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Leituras do texto literário em sala de aula: uma análise do regionalismo poético

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Academic year: 2021

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(1)GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS. LEITURAS DO TEXTO LITERÁRIO EM SALA DE AULA: UMA ANÁLISE DO REGIONALISMO POÉTICO. 2016.

(2) 8. GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS. LEITURAS DO TEXTO LITERÁRIO EM SALA DE AULA: UMA ANÁLISE DO REGIONALISMO POÉTICO. Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional (PROFLETRAS), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Campus Currais Novos), como requisito para obtenção do grau de Mestre em Letras. Área de concentração – Linguagens e Letramentos. Linha de pesquisa – Leitura e Produção Textual: diversidade social e práticas docentes..

(3) 9. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN – Biblioteca Setorial do Centro de Ensino Superior do Seridó - CERES Currais Novos. Santos, Gilberto Cardoso dos. Leituras do texto literário em sala de aula: uma análise do regionalismo poético / Gilberto Cardoso dos Santos. - Currais Novos, 2016. 119f.: il. color. Orientador: Profa. Dra. Valdenides Cabral de Araújo Dias. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó, Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional.. 1. Regionalismo. 2. Poesia popular. 3. Literatura. I. Dias, Valdenides Cabral de Araújo. II. Título..

(4) 10. 2016. LEITURAS DO REGIONALISMO POÉTICO EM SALA DE AULA. GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS. _____________________________________________ Presidente: Dra. Valdenides Cabral de Araújo Dias (orientadora) ____________________________________________ Membro: Prof. Dr. Manoel Freire Rodrigues (Membro Externo – UERN) ______________________________________________ Membro: Prof. Dr. Sebastião Augusto Rabelo (Membro Interno – UFRN).

(5) 11. 2016. DEDICATÓRIA. A todos aqueles que, de algum modo, contribuem para o engrandecimento da cultura popular; Aos que diretamente e indiretamente contribuíram para o êxito deste trabalho – os colegas Reno e Fátima, Valdenides e minha esposa, por exemplo; Àqueles que, visando grandes alturas, amam e habitam plenamente suas raízes..

(6) 12. AGRADECIMENTOS. Eu agradeço ao Deus de Spinoza Que na caatinga morre e ressuscita Inverno ou seca, em fauna e flora habita Se revelando de forma espantosa. E à equipe tão maravilhosa De educadores, sábia e erudita, Que tanto inspira e ao saber incita, A Valdenides, obsequiosa,. À própria CAPES por este mestrado Que oportuniza ao professor cansado Um pedestal à sua formação. Aos meus amigos e familiares Que estão comigo mesmo nos pesares A mais profunda e larga gratidão!.

(7) 13. RESUMO. RESUMO Este trabalho de intervenção visa apresentar uma proposta de leitura que se contraponha ao processo de homogeneização cultural próprio da globalização, a partir da valorização das diferenças linguísticas e culturais no espaço escolar. Defende que a escola deve incentivar a preservação das manifestações literárias do lugar onde os alunos vivem. Para este fim, analisamos textos de dois poetas potiguares cujas produções revelam comprometimento com suas raízes regionais: Hélio Crisanto, poeta popular, e Jorge Fernandes, poeta erudito. A pesquisa-ação (THIOLLENT, 2011) foi utilizada como estratégia levada a efeito numa turma de 9º ano do ensino fundamental, para estimular neles a compreensão de que a nossa Língua Portuguesa apresenta variações em seu sistema de fala e escrita e, desse modo, podemos compreender como se dá essas variações a partir do texto literário. Neste trabalho, seguimos rumos teóricos delineados por ARAÚJO (1991, 1997, 2008), AVERBUCK (1998), BAGNO (2007), CANDIDO (2013), FREYRE (1996), GURGEL (2001), GEBARA (2016), MOISÉS (2007), PENNAC (1992), PINHEIRO (1995), COSSON (2014), LAJOLO (1994), VALERIUS (2010), (ZILBERMAN (2004) entre outros para desenvolver as sequências didáticas pretendidas para o alcance dos objetivos, os quais giram em torno do reconhecimento e valorização das diversas formas de linguagem. Os resultados obtidos resultaram numa cartilha produzida pelos alunos, fruto de uma viagem de estudo ao Museu Rural Auta Pinheiro Bezerra, de Santa Cruz (RN), contendo verbetes e fotografias de peças regionais. Palavras-chave: Cultura, regionalismos, leitura, literatura, poesia popular..

(8) 14. ABSTRACT This intervention paper aims to present a reading proposal that set against the cultural homogenization process of globalization, from the enhancement of linguistic and cultural differences in the school environment. It defends that the school should encourage the maintenance of the literary expressions from the place where students live in. For this purpose, we have analyzed texts from two potiguares poets whose productions reveal they are deeply rooted with their region: Hélio Crisanto a popular poet and Jorge Fernandes an erudite one. The action research (THIOLLENT, 2011) has been used as a strategy carried out in a 9th grade classroom from the elementary school in order to motivate them to understand that our native language (Portuguese) varies in its speech and written system and thus, we can understand how variations occur from the literary text. For this paper, we have followed theoretical directions outlined by ARAÚJO (1991,1997,2008), AVERBUCK (1998), BAGNO (2007), CANDIDO (2013), FREYRE (1996), GURGEL (2001), GEBARA(2016), MOISÉS (2007), PENNAC (1992), PINHEIRO (1995), COSSON (2014), LAJOLO(1994), (1994), VALERIUS (2010), (ZILBERMAN (2004) among others to develop the required didactic sequences for achieving our goals. which go round of the acknowledgment and appreciation of different ways of language. The results obtained after the successful intervention came out in a booklet produced by students because of a study trip to Auta Bezerra Pinheiro Rural Museum of Santa Cruz – RN, containing entries and photographs of regional parts. Keywords: Culture, regionalisms, reading, literature, popular poetry..

(9) 15. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................15. 2. II A SALA DE AULA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA....................20. 2.1 O espaço da Língua Portuguesa ................................................................................21 2.2 O espaço da leitura literária na agenda do professor ................................................26 2.3 O texto literário como pretexto para o ensino da Língua Portuguesa - I...................33 2.4 O texto literário como pretexto para o ensino da Língua Portuguesa - II.................37 3 LENDO OS NOSSOS POETAS E A NOSSA REGIONALIDADE ........................43 3.1 O regionalismo nas obras de nossos poetas ..............................................................44 3.2 Jorge Fernandes de Oliveira .....................................................................................48 3.3 Hélio Crisanto ...........................................................................................................51 4 LENDO E ESCREVENDO OS REGIONALISMOS POÉTICOS.........................58 4.1 Etapas da intervenção: vivenciando o nordestês ......................................................61 4.2 Cartilha de dizeres potiguares – o produto da intervenção .......................................82 4.3 Aplicação de um questionário...................................................................................89 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................96 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................91 APÊNDICES.................................................................................................................104 APÊNDICE A................................................................................................................104 APÊNDICE B................................................................................................................104 APÊNDICE C................................................................................................................104.

(10) 16. I INTRODUÇÃO Diversas são as causas de fracasso no ensino público. Algumas destas causas estão intimamente interligadas, impossibilitando que sejam minimizados os efeitos nocivos de uma sem mexer em outras. Na área de língua de portuguesa, campo ao qual nos ateremos, vemos e experimentamos na prática, por exemplo, a dificuldade que a escola tem de formar leitores eficientes, capacitados para as diversas situações que exigem lidar com o texto escrito, automotivados para a leitura. Um problema de tal magnitude compromete o que há de crucial ao programa da disciplina e afeta profundamente o aprendizado de outras matérias. O que buscamos neste trabalho vai muito além de diminuir os índices nas pesquisas sobre analfabetismo funcional. Todavia, não há como atingir o objetivo principal sem que, de algum modo, prestemos atenção e busquemos solucionar outros entraves. Por isso, nesta dissertação, nos vimos no dever de contemplar, ainda que de modo superficial, aspectos que não têm a ver diretamente com o que propusemos. Nosso alvo central é ver a literatura regional sendo valorizada em sala de aula. No entanto, para que alcancemos tal objetivo, temos que, primeiramente, nos deter no problema do preconceito linguístico – responsável direto por boa parte das mazelas que enfrentamos no processo de ensino-aprendizagem da língua materna. Marcos Bagno (2007) trata do preconceito linguístico, distribuindo em oito mitos, cujo caminho de análise percorre desde o brasileiro sem instrução ao domínio da norma culta. Dentro de sua análise, considerada por nós de grande relevância para a compreensão de como estamos ensinando a nossa própria língua nas escolas, salientamos a necessidade de uma revisão no papel da Escola, enquanto instituição formadora e do professor de Língua Portuguesa, no sentido de estarmos atentos a mudanças em nossa prática docente. Tais mudanças devem favorecer a um bom aprendizado da língua. É preciso que o professor se abra para mudanças que fortaleçam.

(11) 17. o ensino e aprendizagem da nossa língua, não como unidade, mas como variedade. Assim, ratificamos através de Bagno (2007) que: É preciso, portanto, que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a reconhecer a verdadeira diversidade linguística de nosso país para melhor planejarem suas políticas de ação junto à população amplamente marginalizada dos falantes das variedades não-padrão. O reconhecimento da existência de muitas normas linguísticas diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja consequente com o fato comprovado de que a norma linguística ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira “língua estrangeira” para o aluno que chega à escola proveniente de ambientes sociais onde a norma linguística empregada no quotidiano é uma variedade de português não padrão. (BAGNO, 2007, p. 18). Com este trabalho, além de combater o preconceito linguístico, pensamos em favorecer um aprendizado da Língua Portuguesa que ultrapasse os limites da gramática normativa que, mesmo sendo utilizada pelos professores, não surte o efeito desejado nos alunos. Desenvolvemos esta intervenção alicerçando-nos no PCN (1998) de Língua Portuguesa que tem por unidade básica do ensino, o texto em suas várias modalidades. Para tanto, considerando o que aí está referido como “especificidade do texto literário”, nós exploraremos essa diversidade linguística nas obras de Jorge Fernandes e Hélio Crisanto, considerando que: do ponto de vista linguístico, o texto literário também apresenta características diferenciadas. Embora, em muitos casos, os aspectos formais do texto se conformem aos padrões da escrita, sempre a composição verbal e a seleção dos recursos linguísticos obedecem à sensibilidade e a preocupações estéticas. Nesse processo construtivo original, o texto literário está livre para romper os limites fonológicos, lexicais, sintáticos e semânticos traçados pela língua: esta se torna matéria-prima (mais que instrumento de comunicação e expressão) de outro plano semiótico na exploração da sonoridade e do ritmo, na criação e recomposição das palavras, na reinvenção e descoberta de estruturas sintáticas singulares, na abertura intencional a múltiplas leituras pela ambiguidade, pela indeterminação e pelo jogo de imagens e figuras. (BRASIL, 1998, p. 26). Nas obras dos poetas Hélio Crisanto (cantor, compositor e poeta) e Jorge Fernandes (poeta potiguar introdutor do Modernismo no RN), os regionalismos aparecem de modo acentuado. Cada um à sua maneira optou por uma poética aparentemente provinciana, que se mantém à parte do vocabulário dicionarizado, oficialmente aceito. São poetas que se orgulham do modo de falar próprio da região onde nasceram, que veem beleza e vigor literário em termos oriundos da cultura.

(12) 18. popular, homens preocupados em fazer frente a uma poética engessante e cada vez mais monolíngue devido a supostas exigências da comunicação global. Percebemos, em ambos, uma preocupação dominante em preservar fatos e imagens da história local. Seus versos têm uma importância cultural muito grande e constituem um belo registro daquilo que, ao menos historicamente, deveria ser conservado. Valendo-nos dos referenciais acima, a nossa intervenção tentou responder às seguintes problemáticas, observadas na sala de aula: que conhecimento os alunos apresentam sobre variações linguísticas? Que relação eles estabelecem entre a norma padrão e tais variações? O texto poético pode fornecer elementos para essa compreensão? Partindo desses questionamentos, nossos objetivos foram traçados para a condução exitosa das atividades desenvolvidas com os alunos. Desse modo, buscamos, junto aos alunos, como objetivo geral, valorizar a cultura local através das obras dos nossos escritores. Desse objetivo, desdobramos os específicos, que foram vencidos a cada etapa da intervenção, a saber: • Diferenciar, dentro das atividades de Língua portuguesa, o uso da norma padrão do uso das variações linguísticas; • Identificar, nas obras dos poetas Jorge Fernandes e Hélio Crisanto, palavras ou expressões populares; • Participar de atividades que envolvam a cultura local; • Produzir uma cartilha contendo palavras ou expressões regionais; • Combater o preconceito linguístico que impede, muitas vezes, a comunicação. Além de combater o preconceito linguístico, é necessário que nossas propostas de leitura combatam o auto preconceito, comum a pessoas que vivem em regiões pouco favorecidas, levadas, pela pressão da mídia e da cultura de massa, a verse como inferiores no modo como falam. Além disso, escolarizar-se não deve significar a substituição de um modo de falar por outro pretensamente superior, mas uma soma. Um dos mais importantes propósitos do letramento hoje deve ser o de tornar o aluno um poliglota dentro de sua própria língua, conforme disse Evanildo Bechara. Tal citação não pretende ater-se ao contexto de onde foi extraída, nem evocar com precisão o entendimento do autor acerca desta frase. Este gramático, em última análise, inseriu este pensamento dentro de um contexto de estudo da gramática e tende a supervalorizar a importância da norma culta. Veja-se seu uso dentro deste contexto como um aforismo,.

(13) 19. aplicável à ideia de que devemos ir além do estudo da norma culta e a termos consciência de que a real competência linguística vai bem mais além do que está prescrito e analisado em compêndios gramaticais. Os poemas de Hélio Crisanto e Jorge Fernandes podem contribuir grandemente para que tais propósitos sejam atingidos. Partimos da problemática de que os alunos de escola pública geralmente leem pouco e parecem propensos a ignorar ou a lançar um olhar de desprezo sobre suas próprias raízes e cultura. Além disso, o mundo está inundado de obras que atendem ao mercado globalizado e os poucos alunos que a elas aderem têm letramentos deficientes, que tendem a marginalizar e a apagar a bagagem cultural que cada um deles traz. A partir disso, valorizamos nas obras de dois grandes poetas potiguares – um popular e outro erudito - os aspectos regionalistas ali existentes. Um poeta da cidade onde os alunos participantes vivem e outro, já falecido, consagrado pela literatura norte-rio-grandense fazem uso de elementos linguísticos e literários característicos de nossa região. Tais elementos, encontrados em seus poemas, serviram para fortalecer a autoestima cultural e linguística dos envolvidos, bem como o desenvolvimento da sensibilidade poética e do gosto pela leitura. Uma vez reativadas essas marcas linguísticas, próprias da variedade regional, o aluno leitor despertará não somente a consciência para o bom humor e expressividade presente em termos considerados arcaicos, como aprenderá a respeitar e a usar a diversidade de nossa língua. Essa intervenção resultou na elaboração de uma cartilha de dizeres regionais, na qual os alunos expressaram os resultados do trabalho com a leitura, a pesquisa de campo e a construção textual. Isso posto, como capítulo introdutório, para situar o desenrolar do processo interventivo, encaminhamos o leitor a adentrar o universo da leitura literária diversificada e a necessidade que temos de valorizar as variações linguísticas. Os demais capítulos se estruturam da seguinte forma: O segundo capítulo trata do espaço da Língua Portuguesa e da literatura na escola, como o texto literário é visto por professores e alunos e o seu caráter humanizador. Ainda abordamos o caráter antipedagógico do texto literário e o seu caráter humanizador; O terceiro capítulo trata de conhecermos melhor nossos poetas e suas obras e como eles retratam a nossa realidade através da poesia erudita e popular, ressaltando neles as possibilidades de uso da língua que oscila entre a norma padrão e as variantes regionais..

(14) 20. O quarto capítulo traz o passo a passo da intervenção desenvolvida: um relato que envolve o espaço escolar, os alunos participantes e o professor pesquisador, em um tarefa prazerosa de encantamento ante o texto literário e de reflexão crítica acerca dos usos possíveis de nossa Língua Portuguesa. O resultado dessa intervenção é uma cartilha que representará parte do conhecimento do vocabulário de nossa região. As considerações finais trazem os resultados exitosos alcançados durante o processo interventivo, onde podemos verificar o envolvimento dos alunos participantes em todas as tarefas propostas, bem como um avanço na compreensão leitora..

(15) 21. CAPÍTULO II A SALA DE AULA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA. “O falante deve ser poliglota em sua própria língua” Evanildo Bechara. 2. Neste capítulo iremos abordar questões voltadas para a sala de aula e o ensino da Língua Portuguesa. Afinal, que espaço é esse que, ao adentrarmos na escola, enquanto professores de Língua Portuguesa, amplia-se em responsabilidades para com a utilização da norma culta ou padrão? A sala de aula que recebe o aluno para as demais disciplinas é a mesma. Todos os professores usam a Língua Portuguesa para comunicar seus conteúdos aos alunos e com eles interagir. No entanto, o professor de Língua Portuguesa é o ator principal, quando o assunto é o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa na escola. Há uma sobrecarga nele, como se, somente a ele, coubesse o papel de corretor de fala e de escrita dos alunos..

(16) 22. Em tempos de inclusão, as mais diversas, podemos pensar no ensino e no papel do professor de Língua Portuguesa como forma de guiar os alunos para uma compreensão mais ampla da língua, de modo que ele possa aprender a norma padrão e compreender que esta é apenas uma variação dentre outras que a língua nos oferece, seja como possibilidade de fala, ou de escrita. Conforme nos diz Cunha (2010), Para o professor de língua materna, então, recai a responsabilidade de trabalhar com as linguagens, os códigos e suas tecnologias como área mediadora da comunicação e da expressão oral e escrita na formação de seus alunos. Responsabilidade que vem com o peso de uma formação sólida e continuada, com a capacidade de motivação constante, com o sentido do útil, do que é necessário e do que é universal para a felicidade e a paz dos povos. (CUNHA, 2010, p. 23). Significa dizer que o professor de Língua Portuguesa tem em mãos um sistema de signos instáveis em seu uso e que pode e deve utilizá-lo de forma a engrandecer o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula.. 2.1 O espaço da Língua Portuguesa Em 2011, tivemos oportunidade de acompanhar, pelos diversos meios de comunicação, grande polêmica envolvendo a obra, Por uma vida melhor, da coleção “Viver, Aprender”. O livro trouxe para a sala de aula e colocou em pauta elementos da linguagem popular, buscou lançar luz sobre a validade de expressões como “Os menino pega os peixe” e foi severamente criticado por isto. O Ministério da Educação e Cultura, por haver dado aval e encaminhado este conteúdo às escolas, tornou-se, junto com seus autores, pivô de um escândalo que rendeu acirrados debates. Para muitos interessados no tema, professores e até mesmo acadêmicos, o MEC estava, com isso, prestando um desserviço ao bom uso da língua. As questões que então foram levantadas trouxeram à tona preconceitos que durante séculos nortearam o ensino de português no Brasil – ideias consideradas hoje obsoletas pela moderna pesquisa linguística. Na epígrafe de abertura deste capítulo, Bechara (2002) chama a atenção para o caráter plural inerente a toda e qualquer língua e da necessidade que temos de acolher as variantes que a compõem ao invés de vê-las como ameaça ou fator de deterioração do idioma. Devemos ter atitude receptiva aos diversos falares não simplesmente por razões humanitárias, mas por reconhecer a importância e contribuições dadas por cada uma dessas vertentes. Não significa, todavia, que devamos desprezar a variante considerada.

(17) 23. de prestígio. Ela também tem seu lugar e cumpre importante função social, principalmente em situações de formalidade. A despeito de toda luz lançada nos campos de estudos da língua e dos direcionamentos dados pelos PCN, visões preconceituosas e interesses políticos elitistas continuam a impedir que a escola de fato atenda aos anseios e necessidades do povo. Magda Soares, no livro Linguagem e Escola: uma perspectiva social (1986), fala sobre o conflito ainda hoje percebido entre as perspectivas escolares e o que o povo realmente necessita. Para Soares, a escola tem se mostrado incompetente e responsável pelo fracasso educacional, entre outras coisas, pelo modo errado como encara o ensino da língua. Eis o que ela afirma:. Grande parte da responsabilidade por essa incompetência deve ser atribuída a problemas de linguagem: o conflito entre a linguagem de uma escola fundamentalmente a serviço das classes privilegiadas, cujos padrões linguísticos usa e quer ver usados, e a linguagem das camadas populares, que essa escola censura e estigmatiza, é uma das principais causas do fracasso dos alunos pertencentes a essas camadas, na aquisição do saber escolar. (SOARES, 1986, p.6). Para Soares, a escola “censura e estigmatiza” a linguagem das camadas populares. Todavia, entendemos que não seja a escola a única responsável pela criação e fortalecimento destes preconceitos. Pais, comunidade e algumas instituições frequentadas pelo aluno (igrejas e clubes, por exemplo), podem fazer com que este chegue à escola com visão distorcida acerca da diversidade linguística inerente ao idioma materno. O que a escola faz, nestes casos, é fortalecer e dar consistência ao que é parte do senso comum – a ideia de que algumas variedades da língua são dignas de desprezo. O lugar, a importância e modo da escola lidar com a variante padrão pode ser vista no seguinte excerto dos PCN (1998): Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma correta de falar, o de que a fala de uma região é melhor da que a de outras, o de que a fala correta é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso consertar a ala do aluno para evitar que ele escreva errado ((BRASIL, 1998, p.31)..

(18) 24. Ao passo que se preocupam com o desenvolvimento da competência no uso da variedade padrão, deve-se lançar um olhar inclusivo, não discriminatório, sobre as peculiaridades linguísticas inerentes às diversas regiões brasileiras; Os PCN não impõem uma visão de língua pautada exclusivamente em normatizações gramaticais de caráter arbitrário. Desse modo, a cultura local e os regionalismos não perdem relevância dentro do espaço escolar nem na vida do educando. Todavia, apesar da oficialização de tais parâmetros, percebe-se ainda, na prática escolar, um atraso na compreensão dos pressupostos cientificamente estabelecidos pelos estudos sociolinguísticos em que se fundamentam os PCN. A dogmática noção de “certo” e “errado” ainda norteia a prática pedagógica de muitos professores de língua materna. Como esclarecem os PCN: A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro as diferentes situações comunicativas (...) é saber, portanto, quais variedades e registro da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. (BRASIL,1998, p.31). Alguns têm conhecimento parcial e aceitam em parte estas novas ideias, mas não sabem bem como trabalhar a variação linguística em sala de aula e continuam a utilizar inadequadamente o ensino da norma padrão. O professor de português, à mercê de ideias errôneas e preconceitos, quer que o aluno se torne um monoglota, que se atenha nas diversas situações de fala e de escrita à variedade padrão. As variedades linguísticas trazidas pelo aluno continuam a ser vistas como manifestações inferiores de linguagem - algo a ser superado e suplantado pela língua padrão, erroneamente vista como de caráter normativo. Professores com esta mentalidade certamente contribuem para que o aluno passe a sentir vergonha de suas origens culturais e linguísticas. A tentativa de homogeneizar linguisticamente seus alunos, presta um grande desserviço à pluralidade cultural e contribui para o empobrecimento do vernáculo. As críticas feitas às ideias inclusivas do livro Por uma vida melhor, apresentadas anteriormente, refletem o drama ainda hoje vivido – mesmo que em menor escala – por alunos oriundos das classes populares, que chegam à escola com competências linguísticas consideradas de caráter provisório, rudimentares e inferiores à norma urbana arbitrariamente posta como padrão. A censura estabelecida pela escola às gírias, informalidade e regionalismos próprios da linguagem do aluno pouco ou nada familiarizado com a norma culta, pode trazer prejuízos à sua capacidade expressiva e à cultura da qual é naturalmente representante. A escola deve ser um lugar de inclusão, de.

(19) 25. cultivo e de valorização dos diversos falares próprios das comunidades em que estão inseridas. Como ocorre em qualquer idioma, a Língua Portuguesa mantém sua unidade na diversidade, sofrendo variações de caráter ambiental, regional, temporal e social. Temos uma norma culta que funciona como um ponto de intersecção entre os diversos falares. Esta norma, também chamada de padrão, não deve ser vista como a forma certa de falar e escrever, substitutiva das demais manifestações linguísticas. Trata-se apenas de um consenso idiomático que possibilita um melhor entendimento em situações específicas que exigem maior grau de formalidade. É empregada, por exemplo, na redação dos documentos oficiais, na elaboração dos conteúdos de livros didáticos, em cartas comerciais etc. Além desta modalidade da língua formalmente imposta e aceita pelos falantes do português, temos a linguagem popular, utilizada em situações comuns do dia a dia e no seio familiar. É a linguagem espontânea, não plenamente alinhada com as orientações gramaticais que definem a norma padrão e que se baseia na gramática internalizada.. Ainda, além da linguagem popular, que de certo modo alinha-se,. paralelamente, à norma padrão, temos as variantes linguísticas regionais, assim chamadas porque representativas de lugares específicos – norte, sul e nordeste, por exemplo. O que caracteriza a variante regional é a utilização de palavras e expressões próprias de cada região, não comuns no resto do país, que existem à margem das formas dicionarizadas recomendáveis na perspectiva da variante oficial. Estes modos próprios de expressar-se enriquecem o léxico e ajudam a manter a diversidade na unidade do idioma. Vejamos, na lista abaixo, palavras e expressões idiomáticas próprias do Nordeste:.

(20) 26. Quadro 1: Expressões típicas da região Nordeste:. Essas variações idiomáticas, notadas no quadro acima, ocorrem por razões geográficas e pelas influências dos pioneiros e colonizadores da região. Nossas primeiras incursões no aprendizado da língua, em maior ou menor grau, se dão dentro de perspectivas regionalistas: sotaques, conteúdos lexicais diferenciados e entonações que fazem parte de nossa iniciação linguística. Preocupada com o aprendizado da modalidade padrão, a escola tende a minimizar e até mesmo a desprezar estas peculiaridades linguísticas, ao invés de reconhecer sua importância para o enriquecimento do idioma e preservação da cultura local. Ao assim proceder, a escola reflete e perpetua o que fizeram os colonizadores portugueses quando sentiram necessidade de aportuguesar os nativos e imigrantes que aqui viviam. Africanos, índios e caboclos precisavam se adaptar à cultura do reino. Deviam ser transformados em mãode-obra da colônia a serviço dos interesses do rei de Portugal e, portanto, necessitavam falar a mesma língua. Levar o povo a falar um português “correto”, destituído de africanismos e indianismos era uma das principais missões da escola no tempo colonial..

(21) 27. Tal luta se mostrou inglória, mas de modo algum a escola se desfez desse intento e continua, infelizmente, a combater os diversos falares do Brasil através da imposição de uma norma gramatical que se opõe às particularidades de cada região e do falar comum. Entende-se hoje que a escola tenha por missão contribuir para que os alunos se tornem competentes no uso das variantes de sua língua, não apenas da norma culta. Isto se faz necessário porque a língua varia de região para região. Exemplo: o modo como se fala em São Paulo difere do modo como se fala no Maranhão. Cada região dispõe de peculiaridades linguísticas. Essas diferentes pronúncias e vocabulários que diferenciam o português de uma região para outra e constituem os regionalismos resultam de marcas deixadas pelos idiomas que participaram da formação do português brasileiro. Para o senso comum, a língua parece ser imutável e homogênea. No entanto, a língua tem a mutabilidade e heterogeneidade como características universais. Cabe à escola mostrar-se flexível e simpática aos diversos falares, reconhecendo que neles residem as riquezas da língua e permanente capacidade de renovação.. 2.2 O espaço da leitura literária na agenda do professor. Apesar de necessária e comum a todas as disciplinas escolares, a leitura, que é atrelada apenas ao espaço das aulas de Língua Portuguesa, não tem ocupado na escola seu devido lugar. Por sua importância e poder transformador, deveria ocupar lugar prioritário nas atividades de classe e tarefas de casa. Não nos referimos, porém, à leitura feita de modo mecânico e improvisado, tampouco apenas em voz alta. Referimo-nos aqui à leitura que se alicerça na reflexão, individual ou coletivamente conduzida, silenciosa ou verbalizada, vista em sua dimensão política e ideológica. O adequado gerenciamento das práticas e conteúdos de leitura por parte da escola faz-se fundamental na formação do aluno. Leitura não é algo a ser feito esporádica e aleatoriamente; pressupõe planejamento cuidadoso; requer norteamentos e estabelecimento de alvos claros. Para Zilberman; Silva (2005) há concepções de leitura que devem ser bem entendidas pelo educador, refletidas com responsabilidade, pois se mostrarão determinantes em seus resultados, favoráveis ou não à formação cidadã. Para estes autores, a leitura pode, negativamente, ser um instrumento de controle ou, positivamente, de conscientização..

(22) 28. Alunos e professores, pertencentes a uma sociedade marcada por conflitos e desníveis sociais, podem ser vítimas de um processo de ideologização alienante, perpetrado e alimentado pela leitura feita sem reflexão, maliciosa e habilmente utilizada pelos poderes dominantes. Dizem estes autores: Quando a sociedade se divide em classes antagônicas e mostra-se desigual em diferentes níveis, a leitura pode se apresentar na condição de um instrumento de controle, empregado sistematicamente pelos setores dominantes; neste caso ela constitui elemento auxiliar do processo de inculcação ideológica, colaborando para a reprodução de das estruturas sociais e para a permanência da situação privilegiada dos grupos detentores do poder. (ZILBERMAN; SILVA, 2005, p.112). Numa sociedade assim, marcada por luta de classes e diferentes condições de vida, os que estão no topo da pirâmide social têm como projeto principal perpetuarse no poder. Para isso, mais que o emprego da força, faz-se imprescindível a ideologização das massas. E a leitura, em todas as sociedades assim caracterizadas, temse revelado um instrumento de alienação por excelência. Esta classe costuma oficializar ou indicar o que deve ser lido visando o controle ideológico. Tradicionalmente, no que concerne à língua, há uma norma padrão que reflete o modo de falar comum à classe dominante ou letrada. Compete à escola, dentro desta visão, corrigir a fala e escrita dos alunos, adequá-los à norma gramaticalmente estabelecida. Há palavras e modos de dizer impróprios, termos que recebem a pecha de arcaicos, obsoletos, oficialmente censurados por um segmento social que se quer mais e mais globalizado, adaptado à modernidade. Consequentemente, as diversas variedades ou modos de falar que refletem as peculiaridades de cada região ou de classes sociais pouco letradas, são postos à margem da competência exigida, tidos como errôneos. Modismos linguísticos e termos eruditos ganham aura de linguagem superior levando ao consequente desprezo de tudo aquilo que não cheire à modernidade. A visão deturpada da gramática e o bombardeio diário dos meios de comunicação de massa, tendem a levar o educando a sentir desprezo e vergonha dos traços linguísticos seus e de sua gente. Dá-lhe a sensação de que precisa globalizar-se, assumir uma linguagem superior à sua, libertar-se do que o diferencia. Esta visão negativa dos regionalismos, constitutivos da real língua materna, essencialmente poética, pode resultar num empobrecimento linguístico e cultural. Por imposição ou necessidade, a leitura faz-se imprescindível numa sociedade letrada. Não podendo prescindir dela e convencidos de seu imenso potencial,.

(23) 29. necessitamos ter uma visão crítica a seu respeito e positivamente utilizá-la na transformação do meio em que vivemos. Lemos em Zilberman; Silva (2005): Compreendida dialeticamente, a leitura pode se apresentar na condição de um instrumento de conscientização, quando diz respeito aos modos como a sociedade, em conjunto, repartida em segmentos diferentes ou composta de indivíduos singulares, se relaciona ativamente com a produção cultural, isto é, com os objetos e atitudes em que se depositam as manifestações da linguagem, sejam elas gestuais, visuais ou verbais (oral, escrita, mista, audiovisual). Neste caso, a leitura coloca-se como um meio de aproximação entre os indivíduos e a produção cultural, podendo significar a possibilidade concreta de acesso ao conhecimento e agudização do poder de crítica por parte do leitor. (ZILBERMAN; SILVA, 2005, p.112-113). Vista desse modo e assim utilizada, a leitura torna-se amplamente inclusiva, não mais restrita a uma linguagem oficial, tampouco limitada a temas julgados inofensivos pelos que veladamente ou não estabelecem o que deve ser lido. Conteúdos alienantes passam a ser lidos com outros olhos e, fissurados pelo senso crítico, tornam-se inócuos em seus propósitos. Nesse sentido, a intervenção, da qual foram geradas essas reflexões, propôs e atingiu os objetivos em relação à leitura, uma vez que os alunos participantes se viram dentro dessa relação dialética proporcionada leitura em sala de aula: a um só tempo, erudita e popular. Também tiveram a possibilidade de uma construção consciente de seus próprios textos, utilizando a norma padrão e a variante popular, a partir dos textos literários estudados. É o texto literário ocupando, aos poucos, uma parcela significativa do espaço das aulas de Língua Portuguesa, para promover uma aprendizagem amplamente reflexiva, capaz de transformar o aprendiz. A discussão sobre leitura, principalmente sobre a leitura numa A literatura não tem ocupado, ainda, o devido espaço na vida dos alunos de escola pública, seja em casa, seja na escola propriamente dita. A verdade é tanto pais quanto professores (mesmo os de matérias afins como língua portuguesa), não têm conseguido transformar aqueles sob seus cuidados em ávidos devoradores de livros entre outros motivos porque eles mesmos não se mostram motivados e pessoalmente envolvidos com o que deveriam prescrever. O envolvimento pessoal do professor com a literatura não é, definitivamente, a solução para o problema, mas pode-se dizer que o seu não envolvimento – o fato de ser um não leitor querendo formar leitores – constitui uma das principais causas do fracasso da escola nesse campo. Diz-nos Marisa Lajolo (1994):.

(24) 30 Uma sociedade que pretende democratizar-se, começa dizendo que os profissionais mais diretamente responsáveis pela iniciação na leitura devem ser bons leitores. Um professor precisa gostar de ler, precisa ler muito, precisa envolver-se com o que lê. E esse não é, infelizmente, o perfil comum do professor. Pesquisa feita entre professores de primeiro grau e bibliotecários de Campinas e de Recife mostrou como o repertório de leitura desses profissionais é desolador, constituído, a maior parte das vezes, por best-sellers tão antigos quanto Fernão Capelo Gaivota, O menino do dedo verde e O pequeno príncipe ou pelo que se poderia chamar de clássicos escolares, como A moreninha, Iracema e A escrava Isaura. (LAJOLO, 2010, p. 108). Para muitos, os professores que têm o repertório de leitura descrito por Lajolo na citação acima – pelo que ouvimos em reuniões pedagógicas – figurariam como exemplares. A autora chama a atenção também para o bibliotecário que, como responsável direto pela guarda e distribuição dos livros, deveria também ser um aficionado por leitura. As bibliotecas escolares da rede pública, conforme corroborado na citação acima, geralmente têm sido e são gerenciadas por profissionais não devidamente qualificados (às vezes nem da área são) que se limitam a tirar a poeira dos livros (quando tiram) e a arrumá-los na estante; que se sentem incomodados, conforme já presenciamos, com os poucos que os buscam para pegar algum livro emprestado. A verdade é que se o professor ou bibliotecário não tem entusiasmo verdadeiro pela leitura, e se há uma distância entre o que se diz e o que se pratica fica difícil convencer o outro. Antes de se perguntar o que fazer para que os alunos leiam mais obras literárias, se deveria perguntar: o que fazer para que nossos educadores e bibliotecários leiam mais e se apaixonem pela leitura? Essa mudança de foco terá como resposta a percepção de que nossos professores deveriam ter mais qualidade de vida e de trabalho, bem como um poder aquisitivo que lhes permitisse incluir livros entre seus bens de consumo. Enquanto lutamos para que estas reformas profundas aconteçam, podemos esforçar-nos para driblar as adversidades e experimentar crescimentos ou reformas individuais. Aliás, é através do crescimento interior que a leitura nos proporciona o embasamento necessário a essas mudanças. Passemos agora a algumas ideias de Daniel Pennac, expressas em Como um romance (1992). Neste livro ele dá dicas de como o professor pode desenvolver o gosto.

(25) 31. literário em seus educandos. Uma das coisas que não se deve fazer, segundo Pennac, é tentar obrigar o aluno a ler. Assim começa seu livro: O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo “amar”… o verbo “sonhar”… Bem, é sempre possível tentar, é claro. Vamos lá: “Me ame!” “Sonhe!” “Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!”. - Vá para o seu quarto e leia! Resultado? Nulo. (PENNAC, 1996, pp. 13). Se fizéssemos uma pesquisa entre os educadores, veríamos que a consciência da necessidade de ler bons livros é quase uma unanimidade. Fala-se disso nas reuniões pedagógicas. Parece não haver curso de formação para professores que não tratem dessa questão. Isso é enfatizado nos livros didáticos, logo em suas páginas iniciais. Parece haver uma tentativa de ideologização nesse campo. Professores, cônscios dessa necessidade ou cumprindo diretrizes da grade curricular, tentam inculcar em seus alunos a importância da leitura. Aliás, costumam indicar livros com probabilidade de figurar no ENEM ou Vestibular. A afirmação de que “é preciso ler”, tem caráter dogmático e não surte o efeito esperado porque, como disse Pennac, não se pode fazer imposição disso. Há de se buscar um novo rumo. Temos, nesse livro, algumas dicas valiosas. Pennac dá excelente alternativa a essa infrutífera cobrança de leitura: “É preciso ler, é preciso ler... E se, em vez de exigir a leitura, o professor decidisse de repente partilhar sua própria felicidade de ler?” (PENNAC, 1992, p. 80) Para Pennac, a “conversão” do aluno em leitor se dá mais por vias emocionais que racionais. O testemunho do educador vale mais que suas palavras. A ideia de que o livro pode ser uma fonte de felicidade é bem mais persuasiva que as muitas racionalizações que se possa fazer a esse respeito. Em capítulo subsequente ele nos apresenta o poeta e professor Georges Perros como um modelo a ser seguido, e cita um trecho da biografia escrita por Jean Marie Gibbal: Ele (Perros) chegava desgrenhado pelo vento e pelo frio, em sua moto azul e enferrujada. Encurvado numa japona azul-marinho, cachimbo na boca ou n mão. Esvaziava uma sacola de livros sobre a mesa. E era a vida. (PENNAC, 1992, p. 86). Estas palavras foram ditas por uma estudante de Rennes onde Perros ensinava, esclarece Pennac. “Quinze anos mais tarde”, a aluna faz as seguintes.

(26) 32. evocações à forma como o professor se conduzia em meio aos livros e leituras, como “dádivas”, que não tinham preço. O objetivo principal de Pennac ao citar as palavras da ex-aluna de Perros, é apresentar um modelo possível de como se deve trabalhar a leitura literária na escola. Vemos, pela descrição da aluna, que nem tudo eram flores naquela escola, que o professor é desorganizado e tem várias excentricidades. Dá-nos também a impressão de que seu nível social e econômico não é dos mais elevados. Todavia, a correta atitude do professor e sua preocupação com o que há de essencial faz uma enorme diferença. Ele não exige que leiam: lê. E nessa leitura, aparentemente despretensiosa, vai despertando o apetite de seus alunos. Desperta o escutador de histórias que há em todos nós. Um pouco mais adiante, a já mencionada leitora reflete que o professor não fazia além dos outros, mas fazia diferente: “sob certos aspectos, fazia mesmo muito menos. Só que não nos entregava a literatura num conta-gotas analítico, ele a servia a nós em copos transbordantes, generosamente... (PENNAC, 1992, p. 86). A respeito da técnica de Perros há muito o que se ler na obra de Pennac e não pretendemos esgotá-lo aqui. Para a aluna, o mais importante nas aulas de Perros era o fato de que ele lia em voz alta. O capítulo 37, significativamente, contém apenas uma citação poética de Perros: “A leitura, ressurreição de Lázaro, levanta a lápide das palavras.” (PENNAC, 1992, p. 90) Na análise do perfil de Perros, diz-nos esse autor que o professor Perros ofertava aos alunos, como um milagre, o que de mais sabia, que era ler por prazer. Há um pensamento inconcluso de Pennac, uma omissão intencional que inevitavelmente ecoa em nosso entendimento: “Ler é algo que se aprende na escola. Gostar de ler...”(idem, p. 79). Perguntamo-nos: porque a escola falha nesse ponto? Provavelmente porque o “gostar”, o prazer, não encontra muito espaço nesse ambiente. Tudo é feito muito seriamente, por motivos puramente científicos, mercantis e pragmáticos. O professor deve ser um cérebro e não um ser humano integral. Torna-se uma forma imperfeita onde o aluno é fundido. Evoco aqui, para ratificar o pensamento de Pennac, uma reflexão de Rubem Alves (1994) destinado aos educadores e que direcionamos, diretamente, nesse estudo, aos professores de Língua Portuguesa: [...] lembrem-se de que vocês são pastores da alegria, e que a sua responsabilidade primeira é definida por um rosto que lhes faz um pedido: ‘Por favor, me ajude a ser feliz... (ALVES, 1994, p. 15).

(27) 33. A leitura literária deve ser apresentada, portanto, como um portal para a felicidade. De modo algum o professor deve se esforçar para separar a alegria do processo de ensino-aprendizagem, sob pena de fracassar em seus esforços. A aprendizagem deve ter suas raízes na alegria e desta deve brotar espontaneamente. Poucos professores ousariam dizer que a leitura de bons textos literários não é importante na formação do ser humano. Quando indagados, porém, sobre se leem pouco ou muito, costumam alegar falta de tempo. De fato, numa sociedade mercantilista e apressada como a nossa, torna-se pertinente que cidadãos pouco valorizados sejam obrigados a sacrificar o tempo que deveria ser livre na busca por melhores condições financeiras. Todavia, Pennac chama nossa atenção para um aspecto importante do que significa a falta de tempo. Eis sua afirmação inusitada: A partir do momento em que se coloca o problema do tempo para ler, é porque a vontade não está lá. Por, que se pensarmos bem, ninguém jamais tem tempo para ler. Nem pequenos, nem adolescentes, nem grandes. A vida é um entrave permanente à leitura. (PENNAC, 1992, pág. 118). Apesar de verdadeiro o que disse Pennac, não podemos fechar os olhos para o fato de que realmente alguns educadores, devido a vida corrida e o compromisso com duas ou mais escolas, não dispõem de tempo para a leitura prazerosa. Todavia, a simples concessão de tempo para esses profissionais não seria suficiente. Antes de precisar de tempo estes precisariam de vontade. Sem vontade, continuariam a não ter tempo. Com vontade, porém, acharão tempo onde ninguém o vê e batalharão para que oficialmente lhes seja concedido esse tempo a que têm direito. A necessidade de professores-leitores, verdadeiramente capazes de transformar não leitores em leitores é tão premente que não podemos nos dar ao luxo de passivamente esperar por melhores dias – quem sabe, utópicos – em que disporemos de condições estruturais e financeiras para que tais mudanças aconteçam em todo o país ou em nosso estado. Esforços isolados, individuais, necessitam ser feitos. Estes esforços pontuais multiplicados podem vir a constituir uma rede composta por pessoas conscientes, interiormente fortalecidas pela leitura, capaz de subverter o sistema alienado e alienante. Talvez a parte áurea da obra esteja no que Pennac denominou de “Direitos imprescritíveis do leitor”, que vai do direito de não ler ao direito de calar. Na receita fornecida por Pennac, fica claro que a atitude do professor e seu envolvimento radical e prazeroso com a literatura, tem tudo a ver com o sucesso na transformação de não leitores em leitores ávidos. Ou nos livramos de conceitos equivocados, em relação.

(28) 34. às responsabilidades com a leitura, ou vamos desenvolver em nossos alunos uma aversão à leitura literária. Sua ideia é que a leitura jamais deve ser imposta. Com ele, acabam-se as enfadonhas fichas de leitura, a obrigação de ler capa a capa tais e tais livros, a cobrança de resumos... em suma, a “seriedade” na leitura. Leitura tem a ver com diversão, com o coração e não com o cérebro. Tudo deve convergir para o professor, para o florescimento de alguém contaminado pelo vírus da leitura, capaz de contagiar os sob seus cuidados. Para isso, os principais responsáveis pelo setor educacional devem deixar de tentar fazer do educador apenas um reprodutor de ideias, uma espécie de operário de fábrica, limitado e eficiente no cumprimento de funções específicas. Há necessidade de um maior processo de humanização na formação dos educadores e na criação de condições de vida que lhe permitam ser um reflexo daquilo que esperam dos educandos. Urgente se faz repensar como estamos apresentando aos nossos alunos o texto literário enquanto um dos gêneros textuais exigidos pelos PCN.. 2.3 O texto literário como pretexto para o ensino de Língua Portuguesa - I. O ensino funcional dos gêneros textuais cumpre importante papel pedagógico e constitui hoje, conforme direcionamentos dos PCN, a base para o desenvolvimento da competência linguística: Formar escritores competentes supõe, portanto, uma prática continuada de produção de textos na sala de aula, situações de produção de uma grande variedade de textos de fato e uma aproximação das condições de produção às circunstâncias nas quais se produzem esses textos. Diferentes objetivos exigem diferentes gêneros e estes, por sua vez, têm suas formas caraterísticas que precisam ser aprendidas. (BRASIL, 1998, p.49). Tendo em vista a variedade quase infinita de gêneros discursivos e textuais, o professor é instigado a optar pelos mais relevantes ao meio letrado e tecnológico em que vivemos. Todos cumprem papeis necessários dentro da engrenagem social (criam pontes) e são claramente especificados pela escola; têm caráter pragmático, com exceção do texto literário, onde o belo faz epifania e (e)leva o leitor a uma interação de caráter transcendental consigo mesmo. Dentro de cada disciplina o texto, seja ele qual for, tem um caráter formativo e informativo. O texto literário, no entanto, mesmo atingindo de modo subliminar ou incidental estes alvos, visa primordialmente um algo mais, indizível,.

(29) 35. meio que desnecessário à vida em sociedade e, num certo sentido, potencialmente perturbador da ordem. Objetiva, no dizer de Barthes, o prazer, mas principalmente a fruição. Acerca disso, Barthes (1996) explica: Texto de prazer é aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição é aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta, faz as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gastos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem. (BARTHES, 1996, p.21). Barthes apresenta um ideal de leitura do qual a escola pública parece estar distante. Ao falar de “euforia” na leitura do texto literário e de “leitura confortável” – aspectos apresentados pelo autor como pertencentes a um estágio inferior dos objetivos de leitura – Barthes fala de um alvo muito cobiçado principalmente pelos professores de língua portuguesa. Contribuir para que o aluno alegre-se com o texto literário não já parece o máximo? À primeira vista, sim. Mas Barthes vai além e mostra que a literatura, desejavelmente, pode conduzir o leitor a alterar seus paradigmas, a angustiar-se e a sentir a dor inerente a todo processo de crescimento. Numa escola estabelecida para fins práticos, que visa manter determinadas estruturas, prazer pelo prazer e fruição não figuram como prioridades, como acontecia em A República, de Platão. A busca individual do prazer se oporia aos objetivos maiores de A República, que sempre prioriza o coletivo e vê no processo educativo apenas um meio de alcançar os objetivos últimos desta. Quanto à fruição, poderia conduzir à desordem e à destruição do mundo perfeito imaginado por Platão. Moisés (2007) em Poesia & Utopia fala a este respeito. O autor inicia seu ensaio refletindo sobre dados otimistas a partir de pesquisas empreendidas na Internet, que resultou em milhões de referências ao termo “Poesia”; fala sobre a relevante presença do gênero em currículos escolares de todos os níveis e concursos, concluindo: “[...] a julgar por todos esses indícios, a velha arte de Homero e Vergílio continua, no terceiro milênio, a ter presença marcante na vida de grande número de pessoas.” (MOISÉS: 2007, p. 13). O autor faz questionamentos que julga essenciais ao bom andamento e entendimento da obra, afirmando: Que papel representa para nós, hoje, o que chamamos poesia? Que espécie de realidade entrevemos ou julgamos entrever num poema, por exemplo, quando dele nos acercamos para ouvir a voz do poeta? Que relações mantêm entre si a realidade “poética” e a “outra”, esta a que todos estamos presos, antes e.

(30) 36 depois, ou para aquém e para além do nosso contato com a poesia?. (MOISÉS, 2007, p. 13) Nesta mesma obra, em resposta à pergunta “Para que serve a poesia?” Moisés nos mostra que, diferentemente dos demais gêneros textuais, o texto literário, de natureza poética, não tem algo objetivo, “útil”, a mostrar. O que “ensina é apenas um modo de ver. A coisa vista, ou por ver, ficará a cargo de quem lê.” (p.15). Textos não-literários trabalhados na escola têm objetivos definidos, e visam o acúmulo e correta apreensão do saber cientificamente estabelecido; exigem não apenas clareza do entendimento, mas a formação de cidadãos úteis ao bom funcionamento da engrenagem social. Contrariamente a tudo isto, diz-nos Moisés: A poesia não espera e não aceita que conhecimentos se acumulem para formar um todo homogêneo e coeso; para a poesia, esse todo não passa de miragem ou impostura. [...] Em matéria de conhecimento, desde que se trate de poesia, o único pré-requisito é estar apto a ver, enquanto ato inaugural, a semente de qualquer árvore do saber. A poesia, em suma, sempre atuou e continuará a atuar no sentido contrário ao esforço dos séculos, que veio culminar na entronização da idéia de que o ser humano não passa de máquina que produz e consome [...] (MOISÉS: 2007, p. 22, itálicos do autor).. Conforme nos mostrará Moisés (2007), foi por causa deste distanciamento da racionalidade e da objetividade – devido seu potencial para a subversão e anarquia – que a poesia não encontrou guarida na utópica cidade idealizada em a República, obra milenar escrita por Platão, “Documento datado e uma das matrizes do modo de ver em que, ainda hoje, assenta a civilização a que pertencemos.” (MOISÉS, 2007, p 27) Naquela república não pode haver lugar para a imprecisão, ociosidade e instabilidade; os sentimentos e deslumbramentos individuais indisciplinados e imprevisíveis devem ser sacrificados em nome de um bem maior. Nela, os educadores cumprem um papel primordial. Na escola regida por filósofos, o devaneio não tem espaço: “Verdade” e “Justiça” são os pilares, óculos e viseiras. O autor de Poesia & Utopia mostra-nos as razões apresentada pelo filósofo para o banimento da poesia em a República: Como o poeta não se empenha em distinguir o falso do verdadeiro, o injusto do justo, o ímpio do virtuoso, pintando com as mesmas e convincentes cores a uns e outros, daí segue que a poesia promoverá, no ouvinte, a mesma indistinção, a mesma confusão dos retos valores que sustentam a Pólis. Se o efeito indesejado se limitasse àquele instante fortuito em que o cidadão se entretém com a voz do poeta, de modo que, antes e depois, os trabalhos da República prosseguissem, inabaláveis, talvez não houvesse muito que.

(31) 37 objetar. Mas, e Platão o sabe, a voz do poeta costuma ecoar, em longos e imprevisíveis desdobramentos; confusão e indistinção, dessa ordem, tendem a se alastrar. O filósofo não tem alternativa senão desterrar o poeta.. (MOISÉS, 2007, p. 34) Poesia & Utopia mostra o quanto nosso modo de ver o mundo foi influenciado pelos ideais platônicos e se reflete na busca de seus ideais. Felizmente, ao contrário do que ocorreria na fantasiosa república de Platão, a poesia resiste a toda oposição que lhe foi devotada ao longo dos séculos e parece cada vez mais forte em nosso meio, sendo, mais que um componente curricular, uma “parceira ou coadjuvante da pedagogia”. (MOISÉS: 2007, p. 15). Isto acontece porque ela promove um modo de olhar diverso do pedagógico - um desver ou necessidade de rever que faz o visto parecer cegueira -, um caminhar por rumos não preestabelecidos que conduz a lugares incertos. E nisso se constitui em algo antipedagógico, embora essencialíssimo à ampliação da visão de mundo. Os norteamentos pedagógicos visam promover o modo certo de observar, necessário ao bom funcionamento do mundo, ao passo que o olhar poético prioriza a visão individual, anárquica, sem alvos claros que, em alusão à metáfora bíblica (Êxodo 3:1-4), vê a sarça a arder sem consumir-se e a produzir epifanias; que, em miragens, fere com o cajado da palavra a pedra do deserto e dessedenta a alma. Diznos Moisés (2007): [...] o ensinamento poético resulta em ser uma antipedagogia. [...] A poesia ensina que o todo não é a soma das partes; é, antes, cada edifício contido em cada tijolo. (A lógica formal não teria por quê, nem como, quantificar os dados fornecidos pela excêntrica lógica poética.) Em matéria de conhecimento, desde que se trate de poesia, o único pre-requisito é estar apto a ver, enquanto ato inaugural, semente de qualquer árvore do saber. A poesia, em suma, sempre atuou e continua a atuar no sentido contrário ao esforço de séculos, que veio a culminar na entronização da idéia de que o ser humano não passa de máquina que produz e consome; que veio a culminar na devastação concertada e consentida, hoje designada por globalização. (MOISÉS, 2007, p. 22). Segundo Moisés, a poesia nos ensina “a ver como se víssemos pela primeira vez” e acrescenta: “o poeta nos induz a conviver com a aparente tautologia segundo a qual para ver é preciso saber ver, não basta olhar para as coisas (supostamente) já vistas e catalogadas por outrem” (MOISÉS, 2007, p. 22). Em suma, o texto literário, especialmente de viés poético, cumpre na escola uma função que transcende a função meramente pedagógica a que todo texto nela se destina, não apenas preenchendo vazios deixados por esta perspectiva, mas burilando-a.

(32) 38. em aspectos potencialmente nocivos à subjetividade. Por meio do texto literário, é possível que a emoção humana possa garantir seu espaço, desenvolvimento e permanência na instituição escolar. Entretanto, temos que ter o cuidado de estabelecer estratégias adequadas para a sua exploração e não sujeitá-lo a exemplificações de uso da norma padrão, pois, como verificamos na intervenção, a literatura se utiliza das mais diversas formas de expressão em nossa língua.. 2.4 O texto literário como pretexto para o ensino de Língua Portuguesa – II. Percebemos que o fracasso em leitura e escrita, ao menos em anos iniciais, tem a ver também com o modo como se ensina língua portuguesa. Muitos professores, apesar dos avanços no campo da Linguística, continuam a achar que ensinar gramática é o caminho para que se aprenda Português. A leitura, pois, principalmente de textos literários, não ocupa lugar prioritário e quando estes são utilizados é de maneira inadequada como pretexto para o ensino de conteúdos gramaticais. Observe o que diz Rezende (2008) : O professor, ao usar textos em aula para a gramática e para interpretação de texto, ao mesmo tempo, afasta o aluno da leitura. Ao fazer isso, o mestre quer ministrar dois conteúdos em uma única vez; no entanto, entedia o aluno com um aula técnica e abundante em regras. [...] (REZENDE, 2008, p.2). Eis parte da resposta para o porquê de nossos alunos, após 10, 11 anos de estudo, revelarem tão pouca proficiência em leitura e escrita. A metodologia adotada por professores de língua portuguesa do ensino fundamental, geralmente voltada para o ensino de teorias gramaticais, não contribui para o desenvolvimento do gosto pela leitura e pela literatura. Tais professores pouco utilizam textos literários e quando o fazem é com o pretexto de trabalharem a norma padrão. Santos (2010, p. 259), a partir de observações feitas em aulas de Língua Portuguesa de um sexto ano das quais participou como ouvinte, escreveu em Práticas de leitura na escola: concepções e abordagens: [...] a atividade árida e tortuosa de enfrentamento de palavras que é chamada de leitura em sala de aula está longe de ser uma atividade prazerosa e, por mais que essa seja uma prática de leitura já legitimada pela tradição escolar, não se constitui na leitura esperada, dentro e fora da sala de aula. Cabe frisar que, como geralmente ninguém gosta de fazer uma atividade da qual não.

(33) 39 consegue extrair algum sentido, ler não costuma ser uma boa tarefa escolar: para a maioria dos alunos ela é difícil demais, justamente porque não faz sentido. [...] (SANTOS: 2010, pág. 259). E é justo isso que devemos evitar em sala de aula: o uso tortuoso da leitura, desviada de seus fins, que é o de ampliar a sua visão de mundo. Conforme os PCN, os gêneros literários apresentam suas especificidades e, dentro dessas especificidades, há a real necessidade de que sejam levados à sala de aula, ou seja, É importante que o trabalho com o texto literário esteja incorporado às práticas cotidianas da sala de aula, visto tratar-se de uma forma específica de conhecimento. Essa variável de constituição da experiência humana possui propriedades compositivas que devem ser mostradas, discutidas e consideradas quando se trata de ler as diferentes manifestações colocadas sob a rubrica geral de texto literário. (BRASIL, 1997, p. 29). Uma vez funcionando como um repositório de experiências humanas, o texto literário ainda abre caminhos para o aprendizado da Língua Portuguesa, fornecendo ao aluno a possibilidade de perceber nele, não somente a norma padrão, mas também as variações linguísticas que podem ocorrer em função do estilo do autor. Desse modo, os PCN chama a atenção para a especificidade do texto literário, para que não caiamos no erro de o tratarmos como um texto igual aos outros, uma vez para ser compreendido necessita muito mais que uma simples dissecação de sentidos isolados de palavras que o compõem. O “ensino da literatura ou da leitura literária” deve ser feito considerando as suas especificidades e contextualizações, sob pena de podarmos as suas significações e, ao invés de estarmos contribuindo para a formação cidadã dos nossos alunos, torná-los cada vez mais apáticos, distanciando-os do gosto pela leitura. E priválos de sentir o gosto pela leitura é retirar-lhe o prazer de usufruir um bem que deve ser de todos. Em seu ensaio O direito à literatura, o crítico literário e sociólogo Antonio Candido, após discorrer sobre a importância dos direitos humanos básicos, de natureza material, chama a atenção para o papel igualmente importante que a ficção tem na formação do ser humano. A respeito dos bens incompressíveis (que não podem ser negados), diz ele: “[...] são bens incompressíveis não apenas os que asseguram a sobrevivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integridade espiritual. São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia, o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc. e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura.” (CANDIDO, 2004, p. 174).

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