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Do Discurso a Práxis: Uma Breve Discussão

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DO DISCURSO À PRÁXIS: UMA BREVE DISCUSSÃO

Yara Pires Gonçalves1

RESUMO: O pres ente t exto discute a distância entre o discurs o e a práxis docente, des velando variáveis intervenientes no processo educativo que contaminam o percurso do proc esso de ensino aprendizagem da intencionalidade docente à avaliação da aprendizagem, a partir de algumas considerações sobre cultura, linguagem e ideologia, acrescidas de posicionamentos emergidos do Congresso Internacional de A valiação, realizado em julho de 2003, em Curitiba/PR. P retende apont ar a não correspondência ent re o dizer e o fazer docente como um ent rave para a realização da função social da escola na sociedade c ontemporânea, tomando como referencial estudo sobre a intencionalidade docente e seu grau de expressão nas avaliaç ões de aprendizagem relativas a práticas educativas vivenciadas no ensino superior.

PALAV RAS -CHAV E: Discurs o; práxis docente; proc esso de ensino-aprendizagem.

ABSTRACT: This paper deals with the distance subsisting between a teacher’s speech and its praxis, showing all variables meddling on a teaching plan and its effects on the course of teaching -learning process intentions when evaluating an es pecific knowledge. It starts with some considerings on culture, language and ideology, added by some standings arosen through out the International E valuation Congress realized on july, in Curitiba/PR. It also int ends to demonstrate that the gap between teaching theory and teaching prax is is an obstruction for the fulfillment of the social roles played by school in contemporary society, taking a teacher´s purposes and its significance in the learning/ evaluation process in the educational praxis at University, as a referential.

KEY WORDS : Speech; teacher’s praxis; teaching-learning process

De acordo com a pedagogia histórico-crítica, o papel da escola consiste em socializar o saber historicamente produzido, visando à humanização do sujeito. Ao defender essa tarefa, a pedagogia histórico-crítica evidencia a contradição da sociedade contemporânea, que se

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Coordenadora Pedagógica das Faculdades Integradas “ Antonio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP, mestre em Educação pela UNESP-Marília/SP, doutoranda em Educação: currículo pela

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apresenta como sociedade do conhecimento e que, entretanto, ao contrário do que é apregoado, não cria condições para uma real socialização do saber (DUARTE, 2000, p. 9).

O que se observa é que, embora caiba à escola o papel de socializar o saber historicamente produzido, isso não tem ocorrido satisfatoriamente. Nem sempre o que se ensina resulta em apropriação por parte do aluno. Observa-se que muitos são os mecanismos que medeiam a relação teoria e prática, muitas são as variáveis contextuais sociais do currículo escolar, como também pessoais do aluno e do professor, que interferem nessa relação, ocasionando lacunas que impedem essa apropriação.

No processo educativo, a atividade mediadora do professor precisa ser compreendida dentro do movimento social contraditório de humanização e alienação, inerente à evolução da sociedade, que se reflete na formação da consciência crítica do professor e interfere na sua atuação, motivando-lhe uma postura que poderá tender para a humanização ou para a alienação, o que pode provocar uma aprendizagem significativa ou com carências de significado e sentido para o aluno.

Nessa ótica, o estudo da Intencionalidade docente como mediadora da aprendizagem (GONÇALVES, 2001) evidenciou a tendência de a ação docente ser dirigida pelo senso comum e não pela ciência, resultando numa aprendizagem fragmentada, carente de caráter científico.

Revelou, ainda, um nível de consciência crítica do docente (consciência em -si, segundo HELLER, 1977) insuficiente para possibilitar a superação dos entraves que se lhe apresentam, no decorrer do processo de ensino aprendizagem, como também para provocar a transformação da prática em si em prática para si, em práxis, em que o docente atua, conforme o seu nível de consciência intencionalizada, em direção aos fins buscados, agindo de forma consciente sócio-política e historicamente (CHAUÍ, 1997, p. 170).

Embora tal estudo tivesse se limitado ao recorte da intencionalidade docente_ raiz do processo de ensino-aprendizagem_ e seu grau de expressão nos objetivos educacionais propostos pelos docentes_, seu resultado motivou pesquisa (GONÇALVES, 2002a) do discurso docente nessa trajetória da intencionalidade docente à avaliação da aprendizagem do discente, com a finalidade de se detectar a coerência entre o dizer e o fazer do professor.

Essa trajetória do discurso à práxis caracteriza-se pela complexidade e pela multiplicidade de variáveis intervenientes no processo de ensino aprendizagem, o que requer uma visão sociológica e antropológica do ato educacional na medida em que implica o entendimento da teia de significados que o envolve (GEERTZ, 1989, p. 4).

Deve-se ressaltar que a avaliação escolar é aqui vista como instrumento pedagógico a serviço do êxito do aluno, do desenvolvimento dos sujeitos, desde o ensino fundamental até a universidade e, portanto, a serviço da sociedade e da transformação social.

Estudar a avaliação na ótica do ensino/discurso docente significa contribuir para que ela não seja um instrumento de agravamento das desigualdades sociais, mas um instrumento capaz de contribuir para a formação de um sujeito autônomo e competente, possibilitador da sua inclusão social. Estudar a coerência entre o discurso docente e seu desempenho, sua práxis, significa verificar em que medida os resultados da aprendizagem têm raízes no ensino, na formação docente, na contaminação de sua linguagem.

Em virtude desse desvirtuamento do processo educacional estabeleceu-se entre o discurso e a prática um hiato que se reflete nos resultados, no mínimo, desastrosos para a educação, no que diz respeito à sua função, no sentido de não favorecer a transformação social rumo a uma sociedade igualitária.

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O que se tem constatado em pesquisas recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE (2000) é que a nossa sociedade, embora com nítidos avanços no campo social, apresenta uma distribuição de renda cada vez mais concentrada, o que redunda em drástico distanciamento das classes sociais, dominantes e dominados. A ideologia da classe dominante, calcada em nossas raízes históricas, permanece minando nossa evolução social, acentuando as desigualdades sociais também no campo educacional e não o revertendo, como deveria, no exercício pleno de sua natureza e de sua função formadora e transformadora.

Assim, quando se fala em Educação, algumas questões emergem: Tem ela exercido o seu papel em nossa sociedade? Tem ela favorecido a igualdade social? As políticas públicas têm privilegiado os diversos setores educacionais em todos os seus níveis? Educadores e educandos têm sido colocados no centro das atenções governamentais? Reproduzem os docentes os discursos governamentais da classe dominante? A formação docente se reflete na formação discente? Essas e muitas outras questões poderiam ser destacadas, o que não nos cabe aqui fazê-lo em virtude da complexidade que tal discussão desencadeia. No entanto, cabe ressaltar que o que se tem constatado é que nenhuma resposta simplista seria capaz de englobar todas as teias significativas que compõem as variáveis intervenientes do processo educacional.

Nessa perspectiva, a formação do indivíduo que se busca toma como referencial a categoria da individualidade para-si, fundamentada na relação entre objetivação e apropriação e na relação humanização e alienação do vir a ser possível da individualidade, objetivando alcançar os indivíduos reais, não apenas no que diz respeito ao que eles são, mas, principalmente, ao que podem vir a ser (DUARTE, 1993).

Nesse sentido é que devemos discutir as possibilidades de análise do discurso docente, buscando encontrar respostas que evidenciem algumas prováveis causas da educação não ter exercido, ainda, satisfatoriamente, o seu papel na formação de uma sociedade mais justa e igualitária.

Para isso, tentaremos, a partir de alguns conceitos sobre cultura, linguagem (discurso) e ideologia delinear possíveis diretrizes para um estudo mais profundo sobre a distância entre o discurso docente e sua práxis, tomando como referencial o processo de ensino-aprendizagem,_ da sua raiz (a intencionalidade docente expressa em seus objetivos educacionais) à avaliação de aprendizagem.

Considerações Necessárias Cultura

Com a finalidade de situar o tema discurso e práxis docente, devemos considerar que o contexto organizacional curricular é um campo de contestação porque permeado de ideologia, cultura e relações de poder expressos pela linguagem, pelo discurso docente, que interferem no processo de ensino-aprendizagem.

Assim, não se separam currículo, ideologia, cultura e poder. A cultura, tanto na teoria educacional tradicional como na teoria educacional crítica é parte integrante do currículo escolar, em virtude de ser ele uma forma institucionalizada de transmiti-la à sociedade , ao mesmo tempo que se constitui em seu veículo.

A educação e o currículo são vistos como profundamente envolvidos com o processo cultural (MOREIRA; SILVA, 1977, p. 26). Entretanto, não se pode esquecer que, neste caso, o cultural tem um envolvimento político, pois o currículo como a educação estão envolvidos com a política cultural.

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A educação e o currículo não são meros transmissores de uma cultura produzida, mas são agentes de um processo de produção e criação de sentidos, de significações, de sujeitos. Assim, embora um currículo oficial possa ser movimentado por determinadas intenções, o seu resultado não será o intencionado, porque essa transmissão se dá em um contexto cultural de significação ativa dos materiais recebidos: “A cultura e o cultural, nesse sentido, não estão tanto naquilo que se transmite quanto naquilo que se faz com o que se transmite” (p. 27).

Assim, a educação e o currículo são campos de produção ativa da cultura e, por isso mesmo, passíveis de contestação e ressignificação, em virtude das variáveis que os constituem e da diversidade de seus agentes. Segundo Moreira e Silva (1997, p. 28) “O currículo é, assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação e recriação e sobretudo, de contestação e transgressão”.

O tema em discussão requer discernimento do contexto cultural em que nos colocamos. Requer, portanto, conceituar cultura na ótica das interpretações, na visão da semiótica, porque envolve significados. Segundo Geertz (1989, p. 4) “ o homem é um animal amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado”.

Nesse sentido, por meio da visão antropológica de cultura podemos ampliar o universo do discurso humano. É esse um dos objetivos da antropologia ao qual o conceito de cultura semiótica se adapta especialmente bem.

A cultura, vista como um sistema entrelaçado de signos interpretáveis (símbolos), é um contexto em que os signos podem ser percebidos de forma inteligível. O ato educacional, nessa ótica, não é pesquisado no locus do estudo, mas nas suas manifestações, nos discursos que os representam:

“ Olhar as dimensões simbólicas da ação social _ arte, religião, ideologia, ciência, moralidade, senso comum_ não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionalizadas; é mergulhar no meio delas” (GEERTZ,1989, p. 21).

Assim, contextualizar o ato educacional no âmbito do currículo escolar (MOREIRA; SILVA, 1997) significa conceituá-lo na ótica antropológica e sociológica, significa considerá-lo um campo de produção de cultura, ideologia e relações de poder, o que o torna vulnerável a interferências as mais diversas e impalpáveis, evidenciando a complexidade e a dinamicidade do ato educacional.

Nesse contexto, é indispensável apontar a distinção entre currículo escrito e o currículo como atividade em sala de aula, bem como a dicotomia existente entre eles. Goodson (1995) ressalta o profundo diferencial existente entre ambos, o que reforça a distância entre teoria e prática, provocando alterações na trajetória entre o discurso docente e sua práxis, objeto de nossa breve discussão.

É nesse âmbito que devemos analisar o processo de ensino-aprendizagem, tentando uma travessia do ensinar ao aprender_ do discurso à práxis_ com a finalidade de apontar caminhos e descaminhos desse processo.

Linguagem

Esta discussão tem como referencial o discurso docente expresso no projeto

pedagógico, objetivos educacionais e elaboração de avaliações. Para tanto, considera o papel da linguagem no desenvolvimento do pensamento, na construção do

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fundamentando-se, principalmente, em dois autores Bakhtin e Vygotsky, pois ambos consideram o papel do social na construção do conhecimento e na formação da consciência, elementos relevantes no contexto da análise.

Para Bakhtin (1995), a palavra é um signo vivo, móvel, plurivalente _ um signo sócio-ideológico_ que se realiza através da interação social em situação dialógica, o que significa, no processo de ensino-aprendizagem, a possibilidade de contaminação do discurso docente pelas ideologias vigentes, visto que a palavra tem posição central na formação das ideologias e na formação da consciência do

indivíduo, o que se reflete nos resultados da aprendizagem. Por esse motivo, deve-se considerar a relação da ideologia com a educação e com a avaliação, parte integrante do processo de ensino-aprendizagem (ROMÃO, 2001).

Vygotsky (1998) estuda a palavra do ponto de vista psico-social, considera-a um instrumento simbólico da linguagem, destacando a importância da evolução do seu significado no processo educacional. Nesse processo, o significado da palavra toma posição central, pois reflete a intencionalidade docente expressa na elaboração do projeto pedagógico, nos objetivos educacionais e nas questões das avaliações, o que evidencia seu nível de consciência e interfere em sua prática, revelando-se nos critérios de correção e nos resultados mensuráveis da aprendizagem

(notas/conceitos), em virtude de sua contaminação ideológica. Para ele, os signos são símbolos porque não envolvem, apenas, a relação binária entre o signo e a idéia que ele veicula, mas envolvem significações (relação ternária) e, portanto, refletem a cultura, o sistema cultural, carregado de signos interpretáveis (símbolos) como aponta Geertz (1989).

No processo de apropriação do conhecimento, se estabelece uma interação social, uma ação recíproca entre o sujeito e o seu objeto de conhecimento, mediado pelo docente. Para apropriar-se do conhecimento socialmente construído, o homem relaciona-se com a natureza e internaliza as significações sociais coletivamente criadas. Ao objetivar-se, externaliza as significações apropriadas, acrescidas de sentido pessoal, humanizando o social, pois coloca no social características

humanas e produz cultura que será socialmente acumulada. Verifica-se aí o impacto dos resultados da aprendizagem nas transformações sociais.

O processo de apropriação do conhecimento implica, portanto, interação social, envolve a construção da cultura e ocasiona o desenvolvimento de regulações sociais que, internalizadas, permitem a auto-regulação do ser humano, provocando-lhe mudança de comportamento e interferindo na sua formação _ social, política, ética, axiológica, cultural e ps íquica _ e, conseqüentemente, na sua aprendizagem e na formação da sua consciência. Dados esses de extrema importância para a

transformação social, recriação cultural, base do processo histórico sempre em transformação nas sociedades humanas.

A intencionalidade, entendida como um processo que nasce na consciência a partir do social, permeia o pensar e o agir do professor, se expressa por meio da linguagem, do seu discurso, e ocorre em diferentes graus, de acordo com o nível de consciência do sujeito, sendo, pois, necessária para que se transforme a prática educacional em-si em prática educacional para-si, em práxis, o que permite a formação do indivíduo para-si (DUARTE, 1993) por meio da aprendizagem escolar. O discurso docente expresso por meio da linguagem revela o grau de consciência crítica do docente o que se reflete em sua prática educacional e na formação do aluno, ocasionando, ou não,

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mudanças pessoais e sociais, em todos os envolvidos. O que se tem observado, entretanto, é que variáveis intervenientes têm sido entraves que dificultam a correspondência entre o que se pretende e o que se realiza na prática docente.

Ideologa

É importante esclarecer como surge a ideologia, em virtude de sua posição central quando se estuda o discurso na ótica de Bakhtin (1995). Para isto, é

necessário partir da definição de alienação e suas formas de expressão, em virtude de sua relação com a ideologia.

A título de contextualização, fundamentação e enriquecimento da discussão podemos citar três grandes formas de alienação existentes nas sociedades modernas pós-capitalistas, segundo Chauí (1997, p.170)

1. Alienação social, na qual os humanos não se reconhecem como produtores das instituições sócio-políticas e oscilam entre duas atitudes: ou aceitam passivamente tudo o que existe, por ser tido como natural, divino ou racional, ou se rebelam individualmente, julgando que, por sua própria vontade e inteligência, podem mais do que a realidade que os condiciona;

2. Alienação econômica, na qual os produtores não se reconhecem como produtores, nem se reconhecem nos objetos produzidos por seu trabalho; 3. Alienação intelectual, resultante da separação social entre trabalho material

(que produz mercadorias) e trabalho intelectual (que produz idéias).

Como tratamos do campo educacional, portanto das idéias, devemos ressaltar que, vivendo numa sociedade alienada, os intelectuais também se alienam.

As três grandes formas da alienação (social, econômica e intelectual) são a causa do surgimento, da implantação e do fortalecimento da ideologia.

Assim, a alienação social se exprime numa “teoria” do conhecimento espontâneo, formando o senso comum da sociedade. Por seu intermédio, são imaginadas explicações e justificativas para a realidade tal como é diretamente percebida e vivida. Esse senso comum, na verdade, é o resultado de uma elaboração intelectual sobre a realidade, feita pelos pensadores ou intelectuais da sociedade_ sacerdotes, filósofos, cientistas, professores, escritores, jornalistas, artistas_ , que descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que pertencem e que é a classe dominante de sua sociedade.

Essa colaboração intelectual incorporada pelo senso comum social é a ideologia. Por meio dela o ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das classes sociais _ a dominante e dirigente_ tornam-se o ponto de vista e a opinião de todas as classes e de toda a sociedade.

A produção ideológica da ilusão social tem como finalidade fazer com que todas as classes sociais aceitem as condições em que vivem, julgando-as naturais, normais, corretas, justas, sem levar em conta que há uma contradição profunda entre as condições reais em que vivemos e as idéias. Por exemplo, a ideologia afirma que somos todos cidadãos e, portanto, temos todos os mesmos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. No entanto, sabemos que isso não acontece de fato.

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A função da ideologia é impedir-nos de pensar sobre essa questão, configurando-se num dos entraves mais sutis do exerc ício da função social da educação na formação de sujeitos autônomos e competentes sob as mesmas condições de oportunidades.

A ideologia não é o resultado de uma vontade deliberada de uma classe social para enganar a sociedade, mas é o efeito necessário da existência social da exploração e dominação, é a interpretação imaginária da sociedade do ponto de vista de uma única classe social.

A escola trabalha com o “imaginário” porque os componentes curriculares nada mais são do que representações classistas das relações reais que se estabelecem entre as diversas classes na sua interação com os diversos entes naturais e sociais. Os grupos humanos desenvolvem sistemas culturais de práticas concretas (sistemas produtivo e associativo), ao mesmo tempo que elaboram representações desses entes e dessas relações (sistema simbólico).

Esses sistemas de representações, ao longo do tempo e de acordo com as formações sociais, é que constituem e formatam a massa de informações e procedimentos curriculares, nas tentativas de manutenção ou transformação do status quo, conforme se tenha uma instituição educativa conservadora ou progressista ( ROMÃO, 2001, p. 41).

A educação se realiza numa formação social historicamente determinada; se constitui uma região particular da ideologia e a avaliação, que revela o resultado do processo, se constitui seu nicho predileto. Guiomar Namo de Mello (1982, apud ROMÃO, 2001) demonstra o quanto a escola, na sua função instrumentadora da alienação, não só reproduz os mecanismos discriminatórios da sociedade, como desenvolve seus próprios instrumentos de seletividade e dominação.

Muitos autores explicitaram que a escola constitui um dos “aparelhos ideológicos”, por excelência do Estado. Mas, por que a instituição escolar exerce, muitas vezes, esse papel reprodutor? Louis Althusser, que cunhou a expressão, afirma:

[...] toda ideologia representa, em sua deformação nec essariamente imaginária, não as relações de produção existentes ( e as out ras relações que delas decorrem), mas, acima de tudo, a relação (imaginária) dos indivíduos com as relações de produção e com as relações que delas decorrem. O que é representado na ideologia, portanto, não é o sistema das relações reais que regem a existência dos indivíduos, mas a relaç ão imaginária desses indivíduos com as relações reais em que vivem (ALTHUSSER, 1996, p. 127 -128, apud ROMÃO, 2001, p. 41).

O ensaio de Louis Althusser (1983), “ A Ideologia e os Aparelhos Ideológicos do Estado”, marca a preocupação com a questão da ideologia em educação. Embora objeto de crítica, seus pressupostos foram importantes pelo seu pioneirismo.

O que nos interessa ressaltar é que a ideologia veicula idéias que “transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na organização social” (MOREIRA; SILVA, 1997, p. 23). Desse ponto de vista, a classe dominante transmite suas idéias sobre o mundo social, garantindo a reprodução da estrutura social existente. Dessa forma, a ideologia está ligada à questão de interesses e relações sociais.

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educativos para se subordinarem às lógicas do mercado e da com petitividade econômica (AFONSO, 1999, apud CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO, 2003).

A necessidade de mão de obra qualificada, a qualidade da educação e da formação e a partilha de responsabilidade entre as autoridades centrais e locais na gestão das escolas levaram os governos ocidentais a valorizar os resultados e as aquisições da aprendizagem dos alunos e a implementar novos dispositivos de avaliação dos professores e dos sistemas educativos nacionais.

Como conseqüência, a avaliação educacional tornou-se um dos vetores mais expressivos das políticas e reformas educativas das duas últimas décadas, principalmente nos governos da nova direita, caracterizados por tentar articular o neoliberalismo econômico e o neoconservadorismo cultural e político.

A avaliação tornou-se tema central em termos de ação governativa, possibilitando a emergência do Estado avaliador o que significa que o Estado adotou um ethos competitivo calcado no que se tem chamado por neo-darwinismo social, passando a admitir a lógica e a ideologia do mercado para redefinir e reorganizar o domínio público, bem como a importação de modelos de gestão privada cuja ênfase encontra-se nos resultados ou produtos da educação.

Segundo Almerindo Janela Afonso (2003), a avaliação aparec e como pré-requisito para a implementação de controle e responsabilização, que, por sua vez impõe a definição de objetivos para que se possa criar indicadores que meçam as performances dos sistemas educativos.

A agenda educacional que se expande, via globalização, é fortemente influenciada pelos países capitalistas mais avançados como EUA e Inglaterra. Assim, para se compreender as orientações presentes nas políticas educacionais do Brasil deve-se considerar o que se passa naqueles países capitalistas centrais. Portanto, a investigação comparada, numa perspectiva sociológica e crítica, é fundamental para ajudar a construir uma visão fundamentada das políticas de avaliação contemporânea. A título de enriquecimento das contribuições, evidenciando a relevânc ia temática no cenário internacional, podem ser ressaltadas, ainda, novas direções pertinentes ao tema em discussão, apontadas por ilustres palestrantes do Congresso Internacional sobre Avaliação, realizado em julho de 2003, em Curitiba /PR2, além das já citadas e relativas a Almerindo Janela Afonso, na direção do que ocorre na trajetória entre o discurso e a práxis docente, à luz do processo de ensino-aprendizagem, da intencionalidade docente expressa em seu discurso e sua realização na prática, o que interfere nos resultados da aprendizagem do aluno, isto é, na avaliação escolar.

De acordo com Vasco Moretto, o sistema escolar gira em torno do processo de avaliação, portanto, há necessidade de se redefinir o papel da avaliação no processo de aprendizagem. Para ele, a avaliação deve ser analisada sob novos parâmetros, deve ser ressignificada e assumir seu novo papel no processo de intervenção pedagógica. Portanto, se o discurso não se concretiza na atuação docente isto implica conseqüências, em ética, visto que a ação docente deve ser executada com competência e profissionalismo.

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A palestrante Lúcia Klein apresentou alguns contrapontos entre o que se discursa e o que se faz em avaliação:

O que se discursa

O que se faz em avaliação

Avaliação como parte do processo de

ensino-aprendizagem

Utilização de modelos pontuais de verificação

Reflexão sobre variedade de estratégias de trabalho

Permanecem as mesmas práticas

O erro faz parte do aprender Valorização das respostas certas Evitar a comparação entre os alunos Presença de modelos classificatórios Avaliação, preponderantemente,

qualitativa

Uso de instrumentos burocráticos, cálculo de médias

Construção de competências Cobranças conteudistas

Formação integral do homem Avaliam-se aspectos em que se evidencia a faculdade de pensar, do racional, colocando-se à margem o sentir e o querer

Apologia da auto-avaliação Auto-avaliação de forma pontual (relação com colegas, participação nas aulas, cumprimento de tarefas)

Como se pode observar, discursos não garantem as mudanças necessárias nas práticas avaliativas.

Lílian Anna Wachowicz aponta que as crianças avaliam suas relações baseadas em referenciais culturais de sua vivência e que esse episódio retrata os princípios que comandam a avaliação e o papel da ideologia:

Existência de padrões culturais que funcionam como referenciais e são muitas vezes inconscientes, portanto mais fortes por estarem incorporados;

Julgamento efetivado pelo avaliador com base em padrões existentes; Comunicação espontânea, que parece conter a ideologia existente.

O que se concluiu é que o professor, em geral, não questiona os padrões culturais estabelecidos, que são traduzidos em programas curriculares, orientadores do processo de ensino e aprendizagem. Assim como o exemplo da criança, os professores manifestam a incorporação de um corpus de representações e de normas

(CHAUÍ, 1997).

O que se pretende destacar é que os referidos autores preocupam -se também com a questão da distância entre o discurso docente e sua prática. Esse hiato impossibilita que a educação exerça seu papel e resulte em transformações sociais. A questão ética permeia a discussão e a educação, tal qual vem sendo desenvolvida, não redunda em resultados exigidos pelas sociedades em que, como a nossa, as desigualdades sociais tornam-se cada vez maiores.

Outros estudos realizados (RAPHAEL; CARRARA, 2002, p. 165) nesse sentido também apontam que os professores agem ideologicamente, sem plena consciência, em grande parte, de suas ações, o que indica uma base teórica não-definida e revela um trabalho docente, na área de avaliação, com

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ausência de crítica e da própria finalidade a que se destina, ou seja, a tomadas de decisão que visem à melhoria da aprendizagem e da formação do aluno.

A avaliação é uma atividade intencional, produto da sociedade, que colabora com a construção de um tipo de homem. Dessa forma, as políticas públicas se colocam como temas centrais na educação, porque são elas que de forma explícita ou implícita contaminam o pensar e o agir do professor, expressando-se no seu discurso e refletindo-se em sua prática.

Concluindo, podemos apontar as seguintes variáveis intervenientes no processo de ensino-aprendizagem que contribuem para a distância entre o discurso e a práxis docente:

O predomínio do burocrático sobre o pedagógico; O praticismo exacerbado;

A perda da característica da totalidade;

Uma abordagem simplista da questão técnica da avaliação, omitindo a questão política embutida;

A influência do pensamento liberal nas soluções técnicas;

O uso do objetivismo em nome da neutralidade que favorece a alienação, como parte do aparelho ideológico;

O não objetivo de tornar o aluno crítico e criativo;

O conhecimento utilizado para a solução de problemas e não para a formação do aluno;

A avaliação denunciando uma postura do professor frente à aprendizagem; O significado do discurso vinculado às condições histórico-sociais de sua

produção.

Em síntese, colocar o papel do docente e da educação no exercício pleno de suas respectivas funções requer uma nova postura dos envolvidos, requer um nível de consciência capaz de detectar os entraves que se apresentam, requer vontade política, requer políticas públicas adequadas para sua superação.

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Referências

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