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O processo de educação e formação de potenciais líderes de empresas familiares

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Academic year: 2021

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2º CICLO DE ESTUDOS

MESTRADO EM EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS

O PROCESSO DE EDUCAÇÃO E

FORMAÇÃO DE POTENCIAIS

LÍDERES DE EMPRESAS

FAMILIARES

AMANDA AVELIN RIBEIRO

M

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2 Autora: Amanda Avelin Ribeiro

O Processo de Educação e Formação de Potenciais Líderes de Empresas Familiares

Dissertação apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, para obtenção do grau de Mestre em Educação e Formação de Adultos.

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Resumo

O Processo de Educação e Formação de Potenciais Líderes de Empresas Familiares

Esta dissertação investiga o processo de educação e formação de adultos(as) que são potenciais líderes/sucessores(as) de empresas familiares no Brasil, a partir da visão que essas pessoas têm acerca do próprio percurso. Especificamente, explora e analisa: as aprendizagens socializantes da infância, relacionando-as com as formas de ser e agir da vida adulta; os percursos de educação formal; as narrativas de educação informal no contexto profissional. Visa também desmaranhar a relação herdeiro(a) - família - empresa, no tocante à reprodução social e educação para a carreira que objetiva dar continuidade à liderança da família na empresa. Considerando que o desenvolvimento não ocorre apenas no escopo individual, buscou-se apoio em um corpo teórico interdisciplinar: da Sociologia Educacional, a teoria de Bourdieu sobre socialização e capital; da Educação, pesquisas sobre educação de elites; da Psicologia, achados da orientação profissional e de carreira; e da Administração, estudos sobre empresas familiares. Os dados foram coletados a partir de sete entrevistas semiestruturadas com herdeiros(as), potenciais líderes ou sucessores(as) de empresas familiares, que foram transcritas e codificadas. Utilizou-se uma abordagem qualitativa e interpretativa. Os resultados sugerem que, apesar da heterogeneidade entre as famílias e firmas participantes, alguns pontos da educação/formação poderiam ser indicadores de estratégias para a continuidade da família na liderança empresarial. A família exerce uma função socializante vital e vitalícia, ensinando/instruindo sobre a apropriação da herança (material e simbólica), e seleciona instituições de ensino/experiências educativas que suportam, reforçam e legitimam o estilo de vida que possuem/almejam para os(as) filhos(as). O gosto por aspectos de administração, financeiros e jurídicos e a decisão por trabalhar nessas áreas são inculcados nos(as) herdeiros(as), bem como a percepção da própria vontade e/ou necessidade de assumir a liderança da empresa. Ser da família pode garantir a entrada e o desenvolvimento na empresa, mas a percepção comum entre a família, as e os funcionários, e as e os acionistas do(a) herdeiro(a) como líder ou sucessor(a) legítimo(a) depende de aspectos tangíveis (e.g., qualificação) e intangíveis (e.g., relacionamentos interpessoais), sendo que esses últimos frequentemente são ignorados em planejamentos sucessórios.

Palavras-chave: Educação e formação de adultos. Educação de elites. Empresas familiares. Sucessão.

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Abstract

Education and Training Process of Potential Leaders of Family Businesses

This dissertation investigates the process of education and training of adults who are potential leaders/successors of family businesses in Brazil, based on their own vision about their life course. Specifically, it explores and analyzes: socialization efforts in childhood of how to be and act, and how they are expressed in adult life; formal education pathways; narratives of informal education in the professional context; and, to unravel the relation between heir - family - company, regarding social reproduction and education that grooms the heir to continue family leadership in the business. Considering that development does not occur only on an individual level, we sought support in an interdisciplinary theoretical body: from Educational Sociology, Bourdieu's theory of socialization and capital; from Education, research on education for the elite; from Psychology, findings derived from vocational and career guidance findings; and from Business Administration, studies on family businesses. Data was collected from seven semi-structured interviews with heirs, potential leaders or successors of family businesses, which were transcribed and coded. A qualitative and interpretative approach was used. The results suggest that, despite the heterogeneity between the families and participating firms, some points regarding the education/training of heirs could be indicators of strategies used to ensure family continuity in the leadership of family businesses. Findings suggest that the family has a vital and lifelong socializing function of teaching/instructing on the appropriation of the inheritance (both material and symbolic) and is responsible for the selection of educational institutions and experiences that support, reinforce and legitimize the lifestyle they have or desire for their offspring. The taste for administrative, financial and legal aspects and the decision to work in these areas are inculcated in the heirs, as well as the perception of one's own will and/or need to take over the leadership of the family business. Being family can ensure entry and development within the company, but the common perception among the heir's family, employees, and shareholders as him or her being a legitimate leader or successor depends on tangible aspects (e.g., qualification) and intangible (e.g., interpersonal relationships), and the latter are often ignored in succession planning.

Keywords: Adult education and training. Education of elites. Family businesses. Succession.

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Resumé

Le processus d'éducation et de formation des dirigeants des entreprises familiales

Cette thèse étudie le processus d'éducation et de formation des adultes potentiellement diregeants d'entreprises familiales au Brésil, en se basant sur la vision que ces personnes ont de leur propre parcours. Plus précisément, il explore et analyse: l’apprentissage socialisant de l’enfance, en les reliant aux manières d’être et au comportement de la vie adulte; les parcours éducatifs formels; les récits de l'éducation informelle dans le contexte professionnel; et de démêler la relation entre l'héritier, la famille et la entreprise, en ce qui concerne la reproduction sociale et l'éducation pour la carrière, dans le but de donner une continuité au leadership familial dans l'entreprise. Considérant que le développement ne se produit pas uniquement au niveau individuel, nous avons cherché un appui dans un corps théorique interdisciplinaire: de Sociologie de l’éducation, la théorie de Bourdieu sur la socialisation et le capital; de Education, recherche sur l'éducation d'élite; de Psychologie, les résultats d’orientation professionnelle et de carrière; et d’administration, études sur les entreprises familiales. Les données ont été recueillies lors de sept entretiens semi-structurés avec des héritiers, des dirigeants potentiels ou des successeurs d'entreprises familiales, qui ont été transcrits et codés. Une approche qualitative et interprétative a été utilisée. Les résultats suggèrent que, malgré l'hétérogénéité entre les familles et les entreprises participantes, certains points d'éducation/formation pourraient être des indicateurs de stratégies pour la continuité de la famille dans la direction des entreprises. La famille a une fonction de socialisation vitale et permanente tout au long de la vie, enseignant/instruisant l’appropriation de l’héritage (matériel et symbolique) et sélectionnant des institutions éducatives/des expériences éducatives qui renforcent, légitiment et renforcent leur mode de vie pour les enfants. Le goût pour les aspects administratifs, financiers et juridiques et la décision de travailler dans ces domaines sont inculqués aux héritiers, de même que la perception de sa volonté et/ou la nécessité d'assumer le leadership de l'entreprise. Être dans la famille peut assurer l'entrée et le développement dans l'entreprise, mais la perception commune parmi la famille, les employés et les actionnaires de l'héritier en tant que dirigeant ou successeur légitime dépend d'aspects tangibles. (e.g., qualification) et intangible (e.g., relations interpersonnelles), et ces dernières sont souvent ignorées dans la planification de la relève. Mots-clés: éducation et formation des adultes. Education des élites. Entreprises familiales. Succession.

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Agradecimentos

Eu gostaria de estender os meus mais profundos agradecimentos às pessoas que me ajudaram no meu desenvolvimento profissional e acadêmico durante os últimos anos.

Às professoras Delba Barros e Maria Alice Nogueira, por acreditarem nos possíveis contributos desta investigação quando a sua estruturação ainda estava no estágio embrionário.

Aos professores e às professoras da Universidade do Porto, pelos diversos momentos em que dividiram comigo os seus conhecimentos, contribuíram para a minha aprendizagem e aprimoramento acadêmico na arte de fazer uma investigação científica. Em especial à minha orientadora Eunice Macedo, muito obrigada pela orientação sempre tão cuidadosa, pelo rico diálogo acadêmico, pelas opiniões sinceras e pela paciência.

Ao meu pai e à vovó Laura, por serem os meus mentores profissionais e por me apoiarem e incentivarem a buscar sempre atingir a excelência.

Aos meus pais, irmãs, marido, amigos e amigas, muito obrigada por todo o apoio emocional e pelas conversas que contribuíram para o desenvolvimento das ideias aqui discutidas.

E por último, mas não menos importante, o meu muito obrigada às pessoas que participaram desta pesquisa, aceitando compartilhar comigo histórias sobre suas vidas, famílias e empresas.

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Lista de decodificação de abreviaturas

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEO Chief Executive Officer

PIB Produto Interno Bruto

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Índice geral

Resumo ... 3

Abstract ... 4

Resumé ... 5

Lista de decodificação de abreviaturas ... 7

Índice de figuras, tabelas e anexos ... 10

Capítulo I: Introdução a uma dimensão incomum nas Ciências da Educação ... 11

1.1 Objetivos ... 13

1.2 Legítima e digna de interesse: justificações dessa investigação ... 14

Face à realidade ... 14

Face ao estado-da-arte ... 15

1.3 Estruturação da dissertação ... 17

Capítulo II: De jovens herdeiros(as) a sucessores(as) e/ou líderes da empresa familiar: Enquadramento teórico do tema ... 20

2.1 Princípios gerais de estruturação/organização da sociedade ocidental contemporânea ... 21

2.2 Agentes sociais ... 25

A família e a escola como agentes sociais ... 26

2.3 Educação e formação na vida adulta ... 33

2.4 O mundo do trabalho ... 38

Trabalhar na empresa familiar ... 39

2.5 Em suma... 43

Capítulo III: Quadro Metodológico ... 45

3.1 Coleta de dados: procedimento e instrumentos ... 46

3.2 Análise dos dados ... 48

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Capítulo IV: O processo de educação e formação de futuros(as) sucessores(as) e líderes de empresas familiares: Quem somos “nós” e como somos diferentes dos

“outros” ... 60

4.1 Origens: Aprendizagens da infância que perduram na idade adulta – saber quem é, de onde veio e para onde deve ir... 60

4.2 Ambientes educativos: Aprendizagens sobre a expansão e os limites do espaço social 63 O lar e a família ... 63

A escola e o percurso escolar ... 71

4.3 O desenvolvimento profissional: Um caminho pavimentado? ... 78

A escolha do curso superior ... 79

A faculdade e a vida acadêmica ... 84

A educação contínua e as competências consideradas essenciais ... 95

Capítulo V: Educação e formação fora e dentro da empresa familiar: Tensões entre teoria e prática ... 99

5.1 Empregos e experiência de trabalho fora da empresa familiar ... 99

5.2 Empregos e experiência de trabalho dentro da empresa ou holding familiar ... 103

Entrada e iniciação nos negócios da família ... 103

Desenvolvimento profissional dentro da empresa ou holding familiar ... 111

Aprendizagens interpretativas: Tensões entre o explícito e o implícito ... 120

Em suma: Teoria e prática na sucessão de empresa ou holding familiares ... 125

Capítulo VI: Principais contribuições e apreciações conclusivas ... 127

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Índice de figuras, tabelas e anexos

Figura 1: Modelo dos Três Círculos ... 41

Tabela 1: Exemplo de tabela de temas...49

Tabela 2: Exemplo de análise de subcategorias...53

Anexo 1: Guião de entrevista semi-estruturada...141

Anexo 2: Termo de consentimento...144

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Capítulo I: Introdução a uma dimensão incomum nas Ciências da Educação

A hierarquia dos objetos legítimos, legitimáveis ou indignos é uma das mediações através das quais se impõe a censura1 específica de um campo determinado que (...) pode ser ela própria a máscara de uma censura puramente política. A definição dominante das coisas boas de se dizer e dos temas dignos de interesse é um dos mecanismos ideológicos que fazem com que coisas também muito boas de se dizer não sejam ditas e com que temas não menos dignos de interesse não interessem a ninguém, ou só possam ser tratados de modo envergonhado ou vicioso. (Bourdieu, 1975, p. 37)

Quando se fala em educação e formação de adultos, é comum associar a noção desse campo ao de educação de base para adultos ou a de cursos de qualificação profissional (Rummert & Alves, 2010). Essas dimensões são extremamente relevantes e merecem a atenção que recebem, tanto na academia quanto na área das políticas públicas. Entretanto, não se deve esquecer que o campo de estudo da educação e formação de adultos é muito mais amplo e plurifacetado, atendendo a três grandes grupos de adultos aprendentes: os pouco ou nada “qualificados2”, os que detêm diplomas escolares e que não possuem uma certificação profissional e, por fim, os “qualificados”, portadores de certificação escolar e profissionalmente qualificante (Coimbra & Parada, 2011). As condições de saída da escola ou do ensino superior (se foi precoce ou não, qualificada ou não) e o tipo de percurso formativo (se obteve ou não um certificado profissionalmente qualificante) contribuem para que não haja homogeneidade dentro desses três grupos de aprendentes (Ibid.).

Apesar de todas as evidências do contrário, o mito da “escola libertadora” – a escola e o ensino escolar como meio de ascensão social – perdura (Bourdieu, 1966; Rummert & Alves, 2010). Bourdieu (1966, p. 59), há mais de cinquenta anos atrás, já defendia que o sistema escolar seria, ao contrário, um dos fatores mais eficazes na

1 Grifo feito pela autora, com a intenção de manter a ênfase dada na palavra (em itálico) no texto original. 2 O termo qualificado repete a expressão utilizada pela literatura e não tem nenhuma intenção de refletir um

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12 conservação social, “tratando todos os educandos, por mais desiguais que eles sejam de fato, como iguais em direitos e deveres”, assim fornecendo a aparência de legitimidade às desigualdades sociais3 e às desigualdades iniciais frente à cultura4. As raízes das desigualdades sociais são profundas, oriundas da história da família e das oportunidades individuais de criação, e a academia tem reforçado continuamente que o acesso universal à escola e ao ensino superior não se traduz na igualdade de oportunidades no mundo do trabalho, ou seja, não necessariamente contribui para a ascensão social (Bourdieu, 1966; Coimbra & Parada, 2011; Correia, 1997). A literatura parece validar que a atitude de cada um para com a educação depende largamente do significado e valor atribuídos desde a origem à aprendizagem, passando não só pela experiência pessoal, mas também pelo âmbito familiar, coletivo, social, sendo esta um tipo de herança cultural (Bourdieu, 1966; Perrenoud, 1970). Apesar disso, a escola, ao igualar os alunos a partir de critérios arbitrários de valor, trata aptidões socialmente condicionadas como desigualdades de “dons” ou de mérito e mascara sua função de conservação social ao transformar “as desigualdades de fato em desigualdades de direito, as diferenças econômicas e sociais em “distinção de qualidade”” (Bourdieu, 1966, p. 65), assim legitimando a transmissão da herança cultural ao mesmo tempo em que cria o misticismo acerca da “escola libertadora”.

A presente pesquisa visa explorar e compreender uma dimensão existente, mas pouco comum, nas Ciências da Educação: a realidade educativa e formativa de integrantes do terceiro grupo de adultos mencionados, os “qualificados”, que se diferenciam na sociedade pelas posições que têm no sistema ocupacional segundo o volume total de capital, tanto econômico quanto cultural, sendo considerados “privilegiados”, “favorecidos”: são a “burguesia”, a “classe dominante” ou a “elite” (Weininger, 2015). Mais especificamente, investiga-se se e como se dá o processo educativo e formativo de

3 Apesar da legitimidade e importância do tema, a desigualdade social não é o foco desta dissertação, sendo

tratada aqui como parte do background que é presente na realidade investigada.

4 O ensino escolar baseia-se segundo a escala de valor da cultura da elite, sendo, portanto, aristocrático e

burguês, elitista (Bourdieu, 1966). Valores e saberes (informais) provenientes de classes operárias/camponesas são desencorajados e desvalorizados – fenômeno bem ilustrado pelo documentário Escolarizando o Mundo, de Carol Black (2010) – enquanto os modelos educativos eurocêntricos de educação formal tornam-se dominantes. Esse tipo de imperialismo cultural é considerado um processo social contingente que atua como uma força externa ao sistema educativo, em nível global (Kenway & Fahey, 2014).

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13 adultos(as) que serão futuros(as) líderes e/ou sucessores(as) de empresas ou holdings5 familiares. O interesse pelo tema surgiu da observação de jovens e adultos(as) que se encontram nessa encruzilhada e da percepção de que há na literatura científica educativa uma lacuna quando se trata dessa realidade.

Esta dissertação parte do pressuposto de que no senso comum e na literatura acadêmica o ideário que prevalece é de que esses indivíduos e o seu grupo social, tendo em conta os privilégios dos quais desfrutam, não “precisam” ser investigados, o que se reflete na escassez de investigações científicas sobre o tema (Miller & Le Breton-Miller, 2005; Murphy & Lambrechts, 2015; Zellweger, 2017; Zellweger, Sieger, & Halter, 2011). Relembrando a citação de Bourdieu (1975), é possível que o estudo desse grupo seja considerado ilegítimo, indigno ou até mesmo irrelevante, uma vez que as poucas pessoas desse grupo vivem com abundância de recursos quando a maioria passa necessidade, ou seja, só possuem privilégio porque existe desigualdade. Essa interpretação contém um viés social-político, uma ideologia. Portanto, aqui, em sintonia com Bourdieu (1975), rejeita-se a mistura entre interesses políticos e científicos.

Duas premissas dirigem este trabalho. A primeira é de que o debate acerca da desigualdade deve existir, mas que este não deve ser uma ideologia condutora da ação científica, censurando ou tratando com desdém o estudo de certos grupos sociais. Ignorar uma parte da realidade social é alienar as Ciências do seu próprio objeto de estudo, assim, o estudo da educação e formação de adultos(as) altamente qualificados(as) e privilegiados(as) é legítimo, digno de interesse e deve compor parte do conhecimento das Ciências da Educação. A segunda premissa é de que a investigação desse tema e desses indivíduos deve ser feita em contexto. Portanto esta dissertação conta com um caráter interdisciplinar. Assim, buscou-se levar em consideração perspectivas das áreas da Educação, da Sociologia Educacional (especificamente da teoria de Bourdieu sobre socialização e capital), da Psicologia (principalmente da área de orientação profissional e de carreira em contextos educativos) e da Administração (para contextualizar a realidade aqui pesquisada, estudos sobre empresas familiares).

1.1 Objetivos

5 Holding é a denominação dada a uma empresa que é criada com o propósito de controlar os bens de um

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14 O presente trabalho tem por objetivo principal explorar como adultos(as) da próxima geração de líderes e/ou sucessores(as) de empresas familiares percebem o próprio processo de educação e formação e desenvolvimento de carreira. Mais especificamente, visa:

1. Analisar como as e os entrevistados relembram suas aprendizagens da infância com relação às formas de ser, agir e pensar (sobre si e sobre os outros), explorando se e

como elas se manifestam no momento atual (vida adulta);

2. Estudar os percursos de educação formal dessas pessoas, explorando suas trajetórias escolares, universitárias e formativas;

3. Examinar as narrativas de educação informal no contexto profissional, explorando quais aprendizagens foram adquiridas e de que forma, e como elas são interpretadas por as e os sujeitos;

4. Avaliar se e como as e os indivíduos percebem o fenômeno da reprodução social em suas vidas e carreiras profissionais;

5. Compreender se essas e esses indivíduos consideram que suas famílias tiveram intenção de prover uma educação para a carreira, voltada (ou não) para a continuidade da empresa familiar;

6. Explorar a subjetividade das e dos sujeitos quando consideram as suas relações com o saber, com o trabalho e com as suas famílias;

1.2 Legítima e digna de interesse: justificações dessa investigação

Face à realidade

Pois, além de instruir os jovens nos valores essenciais que eles deveriam perseguir para agradar a comunidade, a modernidade também promove ativamente um ideal que ela situa acima de qualquer outro valor: o ideal de independência. Instigar os jovens a se tornarem indivíduos independentes é uma peça-chave da educação moderna. (Calligaris, 2009, p. 17)

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15 No meu último ano da escola, estudei em um colégio particular em uma grande cidade do Brasil cujo corpo estudantil era conhecido por ser proveniente de famílias privilegiadas economicamente. Muitos dos meus colegas, na época, ao serem questionados sobre seu futuro acadêmico e profissional respondiam com leveza e despreocupação “tanto faz, vou trabalhar na empresa do meu pai.”. Essa realidade, na qual meus colegas afirmavam (aparentemente) com tanta certeza o seu lugar bem definido nas suas redes sociais articuladas e estabelecidas pela tradição (dentro da sua família, empresa, classe), me chocou e intrigou profundamente, marcando o início dos questionamentos que deram origem a esta pesquisa.

Afinal, os meus colegas já eram independentes por terem capital e muitas oportunidades, ou estavam sendo ensinados a serem dependentes da estrutura social, familiar e empresarial na qual nasceram? Como a estrutura social atua sobre a trajetória acadêmica e formativa de jovens e adultos(as) que já possuem possibilidades profissionais vantajosas? Como essas pessoas interpretam e tornam inteligíveis essas variáveis sociais/familiares? Quais são as facilidades e as dificuldades desse percurso escolar e formativo? Em suma, como se formam os(as) futuros(as) líderes herdeiros(as) de empresas familiares?

Face ao estado-da-arte

Estima-se que 70 a 90% de todas as empresas do mundo são familiares6, independentemente da geografia ou de a análise ser feita em economias estáveis ou em emergentes (Zellweger, 2017). A representatividade desse tipo de empresa se dá pela grande quantidade de pequenas e médias empresas, mas também pela existência de algumas empresas familiares de grande porte, como a americana Walmart7, considerada a maior empresa do mundo (Center for Family Business, 2017; Miller & Le Breton-Miller, 2005; Zellweger, 2017).

No Brasil, onde a presente investigação tomou forma, estima-se que a maioria das empresas é familiar (Zellweger, 2017), com Puga and Wagner (2011) afirmando que essa

6 O mesmo autor alerta que devido às diversas definições do que constituiria uma empresa familiar e a

vontade (ou não) da empresa de se identificar enquanto empresa familiar é um desafio para acadêmicos que tentam obter estimativa exata da prevalência de empresas familiares no cenário mundial.

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16 categoria engloba 93% das empresas brasileiras8. Dessas empresas, 14 entram para a lista da Fortune Global 500 (ranking das maiores empresas do mundo de acordo com a receita), sendo uma da cidade onde se realizou a investigação (Center for Family Business, 2017).

Enquanto Zellweger (2017) indica que 40 a 70% dos empregos e do produto interno bruto (PIB) global se deve às empresas familiares, Miller and Le Breton-Miller (2005) e Puga and Wagner (2011), apesar de estarem de acordo com o contributo econômico para o PIB, estimam que o contributo para a empregabilidade é ainda maior. Segundo esses autores, aproximadamente 75% dos novos empregos e a manutenção de 85% dos empregos já existentes no mundo dão-se através de empresas familiares. Independentemente da estimativa exata, há consenso de que, através da empregabilidade, empresas familiares contribuem não só para a economia, mas também na inclusão social de uma parte significativa da população.

Além da sua importância econômica, as empresas familiares também exercem um papel social relevante e têm grande importância social no desenvolvimento da comunidade. Muitas vezes, empresas (não exclusivamente as familiares) envolvem-se em iniciativas filantrópicas através de atividades de envolvimento corporativo com as comunidades locais, fenômeno conhecido como responsabilidade social corporativa (Muthuri, Chapple, & Moon, 2008). As empresas podem, com isso, simultaneamente atender às suas necessidades de reputação e responder a algumas necessidades econômicas e sociais da comunidade local onde atuam9.

Apesar disso, a vida média de empresas familiares, independentemente da sua geografia, é de apenas três gerações. Apenas 30% das empresas vivem até a segunda geração (Tagiuri & Davis, 1996), 13% até a terceira (Zellweger, 2017), 12% vivem até a quarta geração e 3% mais do que isso (PwC, 2016). Muitos são os motivos que acadêmicos, consultores e membros de famílias empresárias apontam como possíveis causas desse fenômeno. Entre elas, a sobreposição dos papéis familiares e empresariais e o

8 Em comparação, em Portugal estima-se que 75% das empresas são familiares (European Family Business,

2013).

9 Por exemplo, desde o século XIX a Michelin (empresa familiar de pneus) adota uma posição paternalista

com os habitantes e com a cidade de Clermond-Ferrand (França) e, ao longo dos anos, construiu inúmeras casas, escolas e hospitais na cidade, contribuindo para o bem-estar da comunidade local (Miller & Le Breton-Miller, 2005).

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17 processo sucessório (Puga & Wagner, 2011); o não-planejamento da sucessão (estima-se que apenas 15% das empresas fazem esse trabalho) (PwC, 2016); e, mais recentemente, a diminuição da intenção de sucessão por parte da próxima geração (declínio estimado em 30% entre 2011 e 2017) (Zellweger & Sieger, 2017). Esse último fenômeno deriva-se da atratividade do mercado de trabalho e, também, do fato de os possíveis sucessores terem mais conhecimento e insights mais profundos sobre o que é necessário para assumir o controle dos negócios familiares (Ibid.). Estima-se que 19.8% dos membros da próxima geração estão abertos à ideia de serem sucessores na empresa familiar, mas apenas 3.5 a 4.9% expressam claramente essa intenção (Ibid.).

1.3 Estruturação da dissertação

O presente capítulo introduz o leitor a uma dimensão existente, mas pouco comum nas Ciências da Educação: o estudo sobre o processo educativo e formativo de adultos(as) qualificados(as) e privilegiados(as) do ponto de vista econômico, cultural e social. Apresenta-se a questão orientadora: “Como ocorre a educação e a formação de adultos(as) que são potenciais líderes e/ou sucessores de empresas ou holdings familiares?”. Ademais, definem-se os objetivos específicos desta dissertação e, ao final, realçam-se a relevância social e científica desta investigação.

O capítulo dois introduz o leitor à realidade particular das famílias que são proprietárias de uma ou mais empresas (tidas, então, como negócio, empresa ou holding familiar). Este capítulo é dividido em quatro subseções.

Nas duas primeiras subseções, tomando como base contributos do campo das Ciências da Educação, parte-se do princípio de que atividades de natureza educativa podem ser caracterizadas e classificadas por diferentes graus de estruturação, organização, sistematização e de intenção de ser educativa. Assim, na linha da proposta por Bourdieu (Bourdieu, 1966, 1974, 1975, 1979, 1980, 1993; Bourdieu & Wacquant, 1998) e Lesne (1977), propõe-se que a socialização seja considerada uma componente do processo educativo, pois transmite e mantém as aprendizagens e heranças sociais, integrando as pessoas na sociedade e em seus respectivos grupos sociais. Considera-se que as vivências provenientes do contexto particular de cada um influenciam na formação, uma vez que limitam e/ou possibilitam a exploração/desenvolvimento vocacional, bem como a inserção no mercado de trabalho no início da vida adulta.

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18 As duas últimas subseções do capítulo dois realizam uma revisão da literatura que aborda temas relacionados a educação, formação, socialização e desenvolvimento vocacional, analisando como eles provavelmente convergem na educação para a carreira de herdeiros(as) e de sucessores de empresas familiares. Parece evidenciar-se que, para além das preocupações comuns que pais enfrentam (e.g., o estilo parental a ser adotado, a escolha de escola, a manutenção do bem-estar das relações entre os membros da família, etc.), pais de famílias empreendedoras e empresárias precisam considerar as posses, rendimentos e oportunidades familiares que estão associados à(s) empresa(s), tanto no presente quanto no futuro. Os processos de sucessão e a continuidade da liderança na empresa tornam-se uma tarefa central, tanto por motivos econômicos (quando a empresa é a principal fonte de renda familiar) quanto por sentimentais que o simbolismo do legado familiar carrega. Se há o objetivo de que haja continuidade da empresa e que a liderança permaneça familiar, há necessidade de educar as e os herdeiros para assumir esse posto como líderes ou sucessores(as). A literatura revisada sugere que existem lacunas no conhecimento sobre o processo educativo e formativo de futuros(as) líderes de empresas familiares, principalmente na vida adulta (Miller & Le Breton-Miller, 2005; Murphy & Lambrechts, 2015; Zellweger, 2017; Zellweger et al., 2011). O desejo de contribuir para esse corpo teórico conduziu à definição do objeto de estudo desse trabalho.

O terceiro capítulo caracteriza e justifica o design metodológico utilizado nesta investigação. São estudados os relatos orais de entrevistas semiestruturadas com adultos(as) brasileiros(as), membros(as) de famílias empreendedoras ou empresárias e que são potenciais líderes ou sucessores(as) de empresas familiares, sobre o desenrolar de suas carreiras. Utilizou-se uma orientação qualitativa para a análise dos dados, metodologia de natureza fenomenológica, que possibilita o envolvimento ativo das e dos participantes e a consideração de aspectos subjetivos no estudo de fenômenos sociais.

Em seguida, no quarto e quinto capítulo, apresentam-se os principais achados derivados desta investigação, relacionando-os com as teorias e literatura já existentes sobre o processo educativo e formativo de futuros(as) líderes de empresas familiares. Além disso, discutem-se as implicações que esta investigação pode ter no quadro de situações educacionais e de formação voltados para famílias empreendedoras/empresárias, administração de empresas familiares, e no desenvolvimento de dispositivos de educação e formação, sejam estes feitos em contextos educativos formais ou informais.

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19 O sexto e último capítulo sumariza brevemente a presente investigação e reflete sobre os seus principais contributos para o desenvolvimento do conhecimento da área de educação e formação de adultos. Sob a ótica da retrospectiva, algumas limitações deste estudo são discutidas e sugestões para pesquisas futuras são propostas.

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Capítulo II: De jovens herdeiros(as) a sucessores(as) e/ou líderes da empresa familiar: Enquadramento teórico do tema

A Educação, como campo epistemológico e prático, tem se revelado como uma área de conhecimento extremamente ampla, complexa e com bordas difusas – sendo, por isso, difícil (para não dizer impossível) especificar a sua cientificidade de forma objetiva e consensual. Correia (1997) defende que a estruturação da reflexão relativa ao educacional (o espaço social de produção teórica, das práticas e poderes educativos) deve incluir a análise dos diversos discursos que a integram, em suas mais variadas formas, dentro do macro contexto da realidade contemporânea.

A investigação acerca do processo educativo e formativo de futuros(as) sucessores(as) e líderes de empresas familiares – assim como qualquer outra – deve ser feita em contexto. Em outras palavras, “o desenvolvimento e a acção não são apenas individuais, (...) os grupos sociais, as instituições e as comunidades são também autores no processo de produção de significados e de implementação de projectos de acção” (Menezes, 2010, p. 29). Para caracterizar o contexto investigado nesta dissertação, buscou-se apoio na teoria de Bronfenbrenner (1986), que propõe que sejam considerados cinco contextos (ou sistemas) nos quais uma pessoa está inserida e que serviriam como influências interdependentes que afetariam o desenvolvimento individual: o microssistema, o mesossistema, o exossistema, o macrossistema e o cronossistema. O presente capítulo é dividido em quatro partes e organiza-se levando em consideração esses contextos.

Parte-se do pressuposto que investigar um processo educativo e formativo de um(a) adulto(a) é compreender um percurso, o que inclui a sua história, a sua infância, a sua origem. Esse princípio remete ao cronossistema, que engloba as mudanças e continuidades que acontecem no indivíduo e nos seus ambientes ao longo do tempo (Bronfenbrenner, 1986).

A primeira parte (seção 2.1) trata do macrossistema, ou seja, os valores e padrões culturais dominantes (Bronfenbrenner, 1986). Em outras palavras, remete aos princípios gerais da estrutura social e da organização da sociedade. Esta dissertação ocupa-se do estudo de um grupo social bastante específico - a elite - e, portanto, este enquadramento teórico focar-se-á em, e pretende ser, um retrato dos valores e padrões culturais dominantes neste grupo. A segunda parte (seção 2.2) analisa os principais contextos nas quais a socialização ocorre: o microssistema (a família e os processos intrafamiliares) e o

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21 mesossistema (cenários que não o familiar nos quais a pessoa passa um tempo significativo, como a escola) (Ibid.). A terceira parte (seção 2.3) introduz a empresa familiar como componente relevante do exossistema de uma família empreendedora/empresária (são os ambientes de convívio da família de que crianças normalmente não participam (Ibid.)). Por fim, na seção 2.4, alinha-se a relação desses sistemas com a Educação e com o percurso educativo e formativo de futuros(as) sucessores(as) ou líderes de empresas familiares.

2.1 Princípios gerais de estruturação/organização da sociedade ocidental contemporânea

Esta dissertação orienta-se pela lógica de que para compreender os fatores que influenciam na educação e formação de futuros(as) sucessores(as) ou líderes de empresas familiares torna-se necessário atender primeiramente aos princípios gerais que estruturam e organizam a sociedade ocidental contemporânea. E, em seguida, atentar-se ao lugar que essas pessoas ocupam na sociedade – e as estratégias de gestão que elas próprias e/ou as suas famílias utilizam para manter e garantir a reprodução dessa posição nas próximas gerações.

Uma sociedade, como o próprio nome sugere, é um grupo ou coletividade de humanos que se organiza de acordo com alguns parâmetros, tidos como uma estrutura social, que delimita dimensões para a vida social (Rohall, Milkie, & Lucas, 2014). Uma dessas dimensões é a classificação ou o posicionamento dentro do grupo social, que pode ser feita de acordo com diversos critérios (e.g., classe social10, cor da pele, etnia, gênero, idade e sexualidade, etc.) e que podem conferir ao indivíduo mais ou menos prestígio dentro da sociedade (Ibid.). Outra dimensão relevante é a das normas sociais, ou seja, as regras que regulamentam o comportamento individual ou grupal e daí as expectativas sobre como

10 O conceito de classe social é muito ambíguo e controverso, tanto entre acadêmicos quanto na imaginação

popular, como explica Wright (2015, p. 16) quando diz “a palavra classe desdobra-se numa ampla variedade de contextos, descritivos e explanatórios em sociologia, assim como ocorre no discurso popular, e, é claro, dependendo do contexto, podem ser necessários diferentes conceitos de classe.”. No contexto referido, o conceito de classe social refere ao seu sentido mais genérico, relacionando-a à renda financeira/acúmulo de bens materiais e a prestígio, como sugerido por Rohall et al. (2014).

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22 uma pessoa de uma determinada posição deveria se portar em termos de comportamentos, pensamentos e emoções (os papéis sociais adequados) (Ibid.).

A Sociologia enquanto ciência social é composta por diferentes teorias, e estas são condicionadas não só pelo espaço social, mas também pelo tempo histórico (Braga da Cruz, 1988). Esta dissertação partilha, em muitos aspectos, da visão sociológica de Pierre Bourdieu. A escolha por essa abordagem se justifica por três motivos. Primeiro, pelo autor privilegiar a importância e o papel do sistema simbólico na análise de classe (na qual as relações econômicas são consideradas juntas e simultaneamente com a análise das relações simbólicas). Segundo, é por Bourdieu considerar as distinções entre as classes sociais como diferenças de práticas sociais entre coletividades (ou grupos), que se auto reconhecem como similares ou diferentes entre si, ao invés de propor uma estratificação social (uma “fronteira” teórica). Por fim, essa teoria propõe um modelo do espaço social que inclui e distingue ocupações profissionais, que considera a existência de diferentes formas e tipos de acumulação de capital, e é capaz de desenhar uma explicação teórica satisfatória para “mudanças” de classe. Em síntese, esta dissertação partilha da visão de que a teoria de Bourdieu ainda é bastante representativa de sociedades contemporâneas, pelo menos no que diz respeito às realidades do ocidente (Koh & Kenway, 2012).

A estrutura social de que fala Bourdieu se assenta de acordo com classes sociais, definidas pela (in)disposição individual a certas práticas sociais (o “gosto” socialmente construído), que caracteriza, une e distingue uma coletividade (ou grupo social) (Bourdieu, 1966; Weininger, 2015). Assim, as manifestações de diferenças de classe se dão na prática pelo habitus, ou pelos estilos de vida (especialmente pelas práticas de consumo), e dependem da posse de capital (Ibid.).

O conceito de capital para Bourdieu também é relevante para este trabalho. O autor define o termo como “o conjunto de recursos e poderes efetivamente utilizáveis”, e compreende que existem diferentes tipos de capital, sendo os principais o econômico e o cultural. (Bourdieu, 1984, p.114, citado por Weininger, 2015, p. 102). O capital econômico compreende ativos que possuem valor financeiro/monetário (Weininger, 2015). Além de dinheiro, pode incluir negócios/empresas, ações, imóveis, herança familiar (e.g., joias, peças de arte, coleção de vinhos, etc.) e estruturas filantropas (e.g., fundações ou institutos de caridade) (Bentall, 2012). Já o capital cultural, em seu estado incorporado, seria uma “competência” cultural específica, o que significa que a dita competência foi “inculcada” e ensinada ao longo de toda a vida, de maneira sutil, desde a primeira infância pela família e

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23 escola (Bourdieu, 1979; Weininger, 2015). Pode assumir também a forma de capital cultural objetivado, em objetos materiais (e.g., livros), ou ser institucionalizado, sob a forma de saberes credenciados (e.g., certificado escolar/diploma universitário) (Ibid.).

Embora muitas das famílias burguesas sejam detentoras de capital cultural, a elite garante sua posição social sobretudo pelo favorecimento econômico, sendo este talvez um dos processos de socialização mais relevantes no estudo desse grupo, pois permite o acesso a um conjunto de bens culturais e sociais que são incomuns, raros ou inacessíveis a outros grupos (Macedo, 2009; Nogueira, 2002a). Por exemplo, para algumas famílias de empreendedores em ascensão social (tidos como “novos ricos”), o espaço de convivência entre a elite é assegurado apenas pelo poder financeiro, que constitui sua única fonte de

status social e é o que possibilita a sua inserção em círculos sociais mais prestigiosos e, às

vezes, que propiciam vantagens financeiras (e.g., conhecer as pessoas “certas” pode facilitar o conhecimento precoce das novas e mais vantajosas oportunidades de negócios) (Grün, 2002). Para manter uma posição dominante, no entanto, torna-se necessário que parte do seu capital econômico seja reconvertido em capital social, cultural e simbólico (Jay, 2002). Ou seja, “é por intermédio do tempo necessário à aquisição que se estabelece a relação entre o capital econômico e o capital cultural.” (Bourdieu, 1979, p. 84). Mesmo para aquelas famílias em que a herança (material e simbólica) é reconhecida coletivamente, o capital cultural objetivado pode ser transmitido materialmente (e.g., herdar uma biblioteca), mas sua condição de apropriação, que permite transmitir o material (e.g., livros) em capital ativo e atuante (e.g., conhecimentos), só ocorre quando há apropriação (aprendizagem) e utilização do capital em questão (Bourdieu, 1979).

A distribuição de capital influencia e é influenciada pela divisão ocupacional do trabalho (Weininger, 2015). O seu modelo do espaço social (ou do “campo” das classes sociais) é um sistema único de relações objetivas entre as várias possíveis combinações dos “recursos e poderes” na formação social e na sua evolução ao longo do tempo (Ibid.). Bourdieu considera três dimensões em sua análise social: o volume total de capital, a composição do capital e a estabilidade ou mudança do capital da pessoa com relação ao da família de origem (Ibid.). Essas dimensões são interpretadas como contínuas, sem limites estruturais, com configuração multidimensional, o que permite a “conversão de capitais” e análise de formas de conflitos entre as classes (Ibid.).

A posição social de uma pessoa em termos de situação de classe poderia ser caracterizada: em classe dominante/burguesia, classe intermediária/pequena burguesia, ou

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24 classe operária/popular (Weininger, 2015). A classe operária tipicamente não possui muito capital econômico ou cultural (em termos de uma cultura reconhecida pela escola, uma vez que ela própria é orientada por uma cultura de classe dominante e intermediária), enquanto a burguesia possui ambos em diferentes níveis. Enquanto a pequena burguesia possui certo capital econômico (e.g., comerciantes), pode atingir simetria entre seu capital econômico e cultural (e.g., profissionais liberais) e pode atingir um abundante nível de capital cultural (e.g., professores universitários), a classe dominante terá muito capital econômico (e.g., industriais), que pode ou não ser acompanhado de capital cultural (Ibid.).

Em síntese, para Bourdieu a posição de cada ator no espaço social (determinada de acordo com o volume e composição do capital) forma disposições de práticas características de cada posição social, sendo indicadores de estilo de vida e de preferências para dispêndio do capital (Bourdieu, 1966; Weininger, 2015). Na teoria de Bourdieu a aprendizagem da posição social ocorre de maneira espontânea, sem a observação de normas ou pelo uso do racional, sendo “inculcada” pela família e pela escola desde os primeiros anos de vida (Bourdieu, 1966, 1979; Weininger, 2015). Outros autores nomearam esse processo de socialização.

Já para Lesne (1977), a socialização é entendida como “um processo pelo qual um ser biológico é transformado em sujeito de uma determinada formação social, de uma determinada cultura (...) o indivíduo vai adquirindo progressivamente uma identidade social e cultural específica, em relação com o meio em que se acha colocado.” (Lesne, 1977, p. 22). Ou seja, através da socialização as pessoas aprendem a relevância da posição social, as normas e valores em contextos sociais e, também, os modos apropriados de pensar, sentir e de se comportar. Para o autor, a socialização é entendida como um processo que acontece ao longo da vida, de forma fluida e não estática, desde a infância até a terceira idade, sendo que em alguns períodos se dá de forma mais intensiva11 (Ibid.). É, portanto, um processo dinâmico, que acontece internamente (o que pensamos sobre nós e os outros) e externamente (se mostra através da linguagem, maneirismos, hábitos e trocas simbólicas) (Ibid.). Tal como o habitus de classe, no processo de socialização, a pessoa inicialmente aprende a ocupar um lugar social no grupo primário (a família) e, mais tarde esse conhecimento social se transpõe para outros grupos e situações sociais (Bourdieu, 1979; Lesne, 1977; Weininger, 2015).

11 Exemplos incluem a infância, o primeiro emprego ou situações de mudança de emprego, mudança

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25 Tal como acentuarei no corrente estudo, vale ressaltar que a socialização não pode ser entendida como um processo determinista. Cada pessoa é objeto de socialização e, simultaneamente, desempenha um papel de sujeito (agindo sobre si) e de agente de socialização (agindo sobre os outros), como defende Lesne (1977). Há no processo de socialização uma dimensão intrapsíquica singular, o repertório social eventualmente externalizado exprime tanto a socialização quanto a subjetividade da pessoa, fatores que às vezes podem coincidir e às vezes podem entrar em conflito entre si, sendo paradoxais (Dias, 2016).

Em conclusão, a educação e a socialização estão profundamente inter-relacionadas e se influenciam mutuamente. No cotidiano essa relação teórica pode ser observada através de práticas sociais, pedagógicas e formativas, voltadas especificamente para certos grupos sociais, embutidas em um processo de socialização, como será demonstrado nas próximas seções. Entretanto, a intencionalidade dessas práticas raramente é explícita (Bourdieu, 1979, 1980). Cabe às Ciências da Educação promover a reflexão crítica relativa aos significados ocultos das práticas sociais em sua análise de processos educativos e formativos, a fim de que a academia dê espaço aos diversos discursos que compõem a sociedade contemporânea.

2.2 Agentes sociais

A literatura científica aponta de forma consensual que os principais agentes sociais são a família e a escola porque são as pessoas e a instituição que mais ativamente participam nas interações sociais, que ocupam posições de status e que constroem relacionamentos de grupo (Almeida, 2002; Bourdieu, 1966, 1979; Bronfenbrenner, 1986; Lesne, 1977; Nogueira, 2002a; Rohall et al., 2014). Esses agentes sociais podem direcionar a Educação de uma maneira estratégica, “mesclando elementos culturais e econômicos, tais como: a atmosfera cultural do lar, os esquemas de organização do pensamento, a estrutura da língua falada, as atitudes face à escola, a relação com o saber, as informações que os pais detêm sobre o universo escolar, as oportunidades que oferecem de atividades extraescolares (cuja extensão e riqueza crescem na medida em que se sobe na hierarquia social), os recursos financeiros que põem a serviço dos estudos dos filhos.” (Nogueira, 2002a, p. 11).

Tendo em conta o seu sentido lato, a Educação pode ser realizada de forma mais ou menos formalizada, dependendo do contexto em que ocorre. Nas instituições de ensino

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26 (e.g., escola), a atividade educativa é organizada, sistematizada e desenvolvida de acordo com o quadro formal de ensino (Canário, 2006). Essa modalidade compreende o conceito de educação formal (Ibid.). Entretanto, essa não é a única forma pela qual aprendemos. A aprendizagem com e através da experiência existe desde os primórdios do tempo e é extremamente relevante que seja considerada. A formação, por exemplo, é o processo educativo “marcado pelo seu carácter, deliberado, consciente e finalizado”, sendo parte integrante do processo de socialização (Canário, 2006, p. 165). A educação informal, seja ela premeditada ou não, diz respeito às situações que são potencialmente educativas e que acontecem de forma pouco ou nada organizada/estruturada, mas que formam um processo vitalício de adquirir e acumular conhecimentos (Canário, 2006). Canário (2006, p. 160) alerta que a “identificação errónea, entre universo educativo e universo escolar apenas nos permite aceder a uma visão truncada, incompleta e redutora de um processo educativo”. O mesmo autor conclui que é necessário valorizar todas as experiências educativas, independentemente de serem ou não dotadas de uma intenção de serem educativas, e considerando-as dentro de um âmbito mais amplo, assimilando “o processo de aprendizagem a uma concepção larga, multiforme e permanente de socialização” (Canário, 2006, p. 162) - esse seria o pressuposto principal da educação de adultos e o recurso mais importante para a realização de novas aprendizagens.

Sendo assim, a análise educativa e formativa só é verossímil quando se considera a realidade na qual ela está imersa e o sentido que exprime. Essa realidade inclui o sujeito que está sendo educado, sua subjetividade e como o sujeito percebe suas particularidades individuais e sociais e o seu contexto social. Já o sentido da educação e da formação leva em conta a sua utilização social. Neste trabalho, o foco é na educação e formação. Temas mais psicológicos, embora reconhecidos, serão tratados de forma mais periférica.

A próxima seção explora como a família e a escola atuam no processo de educação e formação (em graus variados de formalização) de futuros(as) sucessores(as) ou líderes de empresas familiares, tendo em vista o contexto social particular.

A família e a escola como agentes sociais

A continuidade da liderança é uma tarefa central a ser realizada para a empresa ou

holding familiar e, muitas vezes, para o bem-estar da família empreendedora ou

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27 preparo da educação e da formação dos(as) futuros(as) sucessores(as) ou líderes. Nesse contexto, é importante ressaltar que o percurso educativo e formativo da futura geração de liderança da empresa familiar é inter-relacionado com o sistema empresarial e, claro, com os relacionamentos das e dos futuros líderes para com sua família, frequentemente vividos tacitamente (Berkel, 2007; Puga & Wagner, 2011; Tagiuri & Davis, 1996; Zellweger, 2017). Dessa forma, quando se considera o processo educativo de pessoas com esse perfil, o conceito de Educação deve ser ampliado para além de processos formais, considerando também o processo emergente e cotidiano da educação não-formal e informal que constitui a socialização do indivíduo enquanto membro de uma família empresária.

Primeiro, torna-se necessário entender a quem nos referimos quando falamos do agente social “família”. Na sociedade ocidental o conceito de “família” revoca a ideia do núcleo familiar (pai/mãe, irmãs/irmãos, parceiro/a e filhos/as). Entretanto, Parsons (1943) ressalta que a família engloba outros parentes, conectados à pessoa pela relação consanguínea ou por laços sociais e relações de afinidade. Para o autor, a família é um amplo sistema social basal cuja estrutura contém tipologias distintas: a família de orientação12 (a de origem, onde a pessoa nasceu e foi socializada), a família de procriação13 e a família dos sogros14 (Ibid.). Ademais, para cada indivíduo que existir dentro do núcleo familiar da pessoa (e.g., irmãos), deve-se considerar uma quarta estrutura familiar, a conjugal15 (Ibid.). Essa análise clássica de uma família tradicional é útil para compreender a extensão que o conceito de família pode abranger. A configuração da família contemporânea é mais complexa. A família moderna caracteriza-se pelo número reduzido de filhos, pelo aumento de enteados e pela normalização das práticas de divórcio, segundos casamentos e coabitação (algumas dessas não reconhecidas por Lei) (Zellweger, 2017).

Definir e classificar a família moderna é uma tarefa difícil (A. Wagner, Tronco, & Armani, 2011). Para compreender as variações de papéis sociais e dinâmicas relacionais entre membros de uma família deve-se, primeiramente, reconhecer que as estruturas familiares modernas são heterogêneas, que compreendem diferentes graus de parentesco,

12 Inclui a pessoa, seus pais, avôs e avós e, se houver, tios(as) dos lados materno e paterno.

13 Inclui a pessoa, cônjuge, filhos(as), cônjuge dos(as) filhos(as) e netos(as). Esse tipo de família pode entrar

em competição (em termos de tempo e atenção) com a família de origem.

14 Inclui irmãs/irmãos e pais do(a) cônjuge. Esse tipo de família se dá apenas pela afinidade entre a pessoa e

seu cônjuge, é considerada uma relação de parentesco frágil.

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28 que a ligação entre os membros de uma família pode se dar biologicamente ou apenas pela afinidade (Zellweger, 2017). A relação e a vivência dentro da família vão ser influenciadas pela existência (e qualidade) da convivência familiar (ou falta dela) (Ibid.). A percepção da família como grupo inclusivo, se há ou não lealdade e proximidade entre os membros da família, se há ou não identificação com os membros da família e com o estilo de vida familiar, e fatores de natureza econômica (como a distribuição e uso dos recursos familiares) são aspectos que calibram a frequência das tensões e conflitos entre parentes (Parsons, 1943; Zellweger, 2017).

Diversas pesquisas (Bourdieu, 1966, 1979; Macedo, 2009; Nogueira, 2002a; Pinçon & Pinçon-Charlot, 2002) evidenciam o fato de que, desde cedo, começando no espaço familiar, as famílias da elite (das quais famílias empresárias fazem parte) ensinam/aprendem maneiras de ser. Isso implica num trabalho doméstico de transmissão e apropriação da herança cultural (a socialização), que custa tempo e que deve ser feito pessoalmente pelo investidor (pais e família), sendo esta a condição para que haja a reprodução das posições dominantes na sociedade (Bourdieu, 1979). Pinçon e Pinçon-Charlot (2002, pp. 11-13) explicam: “Importa que estes estejam aptos a receber, administrar e transmitir as múltiplas riquezas que lhes cabem por herança. (...) trata-se efetivamente de educação e nunca de simples instrução”. Ou seja, as e os jovens recebem uma verdadeira formação para serem herdeiros(as) e assumirem esse papel, o que implica na aprendizagem e interiorização da convicção de que têm direitos a privilégios e que devem se tornar agentes sociais aptos a assumirem os encargos que vêm junto da abundância de capital e desigualdade social (Ibid.).

A elite, ou a família burguesa, encontra-se no núcleo do dispositivo da reprodução social (Perrenoud, 1970). A educação dada por ela visa constituir suas e seus herdeiros como beneficiários dos bens materiais e imateriais, passando a eles ou elas a propriedade e o legado da linhagem familiar (Bourdieu, 1966). Esse processo ocorre de maneira explícita e implícita simultaneamente (dependendo do que está sendo tratado e da família que o conduz), e inclui moldar e armar a moralidade do(a) herdeiro(a), permitir-lhe adquirir saberes, habilidades e técnicas sociais que lhe permitam administrar, aumentar e transmitir para a próxima geração as diferentes formas de capital (Pinçon & Pinçon-Charlot, 2002). No caso de famílias empreendedoras ou empresárias, é esperado que haja interrogações a respeito da sucessão da empresa e, por isso, normalmente há a organização deliberada da herança. Entretanto, Bentall (2012) aponta que, paradoxalmente, essa organização muitas

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29 vezes inclui o planejamento da sucessão (aspectos legais e de contabilidade), mas raramente no contexto empresarial é feito o planejamento de continuidade, ou seja, da educação específica para tornar-se sucessor(a), voltada para a sucessão do empreendimento familiar englobando a continuidade da família, do seu legado, da visão e valores familiares na(s) empresa(s).

Pode então afirmar-se que o capital cultural é transmitido no seio da família, na maioria das vezes de maneira informal e implícita, de forma contínua no decorrer do tempo, através das atividades de lazer e de convivência com a família e as pessoas que a cercam, sendo fortemente condicionado pela precocidade do empreendimento de transmissão e acumulação, pelo tempo livre que a família pode dedicar a esse processo e pelas capacidades individuais de satisfazer as exigências de aquisição do capital cultural (Bourdieu, 1966, 1979; Pinçon & Pinçon-Charlot, 2002). Há, muitas vezes, uma dimensão afetiva nesse processo de aprendizagem e socialização (Ibid.).

Através da família decorre a aprendizagem da posição no espaço social e a composição do capital social16 do indivíduo. Os espaços que a elite ocupa normalmente são amplos, seguros (exclusivos e limitados a certas pessoas, fora das condições públicas e comuns), o que facilita limitar, por exemplo, as convivências sociais, as amizades e as futuras relações matrimoniais a pessoas do mesmo grupo social (e.g., rallyes17, caçadas/esportes chiques, bairros nobres ou condomínios fechados, cerimônias/recepções privadas, clubes seletos, etc.) (Bourdieu, 1980; Pinçon & Pinçon-Charlot, 2002). Uma vez herdada ou formada a rede de relações, torna-se necessário realizar o trabalho de manutenção desses relacionamentos, o que pode ocorrer através da institucionalização das relações (um direito garantido por contrato, como na instituição dos casamentos ou sociedades) ou através de subjetividades sentidas (sentimentos de reconhecimento, respeito, amor ou amizade, reforçados pela convivência) (Bourdieu, 1980).

A família também é a principal responsável pelas aprendizagens acerca da apresentação de si (o “eu” público) e da sociabilidade, tanto na intimidade do lar como em

16 O capital social é outra forma de capital reconhecida por Bourdieu, cuja composição refere ao conjunto de

recursos ligados à posse de uma rede durável de relações, baseada no inter-reconhecimento de vinculação (ou pertença) a um grupo dotado de propriedades/características comuns (materiais e simbólicas) e por ligações permanentes e úteis (Bourdieu, 1980).

17 Os rallyes são grupos de convivência exclusivos de crianças e adolescentes “da alta sociedade” cujos

membros são selecionados e cujas atividades são mediadas pelos pais fundadores do grupo (Pinçon & Pinçon-Charlot, 2002).

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30 ambientes mais formais, como na escola e trabalho. Essas aprendizagens podem englobar o desempenho escolar, o domínio das técnicas de apresentação, oratória e diálogo, práticas e conhecimentos culturais, o uso dos costumes e maneira de vestir, discrição e adequação em situações sociais (Bourdieu, 1966; Pinçon & Pinçon-Charlot, 2002). O modo de ser é inter-relacionado com os modos de convivência, uma vez que todas as ações e palavras individuais de uma pessoa remetem à sua coletividade e a (des)honram, em menor ou maior grau, e contribuem para a manutenção do capital social coletivo da sua família/linhagem (Bourdieu, 1980).

Bourdieu (1966) defende que famílias com alto nível de instrução transmitem aos filhos(as) todo um capital de informações sobre cursos e percursos escolares e de carreira, incentivando a reflexão sobre escolhas profissionais e orientando a relação deles(as) com o estudo e o trabalho. O mesmo autor ressalta ainda que em famílias economicamente privilegiadas e instruídas o privilégio dos(as) filhos(as) com relação ao capital cultural se torna bastante aparente nos domínios que não são diretamente controlados ou mediados pela escola, como acontece no caso da familiaridade com os diversos domínios da cultura (obras de arte, música, literatura, cinema), onde a tendência é que, à medida que se eleva a origem social do indivíduo, se eleve também a riqueza e extensão dos conhecimentos (Bourdieu, 1966). Nesses casos, o capital cultural possui uma simbologia particular, sendo valorizado pela sua raridade (Bourdieu, 1979). Mais recentemente, Macedo (2009) acentua como o convívio no ambiente familiar com bens culturais fortalece a construção das cidadanias de jovens das elites, referindo também como esse reforço se faz através da coincidência de dados aspectos da socialização na família e na escola.

A escolaridade das crianças e jovens da elite é vista como essencial, uma vez que se considera que essas escolhas precoces exercem grande influência na possibilidade de entrar e triunfar no ensino universitário (Bourdieu, 1966; Kenway & Fahey, 2014; Koh & Kenway, 2012; LeTendre, Gonzalez, & Nomi, 2006). Idealmente, a educação de jovens da elite deve ser o mais completa quanto possível: normalmente tem início no jardim de infância, dura até o ensino superior, e preferencialmente deveria se passar no mercado de educação de elite (elite education market), ou seja, em escolas, faculdades e universidades cujos programas acadêmicos são de ponta, e as missões e valores encontram-se em consonância com as demandas e interesses das pessoas pertencentes à burguesia/aristocracia (Bourdieu, 1966; Kenway & Fahey, 2014; Koh & Kenway, 2012; LeTendre et al., 2006; Nogueira, 2002a).

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31 As instituições escolares frequentadas por jovens deste grupo são, preferencialmente, tradicionais e prestigiosas, e fazem parte da rede privada de ensino, onde a entrada seletiva do corpo discente se dá por testes de conteúdo acadêmico e a seleção social se dá principalmente por meio do obstáculo financeiro (Kenway & Fahey, 2014; Pinçon & Pinçon-Charlot, 2002). As escolas de elite18 (elite schools) são descritas na literatura como escolas que tradicionalmente prestam os serviços educativos a jovens dos grupos sociais dominantes e, em menor grau, para pessoas que investem na educação visando ascensão social e para “merecedores” (e.g., bolsistas por mérito acadêmico, atletismo, etc.) (Kenway & Fahey, 2014). A preferência por escolas privadas se justifica pelo discurso de que elas permitem que os pais sejam mais envolvidos na educação dos(as) filhos(as) enquanto as escolas públicas são vistas como precárias e/ou massificadas (Macedo, 2009; Nogueira, 2002a). Além disso, é alegado que as instituições de ensino privadas utilizam formas específicas de educação ou de pedagogia mais diferenciadas (Ibid.).

As investigações apontam que escolas de elite, para além de serem responsáveis pelo ensino curricular estabelecido pelo governo, assumem também o papel de agentes de socialização (Kenway & Fahey, 2014; Koh & Kenway, 2012). É esperado que a escola reforce o status quo da família, treinando e acostumando as e os jovens ao mundo material e simbólico dos seus pais (auxiliando e orientando no desenvolvimento do habitus elitista: a identificação, as sensibilidades e as aspirações de e para esses/as jovens) (Ibid.). A literatura aponta que o curriculum das escolas de elite impõe, em maior ou menor grau: a noção de alta competitividade e desenvolvimento pessoal entre alunos(as) para “garantir” boas entradas em universidades de ponta e (posteriormente) no mercado de trabalho; encoraja a participação em atividades extracurriculares (esportes, música e artes, línguas estrangeiras, etc.); incentiva o éthos moral de “ajudar” os menos favorecidos através de serviço comunitário; oferece programas educativos complementares (e.g., de

18 Cito como exemplo de escola de elite a Eton College, na Inglaterra. Fundada em 1440, por centenas de

anos tem educado a elite inglesa masculina (estima-se que 4% de 8 mil “líderes” são ex-alunos) (de Bellaigue, 2016). Hoje a escola, cuja anuidade custa 40 mil libras, é conhecida por seu rigor acadêmico, pelas suas taxas altas de aceitação nas universidades de Cambridge e Oxford, por suas atividades extracurriculares (e.g., clube de teatro), e pela sua estrutura (e.g., tem um laboratório de investigação sobre aprendizagem e o cérebro adolescente em parceria com a universidade de Harvard) (Ibid.).

Referências

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