital misto), comprometimento e cultura
do país com assuntos relacionados à sustentabilidade, estado laico ou religioso, etc.
De maneira resumida e de forma bastante simplicista, pode-se dizer que os
modelos de governança mais vistos no mundo são o modelo americano (anglo
saxão) e os modelos alemão e japonês (que muito se assemelham, mas possuem
algumas pequenas diferenças).
As forças externas de controle são bem atuantes no modelo anglo
saxão. Em primeiro lugar, o próprio mercado exerce pressão para a
adoção de melhores práticas de governança corporativa pelas
companhias. O desrespeito aos preceitos da boa governança,
constantemente monitorados por profissionais do mercado financeiro,
podem refletir em um mau desempenho do preço dos papéis da
companhia negociados em bolsa, o que, no limite, pode acarretar
aquisições hostis, com mudança de controle e substituição dos
gestores.
16Até o começo dos anos oitenta, o papel de presidente do Conselho de
Administração e CEO (
Chief Executive Officer,
diretor presidente) no modelo
americano era executado pela mesma pessoa, o que dificultava a separação entre o
lado estratégico do Conselho de Administração e o operacional da diretoria, o que foi
alterado nos últimos anos. Uma crítica que pode ser feita ao modelo americano é
que este está alinhado a uma visão imediatista e de curto prazo, visando à
maximização de retorno a seus acionistas apenas, e não considera a perenidade da
empresa.
O modelo japonês, por sua vez, possui a concentração do controle em bancos
(normalmente um banco), tendo como principais características o alto poder estatal
de interferência na economia e nas atividades das companhias, grande proximidade
entre a direção das empresas e membros do governo, o que tem gerado diversos
casos de corrupção e pouca liquidez do mercado de capitais.
Por último, o modelo alemão que possui o controle concentrado nas mãos de
bancos, mas que apresenta grande preocupação com os direitos dos
stakeholders
,
que em muitos momentos podem colidir com os interesses dos acionistas,
dificultando o acesso de capital junto ao mercado. Como exemplo, um grande
número de companhias possui como praxe ter o Conselho de Administração
composto por representantes de seus funcionários e sindicatos. Importante neste
ponto explicitar a questão dos dois níveis de Conselho: o Conselho de Supervisão
seria aquele composto principalmente por representantes dos empregados e o
Conselho de Diretores, pelos diretores. A crítica feita a este modelo é que as
decisões estratégicas ficam, em muitos casos, concentradas nas mãos dos
diretores.
16
BETARELLO, Flavio Campestrin.
Segundo Celso Giacometti,
o modelo latino americano, no qual o Brasil se enquadra, possui
semelhanças com os sistemas alemão e japonês. Apesar disso, é
marcado por formas distintas de mobilização de capital. Segundo
Scott (1997) e Carlsson (2001), são características desse modelo:
forte concentração da propriedade nas mãos de poucos acionistas;
alta concentração de poder nas mãos de um líder ou de uma
instituição específica; e participação direta do Estado nas empresas,
seja como proprietário, seja como regulador das atividades
produtivas.
17O que é importante frisar no modelo brasileiro (bastante semelhante ao
modelo de governança dos outros países latino americanos), que pode ser visto
como um quarto modelo, é que, diferentemente do modelo americano que nasce do
conflito de agências, o modelo brasileiro nasce do conflito entre acionistas
majoritários e minoritários, e da necessidade de criar uma atratividade ao público
investidor. No Brasil ainda é raro empresas de capital pulverizado, sem a figura do
controlador, embora já existam empresas como a Renner que possui o capital
pulverizado. Para Flavio Campestrin Betarello, o conflito entre acionistas majoritários
e acionistas minoritários é uma segunda espécie de conflito de agência, juntamente
com os potenciais conflitos entre acionistas e gestores.
182.3 Grandes Escândalos
Para alguns autores, como Flavio Campestrim Betarello, a origem das
discussões de governança se deu com o caso
Watergate,
em que, devido à falta de
monitoramento, diversas companhias contribuíram ilegalmente para campanhas
políticas e ofereceram suborno a membros da Administração Pública, o que resultou
na edição e publicação do
Foreign and Corrupt Practices Act
, de 1977, que criou
normas de controles internos para as companhias.
19Entretanto, foi no começo da
primeira década do século XXI que o mundo corporativo americano se deparou com
uma série de escândalos que fizeram com que o sistema adotado fosse colocado em
17
GIACOMETTI, Celso; ALVARES, Elismar; GUSSO, Eduardo.
Governança Corporativa
–
Um modelo brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 22.
18
BETARELLO, Flavio Campestrin.
Governança Corporativa:
Fundamentos Jurídicos e
Regulação. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 12.
cheque, criando, de certa forma, uma crise internacional de desconfiança sobre a
qualidade e veracidade das informações fornecidas ao mercado.
Os escândalos mais comentados foram: (i) o pedido de concordata da
Enron
(sétima maior companhia americana em 2001) que mostrou ao mundo que esta
havia escondido de seu balanço uma dívida de mais de 20 bilhões de dólares com a
complacência de uma das então maiores companhias de auditoria do mundo, a
Arthur Andersen
; (ii) os desvios contábeis da
Wordlcom
de cerca de 4 bilhões de
dólares para esconder suas perdas; (iii) a própria
Arthur Andersen
, por ter
participado do caso da
Enron
; (iv) inflagem no balanço da
Xerox,
contabilizando de
uma única vez vendas de equipamentos que seriam pagos no longo prazo; (v)
Adelphia
, que escondeu de seu balanço uma dívida de 2,3 bilhões. Adicionalmente,
a empresa emprestou 13 milhões de dólares para que seu CEO construísse um
campo de golfe. Neste caso, suas ações que chegaram a valer U$ 86 dólares cada,
despencaram para U$ 0,15 no dia em que seus fundadores foram presos, causando
um prejuízo de cerca de U$ 60 bilhões.
2.4
Sarbanes Oxley
- SOX
Após os escândalos mencionados acima,
20o Congresso americano reagiu
aprovando o
Sarbanes-Oxley Act
em 30 de julho de 2002, em seguida sancionada
pelo presidente George W. Bush. Com esta, foram trazidos novos padrões de
divulgação de informações, responsabilização dos executivos em diversas
circunstâncias, além de uma maior rigidez dos critérios de fiscalização. Com relação
aos executivos, estes passaram a ser pessoalmente responsáveis pela (i) correta
divulgação das demonstrações financeiras e sua adequação à legislação contábil;
(ii) obrigatoriedade de divulgação de informações relavantes; (iii) devolução de
bônus em caso de necessidade de republicação das demonstrações financeiras por
conduta dolosa; (iv) implementação de procedimentos de controles externos e
internos que favoreçam a divulgação de informações; (v) necessidade de se
observar as novas regras introduzidas ao Conselho Fiscal; (vi) proibição absoluta de
20
SILVA, Edson Cordeiro da. G
concessão de empréstimos aos administradores das companhias abertas; (vii)
obrigação de observar as novas regras referentes às empresas de auditoria; (viii)
obrigação de informar imediatamente quaisquer modificações nas posições
acionárias de administradores e acionistas detentores de mais de 10% do capital
social; e (ix) proibição de retaliação contra empregados que forneçam informações
ou ajudem em investigação sobre possíveis fraudes ou violações legais por parte
das companhias abertas.
A SOX, como também é conhecida, possui quatro pilares básicos:
“
compliance
”
,
“
accountability
”
,
“
disclosure
”
e
“
fairness
”
.
Como
compliance
, pode-se mencionar a necessidade de a companhia estar
em conformidade com a legislação vigente, ter práticas que busquem aprimorar seus
controles internos e externos, ter um código de ética, tratando de sua missão com
seus acionistas, funcionários e a sociedade, tratando de práticas de condutas a
serem adotadas por todos os seus funcionários e administradores, políticas internas
tratando sobre os mais variados temas, incluindo as hipóteses de conflitos de
interesses.
No que tange à
accountability
como já mencionado acima, os
administradores, no caso o CEO e o CFO (
Chief Financial Officer
, diretor financeiro),
devem: atestar a legitimidade das informações contábeis, revisar os relatórios
assegurando que não hajam falsas declarações ou omissões de fatos importantes;
atestar que as demonstrações foram expostas de maneira adequada à legislação
vigente; comunicar à auditoria interna e auditores quaisquer falhas encontradas nos
controles internos. Vale frisar que estes são responsáveis pela implantação de
controles internos, pelos seus desempenhos e avaliação de sua eficácia.
Adicionalmente, deve ser criado um Comitê de Auditoria, composto por conselheiros
que não sejam membros da diretoria e composto pelo menos por um especialista em
finanças, o qual será responsável principalmente pela aprovação dos serviços de
auditoria, análise dos relatórios e avaliação dos serviços prestados.
Já com relação ao
disclosure
, conhecido também como transparência, cita-se
comparada com outros
players
do mercado, atendimento de solicitação de
informações adicionais àquelas integrantes dos relatórios divulgados.
Por último, o princípio do
fairness
ou senso de justiça dispõe que todos os
acionistas devem ser tratados de maneira igual e terem seus direitos respeitados.
Para que uma empresa emita papéis no mercado americano esta deve se
adequar à SOX. Estima-se que os custos de adaptação girem em torno de U$ 3
milhões. A Sarbanes-Oxley Act pode ser vista como
uma regulação estatal para condutas anteriormente consideradas
como melhores práticas de governança corporativa facultativamente
adotadas. O diploma legal alçou inúmeras recomendações
anteriormente difundidas pelas iniciativas pioneiras de governança à
condição de normas prescritivas de comportamento, cuja violação
encontra-se sujeita a sanções estatais.
212.5
Definições atuais da expressão “Governança Corporativa” no mundo
e a
definição do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa)
22Como já dito ao longo do presente trabalho, não existe um único modelo de
governança que pode ser aplicado a todas as culturas, bem como a definição de
21
BETARELLO, Flavio Campestrin.
Governança Corporativa:
Fundamentos Jurídicos e
Regulação . São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 57.
22
Segundo definição do site www.ibgc.org.br
: “Fundado em 27 d
e setembro de 1995, o
governança pode se apresentar de diversas formas, seja como um conceito neutro,
ou mesmo como sinônimo de “boa governança”.
Conforme definições de Monks e Minow, a governança corporativa é uma
forma de assegurar direitos aos acionistas, enquanto que para o IBGC esta é um
sistema de relações entre os agentes das companhias, restringindo esta definição
para acionistas, conselhos, diretoria e auditoria. Não entram no mérito dos
stakeholders.
Já para Cadbury, a governança figura mais como estrutura de poder,
ou seja, como os mecanismos de poder das sociedades regem a tomada de
decisões, conforme definições abaixo:
Para Monks e Minow:
A governança corporativa trata do conjunto de leis e regulamentos
que visam: a) assegurar os direitos dos acionistas das empresas,
controladores ou minoritários; b) disponibilizar informações que
permitam aos acionistas acompanhar decisões empresariais
impactantes, avaliando o quanto elas interferem em seus direitos; c)
possibilitar aos diferentes públicos alcançados pelos atos das
empresas o emprego de instrumentos que assegurem a observância
de seus direitos; d) promover a interação dos acionistas, dos
conselhos de administração e da direção executiva das empresas.
23Por sua vez o IBGC considera que:
Governança Corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são
dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre
acionistas/cotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria
independente e conselho fiscal. As boas práticas de governança
corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade,
facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua perenidade.
24Para Cadbury:
A governança corporativa é o sistema e estrutura de poder que
regem os mecanismos através dos quais as companhias são
dirigidas e controladas. (...) A governança corporativa é expressa por
um sistema de valores que rege as organizações, em sua rede de
relações internas e externas. Ela, então, reflete os padrões da
companhia, os quais, por sua vez, refletem os padrões de
comportamento da sociedade.
2523
ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal.
Governança Corporativa
: fundamentos,
desenvolvimentos e tendências. São Paulo, Editora Atlas S.A., 2009, p. 138
.
Segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho,
Governança Corporativa é o movimento, nascido nos Estados Unidos
e no Reino Unido, em meados dos anos 1990, com o objetivo de
identificar e sistematizar as melhores práticas de gestão da empresa
e relacionamento com os acionistas. Este movimento repercute no
Brasil ao inspirar a formação do Novo Mercado da Bovespa, em
2000, e a reforma da Lei das S.As.
26Diante das definições dadas, é possível verificar que nenhuma considerou o
tema da sustentabilidade ou de
stakeholders
quando da definição de governança
corporativa, ou mesmo que nenhuma das definições se relacionou com as outras
linhas de definições.
Diante disto, arrisca-se a definir governança corporativa como sendo o
sistema de normas e práticas que regem as relações entre os acionistas
(majoritários e minoritários), membros do Conselho de Administração, Fiscal,
Auditoria, Diretoria, sociedade, prestadores de serviços, consumidores e clientes,
sociedade em geral e meio ambiente, de forma a buscar uma harmonia entre estas
partes, podendo estas estar refletidas na legislação de cada país, ser estabelecidas
por meio de autorregulação ou apenas como práticas a serem consideradas pelo
mercado.
26