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PLUTÃO: PLANETA OU “PLANETA ANÃO”?

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Academic year: 2020

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66 REnCiMa, V. 1, N. 1, p. 66-79, jan/jun 2010

PLUTÃO: PLANETA OU “PLANETA ANÃO”?

PLUTO: PLANET OR “DWARF PLANET”?

Marcos Rincon Voelzke

Universidade Cruzeiro do Sul, CETEC, mrvoelzke@hotmail.com

Mauro Sérgio Teixeira de Araújo

Universidade Cruzeiro do Sul, CETEC, mstaraujo@uol.com.br

Resumo

Em agosto de 2006 durante a XXVI Assembléia Geral da União Astronômica Internacional (UAI), realizada em Praga, na República Checa, foram estabelecidos novos parâmetros para definir um planeta. Segundo esta nova definição Plutão não mais seria o nono planeta do Sistema Solar e sim passaria a ser um “planeta anão”. Esta reclassificação de Platão pela comunidade acadêmica ilustra claramente como a Ciência é dinâmica e como os conhecimentos nas diversas áreas podem ser alterados e evoluem com o tempo, possibilitando perceber a Ciência como uma construção humana em constante transformação, sujeita a contextos sociais, políticos e históricos. Essas características epistemológicas da Ciência e, neste caso, da Astronomia, constituem elementos relevantes para serem discutidos em sala de aula, de modo que este trabalho contribui para que os professores de Ciências e de Física que atuam na Educação Básica possam se atualizar sobre este importante fato astronômico e, com isso, estejam munidos de informações úteis à sua prática docente.

Palavras-chave: Sistema Solar, planetas, “planetas anões”, divulgação científica.

Abstract

In August 2006 during the XXVI General Assembly of the International Astronomical Union (IAU), taken place in Prague, Czech Republic, new parameters to define a planet were established. According to this new definition Pluto will be no more the ninth planet of the Solar System but it will be changed to be a “dwarf planet”. This reclassification of Pluto by the academic community clearly illustrates how dynamic science is and how knowledge of different areas can be changed and evolves through the time, allowing to perceive Science as a human construction in a constant transformation, subject to political, social and historical contexts. These epistemological characteristics of Science and, in this case, of Astronomy, constitute important elements to be discussed in the lessons, so that this work contributes to enable Science and Physics teachers who perform a basic education to be always up to date on this important astronomical fact and, thereby, carry useful information to their teaching.

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I. A evolução dos conhecimentos científicos e a prática docente

Muitos são os problemas e dificuldades que caracterizam o atual ensino de Ciências no país, sendo apontados diferentes caminhos para a sua superação. Neste sentido, observam-se trabalhos que defendem o uso de atividades experimentais, livros didáticos e paradidáticos, recursos da área de Tecnologias da Comunicação e Informação (TIC), entre outros, por meio de enfoques variados segundo os objetivos educacionais pretendidos. Esses esforços encontram respaldo em documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1999), as Orientações Curriculares Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+, 2002) e, mais recentemente, as Orientações Curriculares Nacionais (OCN) para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), onde se observa claramente a preocupação em propor caminhos e reflexões que permitam ao professor repensar e aprimorar a sua prática profissional.

Neste processo, deve-se considerar o uso de recursos e estratégias que garantam possibilidades de desenvolvimento de importantes competências nos estudantes, tidas como objetivo central da educação escolar. Acerca das competências e da necessidade de se ampliar a autonomia crítica dos estudantes, as OCN destacam, particularmente para o Ensino Médio, que (BRASIL, 2006, p. 48):

Sendo o objetivo principal do ensino médio a formação da autonomia crítica do educando, esta deve dar-se sob três aspectos: intelectual, político e econômico. Em seu aspecto intelectual, a autonomia permite o pensamento independente, ou seja, educar sujeitos que utilizem seus conhecimentos, que pensem por si mesmos. Em sua dimensão política, a autonomia garante a participação ativa dos sujeitos na vida cidadã. A autonomia econômica deve assegurar uma formação para a sobrevivência material por meio do trabalho.

Assim, buscando contribuir com este cenário, este trabalho visa a oferecer um texto com possibilidades de uso pelos docentes onde se destaca a recente reclassificação pela comunidade científica do planeta Plutão da categoria de planeta para a categoria de “planeta anão” no ano de 2006, como decorrência de fatos, observações e discussões realizadas ao longo do século XX. Este fato ilustra o atual momento histórico vivido pelos pesquisadores que atuam na área de Astronomia e constitui recurso e oportunidade singular para que temas atuais possam ser levados para a sala de aula e discutidos pelos professores que lecionam conteúdos de Ciências e de Física. Esta estratégia que valoriza a abordagem de fatos históricos e suas repercussões dentro de um determinado contexto encontra respaldo nas OCN, uma vez que elas defendem (BRASIL, 2006, p. 52):

Um tratamento didático apropriado é a utilização da história e da filosofia da ciência para contextualizar o problema, sua origem e as tentativas de solução que levaram à proposição de modelos teóricos, a fim de que o aluno tenha noção de que houve um caminho percorrido para se chegar a esse saber. Há, então, uma contextualização, que é própria do processo do ensino na escola.

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Desse modo, utilizando textos como materiais de apoio o professor pode ampliar o leque de recursos didáticos utilizados em sala de aula, criando situações propícias para o debate e para o entendimento de algumas características do processo de produção do conhecimento científico. Neste sentido, os tópicos III a VI deste trabalho constituem material adequado e que possibilita seu uso em sala de aula, permitindo aos docentes explorar e debater a mudança da classificação do Planeta Plutão, contribuindo dessa maneira para ampliar a autonomia intelectual e a capacidade de análise crítica dos estudantes ao abordar uma temática atual e que ilustra as mudanças ocorridas nesta área de conhecimento, ou seja, a Astronomia.

Assim, esse material pode servir como um texto complementar aos tradicionais livros didáticos, recurso amplamente utilizado na maioria das escolas brasileiras, ampliando as possibilidades e recursos didáticos, atendendo ao que preceitua as atuais orientações curriculares (Brasil, 2006, p. 56):

Uma forma de se tentar alcançar a autonomia intelectual é justamente não se prender a um modelo fechado, mas sim buscar alternativas que contribuam para esse processo, inclusive as diversificadas fontes de recursos para o ensino.

Cabe ressaltar que este tema da reclassificação de Plutão foi bastante explorado na ocasião pela mídia e veículos de divulgação científica (GALILEU, 2005) e pode ser considerado como um dos temas estruturadores do ensino científico “que articulam competências e conteúdos e apontam para novas práticas pedagógicas”. Inserido na área de Astronomia, o tema é enfocado pelos PCN+ (BRASIL, 2002), sendo resgatado também nas OCN (BRASIL, 2006, p. 59), onde aparecem como Tema 6 - Universo, Terra e vida (unidades temáticas: Terra e sistema solar, o universo e sua origem, compreensão humana do universo).

Por fim, é importante enfatizar a necessidade dos agentes educacionais estarem atentos e preparados para abordarem e divulgarem nas escolas temas científicos atuais e relevantes, o que vem sendo defendido há tempos, como se constata no questionamento apontado no trabalho de Almeida e Ricon (1993, p. 7):

O que sabemos sobre buracos negros, caos, poluição ambiental e outros assuntos que preocupam os cientistas na atualidade? (...) Pode a escola ignorar o que é assunto diário nos meios de comunicação de massa? O ensino pode continuar a se preocupar apenas com a Ciência dos séculos que nos precederam?

II. A História da Ciência: um caminho para a divulgação de conhecimentos científicos

A abordagem dos fatos históricos relacionados ao descobrimento do planeta Plutão em 1930 e os acontecimentos e desdobramentos que levaram à sua recente reclassificação como “planeta anão” pode ser entendida no contexto da História da Ciência, abordagem esta que valoriza a contextualização histórica e social de conceitos, fatos e descobertas científicas.

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A adequada contextualização na abordagem de conteúdos científicos tende a envolver os estudantes em um clima propício à aprendizagem, estimulando a sua participação e fazendo-os refletirem sob algumas características fundamentais relacionadas à construção do conhecimento científico, facilitando, portanto, o entendimento de alguns aspectos vinculados à epistemologia da Ciência. Acerca da contextualização, Nunes (2002, p. 84) defende que:

O tratamento contextualizado do conhecimento é o recurso que a escola tem para retirar o aluno da condição de espectador passivo. Se bem trabalhado permite que, ao longo da transposição didática, o conteúdo do ensino provoque aprendizagens significativas que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de reciprocidade.

Defendendo uma maneira adequada de se organizar o currículo escolar, a mesma autora defende ainda que é preciso (NUNES, 2002, p. 78):

Tratar os conteúdos de ensino de modo contextualizado, aproveitando sempre as relações entre conteúdos e contexto para dar significado ao aprendizado, estimular o protagonismo do aluno e estimulá-lo para ter autonomia intelectual.

Assim, acredita-se que a abordagem histórica realizada no âmbito das ciências naturais de forma a contextualizar devidamente os conteúdos por elas produzidos e sua modificação ao longo do tempo, ilustrando o seu caráter mutável e a própria evolução dos conceitos científicos, possibilita a divulgação de conhecimentos atuais nos ambientes escolares. Para isto, acredita-se ser oportuno empregar textos objetivos e que enfoquem algum tema científico específico com potencial para despertar a curiosidade dos estudantes e ampliar as possibilidades didático-pedagógicas, contribuindo ainda para estimular o desenvolvimento da habilidade de leitura dos alunos (ASSIS e TEIXEIRA, 2001).

Neste sentido, a utilização de artigos publicados em periódicos da área de ensino de ciências como, por exemplo, este trabalho que aborda temas astronômicos relacionados com a definição e classificação de planeta, oferece meios facilitadores para que sejam criadas situações que privilegiem o alcance de determinados objetivos educacionais e a promoção de competências que permitam aos estudantes compreenderem estas mudanças como parte de um processo histórico natural, uma vez que as ciências não lidam com conhecimentos estanques e definitivos, descartando a possibilidade de verdades absolutas (MOREIRA e OSTERMANN, 1993).

Ensinar conteúdos científicos de modo a disseminar entre os estudantes concepções epistemológicas corretas acerca da Ciência, apresentando com adequação alguns elementos que a caracterizam e compõem a sua natureza intrínseca são aspectos que devem ser contemplados em abordagens educacionais modernas, defendidas nas atuais orientações curriculares (BRASIL, 2002; BRASIL, 2006) e também por diferentes pesquisadores (MOREIRA E OSTERMANN, 1993; MEDEIROS e BEZZERA FILHO, 2000; ARRUDA E LABURÚ, 2002)

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Atuando dessa maneira os docentes posicionam-se em linha com o que estabelece os PCN+, quando este afirma que os estudantes devem “Compreender o desenvolvimento histórico dos modelos físicos para dimensionar corretamente os modelos atuais, sem dogmatismo ou certezas definitivas” (BRASIL, 2002, p. 14).

A abordagem de temas científicos sob a ótica da História da Ciência tende a despertar a curiosidade e estimular a participação dos estudantes no processo de aquisição e construção de novos conhecimentos, oferecendo subsídios à atividade docente e possibilitando apresentar a Ciência como fruto de uma construção humana em um determinado contexto histórico e sociocultural. Com relação à História da Ciência, as OCN destacam que (BRASIL, 2006, p. 66):

O uso da história da ciência para enriquecer o ensino de Física e tornar mais interessante seu aprendizado, aproximando os aspectos científicos dos acontecimentos históricos, possibilita a visão da ciência como uma construção humana. Esse enfoque está em consonância com o desenvolvimento da competência geral de contextualização sociocultural, pois permite, por exemplo, compreender a construção do conhecimento físico como um processo histórico, em estreita relação com as condições sociais, políticas e econômicas de uma determinada época.

Complementando a idéia acima, Meglhioratti, Bortolozzi e Caldeira (2005, p.13) afirmam que:

A Filosofia e História da Ciência contemporânea, procurando compreender o caráter do conhecimento científico, trazem contribuições para um entendimento de uma ciência criativa, histórica e social.

III. O Descobrimento de Plutão

Em 18 de fevereiro de 1930 o astrônomo norte-americano Clyde Tombaugh, do Observatório Percival Lowell, situado no deserto do Arizona (Flagstaff), utilizando para a época do novo método de placas fotográficas e do blink comparator1, descobriu um novo objeto com movimento muito lento em relação às estrelas de fundo. Este objeto encontrava-se próximo à posição anteriormente estabelecida teoricamente por Lowell2 e por seu movimento tratava-se de um corpo mais distante que Netuno.

Prontamente os jornais da época anunciaram a nova descoberta como sendo o nono planeta do Sistema Solar. O novo planeta foi denominado Plutão a partir da

1

O blink comparator consiste na observação seqüencial de duas imagens da mesma região do céu feitas com o intervalo de algumas horas entre si, neste caso as estrelas se mantém fixas e os objetos em movimento parecem “saltar” de uma a outra posição.

2

Percival Lowell, astrônomo norte-americano, previu teoricamente a posição de um novo planeta em função da discrepância entre as posições calculada e observada de Netuno. A perturbação gravitacional dos planetas já conhecidos não explicava esta diferença, portanto Lowell inferiu a existência de um nono planeta no Sistema Solar que estaria perturbando a órbita de Netuno. Infelizmente Lowell faleceu antes da confirmação de sua previsão.

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proposta de uma garota britânica3, Venetia Burney de 11 anos, significando o deus romano das profundezas, com as duas primeiras letras representando as iniciais de Percival Lowell, sendo portando uma homenagem póstuma a este importante astrônomo.

Porém, a categoria de planeta de Plutão sempre esteve em questão devido ao seu pequeno tamanho4 e por sua órbita ser particular, ou seja, possuir uma maior inclinação em relação ao plano da eclíptica do que os demais planetas e por ser muito elíptica, chegando inclusive a cruzar a órbita de Netuno e, portanto, aproximando-se do Sol mais do que este planeta em seu movimento de translação. Cabe esclarecer que a eclíptica é definida como sendo a circunferência imaginaria correspondente a trajetória aparente do Sol na esfera celeste.

IV. O Começo da perda do Status de Planeta

Em 1978 o norte-americano J. Christy descobriu um satélite com uma órbita muito próxima a Plutão, o qual foi denominado de Caronte5. As análises revelaram que este satélite deveria ter a metade do tamanho de Plutão, demonstrando que não seria um sistema planeta-satélite, mas sim um sistema binário com objetos comparáveis. Além disso, a determinação da órbita de Caronte permitiu o cálculo preciso da massa de Plutão, a qual corresponde a somente dois milésimos da massa da Terra.

Ao mesmo tempo vários astrônomos, entre eles o irlandês K. Edgeworth (1949), o holandês G. Kuiper (1951) e o uruguaio Fernandez (1980) argumentavam a existência de um cinturão de objetos na região exterior a Netuno, semelhante ao cinturão de asteróides que existe entre Marte e Júpiter.

Finalmente, em 30 de agosto de 1992, após várias campanhas observacionais, os astrônomos norte-americanos D. Jewitt e J. Luu descobriram a partir do Observatório de Mauna Kea (no Havaí) um objeto da região transnetuniana, ou seja, a uma distancia do sol superior a de Neturno. A partir desta data as campanhas observacionais foram intensificadas e hoje em dia se conhece mais de mil objetos situados nesta região externa do Sistema Solar. Vários destes objetos apresentam diâmetros superiores a mil quilômetros possuindo, portanto, tamanhos comparáveis com o de Plutão.

No ano de 2005 a controvérsia sobre o caráter planetário de Plutão se tornou maior ainda dado que um grupo de astrônomos norte-americanos liderado por M. Brown anunciou o descobrimento de um objeto cujas estimativas preliminares indicavam que este seria maior que Plutão. No caso era o objeto 2003 UB313, conhecido inicialmente por “Xena”, atualmente denominado de Eris, que significa a Deusa da Discórdia.

Este novo objeto seria o décimo planeta ou uma nova definição no conceito de planeta deveria ser adotada? (SOTER, 2006, 2007; WIKIPEDIA, 2006).

3

Na época o interesse público na descoberta do novo planeta foi enorme a ponto de Walt Disney colocar o nome de Pluto (denominação em inglês de Plutão) a um novo personagem animado de suas estórias de quadrinhos.

4

Plutão possui um diâmetro de 2.274 km enquanto que a Terra possui 12.576 km e Netuno 49.532 km.

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Caronte (Charon em inglês) foi designado com o nome do barqueiro que transportava os mortos através do rio no mundo subterrâneo.

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V. A formação e a evolução do Sistema Solar

A partir da observação dos corpos do Sistema Solar e da comparação com outros sistemas planetários em torno de outras estrelas construiu-se, gradativamente, um modelo que explicasse a formação e a evolução do Sistema Solar.

As idéias básicas desse modelo remontam às propostas do filosofo Immanuel Kant e do astrônomo Pierre-Simon Laplace, sendo substancialmente aperfeiçoadas com as observações mais recentes.

Segundo esse modelo o Sistema Solar se formou a partir de uma nuvem de gás e poeira em contração. A lenta rotação inicial e a contração gravitacional resultaram na formação de uma condensação central (a proto-estrela) de onde se formou o Sol e um disco plano de gás e poeira, perpendicular ao eixo de rotação, o chamado disco protoplanetário. A poeira foi se concentrando no plano central deste disco, formando aglomerações de maior tamanho. Na região próxima ao Sol os grãos de poeira estavam constituídos por materiais rochosos enquanto que na região mais afastada se compunham de gelos de componentes mais voláteis tais como água (H2O) e metano (CH4). A fronteira entre estas duas regiões encontra-se aproximadamente a quatro Unidades Astronômicas (U.A.)6 do Sol e é denominada de “linha de neve”, por ser a região a partir da qual a água condensa em gelo.

Através de colisões de baixa velocidade, as aglomerações formadas pelos grãos de poeira foram aumentando de tamanho até alcançar vários quilômetros, sendo denominadas então de planetesimais. Os planetesimais formados no interior da linha de neve eram majoritariamente rochosos e seus remanescentes atuais são os asteróides. Os que se formaram na região exterior estavam constituídos principalmente de gelo de água e de materiais rochosos, sendo representados hoje em dia pelos núcleos cometários. Aglomerações posteriores deram origem a objetos de várias centenas de quilômetros, os chamados embriões planetários. Finalmente as colisões mútuas entre esses embriões planetários deram origem a corpos de maior tamanho, os chamados planetas.

Os planetas formados na região exterior do Sistema Solar conseguiram acumular material rapidamente, retendo assim uma grande parte do gás da nebulosa proto-solar e alcançando uma grande massa. Os planetas interiores se formaram de material rochoso, sendo menores, porém mais densos. Com isto pode-se distinguir dois tipos de planetas no Sistema Solar: os planetas terrestres ou interiores que são rochosos, mais densos, menores e próximos ao Sol (no caso Mercúrio, Vênus, Terra e Marte) e os planetas gigantes ou exteriores que são gasosos e mais afastados (no caso Júpiter, Saturno, Urano e Netuno). Plutão não se ajustava a essa classificação, não é um planeta gigante embora esteja na região dos planetas gigantes (ver Tabela 1) e não é um planeta terrestre porque é constituído principalmente de gelos (gases congelados).

Logo após se formarem, os planetas começaram a perturbar gravitacionalmente os planetesimais remanescentes. Alguns destes chocaram-se com os planetas originando crateras em suas superfícies rochosas enquanto que uma grande parte foi expulsa do

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A Unidade Astronômica é uma unidade de medida de distâncias no Sistema Solar, equivale à distância média entre a Terra e o Sol, sendo de aproximadamente 150 milhões de quilômetros.

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Sistema Solar. Assim sendo os planetas conseguiram limpar a região ao seu redor, tornando-se os principais objetos em sua vizinhança.

VI. Definição de Planeta

Em meados de 2006 a questão da quantidade de planetas do nosso Sistema Solar já se tornara de interesse público exigindo da comunidade astronômica uma definição clara sobre o tema (SOTER, 2006, 2007; WIKIPEDIA 2006). A concepção inicial, válida nos últimos 76 anos, considerava que o Sistema Solar era constituído por nove planetas. Em função da problemática levantada e de várias discussões sobre o tema estabeleceram-se os seguintes critérios para definir um planeta:

 O objeto em questão deve orbitar o Sol.

 Deve ter uma massa suficiente para que sua autogravidade supere as forças de rigidez do corpo, adquirindo, portanto, uma forma quase esférica por equilíbrio hidrostático.

Em conformidade a estes critérios os planetas do Sistema Solar seriam os nove até o momento conhecidos acrescidos dos seguintes objetos: 2003 UB313-Eris (um objeto transnetuniano maior que Plutão), Ceres (o maior dos asteróides) e Caronte (o satélite de Plutão), assim sendo o Sistema Solar passaria a ter doze planetas.

Considera-se que um par de objetos seja um sistema planetário duplo se cada componente independentemente satisfaz o critério planetário e que o centro de gravidade comum ao sistema (chamado de baricentro) esteja localizado fora de ambos os objetos. Por isso o satélite Caronte de Plutão passaria a ser planeta enquanto que o satélite Lua da Terra continuaria como satélite, dado que neste caso o baricentro encontra-se no interior do corpo mais massivo, ou seja, a Terra.

Uma análise mais detalhada destes critérios mostra infelizmente que o limite inferior para considerar um objeto como planeta depende do material constituinte do objeto analisado. Um objeto rochoso mais resistente poderia ter um tamanho de várias centenas de quilômetros e ainda assim possuir formato irregular como, por exemplo, o asteróide Vesta, cujas dimensões são (578 x 560 x 458) km, ao passo que objetos constituídos por gelo, tais como os objetos transnetunianos e os satélites dos planetas gigantes podem possuir diâmetros entre 200 e 400 km e já serem quase-esféricos como, por exemplo, o satélite Mimas, de Saturno, o qual possui as seguintes dimensões: (415 x 394 x 381) km.

Conseqüentemente o número de planetas poderia aumentar dos inicialmente doze propostos para mais de cinqüenta e provavelmente superar a marca de uma centena nos próximos anos. A figura 1 ilustra as órbitas de alguns dos objetos que compõem o Sistema Solar, incluindo planetas, asteróides e Sedna, este um objeto transnetuniano possuindo uma órbita extremamente elíptica, sendo que seu periélio é de 76,156 u.a. e seu afélio é estimado em 975,56 u.a., de modo que Sedna atingirá o seu periélio em 2076.

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Figura 1: Órbitas de alguns objetos do Sistema Solar em escala. A sequência está em sentido horário, iniciando no painel superior esquerdo.

Em função disso e após acaloradas discussões entre especialistas estabeleceu-se em 24 de agosto de 2006, na XXVI Assembléia Geral da União Astronômica Internacional, os seguintes critérios para a definição de objetos no Sistema Solar:

 Um planeta é um corpo celeste que (a) está em órbita ao redor do Sol, (b) tem uma massa suficiente para que sua autogravidade supere as forças de rigidez do corpo, mantendo-o em equilíbrio hidrostático com um formato quase-esférico, e (c) tenha limpado a região ao longo de sua órbita.

 Um “planeta anão” é um corpo celeste que (a) está em órbita ao redor do Sol, (b) tem uma massa suficiente para que sua autogravidade supere as forças de rigidez

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do corpo, mantendo-o em equilíbrio hidrostático com um formato quase-esférico, (c) não tenha limpado a região ao longo de sua órbita, e (d) não é um satélite.

 Todos os demais objetos (a maioria dos asteróides, a maioria dos transnetunianos, cometas e demais corpos pequenos), exceto os satélites, que orbitam o Sol devem ser denominados coletivamente como Corpos Menores do Sistema Solar.

Utiliza-se o termo “planeta anão” entre aspas para designar um conceito diferente do de planeta e não como uma subcategoria do mesmo.

Em conformidade com tais critérios, até o momento apenas quatro objetos no Sistema Solar (Ceres, Plutão, Eris e Makemake) são considerados “planetas anões”. Contudo, outros objetos do cinturão de Kuiper também são grandes o suficiente para serem esféricos e podem futuramente ser classificados como “planetas anões”.

A figura 2, abaixo, ilustra a atual configuração do Sistema Solar em função dos novos critérios adotados pela União Astronômica Internacional.

Figura 2: Representação atual do Sistema Solar com os oito planetas e os quatro atuais “planetas anões”. Os tamanhos dos objetos representados estão em escala, mas suas distâncias relativas ao Sol não estão.

A Tabela 1 mostrada a seguir apresenta as principais características gerais dos planetas do Sistema Solar e em particular de Plutão. Por sua vez, a Tabela 2 apresenta as características gerais dos “planetas anões”.

A duração da órbita dos planetas em anos, a distância dos mesmos ao Sol medida em u.a. e as suas massas são fornecidas tomando-se como referência o planeta Terra.

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Tabela 1: Características gerais dos planetas e de Plutão. Diâmetro (103 km) Duração da órbita (anos) Distância ao Sol (U.A.) Massa (MTerra) Número de satélites Mercúrio 4,880 0,24 0,39 0,055 --- Vênus 12,104 0,67 0,72 0,815 --- Terra 12,576 1,00 1,00 1,000 1 Marte 6,794 1,88 1,52 0,107 2 Júpiter 142,984 11,80 5,20 317,700 63 Saturno 120,536 29,40 9,55 95,200 60 Urano 51,118 84,00 19,20 14,500 27 Netuno 49,532 164,70 30,11 17,100 13 Plutão 2,274 247,60 39,52 0,002 3

Tabela 2: Características gerais dos “planetas anões”. Diâmetro (103 km) Duração da órbita (anos) Distância ao Sol (U.A.) Massa (MTerra) Número de satélites Ceres 0,975 4,60 2,77 0,0002 --- Plutão 2,274 247,60 39,52 0,0022 3 Makemake 1,500 309,90 45,79 0,0007 -- Eris 2,400 557,00 67,67 0,0028 1 VII. Conclusões

A Astronomia, como qualquer outra área do conhecimento humano, evoluiu gradativamente ao longo do tempo. Nesse sentido, o entendimento dos fenômenos celestes e a relação destes com o que acontece em nosso próprio planeta Terra foram sendo ampliados, permitindo que compreendêssemos melhor a dinâmica dos corpos celestes e as características das leis que governam o seu movimento e constituição. Estes avanços nos oferecem uma visão do Universo constituída por milhares de galáxias e por incontáveis estrelas semelhantes ao nosso Sol, embora difiram em tamanho, cor e luminosidade (STERN & LEVISON, 2000).

Entretanto, de tempos em tempos novas pesquisas, proposições de modelos e conceitos, bem como observações experimentais, alimentam a comunidade acadêmica de informações que colocam em xeque conhecimentos, definições, modelos e crenças muitas vezes estabelecidas e consolidadas ao longo de muitos séculos. No passado pode-se citar a discussão acerca do Geocentrismo e do Heliocentrismo, superada há séculos pelos trabalhos de Galileu Galilei, Nicolau Copérnico e Isaac Newton, entre outros, concedendo à teoria heliocêntrica aceitação plena diante das inúmeras evidências conceituais e observacionais.

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Dado o caráter dinâmico e mutável dos conhecimentos científicos, em parte decorrente de sua origem estar embasada no processo de construção humana, fruto intencional de nossa intervenção, nossa inventividade e desejo de aprofundar nosso conhecimento sobre os fatos e fenômenos naturais, é natural que de tempos em tempos as controvérsias apareçam e levem os pesquisadores envolvidos nessas áreas a debaterem e estabelecerem novos rumos, novos conceitos e definições. Apresentando pensamento convergente a este, Meglhioratti, Bortolozzi e Caldeira (2005, p.14) afirmam que:

Assume-se que a ciência é, sobretudo, um “fazer humano”. Por isso mesmo é um processo dinâmico, inacabado e influenciado por valores sociais em seus diversos momentos históricos.

Nesse sentido, as discussões recentes na área de Astronomia acerca da constituição do nosso sistema solar e da classificação mais adequada para os corpos que dele fazem parte foram tratadas neste trabalho como um exemplo desse dinamismo, onde se vivencia uma situação de embate de idéias e o afloramento de uma nova categoria de corpos celestes, ou seja, os “planetas anões”, a partir da convenção estabelecida na XXVI Assembléia Geral da União Astronômica Internacional (UAI), realizada em Praga, na República Checa, em agosto de 2006 (BASRI e BROWN, 2006).

A abordagem dada ao tema neste trabalho iniciando pela descoberta do Planeta Plutão em 1930 e apresentando novas evidências e descobertas que levaram à sua reclassificação como “planeta anão”, além da convenção estabelecida para se definir as características necessárias para que um corpo celeste seja considerado como um planeta, ilustra como os conceitos científicos evoluem ao longo do tempo.

Enfoques como este fornecem elementos que favorecem a compreensão de aspectos históricos relacionados com esse processo e acredita-se que o uso de textos dessa natureza pelos professores poderá contribuir para a educação científica dos estudantes, fazendo-os se envolver com aspectos epistemológicos da Ciência, o que naturalmente está vinculado com a visão de mundo do próprio professor ao desenvolver atividades relacionadas à história da Ciência na sala de aula (BRASIL, 2006). Esta vinculação é corroborada por Arruda e Laburú (2002, p. 53) quando estes afirmam que:

[...] os pressupostos epistemológicos que o professor, na maioria das vezes implicitamente, adota tem reflexos em suas atividades didáticas, por exemplo, no planejamento de suas aulas e na imagem da Ciência que é apreendida pelo aluno.

Reforçando a necessidade de se promover uma educação científica amparada nos aspectos epistemológicos da Ciência, Peduzzi (2005, p. 155) defende que:

De fato, independentemente da utilização ou não da história no ensino, é preciso admitir a importância da educação científica, e em especial o ensino das Ciências naturais, procurar na epistemologia uma fundamentação mais sólida.

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A existência dessas controvérsias científicas e o uso de textos adequados como o aqui proposto tende a favorecer um trabalho docente diferenciado no ensino de Ciência em geral e de Física e Astronomia em particular, na medida em que os debates que podem ser realizados em sala de aula permitam aos estudantes aprofundarem seus conhecimentos astronômicos e compreenderem melhor algumas características vinculadas ao processo histórico de construção do conhecimento.

Frente à incerteza do conhecimento, tendo em mente a complexidade dos processos de ensino e aprendizagem e as inúmeras possibilidades e propostas educacionais capazes de oferecer contribuições ao seu aprimoramento, finaliza-se este trabalho com algumas breves, porém significativas, palavras de Morin (2004, p. 31):

De qualquer forma, o conhecimento permanece como uma aventura para a qual a educação deve fornecer o apoio indispensável.

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Imagem

Figura 1: Órbitas de alguns objetos do Sistema Solar em escala. A sequência está em  sentido horário, iniciando no painel superior esquerdo
Figura 2: Representação atual do Sistema Solar com os oito planetas e os quatro atuais
Tabela 1: Características gerais dos planetas e de Plutão.

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