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Timor-Leste e a catarse pós-colonial portuguesa

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Academic year: 2021

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TIMOR-LESTE E A CATARSE

1

PÓS-COLONIAL PORTUGUESA

Miguel Vale de Almeida

RESUMO

A violência desencadeada pela milícia pró-Indonésia no momento imediatamente posterior ao referendo em Timor-Leste provocou uma verdadeira catarse em Portugal, sua antiga metrópole, com manifestações de massa sem precedentes desde os eventos que sucederam à Revolução dos Cravos, em 1974. O autor discute o sentido desta mobilização tendo em vista o contexto português, a situação interna em Timor-Leste, a participação Indonésia e o contexto internaci-onal, procurando situar suas reflexões no debate mais amplo sobre colonialismo e pós-colonialismo.

Palavras-chave: Timor-Leste; Portugal; pós-colonialismo; nacionalismo.

SUMMARY

Violence triggered by pro-Indonesia militias just after East Timor referendum has caused a real catharsis in Portugal, its former metropolis, with mass demonstrations, unprecedented ever since the events following the Carnation Revolution, the 1974 military coup. The author discusses the meaning of this mobilization with a view to the Portuguese context, the internal situation of East Timor, the Indonesian participation, and the international scenario, seeking to focus his reflections on a broader debate about colonialism and post-colonialism.

Keywords: East Timor; Portugal;post-colonialism; nationalism.

O real é tão imaginado como o imaginário. Que a política balinesa,

tal como a de toda a gente, incluindo a nossa, era ação simbólica, não implica [...] que estivesse apenas na mente [...]. Os aspectos dessa política [...] configuravam uma realidade tão densa e imediata como a própria ilha (Geertz, 1991, p. 170).

No dia 30 de agosto de 1999 realizou-se, sob os auspícios da ONU e

com base no acordo assinado entre Portugal e a Indonésia, o referendo em

Timor-Leste. Em causa estava a aceitação ou rejeição da proposta de

autonomia especial no seio da Indonésia, sendo que a eventual rejeição

significaria o encetar de um processo conducente à independência. No dia

4 de setembro, em emissões televisivas simultâneas, o secretário-geral da

ONU, Kofi Annan, e o responsável pela Missão das Nações Unidas em

Timor-Leste (Unamet) em Díli anunciavam os resultados daquela que foi

considerada uma consulta legítima: aproximadamente 21% a favor da

(1) "s.f. (do Gr. Kátharsis). 1. Purgação; evacuação; puri-ficação. 2. Cerimônias religio-sas de purificação na Antigüi-dade. 3. Psicol. Prática psica-nalítica que pretende a cura do paciente mediante a exte-riorização por parte deste dos traumatismos recalcados, atra-vés da expressão verbal, do psicodrama" (Lexicoteca.

Mo-derno dicionário da língua portuguesa. Lisboa: Círculo de

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proposta e 79% contra. No dia seguinte o exército indonésio e as milícias pró-integração na Indonésia implementaram um p l a n o de destruição sistemática do território, l e v a n d o u m a parte da p o p u l a ç ã o à fuga para as montanhas, ao refúgio (voluntário e forçado) em Timor Ocidental e à morte pura e simples. Foi esta situação q u e deflagrou em Portugal um m o v i m e n t o cívico de p r o p o r ç õ e s n u n c a vistas d e s d e os t e m p o s da q u e d a da ditadura e do processo revolucionário de 1974-75. O m o v i m e n t o tinha um objetivo explícito: forçar o Conselho de Segurança da ONU, e especialmente os Estados Unidos, a intervir em Timor-Leste, a fim de garantir a legitimidade instituída p e l o referendo e p ô r cobro à violência. As características deste movimento — do p o n t o de vista dos seus implícitos e do seu processo — tornam-no um caso excepcional para refletir sobre o m o m e n t o pós-colonial e, mais especificamente, sobre as singularidades da realidade pós-colonial "em português".

1

O q u e a c o n t e c e u em Portugal em s e t e m b r o de 1999? Identifiquemos, sob a forma de u m a etnografia selvagem, os principais eventos2. Após u m a contextualização do caso timorense — indissociável de u m a contextualiza-ção das situações indonésia, portuguesa e internacional —, os eventos e o contexto serão analisados c o m vistas a traçar um q u a d r o da pós-coloniali-d a pós-coloniali-d e portuguesa3.

Q u a n d o c o m e ç o u o terror pró-integracionista, senti de imediato a mesma revolta q u e milhões de concidadãos. A primeira leitura parecia óbvia: c o m o era possível n ã o aceitar os resultados de um referendo s a n c i o n a d o pela c o m u n i d a d e internacional e no qual os timorenses haviam tão inequivocamente o p t a d o pela independência? A legitimidade democrá-tica era posta em causa e, desta feita, tal acontecia em relação a um p o v o distante, p o b r e , analfabeto, sofrido: a superioridade moral da democracia era-nos — a n ó s ocidentais, "inventores" dela — atirada à cara p o r aqueles q u e tantas vezes julgamos incapazes de s e q u e r a c o m p r e e n d e r e m . Os timorenses haviam n e g a d o , n a s urnas, esse pressuposto "orientalista". Por outro lado, senti a repulsa pela violência exercida p o r um exército de o c u p a ç ã o e p o r essa forma de p o d e r indefinida e incontrolável q u e são as milícias. Finalmente, estava e s p a n t a d o comigo próprio, pois s e m p r e havia sido cauteloso na forma de apoiar a "causa timorense", p o r achar q u e esta encerrava q u a s e s e m p r e ( e m Portugal e nos seus protagonistas) laivos de saudosismo colonialista.

O primeiro acontecimento de q u e me lembro — aquele q u e despertou a minha adesão à movimentação cívica — foi o dos "três minutos de silêncio", em 8 de setembro. Saí à rua p o u c o antes da hora marcada, esperando q u e n a d a acontecesse. Mas o m e u ceticismo (talvez m e s m o cinismo) foi contradito: às três da tarde em p o n t o , n u m bairro q u e n e m

(2) Por "etnografia selvagem" entendo uma descrição dos eventos marcada pela minha participação e observação nos e dos mesmos enquanto cida-dão empenhado, mas sem es-quecer a inevitável inclinação analítica que advém da minha profissão de antropólogo. O caráter "selvagem" prende-se também ao pouco distancia-mento temporal em face dos fatos e à não-prossecução de um projeto de pesquisa sobre o tema.

(3) Este texto assume a sua modéstia no que diz respeito a uma etnografia regional timo-rense, da qual não sou especi-alista.

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sequer é central, e onde, por isso, não se esperam performances públicas de

impacto, o trânsito parou e os condutores saíram dos carros. À minha volta as

lojas fechavam ou os empregados e clientes saíam para o passeio.

Transeun-tes paravam. Alguém grita "fascista!" para um carro que não pára. Por cima da

linha dos prédios, vejo o tabuleiro da ponte 25 de Abril com o trânsito

paralisado. Enquanto estive parado, no passeio, em silêncio, durante três

minutos, lembrei-me das imagens do Dia do Holocausto em Israel, em que

os cidadãos fazem exatamente o mesmo. Mas senti sobretudo uma emoção

nova: eu me identificava com todos os estranhos que à minha volta faziam o

mesmo que eu. Começava uma "communitas" onde antes eu só via uma

"societas".

O segundo episódio foi o do cordão humano, no mesmo dia. Um

grupo de jovens, ligados a associações estudantis, de solidariedade ao

Timor e outras, havia proposto um cordão humano que ligasse as

embai-xadas dos países com assento permanente no Conselho de Segurança da

ONU. Continuei cético: a distância entre a embaixada dos Estados Unidos,

em Sete Rios, e a da França, na Lapa-Madragoa, é enorme; maior ainda com

os desvios necessários para abarcar as embaixadas russa, britânica e

chinesa. O percurso total chegava a dez quilômetros. Como moro perto da

embaixada francesa, dirigi-me até lá. Para meu espanto, as imediações

estavam congestionadas de gente e as informações via rádio diziam que o

cordão humano não só estava completo como em muitas zonas se replicava

em camadas de dois, três e quatro cordões. Mais tarde, as imagens obtidas

pelos helicópteros das televisões confirmá-lo-iam.

O terceiro episódio fundador foi o do "vestir de branco", simultâneo

aos outros. Uma emissora de rádio lançou o apelo para que todas as

pessoas se vestissem com pelo menos uma peça de roupa branca, ou

colocassem panos brancos às janelas ou, ainda, fitas brancas nos

automó-veis. Nesse dia vesti-me de calças e camisa brancas. Saí à rua e — julgo que

numa atitude semelhante à dos outros transeuntes — fui verificando o que

os outros haviam feito. Não só nesse dia a mancha branca era visível nas

ruas como muitas casas ostentavam colchas e lençóis brancos nas janelas.

Silêncio, cordões humanos e a simbólica do branco tornar-se-iam

como que tropos recorrentes nas diversas manifestações e eventos que se

seguiram. A fórmula clássica do minuto de silêncio passou a ser uma

constante de todos os eventos públicos, quer fossem ou não "por Timor";

os cordões humanos, sob a forma de pequenas manifestações que se

juntavam ou se separavam de agrupamentos maiores; ou o branco com que

tudo começou a ser decorado. Os carros já não ostentavam apenas fitas

brancas, mas também pequenos cartazes de confecção caseira com frases

singelas: "Timor vive", "Salvem Timor", "Viva Timor Loro Sae" etc. Num

prédio de escritórios fronteiro à embaixada dos Estados Unidos, longos

rolos de papel de impressão contínua para computador pendiam de alturas

de quinze ou mais andares.

Um quarto episódio — em que não participei — foi a manifestação em

Madri no dia 12 de setembro. Como Portugal não tem relações diplomáticas

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com a Indonésia, a e m b a i x a d a deste país mais próxima de Lisboa está na capital espanhola. A partir de u m a sugestão de autarcas da região do Porto foi c o n v o c a d a u m a manifestação frente a essa embaixada, t e n d o sido fretados autocarros e oferecido um c o m b o i o pela e m p r e s a d o s caminhos de ferro. Esta manifestação foi a primeira a realizar-se fora do território nacional, a p r o v e i t a n d o a liberdade de circulação no e s p a ç o da União Européia e internacionalizando assim o m o v i m e n t o de u m a forma q u e teria sido impensável há anos. Da circunstância casual de a embaixada indonésia estar na capital do rival simbólico da nacionalidade portuguesa n ã o se p o d e tecer mais d o q u e u m a e s p e c u l a ç ã o . . .

O quinto episódio foi a r e c e p ç ã o ao bispo Ximenes Belo no dia 10 de setembro. O bispo de Díli p a r o u em Lisboa a c a m i n h o do Vaticano. O objetivo da sua visita no dia da c h e g a d a era a celebração de u m a missa na igreja d o s salesianos, m a s o trajeto entre o a e r o p o r t o e a igreja transformou-se n u m a manifestação gigante. Por esta altura já transformou-se previa q u e tal acontecesse, p e l o q u e o b i s p o seguia n u m carro de tejadilho aberto, a c o m p a n h a d o p o r seguranças e c o m forças policiais abrindo c a m i n h o . O q u e n ã o se esperava era a rapidez e e s p o n t a n e i d a d e da formação do cordão h u m a n o q u e se estabeleceu ao longo de t o d o o percurso. Num m i n u t o u m a esquina de rua estava vazia e no outro havia gente q u e chegava de todo lado, saindo das casas, escritórios, autocarros.

No m e s m o dia s o u b e - s e q u e o presidente indonésio, Habibie, havia aceito u m a força internacional de intervenção em Timor-Leste, e nos dias 18 e 19 esta começava a chegar a Díli. A partir daqui o m o v i m e n t o diminuiu progressivamente, até q u e , p o u c o s dias antes das eleições legislativas portuguesas de 10 de o u t u b r o — e coincidindo c o m a morte da fadista e ícone nacional Amália Rodrigues —, o tema de Timor regressou para o seu reduto n a s páginas dos jornais.

2

As formas de manifestação assumiram três vertentes recorrentes e sobrepostas: as manifestações e concentrações p r o p r i a m e n t e ditas, as

performances e s p o n t â n e a s e o p a p e l de catalisador jogado pela mídia.

Q u a n t o às primeiras, dois locais privilegiados rapidamente se estabelece-ram: a e m b a i x a d a dos Estados Unidos e a zona fronteira à d e l e g a ç ã o da ONU. Ao longo d o s dias, os g r u p o s de manifestantes viviam u m a autêntica itinerância entre as d u a s , q u a n d o n ã o havia u m a manifestação c o n v o -cada q u e claramente unisse os dois locais. Se no caso da embaixada americana a localização era em si t u d o , no s e g u n d o caso o simbolismo era mais sofisticado. Acontece q u e a delegação da ONU é u m a simples sala alugada no Hotel Sheraton, o edifício mais alto de Lisboa. Nada no exterior do p r é d i o assinala a delegação, n u n c a se s o u b e qual a janela c o r r e s p o n d e n t e ao gabinete e n u n c a alguém assomou a ela. Com isto

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q u e r o dizer q u e as manifestações se fizeram virtualmente em frente da delegação da ONU mas realmente em frente do Sheraton, talvez um dos símbolos universais da globalização capitalista americana. Para mais, a zona fronteiriça a esse hotel é u m a espécie de encruzilhada de ruas q u e n ã o chega a constituir u m a praça. Aliás, n ã o tem n o m e , a n ã o ser a q u e l e q u e os manifestantes lhe i m p u s e r a m c o m placas improvisadas: "Praça Timor Loro Sae". A apropriação do e s p a ç o u r b a n o passou, pois, pela criação toponímica4.

Cedo esta "praça" se tornou o centro dos eventos. Em q u a l q u e r m o m e n t o do dia havia ali pessoas, a u m e n t a n d o os contingentes ao fim da tarde. Um hábito se estabeleceu: começar a noite ali e, mais tarde, seguir para a e m b a i x a d a americana. Em frente do Sheraton instalou-se um autêntico a c a m p a m e n t o o n d e algumas pessoas faziam greve da fome e outras iam d e i x a n d o recordações e ex-votos: cartazes, pinturas no chão, velas acesas, cruzes, até se ter formado um autêntico altar caótico no chão. Por ali p a s s a v a m figuras públicas, representações de grupos organi-zados, até m e s m o pessoas q u e , c o m o eu, iam ali p o r s a b e r e m p o d e r encontrar alguém c o n h e c i d o ou amigo, a c a b a n d o p o r prolongar a estada, cancelando compromissos, c h e g a n d o a casa mais tarde. Na avenida adjacente, os carros g a n h a r a m o hábito de apitar. Em certos m o m e n t o s chegavam os motards em manifestação ruidosa. Subitamente, p e q u e n a s manifestações vindas de n e n h u r e s juntavam-se na praça. Num contraflu-xo, g r u p o s de manifestantes saíam da praça, entravam na avenida, entu-piam o trânsito, q u e , em vez de protestar, explodia em buzinadelas de apoio, e desapareciam. Para onde? N ã o se sabia. A e s p o n t a n e i d a d e passou a ser a tônica d o m i n a n t e , talvez só ultrapassada pela constante surpresa em relação à c o m p o s i ç ã o social dos passeantes e manifestantes: pessoas de e s q u e r d a e de direita, laicos e católicos, mais mulheres do q u e seria de esperar, muitas crianças e jovens. As manifestações tornavam-se nacionais. Além disso, comentava-se q u e muita gente saía à rua pela primeira vez. Saíam do hábito de só caminhar pelos centros comerciais, ou estavam na primeira manifestação das suas vidas. Até as pessoas habituadas a só circular de carro faziam a concessão de itinerarem pela cidade b u z i n a n d o n o s p o n t o s simbólicos ou o n d e encontrassem manifes-tantes. A sensação de q u e "o p o v o estava a sair à rua" era acentuada p e l o fato de ali, ao l o n g o d a q u e l e s dias, eu e tantos outros termos e n c o n t r a d o muitos velhos c o n h e c i d o s , colegas de liceu q u e n ã o víamos havia vinte anos — e todos d e m o n s t r a n d o a m e s m a surpresa por esse reencontro i n e s p e r a d o .

As manifestações incluíam performances e s p o n t â n e a s , mas estas aconteciam t a m b é m n o u t r o s contextos. A utilização da cor branca aconte-ceu para lá do dia do "vestir de branco". Passou a ser a cor da p r a x e para eventos em q u e Timor fosse o tema; a exposição de p a n o s b r a n c o s às janelas p r o l o n g o u - s e p o r muitos dias; surgiram lacinhos brancos nas lapelas, n u m a óbvia e m u l a ç ã o do lacinho v e r m e l h o da luta contra a sida; e os carros ostentavam os cartazes atrás referidos. Nos locais de manifestação

(4) Também se propôs que a Av. dos Estados Unidos pas-sasse a chamar-se Av. de Ti-mor Loro Sae.

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d e s e n h a v a m - s e c o n t o r n o s d e c o r p o s h u m a n o s n o asfalto, s o b r e o s quais s e colocavam velas, e muitas vezes as pessoas ofereciam-se c o m o modelos, q u a n d o n ã o m e s m o as suas crianças, c o m o q u e as sacrificando e sacralizan-do nesse ato. A tradição das pinturas murais, perdida d e s d e 1976, t a m b é m foi restaurada. Ao p a s s a r e m em frente do Sheraton ou da embaixada americana, os c o n d u t o r e s b u z i n a v a m de forma ensurdecedora. E um dia, no eixo Norte-Sul, u m a espécie de auto-estrada de distribuição do trânsito de periferia, um g r u p o de jovens o c u p a v a a faixa c o m cartazes p e d i n d o q u e se buzinasse p o r Timor. A única reação dos automobilistas, n o r m a l m e n t e estressados c o m o trânsito lisboeta, era buzinar e aplaudir os jovens. Por todo o país as ações multiplicaram-se: l a n ç a m e n t o de b a r q u i n h o s c o m velas no m a r e rios, abertura de contas de solidariedade para ajuda humanitária e pela reconstrução de Timor. J u n t a n d o - s e aos eventos, a Câmara Municipal de Lisboa cobriu os principais m o n u m e n t o s — desta feita de negro —, alterando as p e r c e p ç õ e s quotidianas da cidade, instaurando o luto nos marcos da memória coletiva e t o r n a n d o os p o d e r e s políticos em aliados d o s manifestantes.

O p a p e l d o s meios de c o m u n i c a ç ã o de massa na mobilização p o p u l a r atingiu u m a p r o p o r ç ã o n u n c a imaginada. Aqui há q u e considerar duas vertentes: a da c a p a c i d a d e de mobilização p r o p r i a m e n t e dita e a concentra-ção da informaconcentra-ção no caso timorense, dividindo-se esta última em duas questões fulcrais: a da criação de acontecimento e a da auto-estima lusocêntrica ( c o m u m a praticamente toda a movimentação). A g r a n d e mobilização n ã o resultou tanto da atividade das televisões, c o m o se esperaria n u m contexto c o n t e m p o r â n e o , mas sim das rádios. Vocacionada para o contexto u r b a n o e a s o c i e d a d e do automóvel, a rádio conseguiu dar informações c o m mais rapidez, transmiti-las n o s carros e rádios transistores e cumprir um p a p e l evocativo (através da voz e da linguagem) mais mobilizador do imaginário do q u e a TV. A estação privada TSF transformou-se n u m autêntico diretório político. Suas emissões passaram a transformou-ser dedicadas exclusivamente à situação em Timor e à mobilização nacional, c a n c e l a n d o até m e s m o os anúncios publicitários. Instituiu u m a fórmula encantatória q u e p e r d u r o u até 10 de o u t u b r o : antes dos noticiários, de meia em meia hora, podia-se ouvir a frase "são d e z horas no continente, m e n o s u m a n o s Açores e cinco da tarde em Díli", assim transformando u m a usual frase informativa n u m statement. Mas a a m b i g ü i d a d e desta afirmação (incluindo Timor em Portugal, mas fazendoo c o m um intuito solidário p r ó i n d e p e n -dência) sintetiza a a m b i g ü i d a d e de t o d o o processo, q u e r nos dias da mobilização cívica, q u e r no q u a d r o mais geral da questão timorense para a reconfiguração pós-colonial portuguesa: n u n c a se sabe o n d e está a fronteira entre a solidariedade c o m Timor e a inclusão deste n u m a "portugalidade" transnacional ou m e s m o neocolonial. Mas esta é u m a questão de fundo para o final do texto.

A meio c a m i n h o entre o t ó p i c o da e s p o n t a n e i d a d e das iniciativas e a utilização da mídia estiveram veículos de mobilização q u e foram pela primeira vez utilizados em Portugal de forma massiva: o correio eletrônico

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e a Internet. Se nas manifestações circulavam as mais variadas petições; se nos meios de c o m u n i c a ç ã o social circulavam apelos a depósitos em contas de solidariedade; e se toda espécie de organizações (de escolas a empresas, de órgãos da Igreja a partidos políticos) p r o p ô s iniciativas, entrega de dias de salário, de g ê n e r o s etc., foi p o r meio da Internet q u e se enviaram m e n s a g e n s q u e p r o m o v e r a m a solidariedade internacional e o maior n ú m e r o de petições. Recordo-me, p o r e x e m p l o , do dia em q u e a Portugal Telecom teve de a u m e n t a r o n ú m e r o de linhas para permitir o envio grátis de m e n s a g e n s à ONU, a qual terá ficado c o m as suas comunicações entupidas. E nos sites nacionais era muito fácil encontrar links diretos para a Casa Branca e outras instituições.

Durante dias, os p o r t u g u e s e s ou participavam de formas e s p o n t â n e a s e individuais de demonstrar sua solidariedade c o m Timor e sua revolta c o m a passividade da " c o m u n i d a d e internacional" ou prestavam a t e n ç ã o aos relatos da mídia sobre os eventos em Timor, nos lugares de decisão internacionais e em Portugal. Entretanto, aproximavam-se as eleições legislativas de 10 de o u t u b r o e o início da respectiva c a m p a n h a eleitoral. Cedo se estabeleceu c o m o q u e um código de c o n d u t a e u m a interpretação da realidade — ao m e s m o t e m p o . Por um lado, Timor n ã o poderia ser aproveitado para a o b t e n ç ã o de lucros político-partidários e eleitorais. Por outro, passou-se a m e n s a g e m de q u e haveria um c o n s e n s o nacional q u e ultrapassava divergências. Em relação ao primeiro aspecto, o p o n t o alto terá sido o p e d i d o formulado p e l o líder do principal partido da oposição, o Partido Social-democrata (de centro-direita), no sentido de se adiar a data das eleições. Embora o p e d i d o t e n h a sido r e c u s a d o p e l o presidente da República, veio estabelecer claramente q u e a causa timorense seria p o r natureza "pura" e a a d e s ã o a ela purificadora, ao passo q u e o exercício da política conspurcá-la-ia e, em última instância, denotaria a natureza "impu-ra" da própria política. Esta lógica havia de q u a l q u e r m o d o p e n e t r a d o t a m b é m na imprensa, o n d e se evitava a publicação de artigos q u e criticassem o m o v i m e n t o cívico p o r possuir eventuais subtextos nacionalis-tas. E as próprias consciências individuais — b e m c o m o os diretórios partidários — se autocensuravam.

Em relação ao "consenso nacional", este t r o p o foi largamente publi-citado pelos órgãos do poder, e as instituições civis ou de o p o s i ç ã o política n ã o p u d e r a m s e n ã o subscrevê-lo. Este fato teria efeitos na mídia, q u e assim a u m e n t o u sua c o n c e n t r a ç ã o em Timor e no movimento cívico, b e m c o m o nos próprios cidadãos: tornou-se i n c o m o d a m e n t e c o m u m para pessoas c o m o eu ouvir o h i n o nacional ser cantado nas manifestações, p o r e x e m p l o , ou assistir, em alguns segmentos, à diabolização do p o v o indonésio ou a apelos à intervenção militar portuguesa.

Igualmente, os políticos e altos dignitários mostraram aos portugueses u m a face q u e estes d e s c o n h e c i a m : a q u e b r a do protocolo e o aflorar das e m o ç õ e s em virtude da emergência das circunstâncias. Das lágrimas do presidente da República às manifestações — na TV — de revolta ou irritação p o r parte d o s diplomatas q u e em Nova York pressionavam o

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Conselho de Segurança. Talvez a e p í t o m e tenha sido a figura de Ana Gomes, da seção de interesses de Portugal na Indonésia, q u e os portu-gueses se habituaram a ver na TV irritando-se, revoltando-se, emocio-nando-se. Lá, na b o c a do inimigo, vociferando contra ele, ela c o n d e n s o u a imagem de u m a feminilidade m o r a l m e n t e intransigente e c a p a z de transmi-tir u m a g r a n d e ternura e intimidade c o m Xanana G u s m ã o , ao visitá-lo na prisão ou ao acolhê-lo q u a n d o da sua libertação, em 7 de setembro.

Outra q u e s t ã o é a q u e se p r e n d e c o m os c o n t e ú d o s das m e n s a g e n s passadas durante os eventos. Toda a movimentação, até p e l o seu caráter de criadora de c o n s e n s o s , concentrou-se na exigência da intervenção da ONU em Timor-Leste e na a c u s a ç ã o de passividade p o r parte da "comu-nidade internacional" e seus p o d e r e s reais: os Estados Unidos sobretudo, mas t a m b é m os outros m e m b r o s p e r m a n e n t e s do Conselho de Segurança. Por outro lado, os dirigentes políticos e militares indonésios foram eleitos em figuras diabolizadas: Habibie, Alatas, Wiranto. Clinton, p o r sua vez, foi eleito em figura de o p r ó b r i o e derrisão: p o r um lado, a c o m p a r a ç ã o da situação c o m a da intervenção no Kosovo n ã o p o d e r i a deixar de ser feita (ilegítima para muitos e à m a r g e m da ONU, versus u m a intervenção em Timor q u e mais n ã o seria do q u e a continuação da legitimidade da Unamet); p o r outro, ridicularizava-se sua figura e sexualidade, e v o c a n d o o caso Monica Lewinski. Mas em todos os eventos p e r p a s s o u a sensação de q u e , tanto ou mais do q u e a exigência da intervenção ou a contestação da "nova o r d e m mundial", se demonstravam u m a forte afetividade solidá-ria c o m o sofrimento d o s timorenses, u m a catarse nacional em torno da colonização/descolonização e u m a reconfiguração da identidade nacional por meio de n o v o s processos políticos de participação.

Ficam p o r referir algumas questões q u e completam o check list de u m a etnografia selvagem. Em primeiro lugar, de q u e m partia a iniciativa dos eventos? Embora g r a n d e parte da resposta esteja contida na descrição anterior, é b o m lembrar q u e os atores explícitos das c o n v o c a ç õ e s foram s e m p r e associações cívicas, ONGs, sindicatos, associações de estudantes. A Igreja, s e m p r e associada a um s e g m e n t o importante da "causa timoren-se" nos últimos anos, m a n t e v e um perfil mais baixo do q u e se esperaria. Os órgãos governamentais foram ultrapassados pelas próprias iniciativas cidadãs. E os partidos políticos tiveram o c u i d a d o de n ã o se transforma-rem em protagonistas, e m b o r a se especulasse, alguns dias antes e depois das eleições, sobre q u e m ganharia ou perderia c o m a mobilização. Pode-se dizer q u e , à parte u m a g r a n d e d o s e de e s p o n t a n e i d a d e , própria de u m a situação de efervescência, h o u v e u m a capacidade condutora p o r parte da comunicação social e um "trabalho de base" p o r parte de organizações e ativistas q u e , e m b o r a engajados em formas de associativismo apartidárias, estão de alguma forma ligados a partidos políticos.

E, finalmente, quais os recursos simbólicos mobilizados? Além d o s já referidos, e q u e se p r e n d e m c o m formas inovadoras de atualizar signifi-cações — s e m recurso a velhos símbolos dogmáticos associados a lutas ideológicas ou político-programáticas —, u m a simbólica do sofrimento foi

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mais utilizada do q u e u m a simbólica da agressão: cruzes, s a n g u e ou tinta vermelha, velas, lutos. A i m a g e m de Xanana G u s m ã o consolidou-se c o m o u m avatar d e Che Guevara, mas t a m b é m c o m o emulação d e Nelson Mandela — o q u e se tornaria evidente q u a n d o da p a s s a g e m dele p o r Lisboa na primeira s e m a n a de outubro. Os símbolos timorenses — s o b r e t u d o as bandeiras — foram apropriados. E, na música, a canção "Por Timor", da b a n d a Trovante, escrita q u a n d o do massacre de Santa Cruz em 1991, se transformou n u m autêntico hino timorense made in Portugal, e n ã o u m a c a n ç ã o q u a l q u e r originária do território.

Mas talvez um símbolo tenha p r e d o m i n a d o : a inusitada designação "Timor Loro Sae". Trata-se da a p r o p r i a ç ã o de u m a e x p r e s s ã o utilizada p o r Xanana G u s m ã o a p ó s a sua libertação em Jacarta. A n t e c i p a n d o o resultado do referendo e a construção de um Timor i n d e p e n d e n t e , Xanana havia dito q u e o n o v o país se chamaria "Timor Loro Sae" — em tétum, "Timor do Sol Nascente" (isto é, Oriental, do Leste). Não só a e x p r e s s ã o n ã o se tornou m o e d a corrente n o s meios da resistência ou da diáspora timoren-ses, c o m o p a r e c e haver d e s a c o r d o s q u a n t o à sua futura utilização. Todavia, os meios de c o m u n i c a ç ã o social c o m e ç a r a m a utilizar a e x p r e s s ã o e ela espalhou-se c o m o um vírus, p a s s a n d o a denotar correção política e a d e s ã o à causa, e l i m i n a n d o a mais prosaica e s e m p r e utilizada "Timor-Leste". Trata-se de u m a fuga para a frente, solidária e criadora de novidade: n e m o referencial geográfico de "Timor-Leste", n e m a utilização abusiva de "Timor", c o m o nos t e m p o s coloniais. Mas algo de n o v o , p r o p o s t o p e l o líder a d o r a d o5.

Concluo esta seção c o m a manifestação de u m a frustração: a da impossibilidade de trazer para um texto c o m o este os milhares de páginas de jornais — textos e fotos —, os milhares de horas de rádio e televisão e

sites de Internet sobre os acontecimentos em Timor e s o b r e t u d o sobre a sua

sobreposição c o m os "acontecimentos de Lisboa". Para o antropólogo é aí q u e se joga ( n u m a etnografia "selvagem", s e m recurso à intersubjetividade) a ambigüidade do discurso q u e os eventos criaram, pois é neles q u e fica fixada a vertente lusocêntrica e lusófila dos significados q u e circularam: o fascínio c o m a lusofonia dos timorenses, c o m seu catolicismo, c o m u m a suposta a d o r a ç ã o de Portugal, purificadora dos c o m p l e x o s coloniais. À parte a g e n u i n i d a d e da solidariedade, à parte a lição moral d a d a pelos timorenses, d e s d e o c o m p o r t a m e n t o no voto até o espírito de sacrifício e a humildade, e à parte a q u a s e evidente o p o r t u n i d a d e desta movimentação c o m o forma de mostrar d e s c o n t e n t a m e n t o c o m a política nacional e a ausência de participação cidadã, a questão q u e fica é: p o r q u e Timor (e n ã o , p o r exemplo, Angola)? Q u e lugar do imaginário ele ocupa? Q u e Timor é esse — para lá de Timor e apesar de Timor — q u e os portugueses têm v i n d o a construir, concluíram em festa nos eventos de setembro e c o n t i n u a m agora a decorar e e q u i p a r c o m o s o n h o de futuro? No 25 de Abril libertamo-nos a nós próprios descolonizando. Vinte e cinco alibertamo-nos depois, o q u e está a acontecer?

(5) Adorado porque genuíno, sacrificado, emotivo — o opos-to da denegrida "classe políti-ca portuguesa"?

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Permita-me o leitor u m a n ã o breve digressão, pois é necessário contextualizar os eventos de m o d o a p o d e r iluminá-los. Uma contextuali-zação destas d e v e ser sistêmica e relacional, transgredindo as tradicionais fronteiras do critério regional em antropologia: Indonésia, Timor-Leste, Portugal (e a "nova o r d e m internacional") precisam ser p e n s a d o s em conjunto. E d e v e equilibrar a ênfase nas representações c o m d a d o s históricos e de e c o n o m i a política.

O arquipélago i n d o n é s i o foi e x p o s t o à e x p a n s ã o européia a partir do final do século XVI. Os principais protagonistas deste processo foram portugueses e h o l a n d e s e s . Aqueles p r e o c u p a r a m - s e s o b r e t u d o c o m o comércio do sândalo. Estabeleceram as suas bases — b e m c o m o um seminário — nas ilhas de Solor e Flores. Ao longo de trezentos anos as d u a s potências européias disputariam o controle do comércio local. S e g u n d o Lutz6, o verdadeiro p o d e r local estaria nas m ã o s de u m a classe mestiça chamada Topasses, ou "Black Portuguese", a qual jogaria um p a p e l social importante nas c o m u n i d a d e s de Flores e Timor-Leste até hoje. A fraqueza do colonialismo p o r t u g u ê s e a distância a q u e a Indonésia se encontrava da metrópole n u n c a permitiram u m a efetiva colonização de Timor p o r Portugal. A ilha ficou marginalizada de processos de concentração q u e r no Brasil, primeiro, q u e r em Angola e Moçambique, mais tarde. Assim, em 1859 Flores e Solor foram vendidas aos holandeses, m u d a n d o o quartel-general p o r t u g u ê s para Timor-Leste. Só muito gradualmente, e ao longo dos séculos XIX e XX, o controle colonial se foi e s t a b e l e c e n d o no território, em grande m e d i d a graças à introdução, em 1815, do café c o m o p r o d u t o de exportação.

A região seria fortemente abalada c o m a II Guerra Mundial e o expansionismo japonês. Na é p o c a , Timor-Leste é invadida pelos japoneses e, antes disso, o c u p a d a preventivamente p o r h o l a n d e s e s e australianos. A impotência p o r t u g u e s a perante esses eventos marcou claramente a fraqueza e o caráter precário da sua presença. Esta, de fato, d e p e n d i a em larga m e d i d a da influência da Igreja, permitindo, juntamente c o m a debilidade de u m a administração colonial efetiva, a criação de u m a "afetividade" timorense em face de Portugal q u e p o d e explicar algumas das estruturas socioafetivas c o n t e m p o r â n e a s (o m e s m o certamente n ã o teria acontecido caso tivesse existido um colonialismo agressivo de o c u p a ç ã o ) . Já nas Índias Orientais Holandesas as coisas se passaram de m o d o diferente. Instalados s o b r e t u d o em Java, canibalizando assim a centralidade desta ilha e dos seus antigos impérios c o m o centro h e g e m ô n i c o da futura Indonésia, os h o l a n d e s e s foram confrontados c o m o surgimento do nacionalismo i n d o n é s i o no início do século e a proclamação da i n d e p e n -dência em 1945. Iniciava-se assim um p e r í o d o (de 1945 até 1975) em q u e u m a nova n a ç ã o e potência regional emergiria na co-presença de u m a p e q u e n a colônia de um país de colonialismo serôdio e r e m e d i a d o . O

(6) Lutz, Nancy Melissa. "Colo-nization, decolonization and integration: language policies in East Timor, Indonésia". http:/

/coombs.anu.edu.au/

CoombsHome.html; http:// www.ci.uc.pt/Timorlanguage. htm, 1995.

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projeto político do líder independentista, Sukarno, foi o da unificação do arquipélago. A proibição dos cultos animistas, a obrigação de a d o ç ã o de u m a das grandes religiões, a i m p l e m e n t a ç ã o da língua bahasa-indonésia e a erradicação do h o l a n d ê s foram os principais instrumentos culturais utilizados.

Em 1955 realiza-se em Bandung, na Indonésia, a conferência dos não-alinhados, q u e vai obrigar Portugal a m u d a r a política colonial de m o d o a p o d e r ser m e m b r o da ONU (mediante a introdução da designação "províncias ultramarinas" em vez de "colônias" e a a d o ç ã o de u m a retórica sobre o império c o m o c o m u n i d a d e , na esteira da influência — e aprovei-tamento político — do lusotropicalismo de Gilberto Freyre). Todavia, e n u m a a p a r e n t e contradição, a Indonésia e x p a n d e - s e p o r meio de anexações territoriais (Molucas em 195052 e Irian Jaya em 1969) — e d e b a t e -se, até hoje, c o m revoltas regionais antijavanesas (Aceh, Sumatra, Celebes, Molucas do Sul etc.). O p o d e r de Sukarno d e p e n d i a de um equilíbrio entre o influente Partido Comunista e a casta d o s militares — base da u n i d a d e do n o v o Estado, c o m o em muitas outras jovens n a ç õ e s ex-coloniais. O militar Suharto acabaria p o r desferir um golpe de estado em 1965, e s t a b e l e c e n d o a Nova O r d e m , a cujo fim estamos a assistir hoje. Este regime assentou na militarização da vida social e econômica, construindo um Estado corporativo c o m a e c o n o m i a controlada a 70% pelas famílias de militares.

Em 1965, o Portugal sujeito a um regime autoritário confrontava-se n ã o só c o m a pressão internacional anticolonial c o m o estava já engajado em três frentes de guerra: Angola, M o ç a m b i q u e e Guiné-Bissau. Perdido estava já o Estado da Índia. Não t e n d o a Indonésia reivindicado Timor-Leste q u a n d o da i n d e p e n d ê n c i a , o investimento no território é pratica-m e n t e nulo. Mas a distante e fraca potência colonial européia é, epratica-m Timor, vizinha da quinta n a ç ã o mais p o p u l o s a do m u n d o , c o m o maior contingente de m u ç u l m a n o s . O colonialismo p o r t u g u ê s termina ao m e s -mo t e m p o q u e a ditadura de Salazar/Caetano. O processo de descoloni-zação confirma o fulcro do golpe militar de 25 de abril de 1974: a q u e s t ã o colonial, s o b r e t u d o a participação dos jovens oficiais no teatro de guerra. S e g u n d o Costa Pinto,

Timor representou o caso mais extremo das encruzilhadas da desco-lonização portuguesa. Pequeno território com uma importância me-ramente simbólica para Portugal, esta ilha partilhada com a Holanda (e a Indonésia) não conheceu a presença de movimentos autonomis-tas significativos durante os anos 50 e 607.

Em n o v e m b r o de 1974, sete m e s e s depois da Revolução dos Cravos, o território é visitado p o r Almeida Santos (atual presidente do Parlamento), q u e n o m e i a um n o v o governador, Lemos Pires. Com a n o v i d a d e da

(7) Costa Pinto, Antonio. "A guerra colonial e o fim do im-pério português". In: Bethen-court, Francisco e Chaudhuri, Kirti (eds.). História da

expan-são portuguesa (vol. 5). Lisboa:

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Revolução haviam-se criado três partidos no território. O primeiro, dirigido por Mário Carrascalão, foi a União Democrática Timorense (UDT), defen-d e n defen-d o u m a a u t o n o m i a progressiva n o q u a defen-d r o defen-d e u m a c o m u n i defen-d a defen-d e defen-d e língua portuguesa8. Carrascalão era proprietário de plantações de café e diretor dos Serviços Agrícolas, b e m c o m o ex-dirigente da Aliança Nacional Popular (ANP), o partido oficial no p e r í o d o de Marcelo Caetano. Viria a ser governador do Timor-Leste o c u p a d o pela Indonésia, de cuja orientação se afastou nos últimos anos, p a s s a n d o a integrar o atual Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT). Entre outros elementos importantes con-tava-se o ex-seminarista, m e m b r o da ANP e diretor do jornal situacionista

A Voz de Timor, Lopes da Cruz (ainda hoje alinhado c o m o g o v e r n o

indonésio). Tratava-se de u m a formação a p o i a d a pela elite administrativa e por plantadores de café, b e m c o m o p o r muitos suco liurais (chefes tradicionais), a maior p a r t e d o s quais imposta pela administração colonial. A Associação Social-democrata Timorense/Frente Revolucionária do Timor-Leste I n d e p e n d e n t e (ASDT/Fretilin) defendia u m a i n d e p e n d ê n c i a gradual, c o m um p e r í o d o de transição de três a oito anos. A sua b a s e de apoio estava entre as elites u r b a n a s de Díli. F u n d a d a p o r Xavier do Amaral, a tendência d o m i n a n t e entre os fundadores era social-democrata e repre-sentada p o r pessoas c o m o o jornalista Ramos-Horta (hoje alto dirigente do CNRT, Prêmio Nobel da Paz e um dos dirigentes mais midiáticos e cosmopolitas). No entanto, u m a corrente secundária, liderada p e l o ex-sargento, administrador e seminarista Nicolau Lobato, combinava um nacionalismo anticolonial c o m n o ç õ e s de economia política influenciadas pelas experiências marxistas de Angola e Moçambique9. Finalmente, a Associação Popular Democrática Timorense (Apodeti) defendia a integra-ção c o m a u t o n o m i a na Indonésia, e o seu líder ( s u p o s t a m e n t e contactado d e s d e os anos 60 pelos serviços secretos indonésios) era o professor e administrador Osório Soares, liurai de Atsabe.

Vítor Alves, um d o s líderes da Revolução em Lisboa, visita o territó-rio e decide pela realização de u m a cimeira em junho de 1975. Preparou-se uma lei eleitoral e projetou-Preparou-se u m a consulta sobre as diversas o p ç õ e s , d e s d e a i n d e p e n d ê n c i a até a associação c o m a Indonésia. Para todos os efeitos, Portugal reafirmava o direito de Timor à autodeterminação. Mas os primeiros conflitos violentos entre os três partidos estalam em finais de julho, e em agosto já saíam refugiados do território. Naquele a n o a Fretilin exigiu ser reconhecida c o m o único partido legítimo, o q u e suscitou o confronto a r m a d o c o m a UDT. A guerra civil levou à derrota da UDT pela Fretilin, t e n d o a primeira r e c u a d o à fronteira c o m Timor Ocidental. Sub-jugada pelos indonésios, a UDT viria a formar c o m partidos m e n o r e s o Movimento Anticomunista, c o m o objetivo da integração na Indonésia. A Fretilin p r o m o v e e n t ã o um golpe q u e é b e m sucedido e proclama a i n d e p e n d ê n c i a do território em 28 de n o v e m b r o de 1975, c o m o q u e as autoridades p o r t u g u e s a s r e c o l h e m à ilha de Ataúro. Simultaneamente, UDT e Apodeti p r o c l a m a v a m a associação c o m a Indonésia e as tropas deste país invadiriam o território em d e z e m b r o de 197510. A integração

(8) Isto é, em si, muito original no quadro do colonialismo português. Foi proposto por Spínola como solução para o império ainda antes de 1974 e, timidamente, por setores das elites crioulas cabo-verdianas também. Em todas as outras colônias a independência era inquestionável.

(9) A difusão de ideários fazia-se, provavelmente, por meio dos fluxos de pessoas no seio das instituições do Estado co-lonial, sobretudo as Forças Ar-madas. Uma ironia colonial a juntar às que Anderson refere (ver adiante).

(10) Cf. Oliveira, César.

Portu-gal. Dos quatro cantos do mundo à descolonização, 1974-1976. Lisboa: Cosmos,

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formal concluir-se-ia em julho de 1976. Portugal n ã o r e c o n h e c e u n e m a i n d e p e n d ê n c i a n e m a o c u p a ç ã o indonésia, e até o referendo de 1999 a ONU tem r e c o n h e c i d o Portugal c o m o "país administrante de um território n ã o - a u t ô n o m o " .

A invasão indonésia deu-se c o m o pretexto de evitar u m a a m e a ç a comunista na região, d a d a a influência crescente desse ideário — de inclinação maoísta — na Fretilin. No q u a d r o das relações internacionais de então, a Indonésia era um forte aliado d o s Estados Unidos, q u e apoiaram a invasão. Na época, n ã o só as ex-colônias portuguesas constituíam ameaças antiamericanas, c o m o a própria ex-metrópole, q u e se encontrava em ebulição revolucionária. Mas s e m dúvida as jazidas de petróleo do

Timor Gap jogavam um importante papel, s o b r e t u d o no respeitante à outra

potência conivente c o m a invasão indonésia, a Austrália.

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D e s d e a invasão indonésia, três desenvolvimentos se verificaram: a criação da resistência timorense no interior e no exterior, paralelamente ao fortalecimento de um nacionalismo timorense; a crise do regime indonésio; a criação da a g e n d a timorense na política e na sociedade portuguesas pós-revolucionárias. É aqui q u e o nó pós-colonial se torna evidente.

A o c u p a ç ã o indonésia e a q u a s e aniquilação física dos resistentes acabaram p o r unir as forças políticas timorenses, s o b r e t u d o a partir de 1979, s o b a liderança de Xanana G u s m ã o . Este conseguiu a reconciliação entre Fretilin e UDT, despartidarizando a tropa resistente (a Frente de Libertação de Timor-Leste – Falintil) e a b a n d o n a n d o o ideário marxista, p o r meio da fundação do CNRT. Ao longo do p e r í o d o 1975-80 as c a m p a n h a s militares indonésias foram massivas, b e m c o m o os realoja-mentos forçados e a fome. Foi nesse p e r í o d o q u e um terço da p o p u l a ç ã o de 600 mil pessoas terá morrido, no q u e já foi considerado um genocídio premeditado. Além da guerra de guerrilha nas m o n t a n h a s , a resistência s o u b e construir, no exterior, u m a r e d e c o m base na diáspora das elites timorenses, a qual viria a d o m i n a r c o m eficácia a articulação de ONGs, opinião pública, mídia e lobbies políticos e diplomáticos. Uma terceira frente, m e n o s explícita, basear-se-ia em figuras de colaboracionistas c o m o regime indonésio, mas q u e viriam a r o m p e r c o m ele no p e r í o d o da crise d o regime d e Suharto.

Em maio de 1998 a Indonésia entrou em crise. A q u e d a do Muro de Berlim, a nova o r d e m internacional e a crise do crescimento capitalista do Sudeste Asiático (colapso do m o d e l o autoritário de m o d e r n i z a ç ã o e c o n ô -mica típico dos Tigres Asiáticos) levaram a u m a nova situação em q u e aos Estados Unidos já era permitido apelar à democratização dos regimes militares q u e haviam a p o i a d o . A Austrália, aliada preferencial da Indonésia

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mas r e c e n t e m e n t e engajada em tornar-se potência regional, t a m b é m se afastou g r a d u a l m e n t e . Habibie substituiria Suharto, e n c e t a n d o a transição do país para um regime democrático, a qual n ã o está ainda terminada, mas sem cujo caráter de i n c o m p l e t u d e talvez n ã o h o u v e s s e sido possível negociar a realização do referendo em Timor-Leste11.

Q u a n d o , em Portugal, o fim da Revolução em 1976 conduziu o país para a "normalização democrática", a economia de m e r c a d o e, depois, a adesão à União Européia, a questão timorense foi alvo de e n v e r g o n h a d o s debates nacionais. Os setores conservadores sempre sublinharam a acusa-ção de u m a descolonizaacusa-ção irresponsável q u e teria c o n d u z i d o ao desastre timorense, e os setores mais à esquerda n ã o conseguiram muito mais do q u e romantizar a guerra de guerrilha. Até o Partido Comunista n ã o escapava às acusações, pois a p a r e n t e m e n t e n ã o teria a p o i a d o a Fretilin no período de transição p o r esta ter d e m o n s t r a d o inclinações maoístas, n u m a é p o c a anterior ao colapso da União Soviética. O apoio à causa timorense dá-se sobretudo a partir de setores ligados à Igreja Católica e de u m a juventude em busca de causas e q u e já n ã o se identificava c o m os movimentos políticos nacionais dos anos 701 2. Mas o evento q u e marcará a m u d a n ç a para um centramento da q u e s t ã o timorense — em Portugal e no m u n d o — será o massacre do cemitério de Santa Cruz, em 1991.

Em n o v e m b r o desse a n o , soldados indonésios abriram fogo sobre u m a manifestação pacífica em Díli, m a t a n d o duzentas pessoas, na maioria estudantes, d e n t r o da igreja do cemitério. Em Portugal estas imagens g a n h a r a m estatuto q u a s e religioso, d e s p o l e t a n d o u m a forma de identifica-ção afetiva m e d i a n t e as imagens de pessoas d e s e s p e r a d a s r e z a n d o em português. Catolicismo e lusofonia estabeleceram-se, então, c o m o traços de identificação cultural e autênticos agentes de limpeza de u m a culpabi-lidade nacional. Jornalistas americanos e australianos t e s t e m u n h a r a m e filmaram o massacre e foram agredidos pelos militares indonésios, o q u e suscitou um p r o c e s s o de mobilização internacional q u e culminaria, em 1996, c o m os Prêmios Nobel da Paz atribuídos a Ramos-Horta e ao b i s p o Ximenes Belo.

A caracterização social e cultural dos principais atores deste processo é u m a d a s chaves para a c o m p r e e n s ã o da característica pós-colonial do m e s m o . D e s d e os anos 60 u m a p e q u e n a elite c o m e d u c a ç ã o e aspirações nacionalistas (ou regionalistas) c o m e ç o u a veicular suas idéias na imprensa católica timorense. Esta elite era em larga m e d i d a o p r o d u t o das escolas católicas e em especial d o s seminários de Dare (perto de Díli) e de São José ( e m Macau). Administradores e burocratas, estes estudantes, b e m c o m o alguns proprietários rurais, viriam a ser, c o m o vimos, a base da formação q u e r da UDT, q u e r da ASDT/Fretilin. A Igreja constituiu, p o r um lado, a principal presença p o r t u g u e s a c o m caráter contínuo em Timor e, ao m e s m o t e m p o — d a d o o seu caráter transnacional —, u m a ligação do território ao resto do m u n d o e à cultura letrada, e s t a n d o a e d u c a ç ã o local, em face da fragilidade do colonialismo, nas m ã o s da Igreja. Após a invasão indonésia, a Santa Sé conseguiu salvaguardar a autonomia da Igreja timorense, n ã o a

(11) Isto apesar das críticas feitas ao acordo, que implicita-mente reconhecia a Indonésia como país administrante até à independência, caso esta fos-se a opção do eleitorado.

(12) Figuras como o preten-dente ao trono português (Du-arte de Bragança) e o ex-presi-dente general Eanes, conota-dos com sentimentos naciona-listas, protagonizaram durante anos as ações de solidarieda-de.

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integrando na Igreja Católica indonésia. Foi isso q u e permitiu a criação de u m a autêntica Igreja nacional q u e passou a simbolizar a resistência, e isto n u m q u a d r o regional de forte presença islâmica.

"Rezar", e fazê-lo ( s u p o s t a m e n t e ) em português, foram os tropos motivadores da a d e s ã o afetiva dos portugueses à causa timorense. A q u e s -tão da lusofonia t e m surgido no Portugal pós-colonial e p ó s - a d e s ã o à União Européia c o m o um g r a n d e tema de reconfiguração identitária, a m b í g u o na sua oscilação entre indícios de neocolonialismo, projeto político multicultural e anti-hegemonia americana do processo de globa-lização capitalista neoliberal. Os meios de c o m u n i c a ç ã o portugueses — s o b r e t u d o no p e r í o d o da mobilização cívica de s e t e m b r o de 1999 — insistiram ad n a u s e a m nestas formas de identificação lingüística. Insisti-ram igualmente em procurar, em Timor-Leste, t e s t e m u n h o s ( p o r vezes r o ç a n d o o fait-divers e p e r d e n d o objetividade) de carinho p o r Portugal. Esta idéia era o p o r t u n a m e n t e reforçada pela coincidência de os dirigentes da resistência timorense no interior e na diáspora serem lusófonos, d a d a s as suas origens sociais nas elites crioulas do t e m p o colonial. Embora e s p e c u l a n d o , n ã o será alheia a essa identificação a q u e s t ã o "racial" subjacente ao fenótipo mestiço desses dirigentes. Sendo eles os porta-vozes midiáticos, a afetividade da lusofonia reproduziu-se facilmente. Mas qual a verdadeira d i m e n s ã o dessa q u e s t ã o lingüística? A partir de dois artigos c o m lugar de d e s t a q u e n u m a página da Internet sobre questões timorenses1 3 (e, portanto, c o m maior divulgação do q u e artigos acadêmi-cos em hard copy), procurarei ligar esta questão à da emergência do nacionalismo timorense, marcadas a m b a s p o r u m a originalidade q u e classifico c o m o pós-colonial.

No artigo de Lutz p o d e m o s d e s d e logo verificar o d a d o da c o m p l e -xidade etnolingüística timorense: d o z e línguas locais m u t u a m e n t e incom-preensíveis, q u a t r o delas austronésias e oito não-austronésias, p o d e n d o ser divididas em 35 dialetos e subdialetos. O tétum, q u e funciona c o m o u m a espécie de língua franca, pertence ao g r u p o austronésio e é falado em Díli, Suai, V i q u e q u e e na fronteira c o m Timor-Oeste1 4. Durante o período colonial o p o r t u g u ê s era a língua oficial e pré-requisito para a cidadania de a c o r d o c o m a política de assimilação, e m b o r a só u m a minoria de timorenses fosse "assimilada" ou "civilizada". Em 1950, a c o m p o s i ç ã o da p o p u l a ç ã o , s e g u n d o as categorias coloniais vigentes, era a seguinte: de um total de 442.378, havia 434.907 indígenas não-civiliza-dos, 3.128 chineses, 2.022 mestiços, 1.541 indígenas civilizanão-civiliza-dos, 568 e u r o p e u s e 212 outros não-indígenas (goeses etc.)1 5. Contas feitas, m e n o s de 1% da p o p u l a ç ã o era constituída p o r mestiços e civilizados lusófonos. Em Timor-Leste a o r d e m social era "tipically Iberian"1 6: abaixo do estrato

dos dirigentes p o r t u g u e s e s havia os chineses, comerciantes e de postura apolítica, os mestiços ( d e origens local, árabe, africana e portuguesa) e u m a g r a n d e diversidade de c o m u n i d a d e s etnolingüísticas nativas. Em 1974 os líderes timorenses demonstrariam u m a insegurança identitária e u m a ligação ressentida às coisas portuguesas (reminiscente, a m e u ver, do

(13) Lutz, op. cit.; Anderson, Benedict. "Imagining East Ti-mor". Arena Magazine, nº 4, abr.-maio/1993; ftp//english. hss.cmu.edu/english.server/ cultural.theory/Anderson-Imnagining%20East%20Timor, http://www.ci.uc.pt/Timor/ imagin.htm.

(14) Numa nota acadêmica a um de seus poemas, Cinatti diz o seguinte: "Suai [...] foi reino ligado a Bé Hali, centro político e sacral da federação [...] dos Belos [...]. Tudo isto se passava no século XVII, data em que os [...] de Larantuca, ilha de Flores, gente mestiça de português e indonésio [...], guerrearam Bé-Hali, destruin-do-lhes para sempre a hege-monia política. De Bé-Hali se dizem oriundas as famílias no-bres do Timor português [...] aduzindo para os seus funda-dores origem de além-mar, mais precisamente de Sina

Mutin Malaca (China Branca

Malaca) [...] os Belus são os atuais detentores da fala

te-tun" (Cinatti, Rui. Paisagens timorenses com vultos. Lisboa:

Relógio d'Água, 1996 [1974]). (15) Cf. Weatherbee, Donald E. "Portuguese Timor: an In-donesian dilemma". Asian

Sur-vey, nº 6, dez./1966, p. 684.

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quadro de representações q u e se p o d e encontrar na obra do escritor trinidadiano V. S. Naipaul). A n d e r s o n acha q u e o nacionalismo timorense era, então, muito t ê n u e .

Foi justamente esta p e q u e n a elite q u e emergiu c o m o representante de um Timor independentista, na resistência ou na intermediação c o m o o c u p a n t e indonésio. S e g u n d o Lutz, no p e r í o d o 1974-76 a Fretilin encoraja-va c a m p a n h a s de alfabetização em língua tétum, s e g u i n d o o m o d e l o de Paulo Freire, mas os seus líderes eram primariamente falantes de português. Recentemente, q u a n d o da sua p a s s a g e m em Lisboa em o u t u b r o de 1999, Xanana G u s m ã o disse q u e fazia p o e m a s em p o r t u g u ê s pois essa era a língua "em q u e sentia", r e c o n h e c e n d o n ã o dominar d e s d e s e m p r e o tétum1 7. O p o r t u g u ê s era veiculado s o b r e t u d o pelas escolas e na Igreja, s e n d o q u e esta detinha o q u a s e m o n o p ó l i o do sistema educativo e este alcançava u m a ínfima minoria da p o p u l a ç ã o — justamente as futuras elites crioulas.

Após a invasão, o p o r t u g u ê s foi abolido e o bahasa-indonésio implementado. Lutz, p o r é m , diz q u e isso reflete n ã o u m a p r e o c u p a ç ã o "nacionalista", ou m e s m o u m a focagem na cidadania, c o m o na é p o c a colonial portuguesa, mas sim no controle ou no q u e Foucault denominaria

"governmentality". De fato, a Indonésia construiu escolas de forma

acele-rada. Das 47 escolas primárias e d u a s escolas preparatórias em 1976 passou-se para 498 primárias, 71 preparatórias e 19 passou-secundárias em 198618. A Indonésia utilizou o a r g u m e n t o do desenvolvimento, contra o a b a n d o n o português, c o m o justificativa d o s benefícios da integração — um a r g u m e n -to q u e até os p o r t u g u e s e s r e c o n h e c e r a m ( n o q u e -toca, evidentemente, ao caráter subalterno do colonialismo português em Timor). Neste processo, a Igreja contestou a "indonesiação": perante a proibição do português, conseguiu do Vaticano a a p r o v a ç ã o do tétum c o m o língua de culto em 1981. Atrevo-me a dizer q u e o p o r t u g u ê s escutado nas preces do massacre de Santa Cruz seria c o m o q u e u m a fórmula encantatória, n ã o muito diferente do u s o do latim p o r algumas pessoas até há p o u c a s décadas, m e s m o d e p o i s da vernacularização do culto católico. Lutz defende — e s e g u n d o afirmações explícitas contidas em d o c u m e n t o s oficiais indonésios — q u e o ensino do b a h a s a prendia-se diretamente c o m questões de segurança. O p o r t u g u ê s seria um desafio à governmentality e representaria c o m o q u e u m a linguagem secreta, assim c o m o u m a forma de resistência quotidiana, u m a "arma dos fracos", no sentido q u e lhe dá Scott19. É n u m sentido s e m e l h a n t e q u e vai o a r g u m e n t o de Anderson, mas c o m u m a questão maior: c o m o surgiu o nacionalismo timorense?

A p e r g u n t a é p r o v o c a d o r a . Em Portugal o senso c o m u m habituou-se à idéia de q u e o nacionalismo em Timor iria de si, seria u m a essência intrínseca aos timorenses e se caracterizaria p o r u m a lusofilia. Na realidade, nos anos da descolonização o nacionalismo n ã o tinha grande representa-ção, c o m o vimos, aliás, n o s programas dos partidos. Nos primeiros anos da o c u p a ç ã o indonésia, Portugal poderia ser a c u s a d o de a b a n d o n a r Timor. Mas a partir d o s a n o s 80 a "febre" timorense em Portugal vai coincidir, então

(17) Em finais de outubro de 1999, o CNRT decidiu que o português será a língua oficial do país e o tétum a "língua nacional".

(18) Utilizo aqui uma tradução aproximada das expressões

"junior high schools" e "senior high schools".

(19) Weapons of the weak.

Everyday forms of peasant re-sistance. New Haven: Yale

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sim, c o m o crescimento do nacionalismo em Timor, inclusive c o m a a d e s ã o à causa de elementos q u e haviam c o l a b o r a d o c o m a Indonésia2 0. A n d e r s o n — q u e observa os fatos a partir do seu terreno indonésio — diz q u e o p r o b l e m a para Jacarta era c o m o integrar Timor na narrativa nacional. Esta estipula q u e a Indonésia incorporou muitos grupos etnolingüísticos e religiões, herança d a s Índias Orientais Holandesas, cuja u n i d a d e seria garantida pela experiência histórica e pela mitologia, s o b r e t u d o em t o r n o da luta contra os h o l a n d e s e s e do mito dos Estados pré-coloniais, especial-m e n t e o javanês Majapahit dos séculos XIV e XV21.

Timor constituiria um problema: n ã o tinha u m a história de luta contra os holandeses n e m contatos sólidos c o m a Indonésia ( d a d o o isolamento em q u e era m a n t i d o e o privilegiar de laços intra-imperiais, s o b r e t u d o c o m Goa, Macau e M o ç a m b i q u e ) . A alternativa do essencialismo bioétnico n ã o se colocaria, p o i s p o d e r i a ser melindrosa para as relações c o m as Filipinas e a Malásia. Isto teria levado a u m a incapacidade para imaginar Timor-Leste c o m o indonésio, p r o p i c i a n d o , inclusive, a facilidade c o m q u e foram cometidas barbaridades p e l o exército indonésio. O a r g u m e n t o da ingrati-d ã o ingrati-dos timorenses — t o r n a ingrati-d o retórica ingrati-de senso c o m u m na Iningrati-donésia — replicaria o anterior a r g u m e n t o dos h o l a n d e s e s em relação aos indonésios. Não se u s o u o a r g u m e n t o da traição, c o m o em relação a outras dissidências regionais na Indonésia.

O nacionalismo i n d o n é s i o surgiu nos finais do século XIX e inícios de XX, justamente q u a n d o se e x p a n d i r a m o ensino em holandês, a imprensa local e os projetos de desenvolvimento. Assim, os indonésios a p r e n d e r a m a sua natividade aos olhos do colonizador. E por meio da língua h o l a n d e s a é q u e c o m p r e e n d e r a m o q u e era um sistema colonial e sua possível superação. A n d e r s o n a r g u m e n t a q u e algo d e semelhante aconteceu e m Timor-Leste. Se o nacionalismo era praticamente inexistente em 1974 ( u m a idéia defensável, se p e n s a r m o s no processo de criação de partidos, só a p ó s 1974, e nas suas a g e n d a s ) , a situação m u d o u dramaticamente a p ó s a o c u p a ç ã o indonésia. Estaríamos, s e g u n d o Anderson, perante u m a lógica irônica d o colonialismo: u m sentimento profundo d e c o m u n i d a d e emergiu do olhar do Estado colonial (desta feita indonésio), c o m a e x p a n s ã o do Estado, novas escolas e projetos de desenvolvimento.

Mais: a definição de "indonésio" e m e r g e n t e d o s massacres anticomu-nistas de 1965-66 foi vista t a m b é m c o m o u m a luta contra o ateísmo e estipulou a obrigatoriedade de cada indonésio adotar u m a religião do livro. S e g u n d o A n d e r s o n (e, acrescento, ao contrário das crenças de senso c o m u m dos p o r t u g u e s e s ) , em 1975 a maioria dos timorenses era animista, t e n d o nos últimos dezessete anos mais q u e duplicado a p o p u l a ç ã o católica de Timor-Leste. A Igreja permite p r o t e ç ã o de acordo c o m a própria lógica do Estado i n d o n é s i o , e o catolicismo reforçou-se p o p u l a r m e n t e c o m o expressão de um sofrimento c o m u m2 2 — além de a sua decisão de usar o tétum c o m o língua oficial ter tido efeitos de nacionalização. Para Anderson é isto q u e substitui o nacionalismo do print capitalism cuja ausência identificou em Timor.

(20) O percurso de figuras como os irmãos Carrascalão é interessante: de defensores de uma federação com Portugal a colaboradores com a ocupa-ção indonésia e a defensores da independência. Seria injus-to e apressado definir este per-curso como oportunista: não estará relacionado com o ama-durecimento de uma consci-ência nacional timorense? Um desenvolvimento análogo é a desradicalização da Fretilin, de maoísta a simplesmente nacio-nalista.

(21) Sobre a mitologia política indonésia, ver Geertz, Clifford.

Negara. O Estado teatro no sé-culo XIX. Lisboa: Difel, 1991

[1980].

(22) Como na Irlanda do sécu-lo XIX. Esta aliás é uma das explicações para a força do movimento pró-Timor na Ir-landa, a maior a seguir a Portu-gal. A identificação entre iden-tidade nacional e catolicismo é óbvia.

(18)

Paralela a esta, outra ironia colonial é apontada: se para os intelectuais indonésios a língua do colonizador era a q u e permitia a c o m u n i c a ç ã o dentro da colônia e o acesso à m o d e r n i d a d e , em Timor a disseminação do indonésio nas escolas permitiu a novas gerações a c e d e r ao m u n d o para lá da Indonésia. Acrescente-se q u e é entre esta geração q u e a resistência recrutou a sua maior base de a p o i o (era s e m p r e c o m alguma i n c o m o d i d a d e n ã o admitida q u e na TV se viam chegar a Lisboa jovens refugiados timorenses incapazes de falar português, e nas matérias emitidas em setembro de 1999 os r e p ó r t e r e s p r o c u r a v a m s e m p r e pessoas mais velhas e e d u c a d a s q u e p u d e s s e m falar português).

5

A m o v i m e n t a ç ã o cívica em Lisboa n ã o foi um m o v i m e n t o unívoco. Isso nota-se d e s d e logo no seu caráter despartidarizado e na confluência do "povo" católico c o m o de esquerda. Por outro lado, a criação de um c o n s e n s o nacional permitiu q u e estivessem l a d o a lado (e de forma n ã o necessariamente incompatível) manifestações de solidariedade internacio-nalista e um subtexto saudosista colonial. A identificação lingüística e / o u religiosa p o d e ser vista simultaneamente c o m o u m a força emotiva para a criação de solidariedades transnacionais e, u m a vez mais, c o m o forma reflexa de fazer um discurso lusocêntrico, potencialmente nacionalista. O contexto internacional da n o v a o r d e m mundial e o contexto da recente questão do Kosovo permitiram q u e argumentos "de esquerda" — antiglo-balização capitalista — e "de direita" — nacionalistas — coincidissem. Mas era c o m u m a todos a q u e s t ã o de c o m o resolver o lugar de memória do colonialismo na constituição da identidade nacional, o lugar do traumatis-mo da descolonização (libertadora e progressista, mas r e c o n h e c i d a m e n t e malfeita) e o lugar da lusofonia no q u a d r o da globalização e de um país q u e se reconfigura c o m o simultaneamente central e periférico nesta potência emergente q u e é a União Européia.

Mas o q u e os acontecimentos em Timor, na Indonésia e em Portugal d e m o n s t r a m é u m a ironia pós-colonial q u e c o m p l e m e n t a as ironias coloniais a p o n t a d a s p o r A n d e r s o n . U m nacionalismo n u m a ex-colônia q u e usa a cultura do colonizador c o m o mobilizadora simbólica para a ação; u m a nova n a ç ã o do Terceiro M u n d o q u e se transforma em potência regional e invade um p o v o indefeso sob a forma de um neocolonialismo de o c u p a ç ã o e q u e se confronta c o m os limites da sua narrativa nacional; e u m a n a ç ã o ex-colonizadora q u e , se já era singular p o r ter sido simultaneamente colonizadora e colonizada2 3 e de colonialismo sobrevivente às descoloni-zações (por via de u m a ditadura na metrópole), se reconfigura nos m e a n d r o s ambíguos do s a u d o s i s m o c o m o solidária c o m o outpost of empire q u e mais havia negligenciado. A ex-potência colonial torna-se a principal defensora da i n d e p e n d ê n c i a da ex-colônia. Tal só é possível p o r q u e , p e l o

(23) Cf. Sousa Santos, Boaven-tura. "Modernidade, identida-de e a cultura identida-de fronteira". In:

Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade.

(19)

meio, se intrometeu um n o v o colonizador (a Indonésia), permitindo a reconstrução d e u m a memória d o t e m p o colonial c o m o paraíso p e r d i d o . Considerando o caráter fraco do colonialismo português em Timor e o protagonismo de u m a estrutura de gestão das e m o ç õ e s c o m o a Igreja Católica, percebe-se q u e tal tenha sido possível até entre os timorenses. Para os antropólogos e historiadores p r e o c u p a d o s c o m as fraquezas do emergente paradigma pós-colonial2 4, este caso — c o m a sua focagem n o s afetos, na língua, na religião e nos símbolos e em associação direta c o m eventos políticos m a r c a d o s pela injustiça, a violência e o nacionalismo — permite novas formas integradas de interpretar o m u n d o , sem as distinções categoriais entre Primeiro e Terceiro Mundos, colonizador e colonizado, permitindo ainda s o b r e p o r à hermenêutica dos textos a análise político-econômica e histórica, b e m c o m o a sustentação etnográfica.

A p e r g u n t a central q u e os eventos aqui retratados levantam é: p o r q u e Timor-Leste (e n ã o , p o r e x e m p l o , Angola)? Q u e lugar ele o c u p a no imaginário português? Q u e lugar-Timor é esse, para lá dele e apesar dele? Vimos q u e a identificação p o r m e i o da religião e da língua foi fulcral, mas o foi apesar da sua recente emergência c o m o critério do nacionalismo timorense, t e n d o m e s m o nascido c o m ele. Ao longo dos eventos de setembro de 1999, Timor foi imaginado pelos portugueses. A sua p e q u e -nez, a distância, a existência de um g r a n d e inimigo (a Indonésia), a denúncia de u m a o r d e m internacional injusta em q u e os fortes (os Estados Unidos) n ã o p r o t e g e m os fracos foram elementos de u m a narrativa de construção de um lugar, a q u e até se d e u um n o v o n o m e assim q u e surgiu a o p o r t u n i d a d e (Timor Loro Sae). Mas n ã o se trata de subscrever teorias do primórdio das representações. Esta narrativa construiu-se perante fatos e em um contexto q u e procurei explicitar. Esse contexto é t a m b é m um contexto da memória e da história. É p o r isso q u e qualquer narrativa sobre Timor feita em Portugal é u m a narrativa sobre Portugal, sua experiência colonial e sua reconfiguração pós-colonial. Timor é particular-m e n t e b o particular-m para p e n s a r (e fazer) isto, d a d o o seu caráter "vazio" nessa memória: extremo do Império, s e m guerra colonial, c o m problemas q u e começaram c o m a descolonização e a invasão indonésia. Os timorenses nunca constituíram contingentes de imigração para o Portugal "rico". Na rua ouvi dizer q u e tínhamos de "defender os nossos pretos", n u m a d e m o n s t r a ç ã o de paternalismo "afetuoso" impensável p o r referência aos imigrantes africanos2 5.

Os acontecimentos de s e t e m b r o de 1999 terão sido, pois, u m a legítima manifestação de solidariedade, mas perante u m a realidade distante e c o m a qual n ã o se tem de lidar, permitindo u m a catarse dos sentimentos de culpa em relação a u m a colonização e a u m a descolonização q u e r e d u n d a r a m em guerra em muitos países. Psicodrama da reconfiguração identitária pós-colonial, teve o c o n t e ú d o certo para o m o m e n t o certo — aquele em q u e o país c o m e ç a a perguntar-se da validade da "affluent

society" européia c o m o projeto coletivo e da validade dos velhos discursos

identitários (lusotropicais e excepcionalistas) c o m o alternativa.

(24) A área de estudos pós-coloniais tem estado marcada por uma concentração nos tó-picos quer do hibridismo, quer da dependência da construção das sociedades pós-coloniais das representações coloniais sobre os "nativos". Mas pouco tem sido feito em áreas que me parecem importantes: a recon-figuração das ex-metrópoles coloniais após as independên-cias das suas colônias; a com-paração entre experiências co-loniais (e, logo, pós-coco-loniais) diversas, na qual as singulari-dades do "mundo que o portu-guês criou" poderiam sofisticar as discussões sobre as identi-dades na pós-modernidade e, ao mesmo tempo (e aí o contri-buto dos estudos pós-coloniais é importante), "modernizar" a eterna discussão paroquial so-bre as especificidades portu-guesas e "luso-tropicais"; e a sustentação empírica, por meio de estudos de caso etnográfi-cos, sobre processos de recon-figuração identitária, contex-tualizados em termos de eco-nomia política e relações de poder, sem o domínio absolu-to da idéia das "representa-ções" como instituidoras da rea-lidade social.

(25) Os primeiros refugiados timorenses em Portugal vive-ram durante largos anos numa favela perto de Lisboa. À parte os esforços de algumas orga-nizações — e mesmo um fil-me, de Margarida Gil —, nun-ca a sociedade portuguesa se mobilizou contra esse fato de exclusão. Como não o faz pe-rante a exclusão dos africanos. Esta contradição perturbou mesmo os espíritos dos mais críticos durante setembro de

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