• Nenhum resultado encontrado

A VIVÊNCIA DO AQUI-E-AGORA NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA NA ABORDAGEM GESTÁLTICA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "A VIVÊNCIA DO AQUI-E-AGORA NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA NA ABORDAGEM GESTÁLTICA"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

VIRGINIA ELIZABETH SUASSUNA MARTINS COSTA** MAISA ROBERTA PEREIRA RAMOS LOPES***

ISADORA SAMARIDI****

Resumo: o artigo objetiva descrever a experiência de uma terapeuta-estagiária na perspectiva gestáltica no que se refere a aplicação do conceito teórico aqui-e-agora dessa abordagem, na relação com uma cliente que vivencia distúrbios em sua temporalidade, por meio da metodo-logia fenomenológica. Sendo necessário, vivenciar o presente como um movimento permanente entre passado e futuro sendo possível por meio do enfoque fenomenológico. Durante o processo observou-se que o contato com o aqui-e-agora emergiu da relação terapeuta-cliente e ambas foram aprendendo a entrar em contato com a vivência do agora. Vale ressaltar, que a pre-sença genuína do psicoterapeuta e sua compreensão do aqui-e-agora na relação terapêutica foram primordiais para levarem o cliente a experienciar a temporalidade no presente de fato. Palavras-chave: Aqui-e-agora. Abordagem gestáltica. Temporalidade.

O

tempo dentro da psicologia, segundo Augras (2004), costuma receber um enfoque tradicional, sendo compreendido como algo exterior ao homem, que nele atua e tenta manipular em proveito próprio, mas sem sucesso, pois na verdade o homem está sujeito a ele. No enfoque fenomenológico-existencial, o tempo é visto como o horizonte

* Recebido 07.03.2017. Aprovado em: 06.06.2017.

** Doutora em Ciências da Saúde pela UnB/UFG. Mestra em Educação pela PUC Goiás. Psicóloga formada na USP/SP. Especialização em Gestalt-terapia. Cursos avançados em Gestalt-terapia pelo Gestalt Therapy Institute of Los Angeles. Fundadora, professora e supervisora do Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT) e do Instituto Suassuna (IS). Professora adjunta do Curso de Psicologia da PUC Goiás. Membro do conselho consultivo da Phenomenological Studies - Revista da Abordagem Gestáltica. Pesquisadora do CNPq. E-mail: virginia@itgt.com.br.

*** Graduada em Psicologia pela PUC Goiás. Especialista em Avaliação Psicológica pela Faculdade Arthur Thomas /PR. E-mail: maisaroberta@yahoo.com.br.

**** Bacharel em Psicologia na PUC Goiás. Mestra em Psicopatologia Clínica e Psicologia da Saúde na PUC Goiás. E-mail: isasamaridi@gmail.com

A VIVÊNCIA AQUI-E-AGORA

NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA

NA ABORDAGEM GESTÁLTICA*

(2)

para a compreensão e construção do ser, em que faz parte da orientação significativa do mesmo, sendo o tempo extensão e criação da realidade humana.

Na temporalidade linear e mecanicista, há o tempo kronos, palavra grega que indica noção de cronômetro. Por outro lado, o tempo kairós, está relacionado ao tempo do amadurecimento interno. Na perspectiva fenomenológico-existencial, temporalizar impli-ca experienciar o tempo, sendo esta a vivência que mais se aproxima da existência humana. Na existência cotidiana imediata, o tempo é vivenciado como uma totalidade, que engloba tanto o já acontecido, como o que espera que venha acontecer. A vivência do tempo é única para cada pessoa, assim como a percepção da intensidade, da velocidade e dos sentimentos acompanhados dessa vivência (COSTA, 2004; FORGHIERI, 2011).

Entretanto, as alterações na percepção temporal acontecem apenas no tempo kairós e não no kronos que mantém sempre a sua duração. Deste modo, o temporalizar (vivência subjetiva do tempo) pode se estender tanto em relação ao passado como em direção ao futuro, com amplitude ou restrição, pode-se então dizer que tempo é um construto através do qual a realidade é para um sujeito que dá sentido a ela (COSTA, 2004; RIBEIRO, 2004).

Nessa perspectiva, a vivência de sintonia e o contentamento expandem o temporalizar enquanto a vivência de preocupação e contrariedade restringem o temporalizar. Assim, o adoeci-mento existencial consiste no estancaadoeci-mento da maturidade existencial do ser-no-mundo, na imo-bilização do káiros, que impedido de se consumar enquanto projeto livre do existir, se rende ao kro-nos, perdendo a noção de continuidade temporal. Deste modo, o indivíduo fica cristalizado num único modo de atuar (vivencia apenas o passado ou apenas o futuro) e se torna menos capaz de ir ao encontro de qualquer de suas necessidades de sobrevivência (COSTA, 2004; PERLS, 2011).

A Gestalt-terapia acredita que tudo acontece no campo - aqui-e-agora - que existe em dado momento, em dado espaço de tempo. Nesta perspectiva, pessoa e meio ambiente só podem ser considerados agora, num campo que apesar de constituído por outros microcam-pos, todos estão em íntima conexão e em sua finalidade se encaminham para produzir uma única realidade. Então, passado e futuro com significância são passado e futuro retidos no presente, pois a existência não é uma realidade sem referência a um futuro, mas também não o é sem retenção de um passado (RIBEIRO, 2009a; YONTEF, 1998).

Levando em conta que o ser humano não é só passado, mas também é historici-dade, um ser que vive a dimensão temporal em sua totalihistorici-dade, na qual passado, presente e futuro se fundem no aqui-e-agora, o enfoque está na experiência do cliente no aqui-e-agora, uma vez que somente fatos presentes podem produzir comportamento e experiência. Na abordagem gestáltica faz-se importante que o cliente tome consciência global da maneira como está funcionando e o que está fazendo no aqui-e-agora e de como pode se transformar e, ao mesmo tempo, aprender a aceitar-se e valorizar-se, tendo como objetivo favorecer a manifestação do vivido no momento presente (COSTA, 2008; GINGER, 2007; RIBEIRO, 2009a; YONTEF, 1998).

Ribeiro (1985) esclarece que presente e aqui-e-agora se equivalem. Quando se tem o presente, tem-se tudo que é preciso para compreender e experienciar a realidade como um todo. Estar no aqui-e-agora é um abrir-se a análise e a informação, viver no aqui-e-agora é um experienciar a realidade interna e externa, como ela acontece, tenham ou não antecedentes que a expliquem ou justifiquem.

O presente ou o aqui-e-agora convivem com o organismo e com o passado que são uma história, numa relação figura e fundo, de todo e parte. Ambos - passado e corpo - estão

(3)

presentes, a visão é de um campo na qual as partes estão intimamente relacionadas com o todo, sendo este o lugar onde a realidade acontece, por isso, não há campo antes ou depois, ele é agora, porque o aqui-e-agora é a-histórico. O presente é responsável por ele mesmo, ele se auto explica, se auto revelando, deste modo é o no aqui, neste espaço, e no agora, neste tempo, que a história do sujeito se faz presente, então ao fincar os pés no presente, tanto o passado quanto o futuro, que anteriormente poderiam parecer assustadores, acabam por as-sumir uma dimensão diferente para o cliente (RIBEIRO, 1985; CARMO, 2004; RIBEIRO, 2009a; LATNER, 2004).

Carmo (2004), Costa (2004), Yontef (1998) e Perls, 2011) afirmam que, na experiên-cia da Gestalt-terapia, o que quer que exista, é ‘aqui-e-agora’. Para Gestalt -terapia o objetivo é favorecer a manifestação da história de si no presente. Há uma busca incessante pela possibili-dade de que o cliente, por si mesmo, traga a sua história e a reexperimente no espaço em que se insere, “o aqui” e no tempo presente, “o agora”. Não se trata de negar a importância do que se viveu no passado ou do que há de vir no futuro, mas de valorizar outros momentos da vida, que igualmente contribuem para o constitutivo humano, até porque a totalidade da temporalidade está inclusa no presente. É assim, pois o objetivo da psicoterapia é dar meios para que a pessoa possa resolver seus problemas atuais e qualquer outro problema que surja futuramente. Se a cada momento puder verdadeiramente perceber a si próprio e as suas ações no nível da fantasia, da fala ou físico, pode ver como está provocando suas dificuldades presentes e pode ajudar a si próprio a resolvê-las no presente, no aqui-agora. No decorrer do processo cada resolução torna mais fácil a próxima, porque cada uma delas aumenta a autossuficiência da pessoa.

Nesse sentido, o Gestalt-terapeuta busca trabalhar com o significado que o passado/ futuro no presente tem para cada elemento do processo terapêutico. Por isso, pede-se ao cliente que durante a sessão volte toda a sua atenção para o que está fazendo no momento, ou seja, justamente no aqui-e-agora. Isto, pois, trata-se de uma abordagem fenomenológico-existencial que investiga a vivência do cliente assim como ela se dá. Nela o processo terapêutico ocorre a partir da abertura do terapeuta para a experiência do cliente no aqui-e-agora, mostrando-se to-talmente presente, seguindo passo-a-passo os significados expressados pelo cliente, o levando a se abrir para o próprio reconhecimento (HYCNER, 1995; FELDMAN, 2004; PERLS, 2011).

Hycner (1995), Carmo (2004) e Perls (2011), por seu turno, alertam que é muito difícil contatar o presente na relação terapêutica, pois o terapeuta está sujeito de ao invés de estabelecer uma relação empática, de total interesse no cliente e suas reações, formar um vínculo de simpatia ou envolvimento total do campo. Quando acontece uma relação de simpatia, o te-rapeuta pode acabar dando ao cliente todo o apoio ambiental que ele quer, não percebendo suas manipulações. Deste modo, o terapeuta corre o risco de deixar de lado ou perder o aqui-e-agora e de sucumbir à tentação do fazer, ou seja, passar ‘receitas’ prontas ao cliente na expectativa de perceber resultados rápidos no processo psicoterapêutico. O fato é que o psicoterapeuta pode apenas ajudar o cliente em sua autodescoberta como se fosse um espelho de aumento, doan-do-lhe os ouvidos e olhar de forma atenta, confirmando a sua dor, descrevendo suas atitudes, pontuando suas incoerências, respondendo verbalmente como sinal de aceitação e percepção. As descobertas devem ser feitas pela própria pessoa, o psicoterapeuta é apenas um facilitador.

Ao trabalhar com o aqui-e-agora, o Gestalt-terapeuta amplia a consciência do cliente, trazendo-o para vivenciar a situação passada ou futura no agora, ou seja, promove a awareness que pode acontecer somente no presente. Um conceito primário dentro da Gestalt-terapia é o de awareness, que em uma tradução aproximada pode significar “presentificação”, “tornar-se

(4)

presente”, “concentração”, “conscientização”. Pode ser definida como estar em contato com a própria existência, com “aquilo que é”, é o “dar-se conta”, o “estar presente”. A awareness total é o processo de estar em contato vigilante com os eventos mais importantes do cam-po indivíduo/ambiente, com total acam-poio emocional, sensório motor, cognitivo e energético. Awareness é, pois, uma tomada de consciência global, é estar incessantemente atento ao fluxo permanente das sensações físicas, sentimentos, idéias, à sucessão ininterrupta das “figuras” que aparecem no primeiro plano das preocupações da pessoa, no “fundo” constituído pelo conjunto da situação que se está vivendo e da pessoa que se é, e tudo isto ao mesmo tempo no plano corporal, emocional, imaginário racional e comportamental (YONTEF, 1998; CAR-DELLA, 2002; SPANGENBERG, 2004; GINGER, 2007).

Trabalhar com o aqui-e-agora é trabalhar com o fenômeno que se mostra, que apa-rece, para tanto é preciso que o terapeuta esteja atento e com os sentidos aguçados, enfatizan-do as observações feitas, por meio da descrição fenomenológica. Ao descrever, o terapeuta está “ensinando” o cliente a se auto-perceber, dando passos para o alcance da awareness. É apenas com a vivência do aqui-e-agora que o cliente será capaz de aprender a se distinguir e identi-ficar suas reais necessidades. Por meio do ‘como’ e do ‘que’ ele vai percebendo e aprendendo como ficar totalmente envolvido no que está fazendo, como manter uma situação tempo suficiente para fechar a Gestalt e passar para outro assunto e assim aprender a contatar de forma sadia. Deste modo, percebe-se a importância do presente, mesmo que ele seja o meio mais trágico e doloroso, é a única porta para a realidade (RIBEIRO, 1985; HYCNER, 1995; PERLS, 2011; SPANGENBERG, 2004).

Muitas pessoas não conseguem contatar o agora, por viverem no presente com se estivessem no passado ou viverem no futuro como se fosse hoje, estas estão com distúrbios em sua awareness de tempo. Eles precisam aprender a vivenciar o presente como um movimento permanente entre passado e futuro e isso só será possível por meio do enfoque no que se está sentindo no momento que o fenômeno surge, ou seja, no aqui-e-agora (YONTEF, 1998).

Nesse sentido, o objetivo desse artigo é descrever a experiência de uma terapeuta estagiária, no que se refere especificamente a aplicação do conceito teórico ‘aqui-e-agora’ da abordagem gestáltica, na relação com um paciente que vivencia distúrbios em sua tempo-ralidade a partir da metodologia fenomenológica. Justifica-se pelo interesse das autoras em favorecerem a vivência do aqui-e-agora na relação terapêutica na tentativa de compreender a vivência do futuro no aqui-e-agora.

MÉTODO Participante

Participou desse estudo, Patrícia (nome fictício), 24 anos, estudante do curso pro-fissionalizante para comissária de bordo, sexo feminino, pertencente à classe média baixa. Materiais e Instrumentos

Utilizou-se, durante todo o estudo, um consultório padrão de uma Clínica-Escola, vinculada a uma Instituição de Ensino Superior. Para a realização do estudo, foram utilizados: um gravador digital, papel, caneta, computador, pen drive, tinta e impressora. Utilizou-se o

(5)

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para autorização da gravação das sessões e pos-terior reprodução com objetivo acadêmico e para assegurar o sigilo.

Procedimentos

No início do segundo semestre de 2011, a terapeuta estagiária procurou a Clí-nica-Escola com o objetivo de buscar um cliente para realizar a primeira experiência de atendimento psicoterapêutico dentro da disciplina de estágio básico supervisionado VII em gestalt-terapia, por três meses. Vale ressaltar que a estagiária escolheu uma das fichas para atendimento psicológico dentre as disponíveis no cadastro de espera da clínica. A cliente bus-cou espontaneamente o serviço de psicologia da Clínica-Escola e realizou o preenchimento de uma ficha, alegando sentir ansiedade. A estagiária, durante a escolha da ficha para atendi-mento, não se prendeu a queixa alegada, apenas decidiu aleatoriamente.

As sessões ocorreram semanalmente, com duração de 50 minutos cada, totalizando seis sessões entre setembro e novembro de 2011. O primeiro contato com a participante se deu por telefone para agendamento da primeira sessão. Nesta primeira sessão, foi esclarecido o funcionamento da clínica, o horário das sessões, o sigilo terapêutico, as gravações e todo o processo que estava se iniciando a partir daquele momento. Ela assinou o termo de consenti-mento livre e esclarecido autorizando as gravações das sessões e a utilização das mesmas para a elaboração de trabalhos acadêmicos.

As perspectivas fenomenológicas e a abordagem gestáltica foram utilizadas com o objetivo de descrever a vivência da relação entre terapeuta-estagiária e cliente, durante as sessões. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com a finalidade de elucidar a experiência clínica da terapeuta estagiária no atendi-mento a uma cliente, que demonstrou logo na primeira sessão dificuldades na vivência de sua temporalidade, foram utilizados trechos transcritos das seis sessões atendidas. Para identificar a fala da estagiária, será utilizado “T.E” e, para se referir à cliente, usaremos o nome fictício “Patrícia”.

Na primeira sessão, ao esclarecer sobre situações do passado que deixaram a cliente ansiosa, ela concluiu a frase dizendo:

Patrícia:[...]Nossa eu passei por uma fase muito difícil, muito difícil mesmo!

T.E: e como que você tá hoje, assim? Porque você falou “ah, eu passei por uma fase difí-cil”, né? Você se sentiu muito ansiosa, ficou com medo. [...] Agora eu quero saber como que você se sente agora, como que você tá?

Com esta intervenção a terapeuta estagiária chama a cliente para experienciar o “agora” da situação e tenta por meio do “como que você se sente agora?” levá-la a experienciar os sentimentos que outrora foram do passado, mas que estavam comparecendo no campo presente, objetivando deixá-la aware do que realmente sentia naquele instante (YONTEF, 1998; HYCNER, 1995; SPANGENBERG, 2004; PERLS, 2011).

No decorrer da mesma sessão Patrícia continua narrando situações que a incomo-dam, a deixam triste, ansiosa e foram os motivos pelos quais buscou psicoterapia. A narrativa

(6)

dos acontecimentos foi extensa e misturou vários temas, denotando muitas demandas, então a T.E. intervém:

T.E: Dessas coisas que você me disse o que mais tá te incomodando agora? Tenta ver. Patrícia: meu medo, meu medo de não conseguir passar nessa prova. Meu medo de não conseguir ser alguém, sabe? Meu medo de não conseguir atingir o que eu quero, esse é meu medo.

Com esta intervenção a terapeuta-estagiária possibilitou que a cliente “lesse” a si mesma na vivência do “aqui-e-agora”, levando a mesma a entrar em contato consigo e per-ceber o que na sua vivência, naquele momento, é figura. Segundo Ribeiro (2009b) e Yontef (1998), a melhor forma depende do modo como a pessoa organiza sua percepção, como apreende a realidade, as lições do cotidiano, e como as encaminha, existindo uma relação di-namicamente transformadora entre o todo e suas partes, entre a relação figura e fundo, como maneiras pelas quais a pessoa organiza sua percepção de totalidade.

A gestalt-terapia é uma abordagem fenomenológico-existencial que investiga a vi-vência do cliente assim como ela se dá, valoriza o humano e o concebe como o interprete mais fiel de si mesmo. Nesta abordagem o processo terapêutico ocorre a partir da abertura do terapeuta para a experiência do cliente no aqui-e-agora, seguindo passo-a-passo os signi-ficados expressados pelo cliente (RIBEIRO, 1985; HYCNER, 1995; CARDELLA, 2002; FELDMAN, 2004).

Após verificar o tema central da cliente, o medo do futuro, a T. E. intervém com a seguinte fala:

T. E: então, eu percebo que você está preocupada, tem essa preocupação de achar que não vai conseguir passar nessa prova, você está preocupada com o futuro. Mas eu percebo que você é uma pessoa que corre atrás, que, igual, ontem, você não deu conta, mas já tá estudando as coisas que você ainda não viu. E às vezes, a gente não consegue da primeira vez, mas depois a gente pode conseguir....

Patrícia: hum, hum! Justamente!

Com esta intervenção a T. E. busca conduzir Patrícia para seu lado luminoso, no aqui-e-agora. A postura humanista enfatiza o valor positivo, sem esquecer os limites pessoais, os fracassos e impossibilidades de mudanças, com o objetivo de despertar o que há de bom, de grandioso e de saudável do cliente, para que o mesmo possa se dar conta do que tem a sua disposição, a sua força de vontade, que pode ser a principal, ou até mesmo a única porta de saída para sua recuperação e renascimento (RIBEIRO, 1985, 2009b; CAR-DELLA, 2002).

Na segunda sessão, Patrícia elucida sobre seu relacionamento atual e o quanto gos-taria que seu namorado atual fosse mais carinhoso e romântico como seu último namorado. Se apropriando de todo o campo do momento, a T. E. responde:

T.E: Eu percebo em você uma coisa: você trouxe pra mim na sessão passada essa questão de você ficar preocupada um pouco com as questões do futuro e agora você está voltando um pouco para as questões do passado.

(7)

Patrícia: não, mas eu tô falando que eu tô assim, ué? Mas é normal uma pessoa tá uma semana de um jeito e outra de outro, num é?

T.E: é, é normal , mas o interessante de você, é que as vezes você fica tão preocupada com o futuro que esquece do presente e agora você tá tão preocupada com o passado que esquece do presente.

Patrícia: (termina de completar a frase junto com a terapeuta)....

Observando o funcionamento da cliente no campo aqui-e-agora, a T.E. descreve o comportamento da mesma, mostrando como a cliente localiza-se temporalmente no espaço e no tempo, na tentativa de que ela se perceba e se autoconheça. A cliente reconhece seu fun-cionamento de não estar no presente, mas sim no ‘que já foi’ ou no ‘devir’, mas não reflete sobre a fala da terapeuta, ao contrário, termina a frase junto com T.E.. Algumas pessoas não fazem contato com a situação presente, não vivem o aqui-e-agora, e por isso voltam-se para o futuro ou passado na tentativa de buscar sentido para a sua existência (COSTA, 2004; FORGHIERI, 2011).

Na sessão seguinte, Patrícia traz as mesmas queixas referentes a sua preocupação com futuro, com a prova da ANAC que estava por vir, o medo de não conseguir passar, não conseguir um emprego e as cobranças de ter que estudar mais. Nesta sessão a T.E. esta-belecendo uma relação de simpatia com a cliente, se sente tão envolvida pela angústia que Patrícia expõe e termina por apoiar sua atitude, inclusive ao final da sessão se rendendo ao envolvimento na temporalidade da cliente de tudo fast, que lhe dá um sugestão do que fazer na tentativa de diminuir sua ansiedade (CARMO, 2004; PERLS, 2011).

Patrícia: aí eu já começo a preocupar – “Meu Deus eu queria fazer essa prova antes de viajar para praia”, porque eu vou pra mim curtir e se eu marcar a prova depois da praia, eu vou ter que passar pelo menos algum tempo estudando lá, num vou?

T.E: é, tenta ver uma possibilidade de você marcar para agora. Se não tiver como, tenta ver uma data para você marcar depois, mais uma semana depois que você chegar de lá por exemplo. É uma alternativa para que você não fique tão ansiosa lá, estudando lá e dê tempo de você estudar aqui depois que você chegar. É uma alternativa!

Patricia: a é!

Essa é uma das grandes dificuldades de se aplicar o aqui-e-agora na psicoterapia. Na ânsia de perceber resultados rápidos no processo psicoterapêutico, o terapeuta se rende a tentação de passar “receitas” prontas ao cliente e perde o aqui-e-agora do instante, esquecendo que o psicoterapeuta é apenas um facilitador. Ao dar a alternativa, o psicoterapeuta não per-mite que o cliente reflita sobre a situação e se torne aware (CARMO, 2004; PERLS, 2011).

Na quarta sessão, Patrícia relata que perdeu o emprego, pois a loja onde trabalhava faliu, expõe sua grande preocupação e medo de não conseguir outro trabalho e ainda o quanto está cansada pelas inúmeras coisas que tem que fazer - as “tantas coisas” que fez ontem, deveria ter feito hoje e deve fazer amanhã ou depois. Diante deste relato, a T. E. lhe faz uma intervenção.

T.E: fala para mim o que é essa ‘tanta coisa’ de hoje

Patrícia: hoje?(pensativa) de hoje? É, não dá para lembrar nada agora não.

(8)

agora, né?

Patrícia: é agora não.

T.E.: então, não é ‘tanta coisa’ assim né Patrícia? Patrícia: é não! Agora é só segunda né?

Com a pergunta “o que é essa ‘tanta coisa’ de hoje” a T.E. está em busca da descrição e compreensão do campo total de Patrícia, com o objetivo de que ela pare um pouco para pensar e refletir, possibilitando contato consigo naquele momento, isto é, no aqui-e-agora, pois para Ribeiro (1985), Polster e Polster (2011), o contato é o meio para mudar a si-mesmo e a experiência que se tem do mundo.

A próxima sessão ocorreu após duas faltas da cliente, em que a T.E. teve que ligar e rever com Patrícia o seu real interesse em continuar o processo terapêutico. Diante da situação, a mesma se comprometeu a comparecer. Nesta sessão relatou sobre uma briga que teve com seu namorado.

Patrícia: eu mais meu namorado, a gente brigou, a gente quase terminou, tipo assim, eu pensei que se eu terminasse com ele não seria assim tão ruim como eu vi que seria, entendeu? Seria mais ruim do que eu imaginava, entendeu? [...] quando tava quase ter-minando aí que eu vi que eu gostava, que eu ia sentir falta dele, entendeu?

T.E: então você tá me dizendo que quando você estava quase perdendo seu namorado aí você percebeu que gostava mais dele, então você entrou em contato com seu sentimento aquela hora, ou seja, o seu amor por ele. E quando você estava quase perdendo a vaga aqui na terapia aí você deu mais valor e veio hoje, mesmo chegando atrasada. Aí eu fico na dúvida, quando você está quase perdendo que você corre atrás, você dá valor? Patrícia: (silencio) é né?

T.E.: tenta ver!

Patrícia: é! Não, quando a coisa tá mais tranqüila eu deixo mesmo, quando o negócio tá mais... não tem mais jeito ái dá um desespero.

T.E: então, outro exemplo de seu funcionamento é a questão da prova. Na primeira prova você fez e errou quase tudo aí quando você viu que não tava sabendo quase nada, aí você... Patrícia: aí eu desesperei e aí eu fui estudar.

T. E: então novamente você repetiu esse comportamento que você acabou de mostrar aqui. A T.E. na tentativa de levar a cliente a dar-se conta do seu funcionamento que comparecia no aqui-e-agora, com o intuito de ser um condutor de Patrícia a sua awareness, parte de uma visão fenomenológica fazendo uma leitura, descrição e interpretação do que está presente naquele instante – o fenômeno. Então, a Terapeuta-estagiária trabalha, como esclarece Ribeiro (2009a), com a experiência imediata, a presentificação pelo aqui-e-agora da relação pessoa/mundo por meio da descrição dessa relação. Pois, a realidade é agora e é aqui. O mundo está acontecendo agora ali naquele campo, é nessa junção que o experienciar da awareness se torna possível. Em outras intervenções, Patrícia nem ao menos entrou em con-tato, como visto anteriormente, mas esta ressoou dentro dela, tanto que acabou por ficar em silêncio assimilando esse diferente movimento, tão novo para ela – estar em contato consigo.

Nesta mesma sessão, Patrícia já tinha refeito a prova e conta que não tinha passado novamente, mas já não se mostrava tão angustiada e com medo do seu futuro, relata que

(9)

apesar de não ter passado estava satisfeita, pois sabia que tinha feito o que pôde estudando bastante antes, e já havia marcado o reteste, tudo isso dito com mais naturalidade e menos sofrimento quanto a vivência do tempo. Observa-se aí um novo movimento por parte da cliente, há um desacelerar, este pode ser o início de uma vivência de temporalidade como uma forma diferente de viver a temporalidade, ela pode estar aprendendo a vivenciar o presente como um movimento permanente entre passado e futuro, contatando o agora e, consequen-temente, a si mesma.

Trabalhar com uma cliente em que sua temporalidade kairós havia se rendido ao kronos, e assim estava vivenciando o agora como ontem ou amanhã, mas nunca no hoje, foi deveras difícil. A verdade é que o contato com o aqui-e-agora emergiu da relação, na qual não só cliente, mas também psicoterapeuta foram aprendendo a entrar em contato com a vivência deste presente tão revelador. A simpatia do início da relação foi dando lugar a um psicoterapeuta empático que, na ânsia de tornar-se gestalt-terapeuta, busca na teoria, nas supervisões e psicoterapia individual o melhor modo de agir. Por fim, descobre que a única maneira de tornar-se gestaltista é deixar se levar pela relação terapêutica e, sem medo, inse-gurança e reservas, disponibilizar-se para o cliente, doando-lhe atenção e o seu próprio self. Apenas quando, a psicoterapeuta, se mostrou presente de fato na relação conseguiu respon-der a cliente e levá-la a experienciar o aqui-e-agora. Logo, a melhor forma de se tornar um gestalt-terapeuta é também vivenciar o aqui-e-agora na relação terapêutica.

THE EXPERIENCE OF THE HERE AND NOW IN THE THERAPEUTIC RELATIONSHIP IN THE GESTALT APPROACH

Abstract: this article aims to describe the experience of a therapist-trainee from the perspective

of Gestalt Approach as regards the application of the theoretical concept here-and-now of this approach in relation to a customer who experiences unrest in temporality, from the phenomeno-logical methodology. Many people can not contact the now, live in the present as if they were living in the past or in the future as it was today. So they need to learn to live the present as a permanent movement between past and future and this will be possible through the focus on

what you are feeling in the here-and-now. During the process it was observed that the contact

with the here-and-now emerged from the therapist-client relationship and both were learning to get in touch with the experience of now. Genuine presence of the psychotherapist and his experi-ence of the here and now in the therapeutic relationship were paramount to take the customer experience temporality in fact present.

Keywords: Here-and-Now. Gestalt Approach. Temporality.

Referências

AUGRAS, Monique. O Ser da Compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.

CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. A Construção do Psicoterapeuta. São Paulo: Summus, 2002.

CARMO, Marta. O aqui-e-agora e a emergência da subjetividade no processo psicoterápico. Revista do X encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v 10, n.1, p. 29-32. 2004.

(10)

COSTA, Virgínia Elizabeth Suassuna Martins. O aqui-e-agora em uma perspectiva clínica. Revista do X encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v.10, n.1, p. 33-41. 2004 COSTA, Virgínia Elizabeth Suassuna Martins. Compreendendo o tempo vivido por adolescentes do gênero feminino com experiência de viver na rua e em abrigos. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2008.

FELDMAN, Clara. Encontro: uma abordagem humanista. Belo Horizonte: Crescer, 2004. FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Psicologia Fenomenológica: fundamentos, método e pesquisas. São Paulo: Cengage Learning, 2011.

GINGER, Serge. Gestalt: a arte do contato: nova abordagem otimista das relações humanas. Petropólis: Vozes, 2007.

HYCNER, Richard. De Pessoa a Pessoa: psicoterapia dialógica. São Paulo: Summus, 1995. LATNER, Joel. O sentido de Gestalt Terapia. Revista do X encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v.10, n.1, p. 09-24. 2004.

PERLS, Fritz. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

POLSTER, Erving; POLSTER, Miriam. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2011.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. São Paulo: Summus, 1985.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Geometria fenomenológica: percepção do tempo e do espaço como experiência de construção do conhecimento e da realidade. Revista do X encontro Goia-no da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v.10, n.1, p. 43-51. 2004.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Holismo, ecologia e espiritualidade: caminhos de uma Gestalt plena. São Paulo: Summus, 2009a.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia de curta duração. São Paulo: Summus, 2009b. SPANGENBERG, Alejandro. Terapia gestáltica e a inversão da queda. São Paulo: Livro Pleno, 2004.

YONTEF, Gary. Processo, Diálogo e Awareness: ensaios em Gestal- terapia. São Paulo: Summus, 1998.

Referências

Documentos relacionados

Nova (PROMABEN) na porção sul da cidade de Belém (PA) tem como uma de suas frentes de trabalho obras de infraestrutura viária, as quais busquem a abertura da orla,

«Meus queridos filhos: eis aqui vossa Mãe , como Rainha e Senhora, rodeada de Anjos e acompanhada do glorioso Rei São Fernando. Este futuro Papa da Glória das Oliveiras, que

A ginástica aeróbica foi a primeira atividade aeróbica a merecer destaque. Praticamente foi esta a responsável pela popularização dos exercícios aeróbicos de

 Para os agentes físicos: ruído, calor, radiações ionizantes, condições hiperbáricas, não ionizantes, vibração, frio, e umidade, sendo os mesmos avaliados

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, por intermédio da Divisão Multidisciplinar de Assistência ao Estudante (DIMAE/PROAES) torna público o lançamento do presente edital

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Como já afirmei, esta pesquisa tentou compreender o olhar das crianças negras sobre sua realidade e suas relações no ambiente escolar. Através deste olhar, na simplicidade das vozes