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Unidade de uso sustentável: a superação da visão romântica meramente contemplativa, pela prevalência da razão e do utilitarismo, com a consequente antropocentrização da ética ambiental / Sustainable use unit: overcoming the merely contemplative romantic v

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 8, p. 75636-75647 oct. 2020. ISSN 2525-8761

Unidade de uso sustentável: a superação da visão romântica meramente

contemplativa, pela prevalência da razão e do utilitarismo, com a consequente

antropocentrização da ética ambiental

Sustainable use unit: overcoming the merely contemplative romantic vision,

due to the prevalence of reason and utilitarianism, with the consequent

anthropocentrization of environmental ethics

DOI:10.34117/bjdv6n10-115

Recebimento dos originais: 22/07/2020 Aceitação para publicação: 06/10/2020

José Henrique Rodrigues Machado

Mestrando em História

Universidade Estadual de Goiás – PPGHIS

Endereço: Rua 14, 327 – Jd América. Morrinhos, Goiás CEP 75.650-000 e-mail: jhenrique_20@hotmail.com

Helena Novak Manrique

Mestranda em Ambiente e Sociedade Universidade Estadual de Goiás – PPGAS

Endereço: Rua 14, 327 – Jd América. Morrinhos, Goiás CEP 75.650-00 e-mail: hnmanrique@gmail.com

Ledyane Munique Rosa de Melo

Mestranda em Ambiente e Sociedade Universidade Estadual de Goiás – PPGAS

Endereço: Rua 14, 327 – Jd América. Morrinhos, Goiás CEP 75.650-00 e-mail: ledyane.adv@outlook.com

RESUMO

O presente trabalho tem como intento abordar o grupo das Unidades de Conservação, de Uso Sustentável, enquanto consolidação e oposição ao ideário romântico preponderante na época da criação do primeiro espaço territorial especialmente protegido no mundo, o Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos da América, em 1872. Em uma abordagem Dialética hegeliana, expões noções contrárias, até, enfim, nos dias atuais, um modelo socioambiental, predominantemente antrópico, guiado por uma noção instrumental da Natureza. Para isso, foram considerados dois recortes factuais, a criação do referido Parque e a entrada em vigor da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, que por sua vez inaugurou a figura das Unidades de Uso Sustentável, prevendo a flexibilização do uso dos recursos ambientais dos espaços territoriais especialmente protegidos, e a possibilidade de ocupação e permanência das comunidades tradicionais em seus interiores, sem contudo inviabilizar a conservação, autorizando somente o uso racional dos recursos, pautado no ideal de sustentabilidade.

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ABSTRACT

The present work intends to approach the group of Conservation Units, of Sustainable Use, as consolidation and opposition to the predominant romantic ideal at the time of the creation of the first specially protected territorial space in the world, the Yellowstone National Park, in the United States of America , in 1872. In a Hegelian dialectic approach, they expose contrary notions, until, finally, in the present day, a socio-environmental model, predominantly anthropic, guided by an instrumental notion of Nature. For this, two factual cutouts were considered, the creation of the referred Park and the entry into force of Law No. 9,985, of July 18, 2000, which instituted the National System of Nature Conservation Units, which in turn inaugurated the figure Sustainable Use Units, providing for the flexible use of environmental resources in specially protected territorial spaces, and the possibility of occupation and permanence of traditional communities in their interiors, without, however, impeding conservation, authorizing only the rational use of resources, based on ideal of sustainability.

Keywords: Sustainable use unit. Conservation. Sustainability. Socio-environmental. 1 INTRODUÇÃO

O Parque Nacional de Yellowstone, foi criado em 1872, nos Estados Unidos da América (COSTA, 2002, p.11; MEDEIROS, 2005, p.44; FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p.234;). A sua criação foi marcada por um conjunto de motivações que retratam características daquele momento, e revelam a influência do Romantismo (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p. 235; FAVERO, 2018, p. 214). Dentre elas essas características, podemos citar o subjetivismo, o sobrepujamento da emoção (FAVERO, 2018, p. 213), e a valorização da estética (COSTA, 2002, p.15; FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p. 238).

O modelo que se elaborou inicialmente com a criação do Parque Nacional de Yellowstone, foi um marco, e norteou a criação de outros espaços pelo mundo. Esse modelo era alicerçado no ideal de preservação, em que somente o uso indireto, que não importasse em perda de recursos naturais, ou em alteração da paisagem, era tolerado, ficando o uso restrito à visitação.

O primeiro parque nacional do Brasil, considerado a primeira unidade de conservação brasileira (COSTA, 2002, p.18), foi o Parque Nacional do Itatiaia, localizado no Rio de Janeiro, criado em 1937 (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p. 240).

Só em 2000, a Lei nº 9.985 entrou em vigor, trazendo uma nova tipologia acerca dos espaços territoriais especialmente protegidos, e instituiu o Sistema Nacional das Unidades de Conservação (MEDEIROS, 2006, p.56; MILARÉ, 2009, p.1263), doze categorias de unidades de conservação, divididas em dois grupos, com características muito específicas, o grupo das Unidades de Proteção Integral e o grupo das Unidades de Uso Sustentável (BRASIL, 2000).

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 8, p. 75636-75647 oct. 2020. ISSN 2525-8761 A principal diferença entre os dois grupos é o objetivo imanente das Unidades de Uso Sustentável de compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos (BRASIL, 2000).

Se antes os espaços eram criados com a finalidade de mero deleite. As criações atuais, se fundam em conhecimentos científicos adquiridos ao longo de décadas, baseados nas experiências, atendendo a rigorosos critérios técnicos, próprios das ciências naturais (HESSEN, 1978, p.68).

2 DESENVOLVIMENTO

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CRFB/88) traz em seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso III, um dever ao Poder Público, “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos” (BRASIL, 1988). Por esta razão, este trabalho limitar-se-á a adotar as nomenclaturas: Espaço Territorial Especialmente Protegido (ETEP), enquanto gênero, e Unidades de Conservação, enquanto espécie. Não adentrando na seara das Áreas Protegidas.

Não serão objetos de análise as legislações posteriores à entrada em vigor da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional das Unidades de Conservação, o SNUC (BRASIL, 2000). Por isso, somam-se os aspectos cronológico e de especialidade, razão pela qual as legislações a seguir não serão consideradas para efeito deste trabalho: o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos (BRASIL, 2003); o Decreto nº 5.758, de 13 de abril de 2006, que instituiu o Plano Estratégico Nacional das Áreas Protegidas – PNAP (BRASIL, 2006); a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa (BRASIL, 2012). Ademais, por entender que invariavelmente todas as Áreas Protegidas, em território nacional, são obrigatoriamente Espaços Territoriais Especialmente Protegidos, uma vez que elas são espécies, do gênero ETEP (SCARDUA e PEREIRA, 2008, p.87).

As Unidades de Conservação (UCs), cuja a base legal, bem como os critérios e normas para a criação e implantação das UCs, encontram-se na Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o SNUC, em obediência ao dispositivo constitucional, do artigo 225 da CRFB/88. Esta contextualização pugna por demonstrar a origem constitucional desses espaços, reforçando a sua relevância enquanto importante instrumento de efetivação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (BRASIL,1988).

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 8, p. 75636-75647 oct. 2020. ISSN 2525-8761 Ainda sobre a escolha e seleção das nomenclaturas, ETEP e UC, frisando sobre a similaridade dos conceitos, o artigo 2º, da Lei nº 9.985, traz a seguinte redação ao conceituar unidade de conservação:

Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000).

Ao abordar Unidades de Conservação, enquanto espécie de Espaços Territoriais Especialmente Protegidos, faz-se necessário rememorar alguns marcos, sobretudo a história do primeiro espaço territorial criado no mundo com o escopo de preservação, sobre o qual foram impostas restrições, e recaiu especial proteção. Trata-se do Parque Nacional de Yellowstone, criado em 1872, nos Estados Unidos da América (COSTA, 2002, p.11; MEDEIROS, 2005, p.44; FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p.234;).

Vale ressaltar que, excetuado o Parque Nacional de Yellowstone, as delimitações em âmbito internacional não fazem parte do corpus em estudo. Por isso, uma vez mais, descarta-se a terminologia Áreas protegidas. Ainda que persista a predileção pela tipologia, por alguns (MEDEIROS, 2006, p.61). Medeiros (2006, p.61) chega, a inclusive sugerir um Sistema Nacional de Áreas Protegidas, em substituição ao SNUC.

A criação do Parque Nacional de Yellowstone foi marcada por um conjunto de motivações que bradam características daquele momento, e revelam especial influência do Romantismo (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p. 235; FAVERO, 2018, p. 214).

A natureza era a riqueza do povo americano, que via seus recursos naturais como bênçãos divinas dadas ao povo escolhido, responsável por criar a nação de Deus. A grandeza da natureza refletia a essência e a grandeza divina, mas também a grandeza da nação que estava sendo formada, e portanto, trazia consigo a promessa do próspero futuro que os aguardava (FAVERO, 2018, p.213).

A confusão entre Deus e Natureza não é exclusividade daquela época. O filósofo Baruch de Espinosa (1983, p.13), defendia que “o ato pelo qual Deus se produz é o ato pelo qual ele produz a totalidade da Natureza. A causa de si é a causa imanente. [...] total homogeneidade entre Deus e Natureza”.

Assim, tem-se que o argumento de que a Natureza figurava enquanto manifestação do divino fez parte de um conjunto de características inerentes ao Romantismo que fundamentaram e teorizaram a criação do Parque Nacional de Yellowstone. Dentre elas podemos citar o subjetivismo,

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 8, p. 75636-75647 oct. 2020. ISSN 2525-8761 o sobrepujamento da emoção (FAVERO, 2018, p. 213), e a valorização da estética (COSTA, 2002, p.15; FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p. 238).

Certo é que o Romantismo surge na tentativa de romper com o ideário predominante até aquela época, e para isso fortalece características diametralmente opostas a dos seus antecessores, seja o Racionalismo, com o logicamente necessário e universalmente válido (HESSEN, 1978, p.60), vez que o Romantismo refuta veemente ambos conceitos, ao enaltecer a subjetividade e o indivíduo (HESSEN,1978, p.46; FAVERO, 2018, p. 207); seja o Empirismo, pois dispensa qualquer forma criteriosa de comprovação (HESSEN, 1978, p. 69), e entrega-se às emoções e ao ideal (FAVERO, 2018, p. 213).

No Romantismo, em oposição à visão científica, que tende a perceber o mundo natural como objeto de estudo e desconsiderar o seu componente espiritual, a paisagem se encarrega de comunicar o natural através de imagens repletas de interioridade, emoção e sentimento (FAVERO, 2018, p. 207).

O objetivo não é eivar o movimento, questionando a sua cientificidade, mas demonstrar a fragilidade dos argumentos inerentemente românticos que fundamentaram a criação do Parque Nacional de Yellowstone, e a incompatibilidade de alguns deles com um discurso que deveria ser majoritariamente científico, por se tratar de matéria ambiental, dada a sua relevância, o potencial de influir na vida de um número elevando de pessoas.

Ademais, as buscas por espaços intocados, sem qualquer influência ou resquícios de ocupação, fizeram com que fossem criadas “ilhas” (COSTA, 2002, p.15), e o uso direto fosse descartado, espaço e sociedade não poderiam coexistir (SANTOS, 2011, p.96). Um espaço sagrado, a ser contemplado (FAVERO, 2018, p.213), cuja criação se justificou por si própria (TALLIS e LUBCHENCO, 2014, p.27), em um demonstrativo de qual valor imperou naquele momento, qual seja, o intrínseco (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p. 238).

O modelo que se elaborou inicialmente com a criação do Parque Nacional de Yellowstone, foi um marco, e norteou a criação de tantos outros espaços pelo mundo. Um modelo que era alicerçado no ideal de preservação, em que somente o uso indireto, que não importasse em perda de recursos naturais, ou em alteração da paisagem, era permitido, de tal modo que o seu uso ficou adstrito à visitação. Atendendo, assim, a finalidade recreativa, daqueles que detinham a necessidade premente de evadir-se dos grandes centros urbanos, em mais uma manifestação das influências do romantismo, e de como a criação e implantação do Parque se deu de forma extremamente permeada por esses ideias (HESSEN, 1978, p.46; SOUZA, 2014, p.35; FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p. 238; FAVERO, 2018, p.211).

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 8, p. 75636-75647 oct. 2020. ISSN 2525-8761 Passados anos desde a criação, o germe dos espaços territoriais especialmente protegidos, germinou, e ainda que tardiamente deu frutos (MEDEIROS, 2006, p.43) e em 1937, foi criado o primeiro parque nacional do Brasil, ele que é considerado a primeira unidade de conservação brasileira (COSTA, 2002, p.18), o Parque Nacional do Itatiaia, localizado no Rio de Janeiro (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p. 240). Teve como base legal o Código Florestal de 1943, e veio com ambições maiores que a simples recreação, como servir à pesquisa e tornar-se uma atração turística (COSTA, 2002, p.18; MEDEIROS, 2006, p.50; MILARÉ, 2009, p.1272).

Em 2000, entra em vigor a Lei nº 9.985, que trouxe uma nova tipologia acerca dos espaços territoriais especialmente protegidos, e instituiu o Sistema Nacional das Unidades de Conservação (MEDEIROS, 2006, p.56; MILARÉ, 2009, p.1263), trazendo dois grupos, que somados totalizam doze categorias de unidades de conservação. Esses grupos, cada qual com características muito específicas, o grupo das Unidades de Proteção Integral e o grupo das Unidades de Uso Sustentável (BRASIL, 2000).

As unidades de conservação são criadas por ato do poder público, não havendo necessidade de que se estabeleça a proteção do espaço por normativa de natureza específica. Já a sua extinção ou redução, todavia, só pode ocorrer por meio de lei ordinária que trate do assunto, nos termos do artigo. 225, parágrafo 1º, inciso III, da CRFB/88 (BRASIL, 1988)

No ato de criação de uma UC é necessário indicar, além da denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da unidade e o órgão responsável por sua administração; bem como, informações a respeito da existência de populações tradicionais e as atividades econômicas a elas pertinentes, das quais retirem o seu sustento (BRASIL, 2000).

As criações devem ser precedidas pela realização de estudos técnicos e da consulta pública, momento em que a população local será consultada, e instigada a manifestar, opinar e decidir, opondo-se ou não, sobre a localização, e as dimensões da unidade (BRASIL, 2000).

Édis Milaré (2009, p.1270) esclarece que as unidades de proteção integral têm como objetivo assegurar a preservação da natureza visando resguardar o espaço.

Livrando-a, quanto possível, da interferência humana; nelas, como regra, só se admite o uso indireto dos seus recursos, isto é, aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais, com exceção dos casos previstos na própria Lei do SNUC (MILARÉ, 2009, p.1270).

São categorias de unidades de proteção integral: a Estação Ecológica, o Monumento Natural, a Reserva Biológica, a Refúgio de Vida Silvestre e o Parque Nacional (BRASIL, 2000). Não aleatoriamente, este grupo possui grande familiaridade com o Parque Nacional de Yellowstone,

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 8, p. 75636-75647 oct. 2020. ISSN 2525-8761 ambos norteiam-se pela beleza cênica dos seus espaços, pautam-se pela preservação dos ecossistemas naturais, que em regra possuem grande relevância ecológica; admitem somente o uso indireto dos seus recursos, logo possuem um viés muito mais protetivo (COSTA, 2002, p.43; MILARÉ, 2009, p.1272; SANTOS, 2011, p.101; SOUZA, 2014, p.123).

“De todas as relações, a mais universal é a do contraste, ou oposição” (DURANT, 1996, p.227). Com esta frase, tem início a exposição sobre as Unidades de Uso Sustentável, que dentro deste corpus, figuram como a materialização e a superação de um modelo que preponderou por muito tempo, que teorizou e contribuiu para a polarização de uma relação, em que o homem figurou como o algoz, e para que a Natureza tivesse alguma chance de sobrevida era preciso extirpá-lo dos espaços, de modo a tornar insustentável qualquer hipótese de coexistência (COSTA, 2002, p.23; SANTOS, 2011, p.96; SOUZA, 2014, p. 161).

A principal diferença entre os dois grupos de Unidades de Conservação é o objetivo imanente das Unidades de Uso Sustentável de compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos (BRASIL, 2000).

A Lei nº 9.985 traz em seu artigo 2º algumas definições a serem consideradas para fins de Sistema Nacional das Unidades de Conservação (BRASIL, 2000). Dois conceitos que merecem destaque, haja vista que denotam a evolução conceitual em matéria de espaços territoriais especialmente protegidos, são eles: conservação da natureza e uso sustentável.

Conservação da natureza: o manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral [...] Uso sustentável: exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável (BRASIL, 2000).

Corroborando esses conceitos, a Sustentabilidade econômica das unidades de conservação, figura entre as diretrizes que norteiam o SNUC (BRASIL, 2000). Belchior (2011, p.134) faz uma distinção entre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, ao passo que o desenvolvimento opera como ferramenta, meio pelo qual se viabiliza a sustentabilidade, sendo ela sistêmica, englobando diferentes aspectos, o social, ambiental, e econômico e cultural (BELCHIOR, 2011, p. 133).

No artigo 4º, da Lei nº 9.985/2000, “promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais” (BRASIL, 2000) encontra-se elencado dentre os objetivos do SNUC. O

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 8, p. 75636-75647 oct. 2020. ISSN 2525-8761 desenvolvimento sustentável à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e da Lei nº 6.938 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (BRASIL, 1981) deve ser visto de forma integrada, sob os aspectos econômicos, sociais, ambientais e culturais (BELCHIOR, 2011, p.133; SARLET e FENSTERSEIFER, 2017, p. 129).

“Desenvolvimento sustentável é aquele que melhora a qualidade da vida do homem na Terra ao mesmo tempo em que respeita a capacidade de produção dos ecossistemas nos quais vivemos” (MIKHAILOVA, 2004, p.26).

A ideia de um desenvolvimento sustentável segmentado MIKHAILOVA (2004, p.27 apud Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, 2002), a resultante da somatória de um conjunto de frentes, tais como: conservação de recursos naturais e do Meio Ambiente; desenvolvimento social; crescimento e equidade econômica.

Se noutrora, espaços eram criados com a finalidade de mero deleite, para momentos de escapismo norteados por lampejos de emoção. Hoje, as criações se fundam em conhecimentos científicos adquiridos ao longo de décadas, baseados nas experiências, atendendo a rigorosos critérios técnicos, próprios das ciências naturais (HESSEN, 1978, p.68), que foram surgindo com o passar dos anos, tais como a Biologia da Conservação (FRANCO; SCHITTINI; BRAZ, 2015, p.262).

O grupo das Unidades de Uso Sustentável se subdivide em sete categorias, são elas: Área de Proteção Ambiental; Floresta Nacional; Área de Relevante Interesse Ecológico; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e Reserva Particular do Patrimônio Natural (BRASIL, 2000; MACHADO, 2000, p.760).

Algumas claramente sinalizam sobre os seus objetivos, e evidenciam a extensão das mudanças desde o surgimento do Parque Nacional de Yellowstone. Prova disso, é a Reserva Extrativista, que não só comporta a permanência das populações extrativistas tradicionais, como autoriza a agricultura e a criação de animais de pequeno porte no interior da reserva. Sob a pretensão de proteger os meios de vida e a cultura dessas populações (BRASIL, 2000; MACHADO, 2000, p. 761; SOUZA, 2014, p.44).

Essa categoria, claramente prestigia o valor instrumental da natureza, vez que ela encontra-se integrada a concretude dos aspectos econômicos, sociais, etc., daquela população, flagrantemente beneficiando o homem (MILLER, 2014, p. 173).

A perda de biodiversidade é preocupante, sobretudo porque ela é base de sustentação de diversos “serviços ecossistêmicos” e, por consequência, tem impacto também sobre o bem-estar humano. Os serviços ecossistêmicos podem ser entendidos simplesmente como os

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benefícios prestados pelos ecossistemas às pessoas. BRAZ; FRANCO; SCHITTINI (2015, p.260 apud MEA, 2003, p.49).

Ao longo dos anos esse embate perdurou, de modo que estabeleceu-se uma visão vil sobre aqueles que defendiam a ideia da natureza enquanto meio. Mas se faz prementemente necessário lançar luz sobre alguns pontos.

As questões socioambientais sob o prima da dignidade da pessoa humana, com o reconhecimento do valor intrínseco do homem, “como fim em si mesmo”, em uma percepção kantiana dessas relações. SARLET e FENSTERSEIFER (2017, p. 59 apud KANT, 1974, p.229; FENSTERSEIFER, 2008, p.36). O homem enquanto único ser dotado de racionalidade, e por isso sujeito cognoscente, para pensar e deliberar sobre o seu lugar no mundo (HESSEN, 1978, p.29; BELCHIOR, 2011, p. 158; FIORILLO, 2015, p. 54). Sobretudo quando o faz amparado por critérios técnicos, pela ciência, e não entorpecido por emoções, crenças ou convicções pessoais. E quando, ao deliberar, considere o maior número possível de pessoas, se elas serão beneficiadas com a criação, e que isso represente em suas vidas uma maior satisfação, mais felicidade e melhorias na qualidade de vida (HESSEN, 1978, p. 8); principalmente daquelas que serão diretamente atingidas, e sofrerão as consequências das criações desses espaços especialmente protegidos.

Colocando a questão da preservação como urgente e como único caminho possível para evitar o colapso do planeta [...] torna-se reprodutora de um pensamento moralista e autoritário, que acaba por ditar regras de comportamento, controlar os corpos, supervisionar a entrada e a saída dos espaços preservados, determinar o certo e o errado, o bom e o ruim para o planeta, definir qual tipo de relação homem e natureza é válida e pode ser vivida (FAVERO, 2018, p. 216).

Independente da classificação, ou qual argumento seja acolhido, a conservação é viável, necessária e precisa ser unificada (TALLIS e LUBCHENCO, 2104, p. 27). De tal modo que o fator social, o elemento humano não seja desconsiderado, e tenha o seu valor intrínseco reconhecido. E a ideia de que ao acolher um argumento predominantemente antrópico, não importe em uma chancela para a extinção em massa de espécies, esgotamento dos recursos naturais, destruição total da fauna, e urbanização do globo. Posto que toda forma de pensamento extremado, ressoa irracional e desarrazoado.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O grupo das Unidades de Uso Sustentável, pode ser considerado uma oposição ao ideário romântico, preponderante na época da criação do primeiro espaço territorial especialmente protegido no mundo, o Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos da América, em 1872.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 8, p. 75636-75647 oct. 2020. ISSN 2525-8761 Esse modelo atual, socioambiental, predominantemente antrópico, guiado por uma noção instrumental da Natureza, no qual figuram as Unidades de Uso Sustentável, em que há a possibilidade de ocupação e permanência das comunidades tradicionais em seus interiores, com o uso racional dos recursos naturais, pautado no ideal de sustentabilidade, só foi possível com a rejeição do modelo anterior, único e estanque. Em uma constante superação de contrários (DURANT, 1996, p.227). Logo, tem-se que a síntese atual é a superação da visão romântica meramente contemplativa; a prevalência da razão e do utilitarismo, e a consequente antropocentrização da ética ambiental.

REFERÊNCIAS

BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Fundamentos filosóficos da hermenêutica e a necessidade de uma nova relação entre o homem e o meio ambiente para a construção de uma pré-compreensão ambiental. In: BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Hermenêutica Jurídica Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2011. Cap. 4. p. 155-194.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Vade Mecum Penal. 7. ed. Brasília, DF: Juspodivm, 5 out. 1988. p. 18-116.

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