• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO"

Copied!
167
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

MESTRADO EM TEATRO

ROSIMEIRE DA SILVA

NO PASSO DA LANTERNA:

EM BUSCA DO TEATRO FEMINISTA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

(2)

ROSIMEIRE DA SILVA

NO PASSO DA LANTERNA:

EM BUSCA DO TEATRO FEMINISTA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Projeto apresentado como requisito para o Exame de Defesa da Dissertação de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Linguagem cênica, corpo e subjetividade.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Brígida de Miranda.

(3)

ROSIMEIRE DA SILVA

NO PASSO DA LANTERNA:

EM BUSCA DO TEATRO FEMINISTA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Este projeto foi julgado aprovado em 25 de maio de 2012.

Prof. Stephan Arnulf Baumgärtel, Dr Coordenador do Mestrado

Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelas professoras:

Profa. Maria Brígida de Miranda, Drª Orientadora

Profª Janaina Trasel Martins, Drª integrante da banca

Universidade do Federal de Santa Catarina - UFSC

Profª Vera Regina Martins Collaço, Drª integrante da banca

Universidade do Estado Santa Catarina - UDESC

Profa. Márcia Pompeo Drª Suplente

(4)

A minha Vó Antônia e sua filha, minha Mãe Nina, por serem mulheres que determinadas e sábias me ensinaram a ir em busca do que acredito com coragem.

A todas as mulheres que com garra lutaram e lutam bravamente por uma sociedade mais justa.

(5)

Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a vida, os dias intensos vividos para a realização deste projeto e as oportunidades de aprendizados, principalmente o da harmonia com minha auto-relação. E saber que na vida há tanto para aprender e compartilhar.

Agradeço carinhosamente a Brígida Miranda, minha orientadora, que me estendeu a mão, abriu-me para a compreensão dos caminhos que me propus a percorrer, me aliviou do caos com suas doces palavras sábias e pontuais, me ajudando a superar as minhas dificuldades neste processo.

Agradeço às professoras e professores do programa de mestrado que compartilharam comigo seus conhecimentos, em especial ao meu dileto professor Dr.Nini, e também a minha referência de grande mestre, Mrs. Faleiro. Também agradeço às secretárias do PPGT, Sandra e Mila, pois foram sempre atenciosas e prestativas quando solicitada ajuda.

Agradeço à CAPES pela bolsa concedida para meus estudos.

Agradeço imensamente a André Pincelli, que com seus conhecimentos e sua grande generosidade prestou-me atenção, sendo cuidadosamente o meu primeiro leitor e realizar respeitosas correções de português.

Agradeço a Geraldina, que com todas as suas experiências pôde trazer brilho para este texto e dar-me confiança na escrita.

Agradeço a Cris Colla e Fernanda Azevedo, por toda a generosidade, atenção, disponibilidade e colaboração para a realização desta pesquisa, e pelos laços que se estabelecem pelo encontro. Ao Fernando Kinas pelas boas conversas em entrevistas. Ao Lume Teatro e a Kiwi Companhia de Teatro, por terem-me disponibilizados materiais e sempre me receberem com carinho e atenção. A Maysa Lepique pelos encontros.

(7)

Josi e Fátima, pelo carinho e por me ensinarem diferentes formas de amar. Agradeço em especial a minha irmã Joseane – Deda, por todo o seu amor, carinho, cuidados especiais desde a tenra infância, por todo o seu apoio, incentivo e presença, por ser minha referência de garra e determinação na vida. A meus cunhados: Zé Roberto, Zé da Rosa e Wanderley, pessoas que com o decorrer da vida tornaram-se irmãos, com respeito e carinho; (in) memoria ao meu pai Domingos e meu grande irmão Zezinho pessoas que vivem em meu coração.

Agradeço a Marga, que me ensina a caminhar no passo da lanterna, ajudando-me a ter clareza da vida e a fortalecer-me.

Agradeço a minha mestra de Kung Fu – Jacque, por todos os ensinamentos, cuidados com a auriculocumputura e apoio constante.

Agradeço às amigas: Rúbia, Vivian, Karina, Letícia (Leca), Sasha, Álua, Carlinha, Cacá, Katinha, Neca, Deisoca, Cíntia, Letícia (Lets) e Marina por todo o carinho, cumplicidade da verdadeira amizade, cada uma com sua particularidade. Às amigas de Barão Geraldo: Maria Emília, Carol, Margarida e Laura, por todo carinho e acolhimento.

Agradeço aos amigos: Ianô por seus sorrisos carinhosos, Iran e Duduzão pelas parcerias e Emerson (Meco), por todo incentivo e por me ensinar a rir de mim mesma.

Agradeço afetuosamente a Káthia, Lores e Gui, por toda a irmandade, que assim seja sempre!!

(8)

RESUMO

Esta pesquisa traz a reflexão sobre o teatro feminista brasileiro, uma prática teatral que busca diferentes formas de criação em sua estética. A poética desse fazer teatral está voltada para questões referentes à mulher na organização social, sejam elas pessoais ou de ordem social, pois ambos os tipos estão relacionados a questões políticas e sociais. Tendo como uma das características a polissemia, o teatro feminista abre diferentes possibilidades para seu processo de criação. O teatro feminista pode ser considerado um teatro político, pois trata de questões da agenda feminista, consequentemente referentes à polis, e assim constitui possível ferramenta para o desencadeamento de atitudes pedagógicas. Embora a discussão em torno da temática aqui em questão se encontre sedimentada nos Estados Unidos e Inglaterra desde os anos 1960, no Brasil ainda está em processo de difusão em âmbito acadêmico, e por isso recebe, neste trabalho, a devida atenção. Para levar a termo esta discussão tornou-se necessário compreender melhor o que é feminismo, por se tratar de um termo que apresenta certa incompletude como conceito. Assim sendo, fez-se a opção por apresentar algumas passagens históricas do movimento feminista, o que propiciou também o esclarecimento sobre as ideologias implicadas, de modo a compreender como ocorreu o desenvolvimento de suas propostas, assim como algumas das importantes transformações ocorridas na estrutura social. Para compreender o que é teatro feminista, em relação aos encaminhamentos das discussões das ativistas no teatro, à construção da imagem da mulher na sociedade, e ao encaminhamento da crítica em suas produções artísticas no que diz respeito à representatividade da mulher na cena, foi preciso realizar um levantamento sobre as teorias críticas e as práticas das experiências das estadunidenses e britânicas, que discutem questões ideológicas, estéticas e poéticas na articulação entre teatro e feminismo. O objeto de pesquisa é voltado à discussão em torno das encenações brasileiras de caráter feminista. Com relação a esse tipo de teatro, são apresentados os trabalhos de duas atrizes brasileiras: Colla e Azevedo, legitimando a presença e voz dessas atrizes, assim como dando visibilidade a suas produções artísticas. É estabelecido um diálogo com o trabalho dessas atrizes com o objetivo de articular a teoria do teatro feminista com suas práticas estéticas, poéticas e ideológicas, localizando no Brasil a discussão sobre o teatro feminista. Finalmente, são traçadas algumas perpectivas visando contribuir com o aperfeiçoamento da produção teatral brasileira, dando-lhe visibilidade e promovendo seu incremento.

(9)

ABSTRACT

This research presents a reflection of Brazilian feminist theater, a theatrical experience that seeks different forms of creation in its esthetics. The poetics involved in making this kind of theater focuses towards issues that refer to the social organization of women, be it within personal or social realms, for both these are related to political and social issues. Being that one of its characteristics is polysemy, feminist theater opens different possibilities in its creative process. Feminist theater can be considered a political theater because it deals with feminist issues, consequently dealing with the idea of polis, therefore constitutes a possible tool for triggering educational attitudes. Although the debate surrounding this theme has been sedimented in the United States and England since the 1960´s, in Brazil it is still in the process of being diffused within the academic realm, and for this reason receives due attention in this work. In order to carry forward this discussion, it became necessary to comprehend what feminism is, being that it is a term (whose concept presents itself) with certain incompleteness. Therefore, a choice was made to present historical passages of the feminist movement, which also provided insight into the implied ideologies, in order to understand the development of their proposals, as well as some of the important transformations that occurred in the social structure. To understand what feminist theater is, in relation to referrals from discussions of activists in the theater, the construction of the image of women in society, and the routing of criticism in artistic productions in respect to the representability of women in the scene, it was necessary to conduct a survey of critical theories and practices of the U.S. and British experiences, to discuss ideological, aesthetic and poetic issues within the relationship between theater and feminism. The object of this research is devoted to the discussion of the scenario of Brazilian feminist productions. In relation to this type of theater, the work of two Brazilian actresses are presented: Colla and Azevedo, legitimizing the presence and voice of these actresses, as well as giving visibility to their artistic productions. A dialogue is established with the work of these actresses in order to articulate the theory of feminist theater, with its aesthetic, poetic and ideological practices, bringing to Brazil the discussion of feminist theater. Finally, some perspectives are drawn to contribute to the improvement of Brazilian theater production, giving it visibility and promoting its growth.

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO I: O TABU DO FEMINISMO / CONTRIBUIÇÕES DE MULHERES NA ORGANIZAÇÃO DA ESTRUTURA SOCIAL ... 17

1.1 As proto-feministas ... 20

1.2 O Sufragismo ou a Primeira Onda Feminista ... 28

1.3 O Sufragismo no Brasil ... 32

1.4 A Segunda Onda feminista ... 35

1.5 Feminismo na ditadura brasileira ... 37

1.6 As feministas marxistas ... 43

1.7 Feminismo Radical ... 45

1.8 Conceito de gênero ... 47

1.9 Feminismo Acadêmico ... 52

CAPÍTULO II ... 56

TEATRO FEMINISTA: APONTAMENTOS DE PASSAGENS HISTÓRICAS E REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA TEATRAL FEMINISTA DE PRIMEIRA E SEGUNDA ONDAS ... 56

2.1 O Caso Craig ... 62

2.2 O Caso Azevedo ... 68

2.3 Segunda Onda no Teatro Feminista ... 78

2.4 Devised: possível meio de procedimento para a criação no teatro feminista ... 84

CAPÍTULO III: EM BUSCA DO TEATRO FEMINISTA BRASILEIRO ... 92

3.1 O teatro feminista no Brasil ... 98

3.1.1 Encontro com Colla ... 99

3.1.2 Caso Colla ... 103

3.1.3 Colla e o expressar de sua postura política no teatro ... 109

3.1.4 Imprimindo a voz ... 114

3.1.5 O espetáculo “Você” ... 121

3.2 O encontro de outros encontros ... 134

3.2.1 O Caso Azevedo e seu posicionamento feminista ... 136

3.2.2 Kiwi Companhia de teatro político e o projeto Carne: patriarcado e capitalismo .. 143

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 156

(11)

12

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa considera que é importante discutir academicamente o teatro feminista no Brasil, pois é incipiente o material que aparece sobre tal assunto. No decorrer dos últimos anos, algumas vozes têm-se levantado no intuito de promover o fomento desta discussão na academia para que se possa alargar o olhar sobre a história do teatro, tanto para a compreensão da estética do teatro feminista, como para evidenciar as mulheres envolvidas na arte teatral, pois estas se encontram, muitas vezes, negligenciadas nos anais da história artístico-teatral. Assim, a oportunidade de registrar alguns dos acontecimentos vislumbra a possibilidade de se dar visibilidade às produções teóricas, práticas e ideológicas das mulheres na arte teatral brasileira contemporânea.

Partindo do pressuposto de que o teatro feminista está imbricado diretamente com as questões políticas e sociais, a presente pesquisa objetiva também articular uma discussão entre feminismo e teatro, em que se busca destacar algumas passagens do movimento feminista, para compreender como ocorreu o desenvolvimento de suas propostas, assim como apontar algumas das importantes transformações na estrutura social. Não se buscará discutir o conceito de movimento feminista em si, mas apresentar algumas das atividades realizadas pelas mulheres que provocaram mudanças na vida social e privada de mulheres e consequentemente de homens. Trata-se de um termo bastante amplo, de modo que qualquer tentativa de conceituação corre o risco de ser reducionista, já que, além da existência de diversas vertentes no interior do movimento feminista, o próprio termo sofre de uma grande variedade de abordagens conceituais.

(12)

13

no que diz respeito à representatividade da mulher na cena. Em torno dessa agenda estabelecida, levantam-se algumas questões: quais as escolhas de procedimentos de criação cênica que compõem em suas estéticas e poéticas o discurso do feminismo no teatro? Como mapear, dar visibilidade e descrever estes meios de produção no Brasil? Como dar visibilidade à voz a e à presença das atrizes que de alguma forma estabelecem elos com o feminismo no teatro brasileiro contemporâneo?

Dessa forma, ainda dentro dos objetivos da presente pesquisa, busca-se destacar algumas passagens do movimento feminista, para compreender como ocorreu o desenvolvimento de suas propostas, assim como identificar algumas das importantes transformações na estrutura social. Pretende-se apresentar o movimento feminista detalhando alguns aspectos da luta travada pelas mulheres.

A dissertação propõe-se, além disso, a apontar e refletir sobre o teatro feminista no Brasil, para que se possa alargar o olhar da história do teatro, tanto para a compreensão da estética do teatro feminista, como para pôr em evidência as mulheres envolvidas nesta arte, pois, como exposto acima, estas se encontram, muitas vezes, negligenciadas nos registros publicados.

É importante esclarecer que a ideia desta pesquisa não é apresentar a mulher num discurso de ressentimentos, no qual ela é vítima indefesa, mas sim como protagonista de sua história, com seus posicionamentos no mundo. Como afirma Julia Varley em Pedras d‘agua (2010), ao descrever sua trajetória como atriz e apontar a contribuição do papel da mulher profissional na história do teatro para garantir uma presença visível, ―as mulheres de teatro devem assumir a responsabilidade de escrever a própria história com palavras, formas e perspectivas que, penso, ainda devem ser descobertas ou reformadas‖ (p. 27). Dessa forma, busca-se neste trabalho contribuir com a discussão da história do teatro no Brasil e, como parte disso, a trajetória da mulher no teatro. Entendendo a produção teatral como situada no interior de um contexto social que, por sua vez, se insere em uma realidade histórica que sofre toda uma série de determinações, este trabalho procura evidenciar alguns marcos históricos dessa área, voltando-se para as circunstâncias do passado e do presente, focando as ações realizadas pelas mulheres, para então pensar a validade e o aperfeiçoamento da teoria já conquistada pela realização prática.

(13)

14

São feitas considerações pessoais no decorrer deste trabalho, com o intuito de enriquecê-lo enquanto parte do contexto social atual. No momento em que decido falar sobre teatro e feminismo, passo a percorrer um caminho um tanto desafiador para os meus pensamentos e estudos acadêmicos, o que me fez entrar em contato com leituras na língua inglesa, assim como buscar outras áreas do conhecimento, com as quais apesar de ainda ter pouca familiaridade, tive que estabelecer um diálogo, o que foi muito enriquecedor na realização de uma interface com outras áreas de estudos científicos, voltando-os ao teatro.

Soma-se a isso, a possibilidade de entrar em contato com materiais escritos que discutem questões ideológicas, estéticas e poéticas que estabelecem a articulação entre teatro e feminismo. Um dos entraves encontrados aqui é que esses materiais, em quase sua totalidade, encontram-se na língua inglesa, e em quantidade escassa nos acervos das nossas bibliotecas. Além disso, este tema apresenta carência de bibliografias, brasileiras ou traduzidas para a língua portuguesa, e a discussão sobre teatro feminista no Brasil ainda se encontra timidamente em propagação. Isso foi percebido durante leituras que me despertaram o estranhamento de que aos olhos de muitos intelectuais no Brasil o tema parece pouco relevante. Outro fato que me chamou a atenção diz respeito à 'presença ausente' da mulher no teatro. Este trabalho tem por objetivo, portanto, encontrar o lugar, o espaço onde ressoou e onde ressoa a voz feminina na história do teatro, direcionando o foco ao teatro brasileiro e estreitando-o na direção da produção contemporânea.

Para a consecução desse objetivo, a presente pesquisa realiza um levantamento de historiadoras e antropólogas sobre as atividades realizadas pelo movimento feminista, com a finalidade de elaborar um breve mapeamento com base no qual se possa compreender alguns pontos da trajetória desse movimento, assim como apresentar algumas vertentes das diferentes propostas ideológicas que floresceram no transcorrer de seu processo de desenvolvimento.

Assim, surgem as minhas indagações e inquietações como acadêmica e praticante da arte teatral: como podemos assumir a responsabilidade de estarmos na academia e articular a teoria à prática do discurso no fazer teatral sob o olhar e a voz das mulheres? Como o teatro pode ser uma ferramenta na conscientização feminista e contribuir com reflexões na posição da mulher na sociedade?

(14)

15

No Capítulo I, é apresentado um levantamento de dados bibliográficos, com os quais são apontados alguns episódios do movimento feminista na Inglaterra, França, Estados Unidos da América, para que se possam reconhecer alguns pontos dessas ações que influenciaram o fomento do movimento feminista no Brasil. O objetivo de assentar a pesquisa nesse alicerce histórico é a possibilidade de abrir caminho para localizar os acontecimentos na sociedade brasileira.

Nesse Capítulo é buscado aporte teórico em trabalhos de pesquisadoras como Moema Toscano, Miriam Goldemberg, Ivone Leal, Zina Abreu, Anadir dos Reis Miranda, Constância de Lima Duarte e Lorena Almeida Gill, de modo a constituir o principal quadro de referências sobre a história do movimento feminista. Na busca de localizar a discussão do movimento feminista no Brasil, contou-se com a colaboração das pesquisas realizadas pelas historiadoras Céli Regina Jardim Pinto, Rachel Soihet, Elizabete Rodrigues Silva, assim como com as pesquisadoras associadas às teorias literárias, Claudia de Lima Costa e Valéria Andrade Souto Maior.

Intencionou-se ainda apresentar como o conceito de gênero foi um termo apropriado pelo movimento feminista para encaminhar algumas discussões sobre o binarismo e o sexo, fazendo com que esse termo seja apresentado conforme sua utilização, desdobramentos e questionamentos dentro do movimento feminista. Para abordar essa discussão e apresentar algumas vertentes no interior desse movimento, buscaram-se como referência as discussões estabelecidas pelas antropólogas Adriana Piscitelli, Mirian Grossi e Linda Nicholson.

O Capítulo II apresenta a discussão de como o teatro feminista produz e articula teoria e prática, de modo a propor uma estética, uma poética, e a apresentação de suas ideologias relacionadas com a agenda feminista. O estudo parte de levantamento bibliográfico de registros das experiências que ocorreram e ainda ocorrem na Inglaterra e nos Estados Unidos. Nesses países a prática e a discussão sobre teatro feminista já se encontram sedimentadas e firmadas em registros teóricos, dando visibilidade à reflexão em torno do teatro feminista desde os anos de 1960. Esses materiais encontram-se na língua inglesa, sendo que as traduções em grande maioria foram feitas pela autora desta dissertação e por Priscila Mesquita.

(15)

16

Sabe-se que na maioria dos movimentos sociais as reflexões em torno da cultura e da sociedade processam-se por diferentes ângulos, assim como que não existe uma única forma de exercício prático desses movimentos. No teatro feminista ocorre o mesmo, pois várias são as transposições práticas como resultados de diferentes reflexões e criações no meio artístico. No entanto, apresenta-se aqui o Devised Theatre como ponto de encontro entre a maioria das mulheres na área. O DevisedTheatre como estratégia de criação teatral recorrente em vários processos de encenação de grupos de teatro feminista na Inglaterra e Estados Unidos da América. De modo geral, preconiza a valorização política de todas as praticantes envolvidas no processo, com pressupostos identitários baseados em noções compartilhadas de ser mulher.

No Capítulo III, é estabelecido um diálogo entre as teorias do teatro feminista, de acordo com as autoras acima citadas, e a pesquisa realizada com as atrizes Ana Cristina Colla e Fernanda Azevedo, dando ênfase ao discurso feminista que se vincula à respectiva produção artística de cada uma. Quanto à primeira, cuja história profissional e está ligada ao grupo Lume do Teatro de Campinas (SP), é analisado especificamente o espetáculo solo ―Você‖ (2010), por ela escrito e encenado.Quanto a Fernanda Azevedo, da Kiwi Companhia de Teatro de São Paulo, o espetáculo Carne: patriarcado e capitalismo (2011). Ambas as atrizes são brasileiras e ativas na produção teatral contemporânea. Portanto, suas obras são aqui apresentadas como encenações que exemplificam algumas características da polissemia do teatro feminista no Brasil contemporâneo. Com as duas atrizes foram realizadas entrevistas no mês de julho de 2011, e assistiu-se a apresentações dos espetáculos acima citados.

(16)

17

CAPÍTULO I

O TABU DO FEMINISMO / CONTRIBUIÇÕES DE MULHERES

NA ORGANIZAÇÃO DA ESTRUTURA SOCIAL

O passado é o[a] Outro[a] do hoje. Lúcia V. Sander

O linguista norte americano William Labov (2006) afirma que para compreender alguma coisa deve-se compreender como ela veio a existir. Portanto, objetiva-se compreender aqui o feminismo pelo modo com o qual vem se manifestar e se estruturar como movimento social. Serão apresentadas algumas passagens de acontecimentos históricos relacionados ao desenvolvimento do feminismo, bem como sua reverberação no teatro brasileiro contemporâneo.

Este capítulo pontua algumas passagens representativas do modo de manifestação do movimento feminista. Portanto, apresenta algumas ideias que contribuíram na construção da história do movimento feminista no Brasil, assim como apontar alguns acontecimentos estrangeiros que repercutiram no contexto brasileiro.

É importante salientar que a presente pesquisa tem como foco compreender o feminismo no Brasil, tanto o movimento em si como detectar seus reflexos na realização teatral. Mas para tal discussão, e para contextualizar a atuação das mulheres ativistas brasileiras, não se pode deixar de reconhecer importantes apropriações que recebeu do movimento feminista dos Estados Unidos e da Europa.

(17)

18

A reação desencadeada pelo antifeminismo foi tão forte e competente, que não só promoveu um desgaste semântico da palavra, como transformou a imagem da feminista em sinônimo de mulher mal amada, machona, feia e, a gota d'água, o oposto de "feminina". Provavelmente, por receio de serem rejeitadas ou de ficarem "mal vistas", muitas de nossas escritoras, intelectuais, e a brasileira de modo geral, passaram enfaticamente a recusar tal título. Também é uma derrota do feminismo permitir que as novas gerações pioneiras, a luta das mulheres de antigamente que, de peito aberto, denunciaram a discriminação, por acreditarem que, apesar de tudo, era possível um relacionamento justo entre os sexos (não paginado)1.

Considerando as observações de Duarte e já tendo como feminista testemunhado a permanência desses estereótipos nos discursos de colegas e conhecidos. Elucidamos alguns fatos que compõem a história do feminismo, optando por abordar alguns acontecimentos relevantes do movimento. Ressalta-se desde já a impossibilidade de abarcar todos os acontecimentos e personalidades por se tratar de um tema muito amplo. A descrição de uma passagem histórica realizada pelo sociólogo e filósofo Friedrich Engels no ano de 1891, na obra A origem da família, da propriedade privada e do estado, a qual, em teor teórico-político, realiza uma discussão sobre o desenvolvimento da sociedade desde o período primitivo, passando pela barbárie até a civilização, serve para compreender a imagem de um contexto vivido pelas mulheres no desenvolvimento da sociedade patriarcal:

O desmoronamento do direito materno2, a grande derrota histórica do

sexo feminino em todo o mundo. O homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução. Essa baixa condição da mulher, manifestada, sobretudo entre os gregos dos tempos heroicos e, ainda mais, entre os tempos clássicos, tem sido gradualmente retocada, dissimulada e, em certos lugares, até revestida de formas de maior suavidade, mas de maneira alguma suprimida (1991, p. 61[itálico do autor]).

Diante desse quadro, pode-se reconhecer o contexto em que as mulheres estiveram submetidas na organização social patriarcal. Pressupõe-se que aquelas não coniventes com a situação passaram a se manifestar em busca de mudanças na estrutura social, em busca de seus plenos direitos como cidadãs.

1 O material se encontra em:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142003000300010&script=sci_arttext

(18)

19

O feminismo parte da premissa de que, nas sociedades patriarcais, as mulheres como categoria ocupam uma posição subalterna. Os discursos feministas propõem reflexões teóricas e críticas sobre a mulher na dinâmica patriarcal, e luta com ações direcionadas a mudanças na estrutura social. Assim, os movimentos feministas, em diferentes períodos conhecidos como: Proto-feminismo; Primeira Onda e Segunda Onda e contextos históricos específicos como: Iluminismo Frances; o Abolicionismo Norte-Americano e a Contra-Cultura na Europa e Estados Unidos da América, propuseram ações políticas, sociais e culturais com o propósito de acabar com as relações de subordinação nas sociedades patriarcais.

Este trabalho ampara-se na ideia de feminismo apresentada pela pesquisadora de literatura teatral Lúcia Sander:

[...] o feminismo é a convicção de que gênero é uma categoria fundamental na organização da cultura, que o movimento feminista se empenha na transformação das instituições sociais para que um tratamento substancialmente mais igualitário seja dado às mulheres, são generalizações que me arrisco a fazer mesmo que seja impossível ter uma visão global do feminismo. Penso no feminismo como um modo de pensar e repensar o mundo que rearranja o sistema de valores estabelecidos, reposiciona prioridades e refaz uma percepção culturalmente herdada de diferença sexual (2007, p. 13).

O que se pode ressaltar é a importância de perceber gênero3 enquanto uma construção social e cultural sobre a diferença sexual, a partir da reflexão, como propõe Sander poderíamos reorganizar nosso sistema de valores. Desse modo são propostas efetivas em transformações nos padrões de comportamento de homens e mulheres na sociedade, em todas as instâncias da vida, com a ruptura de padrões patriarcais. O feminismo não deve ser compreendido como um sinônimo de guerra entre sexos, mas como fato social significativo, com ação organizada de modo coletivo, que visa a romper o estado de subordinação da mulher.

Como marco histórico, o feminismo, enquanto movimento organizado surgiu no século XIX, com as ações das sufragistas. Como expõe Cláudia de Lima Costa (1998) na pesquisa Tráfico de gênero, que discute as práticas políticas e culturais, além da heterogeneidade do feminismo como movimento social, foi a partir do Iluminismo no século XVIII que os pressupostos teóricos surgiram, mas foi no século XIX que o movimento feminista se estruturou na Inglaterra e nos Estados Unidos e por

(19)

20

consequência em outros países ocidentais, como o Brasil no século XX. Porém, antes dessa estruturação existiram mulheres que são apontadas como pioneiras ou precursoras do feminismo, chamadas ‗proto-feministas‘, nas quais se identificam atitudes feministas antes mesmo do movimento se estabelecer.

1.1 As proto-feministas

Como consequência do esforço de pesquisadoras para tirar do anonimato as mulheres da história, há alguns registros sobre as ‗proto-feministas‘. Algumas foram eleitas para serem aqui apresentadas por constituírem marcos por suas contribuições para o encaminhamento de ações e reflexões sobre o movimento feminista. Vale lembrar que esta pesquisa não tem como abarcar todas as mulheres atuantes na história. A proposta é pontuar alguns acontecimentos para que se possa compreender melhor do que se tratou e se trata o movimento.

A pesquisadora Ivone Leal4 (1986), que realiza pesquisas sobre o papel da mulher na cultura portuguesa, relata que Cristina de Pisano5, uma poetisa e filósofa, foi a primeira mulher indicada ao cargo de escritora oficial da corte francesa, tendo sido a primeira mulher na França a viver de seu próprio trabalho intelectual. Tendo atuado no final do século XIV, é considerada uma das primeiras feministas da história do mundo ocidental.

Como relata Leal (1986), a obra de Pisano centra-se na representação das mulheres nos textos literários e na defesa dos direitos da mulher, defendendo a igualdade entre os sexos. Defendeu o papel vital das mulheres na sociedade, e criticou a aversão às mulheres no meio literário, predominantemente masculino. Segundo Branca Moreira Alves e Jacqueline Pitanguy (1984), Pisano

Escreveu o que seria talvez o primeiro tratado feminista: A Cidade das Mulheres, onde afirma serem homens e mulheres iguais por sua própria natureza. Refuta as generalizações que imputam inferioridade ao sexo feminino e condena a dupla moral, pela qual o mesmo ato é

4 Historiadora participante do Instituto Português de Ensino, integrante do projeto Universidade Aberta de

Portugal.

5 Nascida em 1364, francesa de origem italiana, filha de Tommaso di Benvenuto Pisano – médico

(20)

21

crime quando praticado pelas mulheres e apenas pequeno defeito quando pelos homens (Alves e Pitanguy, 1984, p. 19).

O que se expõe acima leva a concluir que seus fundamentos intelectuais estariam de acordo e adequados para apoiar um discurso em defesa da causa da mulher, o que, certamente, a levou a ser considerada historicamente como uma das precursoras do feminismo.

Outra memorável personalidade apontada como precursora do movimento feminista é a escritora britânica Mary Wollstonecraft6, nascida na Inglaterra em 1759 e falecida aos 38 anos (após o parto de sua filha Mary Shelley7), em 1797. Wollstonecraft é considerada precursora do feminismo moderno por sua obra A Vindication of the Rights of Woman, o primeiro manifesto feminista da história da Inglaterra, e que, segundo Abreu (2002), tornou-se referência para as feministas subsequentes, principalmente para as sufragistas, dentre elas as norte-americanas e a ‗proto-feminista‘ brasileira Nísia Floresta, que traduziu para o português livremente a obra Vindication of the right of woman em 1833.8

De acordo com Julian Patrick (2009), autor de Os Grandes Escritores, a escritora Wollstonecraft foi basicamente uma autodidata. Ela começou a denunciar injustiças inerentes à sociedade patriarcal, e no ano de 1787 fundou sua própria escola, com base em seu tratado de educação para meninas.

A proposta de Wollstonecraft era proporcionar uma oportunidade de educação para as mulheres, e que essa educação fosse igual à recebida pelos homens, pois a crença era de que a educação igualitária significaria que as mulheres teriam condições intelectuais e morais para o exercício de seus direitos civis. Segundo Anadir dos Reis Miranda (2008), ao realizar um levantamento sobre as proto-feministas, a proposta de Wollstonecraft baseava-se no pressuposto de que a educação era a causa principal das diferenças estabelecidas entre homens e mulheres. Wollstonecraft alegava que a autoridade masculina devia-se à diferença no acesso ao conhecimento da ciência. Nessa perspectiva, ao dar acesso à educação e, por conseguinte, ao pensamento lógico e científico, seria possível transformar a mulher alienada e passiva numa mulher instruída e atuante, consciente de suas escolhas e capacidades.

6 Filha de um fabricante de lenços, sua mãe era uma holandesa que a educou de modo rigoroso.

7 Mary Sheley é autora do romance Frankenstein ou o Moderno Prometeu. Escreveu a obra aos dezenove

anos, e ela foi publicada em 1818, sem os devidos créditos para a autora em sua primeira edição.

(21)

22

Em meio à efervescência política de meados do século XVII, Wollstonecraft foi porta-voz das mulheres de todas as classes sociais, segundo Zina Abreu (2002), ao discutir historicamente o sufragismo na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Pela primeira vez, na história da Inglaterra, reivindicava-se, de forma clara e objetiva, a igualdade política, civil e econômica para todas as mulheres. Nesse contexto, a educação era considerada um ponto fundamental para que as mulheres desenvolvessem suas potencialidades e conquistassem sua independência econômica.

Em seu tratado Wollstonecraft apresentou a educação como meio principal para a mulher encontrar sua independência e autonomia. De acordo com Elizabete Rodrigues Silva (2008), foi nesse tratado, publicado em 1792, em Londres,

[...] que reivindicava a extensão dos direitos políticos às mulheres - que até então era somente para os homens –, através de sua inclusão no campo da cidadania, embora tendo esta, também, um caráter essencialmente masculino. Mary Wollstonecraft sistematizou a primeira denúncia sobre a subordinação das mulheres, usando a doutrina liberal dos ―direitos inalienáveis do homem‖ para reivindicar o direito das mulheres, sendo a defesa do direito à educação a maior bandeira de luta do feminismo daquele momento em diante (Silva, 2008, p. 2).

Pode-se perceber claramente a importância da obra de Wollstonecraft como pedra fundamental para o desenvolvimento das reflexões e ações aplicadas no subsequente movimento feminista. A obra Vindication of the Rights of Woman (1792) foi escrita no contexto do idealismo liberal.

(22)

23

Entretanto, Duarte (1989) afirma que Wollstonecraft desenvolveu as suas opiniões próprias sobre conceitos morais e formas de opressão social exercida sobre a mulher, de modo a refutar acusações de alguns autores, sobretudo de Rosseau. Wollstonecraft reconhecia a sólida reputação de Rousseau, mas argumentava que a ―indignação supera a admiração‖ (Duarte, 1989, p. 113). Isso porque, assim como outros autores, Rosseau decretava que ―a educação feminina se orientasse para um único objetivo: fazer da mulher um objeto de prazer‖ (Duarte, 1989, p. 113).

De acordo com Abreu (2002), foi durante o período entre a Reforma da Igreja do século XVI e a Revolução da Independência da América que principiou a constituição de pensamentos libertários entre os abolicionistas e as feministas, juntamente com os pensamentos teológico, filosófico e constitucional britânicos dessa época. Posteriormente, foi nos movimentos anarquistas e socialistas que surgiram na Grã-Bretanha durante o século XIX que as mulheres britânicas defenderam suas crenças e ideias de liberdade.

A historiadora Lorena Almeida Gill9 (2009) salienta o fato de que quando se estuda a história, no caso a história da Revolução Francesa, os personagens que aparecem costumam ser apenas homens, e a situação somente se transforma quando o olhar se aguça para outros sujeitos que também a integram. Portanto, é preciso atentar para a invisibilidade da mulher na história e buscar legitimar a sua presença.

Procurando reverter esse quadro, Gill (2009), em suas pesquisas históricas, apresenta Olympe Gouges, pseudônimo de Marie Gouze (1748-1793), escritora, jornalista e revolucionária que atuou na Revolução Francesa e autora das peças de teatro L'Esclavage des Nègres (1774) e Les trois urnes, ou le salut de la Patrie, par un voyageur aérien (1793).

Segundo Gill (2009), Gouges não é mencionada nos livros de história da França. No entanto, foi uma personalidade que vislumbrava possibilidades novas nas áreas da literatura e da história, tendo contribuído com os posteriores estudos feministas. Segundo Moema Toscano e Miriam Goldenberg (1992), Gouges alfabetizou-se sozinha aos 32 anos de idade, e então escreveu peças para o teatro. Reivindicou, através de seus manifestos, o respeito aos direitos humanos fundamentais, como a igualdade entre os sexos, o fim da pena de morte, o direito ao voto feminino, o direito de exercer uma profissão e a importância de se dar maior atenção à maternidade, além da abolição da

9 Professora Doutora dos Cursos de Licenciatura e Bacharelado em História e do Programa de Mestrado

(23)

24

escravatura negra. Ressalta-se que Gouges foi uma mulher que teve a pretensão de posicionar em um mesmo patamar de importância os direitos do homem e da mulher.

Gouges estava interessada em despertar a consciência de suas contemporâneas, como mostra Alves e Pitanguy (1984), para que compreendessem de onde surgia a subordinação das mulheres, e juntas agissem em prol de mudanças nas quais seus direitos como cidadãs se fizessem valer em uma sociedade mais justa e igualitária. Ela agiu para além de seus escritos, buscando consolidar uma sociedade em que se pudesse de fato atuar, pois imaginava que a liberdade de expressão deveria ser um dos resultados da Revolução Francesa.

Ativista na Revolução Francesa e com atitudes feministas, segundo Gill (2009), Gouges envolveu-se desde o início nas causas da revolução e na questão do papel da mulher na sociedade, tendo participado de clubes femininos e escrito sobre os assuntos pelos quais lutava. De acordo com Andrea Nye (1995), era uma mulher otimista que acreditava que se as mulheres se apoiassem na razão e dos padrões da filosofia conseguiriam êxito em sua luta, e em caso contrário, a Revolução seria uma falsidade. Decepcionada com a Revolução, escreveu a declaração Les Droits de La Femme et la Citoyenne (Os direitos da Mulher e da Cidadã) em 1791, na qual deixou claro seu posicionamento de que as mulheres deveriam obter seus direitos de cidadãs, assim como desempenhar os seus deveres públicos. O preâmbulo de seu texto, citado abaixo, apresenta algumas de suas ideias:

As mães, as filhas, as irmãs, representantes da nação, solicitamos ser constituídas em Assembléia Nacional. Considerando que a ignorância, o esquecimento e o desinteresse dos direitos da mulher são as únicas causas da calamidade pública e da corrupção dos governos, estas decidiram expor numa declaração solene os direitos naturais, inalienávies e sagrados da mulher, com o fim de que esta declaração, constantemente presente na mente de todos os membros do corpo social, lhe recorde sempre de seus direitos e obrigações; com o fim de que o poder das mulheres e dos homens, que pode ser em qualquer momento comparado com a meta de todas as instituições políticas, adquiram maior consideração; com o fim de que as reivindicações das cidadãs, baseadas de agora em diante em princípios singelos e incontrovertidos, apontem sempre em prol da manutenção da constituição, dos bons costumes, da felicidade de todos os cidadãos (Gouges, 1791 apud Duarte, 1989, p.99).

(24)

25

(1984), sua setença de morte foi devida à acusação de que havia se esquecido das virtudes próprias de seu sexo, e de que quisera atuar como um homem de Estado.

No Brasil, no início do século XIX, surge, como proto-feminista, Nísia Floresta Brasileira Augusta10, pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto (1810-1885). Natural do Rio Grande do Norte, da cidade de Papari (atualmente Nísia Floresta, em homenagem à ilustre cidadã) notabilizou-se como educadora, escritora e poetisa. Segundo Cláudia de Lima Costa (1998), Rachel Soihet (2005) e Constância Lima Duarte (1989), trata-se da percussora do movimento feminista no Brasil. Segundo Costa (1998), é considerada a primeira feminista brasileira a romper os limites do espaço privado e a publicar textos em jornais liberais da chamada grande imprensa. Como colaboradora de jornais pôde manifestar sua militância feminista com o propósito de formar e transformar a consciência de seus contemporâneos.

No ano de 1832, aos 22 anos de idade, Floresta publicou a primeira edição da obra Direito das mulheres e injustiça dos homens 11, uma tradução livre da obra Vindication of the Right Woman12, de Mary Wollstonecraft, escritora britânica já citada acima. Esse texto constituiu-se como fundante do feminismo brasileiro, exercendo influência nas questões dos direitos das mulheres no ensino escolar, no trabalho profissional e na participação na vida política. Como apresenta Duarte, o texto de Floresta

Pode também ser lido como uma resposta brasileira ao texto inglês: nossa autora se colocando em pé de igualdade com a Wollstonecraft e o pensamento europeu, e cumprindo o importante papel de elo entre as ideias estrangeiras e a realidade nacional [...] é importante principalmente por ter colocado em língua portuguesa o clamor que vinha da Europa, e feito a tradução cultural das novas ideias para o contexto nacional, pensando na mulher e na história brasileira (2003, periódico não paginado).

10 O pseudônimo tem origem na abreviação de DioNísia; Floresta era o nome do sítio onde nasceu;

Brasileira era o símbolo do seu ufanismo (viveu três décadas na Europa); Augusta era uma homenagem a seu segundo marido – Manuel Augusto de Faria Rocha. Era filha do fazendeiro português Dionísio Gonçalves Pinto com uma brasileira, Antônia Clara Freire (dados encontrados nos documentos da

biblioteca virtual do Rio Grande do Norte)

http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/riograndedonorte/nisiafloresta.pdf

11Direito das mulheres e injustiça dos homens consta com as seguintes edições: 1º em Recife, 1832; 2º

em Porto Alegre, 1833; 3º no Rio de Janeiro, 1839; e a restaurada por Dutra em São Paulo pela Editora Cortez em 1989.

12 A tradução livre realizada por Floresta veio da versão francesa do texto. A língua estrangeira mais

(25)

26

Floresta é considerada uma educadora feminista e uma reformadora social, tendo sido uma das poucas mulheres letradas de sua época. Reivindicava uma sociedade mais justa, na qual as mulheres fossem respeitadas e exercessem plenamente seus direitos como seres humanos. Segundo Duarte (1989), suas referências descendem intelectualmente do Século das Luzes, de modo que os ideais iluministas se fazem presentes em seus textos, como também a pregação da doutrina utilitarista. Duarte afirma que foi,

imbuída destes conceitos filosóficos de cunho iluminista que Nísia Floresta buscará o juiz capaz de ‗julgar‘ se as mulheres são ou não superiores. Um juiz neutro e irrecusável, que só a filosofia poderia lhe fornecer (1989, p. 117).

A obra de Floresta (1989) chega aos dias de hoje graças à extensa pesquisa de Duarte13, que percorreu arquivos e bibliotecas do nordeste ao sul do país, assim como em outros países (Portugal, França e Itália), recolhendo informações que colocassem Floresta nas páginas da história. Antes dessa pesquisa, a obra de Floresta estava praticamente desaparecida das bibliotecas e não se atestava sua existência. Duarte relata o momento em que descobre o texto de Floresta:

[...] quando já havia reduzido o afã da pesquisa, conformada em apenas citá-lo como uma página distante e perdida de nossa história, eis que ele, como que desencanta e surge – amarelecido, sobrevivente de uma luta contra o tempo, roto nas margens, maltratado pelos insetos – para provar que um dia existiu e testemunhar o espírito pioneiro de sua autora. (...) Nísia surge então para nós, jovem nos seus 157 anos, tratando questões absurdamente avançadas para a sua época e que ainda hoje permanecem sem ter sido equacionada (Duarte, 1989, p. 17).

Duarte (1989) relata também que a edição encontrada, com a qual trabalhou, é a segunda edição, publicada em Porto Alegre no ano de 1833. Salienta que esta foi a única versão encontrada, tanto no Brasil como no exterior. Vale ressaltar a importância

13 Constância Lima Duarte, brasileira de Minas Gerais, realiza pesquisas nas áreas de literatura brasileira

(26)

27

desses resgates de obras como a de Floresta, para que se possam criar novas perspectivas sobre a história das mulheres na sociedade brasileira.

Rachel Soihet14 (2005), ao realizar um estudo sobre as pioneiras na luta pela cidadania, mostra que Floresta procurou romper com os preconceitos acerca da mulher no Brasil, com a intenção de conscientizar as mulheres e os homens sobre sua atuação na sociedade, de modo a rever seus padrões de comportamento. Para isso realçou o direito da mulher à educação escolar, apontando que a educação feminina é a base para o progresso da sociedade, o que é um dos pilares de sua proposta. Ela fundou no ano de 1838, no Rio de Janeiro, uma escola para meninas: o Colégio Augusto, que contava com um alto nível de qualidade em educação.

Floresta, em seus textos, fez uso da boa retórica para organizar suas reflexões sobre o valor das atividades desenvolvidas pelas mulheres, ao apresentar suas virtudes e capacidades, como absolutamente úteis e benéficas à sociedade. Para ela, a potencialização dessas qualidades poderia se dar com o acesso à educação científica escolar, pois além de instrução as mulheres teriam maior excelência e capacidade para sua emancipação. Assim, declara que ―a virtude e a felicidade são tão indispensáveis na vida privada, como na pública, e a ciência é um meio necessário para se alcançar uma e outra‖ (Floresta, 1989, p. 51). Segundo Floresta, mulheres que têm acesso aos conhecimentos da vida e do mundo apresentam capacidade de exercer melhor suas atividades. Assim, com discernimento e consciência de suas potencialidades, somados à sabedoria de vida, certamente contribuiriam para um melhor funcionamento da sociedade. Para Floresta,

[...] a exatidão do pensamento, a pureza da expressão, a justeza das ações, sem ciência não se pode jamais ter um verdadeiro conhecimento de si mesmo; é ela que nos põe em estado de distinguir o bem do mal, o verdadeiro do falso; é ela que nos torna capazes de regular nossas paixões, mostrando-nos que a verdadeira felicidade e virtude consistem em restringir nossos desejos. Além disto, seja-me permitido notar o círculo vicioso em que esses desprezíveis modos de pensar têm colocado os homens sem perceberem. Por que a ciência nos é inútil? Porque somos excluídas dos cargos públicos; e por que somos excluídas dos cargos públicos? Porque não temos a ciência (1989, p. 52).

E complementa sua opinião: ―não há ciência, nem cargo público no Estado, que as mulheres não sejam naturalmente próprias a preenchê-los tanto como os homens‖.

(27)

28

(1989, p. 73). Esse fato atualmente se faz comprovado, pois, desde quando as mulheres obtiveram maior acesso ao conhecimento, verifica-se a excelência nas funções que exercem, de modo a cada vez mais assumirem cargos de responsabilidades e com prestígio.

Duarte (1989) levanta a hipótese de que Josefina Álvares de Azevedo, que compartilha o lugar de vanguarda na história do feminismo brasileiro com Nísia Floresta, tenha entrado em contato com os escritos de Floresta frequentando a biblioteca de sua família. Tal suspeita dá-se pelo fato de que Joaquim Manuel de Macedo faz uma citação da obra de Mary Wollstonecraft, em seu romance A moreninha, cuja heroína Catarina representa uma homenagem a sua futura esposa Maria Catarina de Abreu Sodré, que era prima de Josefina Álvares de Azevedo.

Valéria Andrade Souto Maior15 (2004), que realizou uma pesquisa sobre a propaganda sufragista, aponta que houve outras mulheres na composição desse quadro de proto-feministas brasileiras, as quais não se deixaram intimidar e pronunciaram suas vozes por meio de seus escritos na imprensa, com o intuito de formar uma opinião pública em favor da emancipação feminina. Dentre elas destaca-se Francisca Senhorinha da Motta Diniz, fundadora, editora e redatora do jornal feminista O Sexo feminino, que no final da década de 1880 passou a se chamar O Quinze de Novembro do Sexo Feminino. Destaca-se também Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (1806-?)16, com seu texto Diálogo, escrito em 1836 e publicado em coletâneas no ano de 1845, na cidade de Porto Alegre, em meio à Guerra dos Farrapos. Outra personalidade é a cirurgiã-dentista Isabel de Souza Matos, que, segundo Souto Maior (2004), no ano de 1885 demandou seu alistamento eleitoral, por ser portadora de título universitário, com base na Lei Saraiva (09/01/1881), que garantia o direito de voto aos portadores de títulos científicos. Contudo, Souza Matos teve seu pedido indeferido por ser mulher.

1.2 O Sufragismo ou a Primeira Onda Feminista

O sufragismo foi o primeiro movimento organizado pelas mulheres, e constituiu o marco inicial do feminismo por agrupar pessoas dispostas a lutar pela conquista do voto para as mulheres, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos da América. De

15 Doutora em Letras, pesquisadora DCR/CNPq, atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação

em Letras/UFPB.

(28)

29

acordo com Zina Abreu (2002), o argumento das sufragistas era de que a vida das mulheres seria melhorada se a organização política vigente prestasse contas a um eleitorado feminino, e as desigualdades econômicas e educacionais poderiam ser corrigidas quando obtivessem o direito ao voto. A luta pelo direito ao voto era um meio para que se pudesse de fato atingir um fim, qual seja, as mulheres serem atuantes e respeitadas na sociedade moderna.

Ainda segundo Abreu (2002), a organização do movimento feminista pelo sufrágio, na Inglaterra, ocorreu na década de 1830, quando o liberalismo político propiciou a defesa dos direitos das mulheres. Foi nesse contexto que, no ano de 1840, em Londres, foi organizada a Primeira Convenção dos Direitos das Mulheres.

É importante salientar que pequenas associações britânicas uniram-se formando a NUWSS —National Union of Women‘s Suffrage Societies, fundada em 1897 e presidida por Millicent Garret Fawcett. A NUWSS foi considerada a maior e mais antiga organização sufragista britânica. Segundo Abreu (2002), as campanhas dessas organizações, além da luta pelo direito ao voto, também tinham como objetivo a reforma da sociedade, e consideravam esta ação de mudança tão importante como o direito ao voto.

Outra importante associação britânica foi a WSPU (Women‘s Social and Political Union), associação sufragista fundada em 1903, na cidade de Manchester, pelas Pankhursts: Emmeline (Presidente) e suas filhas Christabel, Sylvia e Adela. Segundo Abreu (2002), trata-se de uma organização que, por ser contundente e muito ativa, tornou-se uma referência. Tinha objetivos bem definidos e um comportamento ético com certa militância agressiva, e por isso eram denominadas sufragetes.17

Sufragetes, assim conhecidas por serem membros da já referida ‗WSPU— Women‘s Social and Political Union, e por atuarem de modo mais radical e não se enquadrarem como sufragistas constitucionalistas. Seu lema era: ―Ações, não palavras‖. As sufragistas constitucionalistas atuavam com métodos pacíficos e moderados, sem violar a lei e a ordem pública.

Por não serem escutadas, as sufragetes começaram a agir de modo agressivo e violento, destruindo edifícios públicos com incêndios e explosivos. Isso trouxe consequências para elas. A citação abaixo retrata esse contexto:

17

(29)

30

A radicalização da militância pró-sufrágio feminino teve como consequência o encarceramento de centenas de sufragetes, muitas das quais fizeram greve de fome, como forma de protesto. Receando a morte de alguma delas e a consequente produção de mártires, o Governo adaptou a ‗alimentação forçada‘, feita por meio de um tubo enfiado pela boca abaixo — processo bárbaro visto como tortura. Muitas sufragetes foram assim alimentadas durante semanas, numa média de três vezes por dia. Kitty Marion, atriz famosa, por exemplo, foi submetida à alimentação forçada mais de 230 vezes. Todavia, só a partir do momento em que as sufragetes adaptaram estas formas de luta é que a campanha pelo direito de Voto feminino na Grã-Bretanha começou a ser levada a sério pelos políticos e pela imprensa. (Abreu, 2003, p. 464)

A organização dessas mulheres que, com aguda convicção política, manifestaram-se de modo radical, audacioso e agressivo acabou por produzir uma atitude do parlamento inglês. Como mostram Toscano e Goldenberg (1992), entre os anos de 1920 e 1928 o voto feminino foi aos poucos concedido, primeiro apenas nas eleições regionais e depois para as mulheres acima de trinta anos de idade. Somente em agosto de 1928 foi de fato concedido o direito ao voto para todas as mulheres inglesas.

Nos Estados Unidos, no ano de 1848, na cidade de Nova York, houve como marco do movimento sufragista a Convenção dos Direitos da Mulher, na qual foi aprovada uma moção de luta das mulheres estadunidenses por seu direito ao voto. Considera-se que a causa abolicionista fez com que as mulheres estadunidenses refletissem sobre suas subordinações sociais e a falta de seus direitos políticos e civis.

(30)

31

O Congresso norte-americano começou a levar a sério a causa do sufrágio feminino somente no ano de 1913. De acordo com Abreu (2002), trata-se do momento em que Alice Paul e Lucy Burns decidiram fundar uma nova organização sufragista nacional, a The Congressional Union. Essa associação teve como estratégia a adoção das táticas de militâncias mais agressivas, como as praticadas pelas militantes britânicas da WSPU, com a proposta de incitar os políticos e o governo a apoiarem as mulheres na luta pelo seu direito ao voto.

No ano de 1920, a 19ª Emenda da constituição norte-americana proporcionou o direito ao voto feminino. Segundo Abreu (2002), este é o marco fundamental da história da emancipação das mulheres na Grã-Bretanha e Estados Unidos, tendo sido um produto de mais de três séculos de reivindicação e luta pela melhoria das condições sociais e políticas das mulheres.

Quanto à França, deve-se considerar que o século XVII foi marcado por revoluções, e as mulheres, embora participassem ativamente delas, não obtiveram conquistas relacionadas ao seu sexo. Em outras palavras, as ideias revolucionárias não incluíam as necessidades específicas da mulher. Entretanto, de acordo com Branca M. Alves e Jacqueline Pitanguy (1984), em suas explicações sobre o que é feminismo, este foi o período em que o movimento feminista na França começou a assumir um discurso próprio, com a afirmação da especificidade da luta das mulheres. A Revolução Francesa, com seus paradigmas políticos, foi um estímulo para que surgisse o movimento feminista. Toscano e Goldenberg (1992) acentuam que o movimento foi estimulado por intelectuais de ambos os sexos e encontrou ressonância entre mulheres de diferentes estratos sociais, que aos poucos tomavam consciência de sua inferioridade social e da importância de mudar tal situação.

Historicamente o movimento feminista na França teve a liderança de mulheres persistentes e combativas, e estava ligado diretamente a questões políticas mais globais do conjunto da sociedade. No entanto, a França foi um dos últimos países europeus a ter concedido o direito ao voto para as mulheres, o que se verificou somente em 1944.

A importância de apresentar algumas dessas ocorrências do sufragismo na Europa e nos Estados Unidos dá-se pelo fato de que elas acabaram por influenciar o movimento sufragista no Brasil, onde se repetia a mesma prática dos outros países, em que as mulheres não constavam como ente político e não tinham acesso à vida pública.

(31)

32

tinham conhecimento sobre os acontecimentos internacionais. Entretanto, Toscano e Goldenberg atentam para o fato de que o feminismo no Brasil não é uma reprodução pura e simples dos modelos estrangeiros, mas apresenta especificidades que devem ser entendidas no contexto da formação histórica brasileira de um país colonizado e subdesenvolvido.

1.3 O Sufragismo no Brasil

No Brasil, o movimento sufragista desenvolve-se de forma organizada a partir da segunda década do século XX. Entretanto, ressalta-se que o sufragismo fez seus primeiros anúncios por intermédio das proto-feministas já enunciadas nesta pesquisa, as quais, mesmo sendo vozes solitárias, não se deixaram intimidar e encontraram meios de expor seus ideais de emancipação.

Mesmo sem o direito ao voto, Leolinda Daltro, professora que também defendeu causas contra o extermínio dos índios e contra o autoritarismo da catequese, e Gilka Machado, poetisa simbolista18, fundaram em 1910 o Partido Republicano Feminino. Esse partido era composto por pessoas que não tinham direitos políticos, mas que tomaram uma posição clara em relação ao objetivo de sua luta pelos interesses das mulheres na esfera política, tanto os relacionados à sua emancipação e independência quanto os que diziam respeito ao fim da exploração sexual. Como mostram Alves e Pitanguy (1984), o objetivo principal desse partido foi instigar o debate no Congresso Nacional o direito ao voto para as mulheres.

O sufragismo no Brasil teve seu marco inicial no ano de 1920, sendo sua principal referência Berta Lutz. É também denominado de ―Primeira Onda‖ do movimento feminista, e constituiu-se da reivindicação da extensão dos direitos políticos às mulheres.

18Ser Mulher ... Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada para os gozos da vida; a liberdade e o amor; tentar da glória a etérea e altívola escalada, na eterna aspiração de um sonho superior... Ser mulher, desejar outra alma pura e alada para poder, com ela, o infinito transpor; sentir a vida triste, insípida, isolada, buscar um companheiro e encontrar um senhor... Ser mulher, calcular todo o infinito curto para a larga expansão do desejado surto, no ascenso espiritual aos perfeitos ideais... Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza! Ficar na vida qual uma águia inerte, presa nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

(32)

33

Bertha Lutz (1894-1976)19 foi a segunda mulher brasileira a entrar no serviço público por meio de concurso. Ela foi uma das responsáveis pela organização do sufragismo no Brasil, um movimento de mulheres organizadas buscava trazer a opinião pública a seu favor para ampliar a base de apoio às suas reivindicações. Como mostra Céli Regina Jardim Pinto (2003), em sua pesquisa sobre o histórico do feminismo no Brasil, naquele momento fez-se presente o movimento feminista brasileiro bem comportado, que não discutia a exclusão das mulheres da vida pública, mas sugeria a complementação da vida pública com atividades executadas pelas mulheres, com a finalidade do bom andamento da sociedade.

No ano de 1919 foi organizada a Liga pela Emancipação Feminina, liderada por Bertha Lutz. Em 192220 houve a mudança de nome para Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF), durante a realização do I Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro. Ideias discutidas nesse congresso espalharam-se por outros estados do Brasil, mesmo com as dificuldades de deslocamento e comunicação da época.

A federação era composta por um grupo bastante homogêneo, é importante notar que eram mulheres com tal inserção social e cultural que lutavam por direitos políticos por meio da pressão junto aos poderes constituídos, no caso deputados e senadores [...] o feminismo bem comportado, na medida em que agia no limite da pressão intraclasse, não buscando agregar nenhum tema que pudesse pôr em xeque as bases das relações patriarcais (Pinto, 2003, p. 26).

No ano de 1936, Bertha Lutz assume a cadeira de deputada e promove a realização do III Congresso Nacional Feminista. Como mostra Pinto (2003), com o advento do golpe de 1937 liderado por Getúlio Vargas, que originou o Estado Novo, e o regime político brasileiro agora mais centralizado e autoritário, a FBPF perdeu seu espaço e teve fim sua movimentação. Mesmo depois da redemocratização, em 1945, a FBPF não voltou mais à atividade.

Em paralelo à organização da FBPF, houve ações de mulheres que não faziam parte dela, como as de Elvira Komel. Mineira formada em Direito, aos 23 anos criou um

19 Filha do médico e cientista Adolfo Lutz, pioneiro na aérea de epidemiologia e doenças infecciosas.

Teve a oportunidade de estudar Ciências Naturais na Sorbonne, em Paris. Foi lá que tomou contato com os movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos.

20 No Brasil, o ano de 1922 foi intensamente marcado por acontecimentos polêmicos, e por discussões

(33)

34

movimento chamado Batalhão Feminino, com o alistamento de 8.000 mulheres trabalhavam na retaguarda do movimento feminista, o qual apresentava um teor mais revolucionário do que o proposto pelas sufragistas. Outro destaque é Julia Alves Barbosa, do Rio Grande do Norte, que em 1927 defendeu seus direitos de cidadã com a alegação de ter ―qualificação de maior, solteira, com rendimentos próprios, portanto apta a exercer sua cidadania‖ (Pinto, 2003, p. 27). Essas ações de mulheres direcionadas à formação de opinião e ao serviço dos ideais de libertação e emancipação deram-se com maior pragmatismo e foram direcionadas aos lideres políticos, o que difere do movimento mais comportado da FBPF21.

Como mostra Pinto (2003), houve outra vertente de ações que contou com a presença feminina defendendo a educação para a mulher e se posicionando contra a dominação dos homens e seu interesse em deixá-las fora do mundo público. Essas ações tiveram voz pela imprensa alternativa, e são consideradas a face menos comportada do feminismo brasileiro no início do século XX. Elas surgiram como consequência das propagadas ideias do liberalismo. Além do sufrágio, essas ideias conclamavam à luta pelo ingresso das mulheres em escolas públicas e também por seu direito a uma educação científica, além de chamarem a atenção para as questões sociais vinculadas à família, como a proteção contra a violência doméstica. Defendiam ainda questões relacionadas às mulheres trabalhadoras dentro da perspectiva igualitária de seus direitos fundamentada nos direitos humanos. Segundo Pinto (2003),

O movimento feminista se expressou de diferentes formas, com diferentes graus de radicalidade e mesmo com diferentes ideologias [...] o direito de votar e ser votada. Esta foi a porta de entrada das mulheres na arena de luta por seus direitos, não só no Brasil, mas em todo o mundo ocidental (Pinto, 2003, p. 38).

Para pôr em prática essas diferentes formas de luta, mulheres com trajetórias distintas adotavam estratégias diversas. Destacando-se significativamente na luta pela causa da mulher, essas ativistas propunham a revisão de comportamentos com a finalidade de estruturar uma nova sociedade, através de movimentos de formação de opinião que, segundo Pinto (2003), buscavam alastrar a participação política por

21 É importante salientar que nesse período houve muitas mulheres envolvidas e empenhadas no

(34)

35

intermédio da inclusão de setores da sociedade que haviam sido marginalizados pela oligarquia.

Ainda segundo essa autora, houve muito preconceito contra as mulheres que se expressavam em passeatas, nos enfrentamentos da justiça e nas suas atividades como mulheres livres e pensadoras que criavam jornais, e escreviam livros e peças de teatro. No entanto, algumas não se intimidaram e enfrentaram os preconceitos, mantendo-se apoiadas em suas reivindicações de cunho político.

Algo importante a ser considerado é o fato de que no início do século XX havia alto índice de analfabetismo no Brasil, maior entre a população de baixa renda, sendo entre as mulheres ainda mais alarmantes. Mesmo assim, os meios de comunicação de massa tais como jornais, panfletos e pasquins foram utilizados pelas feministas, e foi com esse recurso que elas propagaram suas manifestações. Segundo Pinto (2003), tratava-se da tentativa de dialogar com a sociedade e garantir a permanência e a circulação das ideias. Estabeleceu-se um processo longo e lento, mas insistente e contínuo, que pregava educação às mulheres e sua conscientização real, pois a ideia era de que a educação seria um meio pelo qual as mulheres conquistariam sua emancipação. De acordo com Piscitelli,

Entre as décadas de 1920 e 1930 as mulheres conseguiram, em vários lugares, romper com algumas das expressões mais agudas de sua desigualdade em termos formais ou legais, particularmente no que se refere ao voto, à propriedade e ao acesso à educação. (Piscitelli, 2002 p. 29)

Pode-se destacar na história dessa época a importante conquista do direito ao voto no ano de 1932, assim como as leis de proteção ao trabalho de mulheres em 1934. Vale dizer também que nesse mesmo período houve a criação de diversas associações, ligas e clubes que possuíam programas voltados a discutir a participação da mulher na sociedade e sua emancipação.

1.4 A Segunda Onda feminista

Referências

Documentos relacionados

Neste capítulo, falarei sobre a chegada de Wilson Rio Apa e sua família a Florianópolis em 1976, e “transcorreremos” pelos ecos emanados ainda hoje d’ A PAIXÃO Segundo Todos

Não são como os sons da vida real, que podem ocorrer independentemente de nossa vontade e, muitas vezes, se colocam em posição secundária ou terciária em relação a

Esta dissertação foi julgada aprovada para a obtenção do Título de Mestre, na linha de pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica, em sua forma final pelo Curso de Mestrado

Assim como examinamos o herói trágico para ampliar nossa compreensão não só da tragédia, mas até mesmo dos mistérios finais da vida humana, o estudo sobre o Bobo se

O material encontrado para a pesquisa sobre Valentin foi mínimo: uma pequena biografia e alguns esquetes de sua autoria, que aparecem traduzidos nos Cadernos de Teatro

E, por último, infelizmente, muitos professores afirmaram que quando saem para assistir um espetáculo com seus alunos, ou quando o espetáculo se desloca até

No sentido da decodificação do universo do pensamento teatral de Brook, o trabalho pretende investigar no primeiro capítulo algumas noções que se constituem como uma

O reconhecimento das características e das diferenças entre escrita e oralidade na elaboração do texto de teatro pode orientar novas buscas para a