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O recurso da Comissão Europeia a comunidades epistémicas para legitimar iniciativas relativas à política comum de segurança e defesa

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Academic year: 2021

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O recurso da Comissão Europeia a comunidades epistémicas

para legitimar iniciativas relativas à Política Comum de

Segurança e Defesa

Miguel Benito Garcia Hannes

Orientador/a: Prof. Doutora Maria João Militão Ferreira

Dissertação para obtenção de grau de mestre em Relações Internacionais

Lisboa

2017

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Orientadora: Maria João Militão Ferreira

Título da tese: O recurso da Comissão Europeia a comunidades epistémicas para legitimar iniciativas relativas à Política Comum de Segurança e Defesa

Resumo: A crescente instabilidade nas fronteiras externas da União Europeia tem reacendido o debate sobre a segurança e defesa europeia, numa altura em que ocorre uma reorientação geopolítica à escala global. A Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), capturada pelo método intergovernamental tem sido uma afirmação simbólica da vontade dos estados-membros em ver reconhecido o papel global que a União Europeia pode vir a desempenhar. Contudo, e apesar dos avanços institucionais ocorridos com o Tratado de Lisboa, os estados-membros continuam a prosseguir uma política de segurança e defesa quase exclusivamente por via nacional baseada num mercado de defesa fragmentado e pouco eficiente. A falta de harmonização e de coordenação nesta matéria torna a materialização da PESC uma realidade distante. A Comissão Europeia, garante do método supranacional, tem sido a instituição que mais esforços dirigiu na última década para atingir uma PESC funcional. Dado que pela letargia e relutância dos estados-membros, o modelo intergovernamental para a segurança e defesa europeia não concretizou os objetivos desejados, a Comissão Europeia tomou o papel de policy-entrepreneur. Nesta dissertação explora-se como a Comissão Europeia procura munir-se de legitimidade, através da criação de uma comunidade epistémica governamental para propor novos mecanismos de financiamento para a segurança e defesa europeia baseados no método comunitário, o que poderá permitir o financiamento de projetos de defesa com fundos comunitários.

Palavras-chave: União Europeia, Política Comum de Segurança e Defesa, Comissão Europeia, Europeização, Mercado de Defesa Europeu, legitimidade, comunidade epistémica

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Abstract

Thesis: The European Commission use of epistemic communities to legitimize initiatives regarding the Common Security and Defence Policy

The increasing instability on the European Union’s external borders has reignited the debate about European security and defence, when big geopolitical shifts are happening around the globe. The Common Security and Defence Policy (CSDP), captured by the intergovernmental method, has only been a symbolic statement of the will of member-states to affirm a global role for the European Union. Despite the institutional advances with the Lisbon Treaty, mem-ber-states still rely on an almost exclusively national security and defence policy based on a fragmented and inefficient defence market. The lack of harmonization and coordination hin-ders the materialization of the CSDP. The European Commission, guardian of the suprana-tional method, has been the institution which has undertaken more efforts for a funcsuprana-tional CSDP. Given that the intergovernmental method hasn´t produced the desired objectives by the lethargy and reluctance of member-states, the European Commission has taken the role of policy-entrepreneur. This thesis explores how the European Commission gains legitimacy trough the creation of a governmental epistemic community to propose new financial mecha-nisms for European security and defence based on the community method. This can pave the way for EU funding of defence projects.

Keywords: European Union, Common Security and Defence Policy, European Commission, Europeanisation, European Defence Market, Legitimacy, Epistemic Community

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Agradecimentos

Quero expressar o meu agradecimento à instituição que me proporcionou a oportunidade de aprofundar o meu conhecimento e de testar as minhas capacidades intelectuais. Sinto-me grato por ter realizado o meu mestrado nesta casa onde cresci como eterno estudante e pessoa.

Gostaria de agradecer à Professora Maria João Militão Ferreira, orientadora desta dissertação, pela paciência no desenrolar deste processo, pelas sugestões e ideias importantes que me ajudaram a dar sentido ao estudo e a realizar esta dissertação.

Agradeço à família e amigos pelo estímulo e pelas inúmeras interações que me incentivaram a desafiar-me. Em especial à minha namorada, Danielle, que apesar de estar longe, encurtou a distância ao revelar ser paciente e ao proporcionar-me um apoio e ânimo incondicional.

O meu sentido agradecimento a todas as pessoas e instituições que contribuíram para o meu percurso e me permitiram através do constante incentivo intelectual concretizar esta dissertação.

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Índice

ABSTRACT ...3 ÍNDICE DE TABELAS ...6 ÍNDICE DE FIGURAS: ...7 LISTA DE ACRÓNIMOS ...7 INTRODUÇÃO ...9 ENQUADRAMENTO TEÓRICO ... 22 1.2- METODOLOGIA ...26 2 - REVISÃO DA LITERATURA ...29

2.1- ORIGEMDOCONCEITODECOMUNIDADEEPISTÉMICA ... 29

2.2- CRÍTICASAOCONCEITO ... 34

2.3- UTILIZAÇÃOEMPÍRICADOCONCEITO ... 36

2.4 - REVISÃODALITERATURASOBREA PCSD ... 40

3 - EVOLUÇÃO DA PCSD E DO MERCADO DE DEFESA EUROPEU ...48

4- ANÁLISE DE DISCURSO ...57

4.1- SEMALTERNATIVA ... 61

4.2- RACIONALIZAÇÃO ... 66

4.3- FUTURO HIPOTÉTICO ... 71

1. Passado – razões que criaram a situação atual ... 72

2. Situação presente e riscos de permanecer nesta trajetória ... 74

3. Os benefícios de um programa comunitário para defesa ... 76

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5- O GRUPO DE PERSONALIDADES COMO COMUNIDADE EPISTÉMICA

GOVERNAMENTAL ...83

6 - A COMISSÃO EUROPEIA E O USO DA AUTORIDADE EPISTÉMICA COMO INSTRUMENTO DE LEGITIMAÇÃO ...92 7- ANÁLISE SWOT ...99 CONCLUSÕES ...113 BIBLIOGRAFIA ...118 NOTAS: ...127

Índice de Tabelas

Tabelas 1-4: Riscos e Impactos Negativos………. 58-60 Tabelas 5-7: Impactos Positivo………...61-62 Tabelas 8-9: Eficiência………. ..65-66 Tabela 10: Eficácia e Rentabilidade………...66 Tabelas 11-13: Razões que criaram situação atual ……….. ..69-70 Tabelas 14-15: Situação Presente e riscos desta trajetória ……….71-71 Tabelas 16-21: Benefícios………..73-77

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Fig.1- Comparativo dos gastos em defesa………..12

Fig.2- Distinção entre comunidade epistémica e outros atores políticos………25

Fig.3-Tipos de legitimação por racionalização………...61

Fig.4- Legitimação de discurso através de linha temporal………..72

Fig.5- Iniciativas da Comissão numa linha temporal ………..91

Lista de Acrónimos

AED- Agência Europeia de Defesa

ARUNEPS - Alto-Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança

BTID- Base Tecnológica Industrial de Defesa CE- Comissão Europeia

EM- Estados-Membros

ENNAT - European Network Against Arms Trade IESD- Identidade Europeia de Segurança e Defesa IntCen - Centro de Análise de Intelligence da UE

ISS- Institute of Security Studies (Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia) GoP- Group of Personalities (Grupo de Personalidades)

Lol (letter of intent) - Carta de Intenções

OCCAR- Organização Conjunta de Cooperação em Matéria de Armamento OI- Organizações Internacionais

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PE- Parlamento Europeu

PESC- Política Externa e de Segurança Comum PCSD- Política Comum de Segurança e Defesa RI – Relações Internacionais

R&T- Research and Technology (Pesquisa e Tecnologia)

R&D – Reasearch and Development (Pesquisa e Desenvolvimento) UE - União Europeia

UEM - União Económica e Monetária TUE – Tratado da União Europeia

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1- Introdução

Este trabalho pretende compreender como ocorre a formação de comunidades epistémicas e como estas exercem influência no processo de formulação das políticas públicas da União Europeia (UE). Almeja também compreender a forma como a Comissão Europeia (CE) recorre a grupos de especialistas para legitimar as suas iniciativas de integração na área da segurança e defesa.

Focando-se em particular no papel da CE no debate institucional sobre a segurança e defesa, pretende-se compreender como é que esta instituição tem promovido a discussão de um afastamento do método exclusivamente intergovernamental para uma europeização das questões de defesa. O ângulo desta abordagem recai na capacidade de legitimação da CE para materializar as inovações institucionais que tem promovido na última década. Uma instituição encarada como um Leviatã pelos governos nacionais e pelos cidadãos europeus, devido aos poderes que nela reúne, terá capacidade para legitimar uma ampliação desses poderes a uma área tão sensível do estado soberano? É com esta questão que se desenvolveu o objetivo desta dissertação, designadamente, compreender qual a estratégia de legitimação da CE para advogar uma europeização das áreas da segurança e defesa.

A dimensão empírica recai sobre o papel do “Grupo de Personalidades sobre a Ação Preparatória (AP) para pesquisa relacionada com a PCSD" (GoP on the Preparatory Action

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for CSDP-related research) como uma comunidade epistémica, e a forma como produz “conhecimento” que será traduzido em políticas públicas da UE em virtude da sua capacidade de influência. O Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (ISS) é parte integrante deste grupo de trabalho, procurando-se compreender como este think tank pode tornar-se numa comunidade epistémica no momento em que encarna um papel ativo na formulação de políticas europeias. Pretende-se analisar o impacto desta agência como comunidade epistémica integrada no GoP, averiguando o suporte que oferece à CE na formulação de recomendações a serem traduzidas em novos mecanismos institucionais.

Neste sentido, pretende-se responder à seguinte Pergunta de Partida:

Terá a CE criado o Grupo de Personalidades de forma a ganhar autoridade epistémica como instrumento legitimador da integração na PCSD?

Objetivos:

- Analisar os documentos elaborados pelo ISS sobre o mercado de defesa europeu;

- Identificar se o GoP cumpre os requisitos para ser considerado uma comunidade epistémica;

- Compreender se a CE recorre a redes de especialistas para legitimar avanços no processo de integração em áreas de sensibilidade política elevada, nomeadamente, na PCSD.

- Realizar uma análise SWOT para compreender as vantagens e desvantagens deste mecanismo de legitimação na perspetiva da CE.

A resposta à pergunta de partida fornece o argumento de tese, se confirmado o fato de a CE recorrer a redes de especialistas, dotando-se de autoridade epistémica, para legitimar avanços na integração europeia numa área de sensibilidade política elevada. Ou seja, o argumento de tese é precisamente o fato de a CE desenvolver uma estratégia de legitimação

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recorrendo à autoridade de peritos para advogar uma europeização das áreas da segurança e defesa, último reduto do intergovernamentalismo. Esta estratégia passa por um ato de delegação, através da criação de um Grupo de Personalidades (GoP) com a função de produzir recomendações que legitimam e credibilizam as iniciativas da CE. O modelo Principal-Agente será útil para compreender esta delegação (Dunlop, 2010; Pollack, 1997).

A AP é um instrumento flexível que permite testar novas abordagens institucionais (Comissão Europeia, 2013). Pretende demonstrar a viabilidade de um programa de pesquisa europeu para o mercado de defesa, e posterior financiamento através do quadro financeiro multianual 2021-2027 (Comissão Europeia, 2013). Nesse sentido, um grupo de personalidades foi criado sob a liderança da Comissária Bieńkowska (Mercado Interno, Indústria, Empreendedorismo e PME’s) para a elaboração de um relatório com recomendações estratégicas a ser tomadas pela CE.

A AP ocorre no contexto do Plano de Ação de Defesa Europeia iniciado pela CE após as conclusões do Conselho Europeu de Dezembro 2013, que advoga uma maior cooperação e investimento no setor da defesa europeia. O grupo de trabalho criado para este efeito é composto por membros da CE, políticos, académicos, think tankers e líderes da indústria europeia, mimetizando as funções de um grupo de peritos. Às 16 personalidades do grupo acrescentam-se os sherpas1. Todavia, a particularidade e a sensibilidade do tema atribuem ao

GoP um estatuto diferente, sendo composto em maioria por membros da indústria europeia aeronáutica e de defesa. A consulta com grupos de interesse, oficiais nacionais e peritos independentes pode permitir à CE avaliar os interesses e contradições defendidos por estes e formular soluções benéficas para todos (Scharpf, 2006). Contudo, a independência informativa ou a autonomia da CE pode ser constrangida pela composição parcial do sistema de grupo de peritos (Gornitzka & Sverdrup, 2011).

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É preciso notar que a eventual comunidade epistémica aqui em causa refere-se ao grupo de trabalho GoP on the Preparatory Action for CSDP-related research, que é integrado pelo ISS. Este documento distingue-se de outros contributos do ISS porque a sua elaboração foi delegada pela CE com o propósito de traduzir as recomendações em novos mecanismos institucionais, a serem testados a partir de 2017 com vista à sua institucionalização futura (Comissão Europeia, 2015). Portanto, a hipótese colocada argumenta que a transição de um think-tank para uma comunidade epistémica ocorre pela integração do ISS neste grupo de trabalho, passando de um papel meramente consultivo para um papel ativo na formulação de políticas públicas europeias, logo alcançando um poder epistémico. É necessário, por isso, identificar o discurso produzido pelo ISS e compreender se este tende ou não para a integração europeia, no caso particular do mercado de defesa europeu. Isso irá permitir comparar o discurso produzido nos documentos do ISS com o discurso produzido no documento apresentado pelo GoP à CE. Havendo uma correspondência, estar-se-á numa melhor posição para compreender se o GoP foi criado pela CE com carácter legitimador para um eventual avanço na integração do mercado europeu de defesa.

Nesta dissertação pretende-se explorar as rotas que distanciam a UE do método exclusivamente intergovernamental para a segurança e defesa. Esta discussão merece um amplo destaque, quando se vive uma crise de confiança no processo de integração europeu. Esta discussão tem ocorrido nos meios académicos e com surpreendente fulgor nas instituições europeias. Particularmente na CE, proponente da AP para um programa europeu de pesquisa para a defesa. Por sua vez, o PE tem um contributo significativo para a discussão através da criação de um projeto-piloto (2015-16) que visa também determinar o valor acrescentado de um programa de pesquisa para a defesa de âmbito europeu (Troszczynska-van Genderen, 2015).

Tem-se discutido também a elaboração de um “livro branco” europeu, contrastando com o debate tímido ocorrido no Conselho que, pela sua natureza institucional, é mais

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conservador. Em Junho de 2016, a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (ARUNEPS), Federica Mogherini, lançou a “Estratégia Global para a política externa e de segurança” i, o que significa que há um confluir de perspetivas sobre uma maior colaboração para a defesa europeia.

A situação atual do sistema internacional apela a um debate refletido sobre o futuro da UE não se podendo evitar, como no passado, o tema da segurança e defesa. Estes desenvolvimentos ocorrem num momento de grande incerteza no seio da UE, quando se torna evidente que a situação securitária se degradou (Anghel, 2016; Rogers & Gilli, 2013). O sistema internacional dirige-se para uma polaridade múltipla e é necessário, da parte das lideranças europeias, um pragmatismo político que saiba lidar com as potenciais ameaças à arquitetura securitária europeia, como a viragem estratégica americana para o “pivot asiático” (Weiss, 2013 &Andersson, 2016).

O ressurgimento da Rússia e a expansão dos interesses chineses convocam um regresso da geopolítica, esquecida pelos fenómenos ditos unificadores da globalização (Sousa Lara, 2015). A Rússia projeta o seu poder político e militar numa interpretação geopolítica da realidade, daí que o mesmo deve ocorrer do lado da UE na relação com este estado. O investimento na renovação das forças armadas russas efetuado desde 2003, sobretudo a nova frota de submarinos nucleares e os novos misseis balísticos intercontinentais configuram o retomar de uma postura geoestratégica russa de âmbito planetário (Sousa Lara, 2015). A gestão de conflitos internacionais, eventualmente crescentes, far-se-á com o Ocidente num sistema de avanços e recuos, à semelhança do praticado durante a guerra fria (Sousa Lara, 2015).

Existe uma relação de dependência mútua entre a UE e a Rússia, materializada no mercado dos hidrocarbonetos (Tekin & Williams, 2009). Admitindo a relevância da perceção no sistema internacional, a UE não se pode sujeitar a uma política de “dividir para reinar” por

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eurocéticosii. Daí ser importante reproduzir uma imagem de liderança e de segurança na UE. Uma eventual neutralidade colaborante com a Rússia tem de partir de um entendimento recíproco baseado na noção de igualdade militar. Qualquer sinal debilitante da UE será aproveitado estrategicamente pela Rússia, daí que umas forças armadas eficientes e modernizadas baseadas num mercado de defesa europeu integrado são uma pré-condição para um bom relacionamento a Leste. É inegável que as tensões com a Rússia são criadas pelas suas perceções de expansão da NATO (Organização do Tratado Atlântico Norte) na última década (Mearsheimer, 2014). A UE precisa de desenvolver um modelo de segurança regional que não dependa exclusivamente da NATO, e que coloque o poder político europeu no centro do processo de tomada de decisão.

A falta de um mercado comum implica a replicação de 27 (excluindo já o R.U.) mercados de defesa compartimentalizados com custos administrativos e regulações próprias que impedem economias de escala (EPSC, 2015). Em 2013, 84% da procura na área da defesa europeia ocorreu por via nacional (EPSC, 2015). Estima-se que numa eventual integração, a poupança possa atingir os 130€ mil milhões em despesa pública, sendo que atualmente a UE atinge apenas 15% dos níveis de eficiência dos EUA na gestão das suas forças armadas (Anghel, 2016).

Cenários distintos têm sido propostos por vários think tanks europeus (Centro Studi sul Federalismo (CSF), Istituto Affari Internazionali (IAI); Bertelsmann Stiftung) com conclusões positivas vis-à-vis a integração. Um estudo alemão demonstra que os benefícios financeiros de integrar apenas as forças terrestres, chegam aos 6.5€ mil milhões/ano (Weiss, 2013). Noutra abordagem, um estudo italiano assume que os custos de uma não-europa podem ascender aos 120€ mil milhões (Briani, 2013). Os think tanks institucionais europeus afirmam o mesmo, estimando um ganho anual de 26€ mil milhões nas análises mais conservadoras e reconhecem também o valor acrescentado de uma maior cooperação no

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mercado de defesa europeu (Ballester, 2013). Desde 2006 o investimento europeu para Research and Development (R&D) caiu cerca de 30%. Sabendo que o investimento é vital para a modernização das forças armadas, com aplicações úteis nas áreas civis, é crucial o reforço deste setor numa perspetiva europeia com capacidade para grandes economias de escala.

O orçamento de defesa americano para 2014 rondou os 460€ mil milhões sendo o da UE-28 de 210€ mil milhões com um número semelhante de tropas (1.5 milhões) (EPSC, 2015). A figura 1 demonstra o grau de ineficiência na gestão das forças armadas europeias comparado com os EUA. Destaca-se os gastos em pessoal (51% na UE contra os 33% nos EUA); a

duplicação de sistemas

nomeadamente de tanques (37 tipos na UE contra os 9 nos EUA); de

aviões de reabastecimento no ar, fulcral para missões prolongadas (12 na UE contas 4 nos EUA); e aviões-caça (19 na UE contra 11 nos EUA). No total há 154 casos de duplicação de sistemas na UE face aos 27 dos EUA, ao que se acrescenta o investimento por cada soldado que representa cerca de 24.000€ para os 1.8M de soldados no ativo na UE face aos 102.000€ para os 1.4M de soldados nos EUA.Evidentemente, a UE nunca poderá alcançar os níveis de eficiência dos EUA, mas estes valores são indicativos dos desperdícios grotescos que

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mundo, estando, contudo, longe de ser a segunda potência militar, consequência da ineficiência nos gastos e falta de interoperabilidade (EPSC, 2015). Neste contexto, é necessário desenvolver uma Base Tecnológica e Industrial de Defesa (BTID) europeia forte, competitiva e inovadora (Comissão Europeia, 2015). Para tal, é preciso mais cooperação na área da defesa, um mercado interno mais eficiente, garantias de segurança do abastecimento mais robustas, uma cadeia de fornecimento competitiva e integrada, suportada por controlos de exportação de bens de uso duplo, e apoio à pesquisa e inovação (Comissão Europeia, 2015).

A integração europeia é um fenómeno político sui generis que criou um novo paradigma nas relações entre estados soberanos. Neste processo de integração recheado de desafios, a questão da segurança e defesa constituiu sempre um tema sensível, certo de gerar um debate aceso ao nível político e académico. Uns e outros procuraram responder aos desafios securitários que a Europa foi enfrentando, tendo vingado claramente o método intergovernamental no campo da segurança e defesa. Com a mutação do sistema internacional e a própria evolução do processo de integração europeia fazem-se ouvir cada vez mais as vozes que defendem o abandono do método exclusivamente intergovernamental. Vozes relevantes do panorama político europeu como o eterno federalista Guy Verhofstadt há muito reclamam por uma força militar europeia: “Precisamos de um exército europeu”iii. No extremo oposto os partidos políticos nacionalistas partilham uma visão fora dos moldes da integração europeia, daí ser descartada de um debate sério, mas deve ser tida em conta pelas elites políticas face aos fenómenos eleitorais eurocéticos. Juncker assumiu o tema da segurança e defesa como uma prioridade do seu mandato:

Temos muito que agradecer aos americanos, mas não nos vão proteger para sempre. Temos de ser

nós a fazê-lo, dai precisarmos de empreender novas abordagens como uma União de Segurança Europeia com o objetivo último de criar um exército europeu”iv

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Tornou-se ainda mais prioritário face à incontornável Presidência de Donald Trump que admitiu rever as contribuições americanas para a NATO. O fato de o Reino Unido (R.U.) ter optado por sair da UE deve motivar ainda mais esta discussão tendo em conta a sua tendência preferencial pela relação com os EUA e rejeição de uma integração europeia na área da segurança e defesa. A Alemanha pela voz da Ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, também já mostrou sinais de querer uma maior colaboração europeiav. Ainda recentemente, o PE votou favoravelmente uma resolução que pede ao Conselho que lidere a criação de uma União de Defesa Europeia e que se invista mais na pesquisa para a defesa de forma colaborativavi.

Afastando-se do léxico político federalista que assusta algumas classes políticas dos dois lados do Atlântico, a verdade é que no debate sobre a segurança e defesa tem-se reconhecido como insuficientes os esforços europeus para garantirem a segurança estratégica da UE e ninguém parece satisfeito com a atual situação. Um afastamento do método exclusivamente intergovernamental pressupõe um maior poder da CE e do PE, o que pela lógica burocrática de maximização do poder (Sabatier, 1978), traduz as suas aspirações de uma maior participação no processo de tomada de decisão europeu.

Na articulação entre a capacidade de legitimação da CE e a prossecução das suas iniciativas na área da defesa europeia está o conceito de comunidades epistémicas. Uma comunidade epistémica é uma rede de profissionais com reconhecida competência e perícia num domínio particular e uma reivindicação de autoridade sobre o conhecimento relevante para a governação (Haas, 1992). À luz das condições de incerteza que assolam a UE, olhemos para o quadro conceptual de Radaelli (1999) sobre as diferentes lógicas que ocorrem no processo político sob condições de incerteza e de saliência. Radaelli interpreta a saliência distinguindo casos políticos opacos de casos com visibilidade mediática acompanhados de uma pressão da opinião pública. De forma simples, os processos políticos salientes são

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aqueles que atraem interesses difusos e uma lógica politizada e mediática. A incerteza relaciona-se com assuntos que requerem a participação de especialistas pela complexidade da sua natureza e pela dificuldade em identificar interesses para a prossecução de políticas públicas. Destacam-se quatro tipos-ideais:

 reduzida incerteza e saliência – lógica de políticas burocráticas;  reduzida incerteza e elevada saliência – lógica de politização;  elevada incerteza e reduzida saliência – lógica tecnocrata;

 elevada incerteza e saliência – lógica de comunidades epistémicas ou políticas supranacionais empreendedoras.

A lógica das comunidades epistémicas cumpre-se sobre condições de incerteza e visibilidade política, pois há barreiras à negociação política clássica quando os interesses não são facilmente definidos e porque os peritos ou empreendedores supranacionais fornecem interpretações e ideias que através do processo de aprendizagem encontram soluções de outro modo inacessíveis (Radaelli, 1999). Pela minha observação, a lógica das comunidades epistémicas aplica-se ao caso em questão, pois as elevadas condições de incerteza que envolvem um tema tão sensível e a visibilidade política que oferece, compelem a um processo político gerido com autoridade epistémica.

As condições de incerteza, como o ressurgimento russo e a desestabilização do Médio-Oriente geram procura por informação (Haas, 1992), criando incentivos para a consulta de comunidades epistémicas. Neste sentido, os recursos epistémicos como as comunidades epistémicas são passíveis de se tornarem, no que Mitchel Dean (1999) apelida de “tutores do risco” (Costa et al, 2009). Estes, constroem a realidade de forma a tornarem-se na principal fonte de normas, padrões de conduta e de interesses, tornando-se competentes para normalizarem cenários, bem como para moldarem as políticas públicas através da difusão

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social de padrões normativos e de comportamento (Callon 1986 apud Costa et al, 2009). Podemos identificar o ISS como um “tutor de risco”, já que serve de suporte fundamental à decisão política e que, como tal, está inserido no âmago institucional e burocrático dos centros de governação, no enquadramento das questões de segurança (Bigo, 2002). O ISS já assumiu um papel importante na definição da Estratégia Europeia de Segurança (2003), observando-se a importância crescente, sobretudo no campo da política europeia de segurança e defesa, de um conjunto de comunidades epistémicas cuja função é construir as bases para uma cultura estratégica comum no seio da União (Costa et al, 2009).

Os pais fundadores preconizaram uma integração representada por uma combinação de tecnocratas e grupos de interesse, construindo coligações supranacionais a favor de políticas públicas europeias (Radaelli, 1999). Uma organização como a CE pode reforçar a sua legitimidade ao fazer uso de conhecimento de peritos, assim como fortalecer a sua reivindicação sobre recursos e jurisdição de determinadas áreas políticas. Neste sentido, para evitar uma base informativa tendenciosa (Andersen & Burns, 1996) o GoP contem 3 mecanismos de representação: peritos – de forma a evidenciar uma base argumentativa racional – grupos de interesse, e representação de agentes nacionais. Ora o conhecimento adquirido pela consulta com uma comunidade epistémica pode dotar a CE de “autoridade epistémica” (Herbst, 2003). A procura por legitimidade ocorre para reduzir a incerteza e estabilizar relações sociais (DiMaggio & Powell, 1991, p. 19; Scott, 2005, p. 21; Weick, 1995, pp. 86–7).

É necessário compreender que há sempre desafios securitários e que se um dia a política internacional enveredar pelo conflito, é nas forças armadas que reside a diferença entre a vitória e a derrota, entre o sucesso e o insucesso (Bessa, 2001). Os países não podem classificar esta dimensão como supérflua porque representa a segurança da sua comunidade, a defesa necessária em tempos difíceis, os meios finais para fazer prevalecer o interesse

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nacional numa disputa, para lá de ser a medida da credibilidade do Estado num sistema de alianças em que este participe (Bessa, 2001).

Esta dissertação encontra-se dividida em 6 capítulos, aos quais se acresce a conclusão. No primeiro capítulo será realizada uma revisão da literatura incidindo sobre a evolução do conceito de comunidade epistémica onde serão abordadas as críticas ao mesmo e diversos casos empíricos onde este se configura como instrumento analítico. De seguida a revisão da literatura estende-se à Politica Comum de Segurança e Defesa (PCSD) analisando as vários perspetivas teóricas que abordam o tema na tentativa de explicar a sua génese e para onde se dirige.

Ao segundo capitulo corresponde uma análise da evolução que a PCSD sofreu até à sua atualização no Tratado de Lisboa. Aqui explora-se o debate que este tema tem suscitado nas elites políticas europeias com a realização pela primeira vez em 2013 de um Conselho dedicado inteiramente às questões da segurança e defesa, iniciando um ímpeto que culmina hoje com várias iniciativas de diferentes instituições como a AP da CE ou o Projeto-piloto do Parlamento Europeu (PE).

O terceiro capitulo dedica-se a uma análise de discurso no sentido de compreender se há uma correspondência entre o discurso proferido pela comunidade epistémica em causa nesta dissertação e o discurso da CE. Assim poder-se-á com mais clareza afirmar que há uma estratégia de legitimação por parte da CE, baseada na autoridade epistémica cedida por grupos de especialistas, para promover iniciativas institucionais que visam a comunitarização da segurança e defesa.

No quarto capítulo analisa-se se o grupo de peritos em causa, compreendido pelo ISS e pelo GoP, pode constituir uma comunidade epistémica. Para tal, usou-se a definição seminal

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de Peter Haas (1992) no sentido de confirmar positivamente a constituição de uma comunidade epistémica. Em sentido inverso, também se testou negativamente a constituição de uma comunidade epistémica através de uma abordagem desenvolvida por Cross (2015) em que esta identifica as condições para a não formação de comunidades epistémicas. Analisa-se também a forma como o ISS passa de think tank para uma comunidade epistémica ao integrar-se no GoP e ao integrar-ser convidado a ter uma participação ativa na formulação de políticas públicas da UE.

No quinto capítulo aborda-se o papel inovador e empreendedor da CE e a sua estratégia de legitimação baseada na autoridade epistémica comparando-a com casos semelhantes do passado recente. Identifica-se a CE como um policy entrepreneur pelo papel ativo que tem desempenhado na criação de um mercado de defesa mais integrado.

No sexto capítulo realiza-se uma análise SWOT para perceber os limites e desafios que uma estratégia de legitimação como esta pode acarretar para o sucesso da CE como instituição burocrática.

Por fim, o capítulo refere-se às conclusões, onde se sumariza as elações retiradas da hipótese colocada na pergunta de partida.

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1.1- Enquadramento Teórico

Nesta dissertação adota-se uma perspetiva construtivista moderada e um institucionalismo histórico ao assumir que o conhecimento é socialmente construído e que uma instituição como a CE tem a autonomia e capacidade para desenhar uma estratégia de legitimação baseada no conhecimento de peritos (Dunlop, 2010; Haas, 1992). O conceito de comunidades epistémicas marca a interceção entre as abordagens à governação transnacional e o conhecimento de peritos pois são definidas como redes transnacionais de peritos que persuadem outros dos seus objetivos políticos e normas partilhadas por virtude do seu conhecimento profissional (Cross, 2013). É um conceito relevante para as teorias da integração regional como o caso da UE que tem uma estrutura institucional favorável à influência de comunidades epistémicas (Zito, 2001). Permite explicar com mais precisão como ocorre a evolução e a inovação na arquitetura securitária europeia. Permite identificar o elo que falta entre os objetivos políticos, o conhecimento especializado e a formação de interesses (Faleg, 2012). Este entrosamento entre a abordagem institucionalista histórica e das comunidades epistémicas permite articular dois níveis de análise, focando-se nos micro-processos que podem ocorrer fora dos canais políticos regulares, valorizando a sua capacidade de influência, sem esquecer o nível institucional. Logo, valoriza-se a interconexão entre a agência e estrutura, procurando compreender como um processo que ocorre a nível micro tem influência na estrutura institucional da PCSD. Nesta dissertação, o foco da análise ocorre precisamente na agência da CE e na sua capacidade autónoma de criar agendas. Podemos considerar que ocorreu um efeito de lock-in ou de “armadilha de decisão conjunta” no aspeto funcional da PCSD pelos constrangimentos do método intergovernamental (Scharpf, 2006). A

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CE desenvolveu, portanto, uma estratégia para abrir caminho para a comunitarização da segurança e defesa, num processo de ramificação. O desenvolvimento de um processo de ramificação depende da constatação por parte de grupos de interesse domésticos e transnacionais dos benefícios materiais da integração (Rosamond, 2000:50-73). Quando essa condição é satisfeita tanto os grupos privados como os atores tecnocráticos tornam-se recetivos às possibilidades que a integração regional representa e tendem a desenvolver estratégias para beneficiar do processo (Rosamond, 2000).

A utilização do modelo Principal-Agente nesta dissertação difere da tradicionalmente usada na literatura da UE pois coloca uma instituição europeia como a CE no papel de Principal que delega a elaboração de um relatório com recomendações a um Grupo de Personalidades que age como Agente (Dunlop, 2010). Segue-se uma linha de investigação semelhante a Majone (2000) sobre as questões da credibilidade e eficiência num ato de delegação. Contudo, o problema de autonomia normalmente questionado nestes atos de delegação não se aplica ao caso em questão pois a eventual comunidade epistémica aqui proposta é de tipo governamental, logo foi criada com a premissa de que se alinharia aos interesses do Principal, isto é, da CE (Dunlop, 2010).

As organizações internacionais legitimam as suas atividades pela aparente neutralidade do seu conhecimento e das suas regras impessoais que guiam o seu comportamento. Estas aprenderam através de anos de experiencia a retirar recursos necessários do exterior. A capacidade de estas integrarem conhecimento externo ao serviço dos seus próprios objetivos dá-lhes uma enorme vantagem sobre os estados que tipicamente tem recursos mais constrangidos e focam-se no curto-prazo (Zwolski, 2014). Podemos encarar a CE como uma burocracia internacional que realiza uma estratégia de legitimação de carácter racional e executa um ato de delegação. Esta delegação permite atingir tanto a eficiência, ou seja, um alinhamento entre as recomendações dadas pelo GoP e as propostas da CE, e a

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credibilidade ao dotar-se de autoridade epistémica através do conhecimento especializado de um grupo de peritos. Tal é possível pois a CE e o GoP partilham um episteme, a europeização da pesquisa para a defesa como solução para a fragmentação do mercado de defesa europeu. A racionalidade no ato de delegação vem precisamente do fato de a CE ter criado o seu agente epistémico de forma a legitimar as suas preferências para o futuro da PCSD, criando uma comunidade epistémica governamental que possui os mesmos interesses políticos. Esta abordagem tem como foco a influencia politica que uma comunidade epistémica pode ter na governação coletiva e não a validade do conhecimento que propõe. Estes atores providenciam conhecimento consensual, mas não geram necessariamente a verdade. A impossibilidade epistemológica de confirmar o acesso à realidade significa que o grupo responsável por articular as dimensões da realidade tem uma grande influência social e politica (Haas, 1992).

O conhecimento especializado é construído socialmente no sentido em que tem mais poder quando as comunidades epistémicas são vistas como integras e livre da influência politica (Cross, 2013). De fato, a sociedade tem de conferir a autoridade e a perícia que torna as comunidades epistémicas influentes. É aqui que o poder de influencia reside (Cross, 2013). Se uma comunidade epistémica é socialmente reconhecida pode persuadir outros, fá-los usar uma determinada linguagem na definição dos seus objetivos e molda a sua visão do mundo (Cross, 2013). Quanto maior for a coesão na forma de apresentarem o seu conhecimento, mais legítima será a sua autoridade e perícia (Cross, 2013). Neste sentido a CE cria o seu agente epistémico sob a forma do Grupo de Personalidades para que este redija recomendações que se alinhem à sua visão para o mercado de defesa europeu. Desta forma demonstra coesão nas interpretações que faz sobre o futuro da PCSD para garantir uma autoridade legítima.

Para demarcarmos claramente o conceito é necessário compreender as outras abordagens teóricas sobre a cooperação internacional. O neorrealismo argumenta que o sistema é transparente o suficiente para que cada ator identifique claramente os seus interesses

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e interprete com precisão as perceções e sinais de outros (Adler & Haas, 1992). Os realistas estruturalistas vêm a estrutura do sistema internacional como a força motriz responsável pela emergência da PCSD. A tradição institucionalista vê as estruturas como a PCSD como constrangimentos dos EM, encurralando-os em processos de path dependency potencialmente ineficientes (Bickerton, Irondelle, & Menon, 2011). Os construtivistas por outro lado, focam-se na interconexão entre a estrutura e agência (Bickerton, Irondelle, & Menon, 2011). Têm em conta a causalidade da estrutura, mas não deduzem expectativas apenas pela estrutura, nem definem a estrutura apenas como distribuição material do poder (Adler & Haas, 1992).

Na opinião de Adler e Haas (1992), O Modelo da Acão Racional (MAR) negligencia fontes importantes de expectativas referentes ao nível individual (subjetivo) e institucional (intersubjetivo). Os racionalistas que abordam os temas da UE baseiam-se em assunções muito restritivas sobre a natureza dos atores e instituições (Pollack, 2008). São criticados pelos institucionalistas sociológicos e construtivistas por negligenciarem os efeitos constitutivos e transformadores das instituições da UE nas preferências e identidades dos que com elas interagem (Pollack, 2008). Os institucionalistas racionalistas podem estar sistematicamente a subestimar o impacto das instituições que são o seu principal objeto de estudo (Pollack, 2008). Daí a relevância do institucionalismo histórico. Nesta dissertação coloca-se precisamente a Comissão Europeia no centro da investigação e reconhece-se o seu efeito transformador atribuindo-lhe o papel de policy entrepreneur (Pollack, 1997). Ou seja, é comensurável articular o institucionalismo histórico com uma visão construtivista limitada, ao assumir que a CE age com capacidade de autonomia e de iniciativa ao desenhar uma estratégia de legitimação. A gradualidade deste processo admite, contudo que o conhecimento é socialmente constituído e que é através de autoridade epistémica cedida pelo conhecimento de peritos que se alcançará a legitimidade desejada.

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Relativamente à análise SWOT proposta e o seu enquadramento teórico, assume-se que esta análise é apenas uma técnica, logo, é epistemologicamente comensurável com a análise construtivista, o que não compromete esta abordagem (ver Mutekwe, Ndofirepi, Maphosa, Wadesango, & Machingambi, 2013).

1.2- Metodologia

Este projeto pretende compreender a evolução da PCSD assim como o seu potencial destino enquanto um verdadeiro instrumento de segurança. Inicialmente, a análise é generalista e baseia-se no que pode ser considerada uma perspetiva das Relações Internacionais. Num segundo momento, porém, a análise torna-se particularista, focando-se nas dinâmicas institucionais da CE e no recurso a redes de especialistas como fonte de autoridade epistémica para promover um avanço na integração da segurança e defesa, no que pode ser considerada uma perspetiva da Ciência Política. Para compreender o destino da PCSD, utiliza-se uma pesquisa qualitativa recorrendo à análise documental e à análise crítica do discurso. Faz-se uso de pesquisa quantitativa, sob a forma de dados estatísticos, que sustentem a linha de análise interpretativa, baseada na análise qualitativa. Quanto às fontes primárias, este trabalho faz uso de Legislação, Tratados, Acordos e documentos oficiais da UE e dos seus EM, assim como de declarações políticas de agentes e partidos políticos europeus. Em relação às fontes secundárias, este trabalho faz uso de trabalhos académicos e de publicações de think tanks associados às instituições europeias, em particular do Instituto de Estudos de Segurança da UE.

De forma a responder ao primeiro objetivo faz-se uso de uma análise crítica do discurso. Este método tem como objetivo desvendar e revelar o que está implícito, escondido ou o que não é óbvio relativamente a relações discursivas que emanam de uma forma de

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dominação ou de uma ideologia subjacente (Van Dijk, 1993). Foca-se nas estratégias de manipulação, legitimação e na fabricação de consentimentos e outras formas discursivas de influenciar mentes (Van Dijk, 1993). O caso explanado nesta dissertação pode ser “melhor compreendido quando se reconhece que existe uma dimensão discursiva importante” (Van Dijk, 1997, p. 12).

Tendo como base um construtivismo limitado (Haas, 1992, p.23), o conceito de comunidades epistémicas valoriza o discurso e os princípios normativos dos atores políticos. Ainda que o ISS seja uma instituição independente na produção intelectual, as suas análises produzem um discurso inerentemente político que tem consequências nas leituras que se fazem sobre o processo de integração na área da segurança e defesa europeia. Para compreender qual o discurso produzido por este think tank em relação ao mercado de defesa europeu, é necessário realizar uma análise de discurso aos vários documentosvii produzidos pelo mesmo, para posterior comparação com o documento produzido pelo GoP. Uma eventual concordância entre os discursos produzidos pelo GoP e os documentos do ISS podem revelar a influência deste think tank e a tentativa de legitimação das iniciativas da Comissão Europeia através da consulta com grupos de peritos. Como referência para a realização da análise de discurso, usa-se a metodologia da análise crítica do discurso (ver Fonseca & Ferreira, 2015).

Para responder ao segundo objetivo proposto, recorre-se à literatura para determinar se o ISS cumpre os requisitos para ser considerado uma comunidade epistémica, ao lhe ser delegado um papel ativo no GoP. Para tal usa-se a estrutura teórica proposta por Haas (1992). Esta é complementada com a abordagem de Cross (2015) que identifica as condições para a não formação de comunidades epistémicas. Desta forma, teremos oportunidade de verificar positivamente e negativamente se o ISS pode ser considerado uma comunidade epistémica (Cross, 2015; Haas, 1992). Pretende-se determinar como um think tank como o ISS pode tornar-se uma comunidade epistémica com graus diferentes de intervenção na formulação de

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políticas europeias. Irá tratar-se o conceito como um “alvo móvel”, reconhecendo que comunidades de especialistas são raramente entidades fixas, e que uma forma mais rica de analisar a questão é tendo em conta o discurso que produzem e não tanto a sua natureza e origem comum dos seus membros (Meyer & Molyneux-Hodgson, 2010).

O terceiro objetivo pretende dar um contributo à literatura que incide sobre o processo de tomada de decisão na UE (Radaelli; Gornitzka & Sverdrup; Boswell) ao analisar mais um caso empírico em que se recorre a um grupo de especialistas para adquirir informação sobre que passos tomar face a um desafio político e institucional. Este caso pode ajudar a compreender melhor em que circunstâncias a UE, mais particularmente a CE, recorre a redes de especialistas e se têm um propósito legitimador (Tamtik, 2012).

Por fim, realizar-se-á uma análise SWOT para identificar quais as forças, as fraquezas, as oportunidades e as ameaças que enfrenta a CE na reprodução deste mecanismo de legitimação e se em face disto, pode recorrer sistematicamente ao mesmo, ou se representa uma estratégia exclusiva, única e não reproduzível. A análise SWOT torna-se também uma oportunidade de expor a minha análise crítica face aos desafios que a CE e a PCSD enfrentam.

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2 - Revisão da Literatura

2.1- Origem do conceito de comunidade epistémica

Podemos traçar a origem do conceito de comunidade epistémica na ideia de pensamento coletivo de Fleck (1981)viii. A noção de comunidade científica de Kuhn (1962) contribuiu para o debate, definindo-se como uma comunidade do saber, um grupo de indivíduos de uma determinada disciplina cujo trabalho implica um paradigma partilhado, isto é, um conjunto de crenças e processos metodológicos para o desenvolvimento da pesquisa científica. Em sociologia, Holzner foi o primeiro a usar o termo comunidade epistémica, que foi introduzido por Ernst Haas nas Relações Internacionais (RI) em 1968. Viria a ser explorado por Ruggie, seu aluno, em 1972, ao conjugar a episteme de Foucault com a noção sociológica de Holzner (Antoniades, 2003), definindo que a comunidade epistémica “delimita para os seus membros a verdadeira construção da realidade” (Ruggie, 1975:570), e que se baseia nos papeis que estes desenvolvem em torno da episteme (Antoniades, 2003). Defendeu ainda que a comunidade epistémica poderia ser criada a partir de: “posição burocrática, treino tecnocrático, similitudes em perspetivas científicas e paradigmas disciplinares partilhados” (Ruggie, 1975:570)

Após ter sido abandonado durante duas décadas no âmbito das RI, o conceito foi reintroduzido por Peter Haas (1992) na revista International Organization, onde se definiu uma comunidade epistémica como “uma rede de profissionais com competência reconhecida e perícia num domínio particular e uma reivindicação de autoridade sobre o conhecimento

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relevante para a governação” (Haas, 1992). Podem ter origem em diferentes contextos, mas possuem (Haas, 1992):

- Um conjunto partilhado de princípios e crenças normativas que geram uma narrativa para a ação social dos membros da comunidade, baseada em valores.

- Crenças causais partilhadas, que derivam da sua análise às práticas que contribuem para um conjunto de problemas no seu domínio, e que serve posteriormente como base para elucidar as múltiplas ligações entre políticas possíveis e resultados desejados

- Noções de validação partilhadas, isto é, critérios definidos intersubjetivos que validem conhecimento numa área particular do saber

- Conjunto de práticas associadas a uma problemática para a qual as suas competências são direcionadas no intuito de beneficiar o bem-estar humano

Estes critérios continuam a formar a base para a identificação de comunidades epistémicas. Contudo, outras propostas foram apresentadas, as quais serão abordadas adiante (Antoniades, 2003; Cross, 2013; Dunlop, 2009).

A incerteza é uma variável importante na operacionalização do conceito uma vez que é central ao argumento de Haas. É uma constante capaz de gerar perceções erradas sobre o sistema internacional ou as intenções de outros atores (Stein, 1990). George (1980:26-27) define as condições de incerteza como: “aquelas em que os atores têm de fazer escolhas sem informação adequada para a situação” ou “conhecimento inadequado para a compreensão de resultados de diferentes modos de agir”.

Estas incertezas geram procura por informação, que se define como um produto de interpretações humanas de fenómenos físicos e sociais (Haas, 1992). As comunidades epistémicas emergem da procura por informação e tornam-se atores nos processos de tomada de decisão a nível nacional e transnacional, à medida que os decisores políticos os solicitam,

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gradualmente institucionalizando a sua influência numa problemática em questão (Haas, 1992). Podem influenciar os interesses do estado, ao identificá-los diretamente para os decisores políticos, ou trazendo à luz as várias dimensões de um problema, de onde serão deduzidos os interesses pela classe política (Haas, 1992). Pode ocorrer por isso, uma convergência comportamental face a desafios globais e uma consequente coordenação política (Haas, 1992), informada pela comunidade epistémica.

A classe política tem por vezes dificuldade em reconhecer que o seu conhecimento é limitado, ainda que a interpretação de problemas ocorra sempre através de um sistema de crenças e mapas cognitivos (Haas, 1992). Como refere Holsti (1977:2) “sistemas de crenças impõem restrições cognitivas à racionalidade”, daí que os políticos sejam pré-influenciados e podem levantar barreiras à informação que não considerem válida. Estes, procuram informação e recorrem a atores que lhes forneçam conselhos técnicos para a identificação dos seus interesses ou quando permitem-lhes atingir objetivos políticos previamente definidos (Haas, 1992). Em tempos de incerteza, recorre-se ao conhecimento gerado pelas comunidades epistémicas para ultrapassar uma inércia institucional (Haas, 1992). Por seu lado, estas também podem criar choques políticos e mediáticos ao revelar informação nova ou avanços científicos, captando a atenção da opinião pública que, por sua vez, cria pressão na classe política (Haas, 1992). A relação acima descrita torna-se particularmente ativa em tempos de crise. Perceções erradas geradas pela incerteza criam turbulência na arena política, o que pode romper com os processos operativos institucionais, surgindo novos padrões de comportamento. Haas (1992) argumenta que após uma crise, geram-se incentivos para a consultação com as comunidades epistémicasix

A fim de delimitar o conceito, Haas distingui-o de outros atores relevantes para a governação e coordenação política (Haas, 1992). Como podemos ver na figura 2, Haas (1992)

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utiliza quatro critérios que partilham as comunidades epistémicas: -crenças causais; -Ⅰ Ⅱ crenças de princípio; - base de conhecimento; e - interesses.Ⅲ Ⅳ

Fig.2: Distinção entre comunidade epistémica e outros atores políticos

Fonte: baseada em Haas, P. M.

(1992).

Introduction: epistemic communities and International Policy Coordination. International Organization,

46(1), 1–35.

Distinguem-se de grupos de interesse pois partilham princípios normativos e relações causa-efeito. Se confrontados com anomalias que minem as suas crenças causais retiram-se do debate político, ao contrário dos grupos de interesse. As agências burocráticas trabalham no sentido de preservar os seus orçamentos e missões, enquanto as comunidades epistémicas aplicam conhecimento para uma política que responda aos seus objetivos normativos (Haas, 1992). Outros atores transnacionais podem basear-se em valores partilhados que derivam de idealismo (advocacy networks), interesse próprio (multinacionais), uma agenda fixa (lobbies), métodos de interpretação (comunidade interpretativa) etc. (Cross, 2012)

Uma comunidade epistémica é uma rede de peritos que persuade outros das suas crenças causais e objetivos políticos em virtude do seu conhecimento profissional. Estes objetivos políticos têm de derivar da sua reconhecida perícia e conhecimento de causa, e não por outra motivação, caso contrário perderiam autoridade face à sua audiência, geralmente decisores políticos (Cross, 2013). A sua dependência em conhecimento especializado, validado internamente, é o que os distingue de outros atores que procuram influenciar o processo político (Cross, 2012).

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As comunidades epistémicas tornam-se, portanto, portadores de ideias, funcionando como “veículos cognitivos” para a partilha de ideias em determinadas instituições onde intervêm (Haas, 1992). São um grupo concreto de indivíduos que partilham uma episteme, e tornam possível a sua institucionalização como conhecimento, forjando a realidade social. Através do seu conhecimento causal “definem quais as alternativas” a ser tomadas, o que Schattschneider (1975:66) considera como “o supremo instrumento do poder”. Na mesma lógica, circunscrevem as fronteiras do debate e delimitam as opções (Haas, 1992). Em última instância, a influência de uma comunidade epistémica depende da sua capacidade de ganhar e exercer poder burocrático (Haas, 1992).

O conceito aqui exposto relaciona as instituições com a interação dinâmica entre jogos políticos domésticos e internacionais, descrevendo-os para além de interesses materiais, como fazendo parte da negociação que ocorre entre diferentes práticas e crenças epistémicas, realizadas por comunidades epistémicas e posteriormente, por agentes políticos (Adler & Haas, 1992). Permite articular a “escolha racional” e as abordagens institucionais reflexivas, procurando explicar a origem de interesses e das instituições (Adler & Haas, 1992).

A investigação sobre comunidades epistémicas deve muito ao neofuncionalismo e aos estudos cognitivos, seguindo os passos iniciados por Ruggie e por Ernst Haas (ver Haas, 1964 e Ruggie, 1975)x. Reflete uma epistemologia baseada num forte elemento de intersubjetividade e introduz um novo ator que tenta mediar os problemas internacionais (Adler & Haas, 1992). Acresce que a operacionalização do conceito de comunidades epistémicas está limitada ao espaço e tempo oferecido pelo problema e suas soluções (Adler & Haas, 1992). Haas e Adler (1992) definem esta abordagem como pluralista metodologicamente, procurando ligar as abordagens fenomenológicas positivista-empírica e relativista-interpretativa. Apesar de não oferecer uma teoria holística, permite compreender com profundidade, casos semelhantes de áreas diversas (Adler & Haas, 1992)

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2.2- Críticas ao conceito

O conceito tem sido alvo de críticas, ainda que muitas destas, sejam no sentido de refiná-lo e melhorar a sua capacidade analítica. Toke (1999) e Krebs (2001) argumentam que tem sido sobrestimada a capacidade de influência das comunidades epistémicas. Estes autores contestam a supremacia destas no decurso do processo político em relação a outros grupos como os ambientalistas (Krebs, 2001; Toke, 1999). Krebs questiona as motivações das comunidades epistémicas, colocando a hipótese de que os seus membros agem pelo seu próprio interesse pessoal ou profissional, refletindo apenas os seus interesses estratégicos e não a sua especialidade profissional (Krebs, 2001). Toke critica a aparente posição epistemológica de Haas, que é positivista no sentido em que apenas o método científico é capaz de produzir conhecimento que nos permita atingir a realidade (Toke, 1999). Apesar de Haas admitir um construtivismo moderado, pela capacidade de influência da ciência nos discursos sociais que se geram, Toke sugere uma mudança para um paradigma Pós-positivista, onde se admite que os métodos positivistas não respondem a todas os desafios colocados às sociedades modernas (Toke, 1999). Sebenius (1992) e (Dunlop, 2000) notam que as comunidades epistémicas estão também dependentes da sua capacidade de negociação, assim como os outros atores políticos, não lhes valendo somente a sua autoridade sobre o conhecimento. Para serem influentes, precisam de ativismo político (Cross, 2012). Antoniades (2003) alerta para uma reordenação dos critérios na definição do conceito, considerando o “propósito” prioritário em relação ao método. Alerta também para a relação de dependência que existe entre estes critérios, já que as metodologias não são independentes das ontologias, logo não devem ser tratados separadamente na definição (Antoniades, 2003). Faz a distinção entre comunidades epistémicas de tipo ad hoc -baseadas na lógica de que "problemas políticos" definem as comunidades epistémicas e o seu tempo de vida é função do tempo e

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espaço definido pelo problema e suas soluções; e de tipo holístico - baseadas na lógica de que a realidade social define estas comunidades e o seu tempo de vida depende das interações sociais e do resultado das lutas socias que produzem essa mesma realidade (Antoniades, 2003).

Dunlop (2009) também critica o facto da abordagem proposta ser vaga quanto à centralidade dos quatros critérios propostos. Semelhante a Antoniades (2003), que apela a uma hierarquização, Dunlop (2009) afirma que um dos critérios tem de ser central para distinguir o conceito de outros atores. Dunlop (2009) critica ainda a falta de desagregação nas relações de aprendizagem entre comunidades epistémicas e decisores políticos, no sentido em que Haas parece admitir uma relação unidirecional em que o conhecimento é transmitido de uns para outros de forma homogénea, sem contar com as diferentes interações que possam ocorrer (Dunlop, 2009). Morin discorda da assunção de que as comunidades epistémicas servem o poder político na tentativa de combater os efeitos da incerteza, já que admite que possam elas mesmo gerar mais condições de incerteza (Morin, 2014). Jacobsen (1995, p. 302) critica o fato de o conceito de comunidade epistémica colapsar se os decisores políticos forem eles próprios membros da comunidade. A crítica mais comum, refere-se ao fato do conceito não ser uma adição necessária à literatura, já que outras teorias são suficientes para explicar o processo político (Cross, 2012)

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2.3- Utilização empírica do conceito

A utilização do conceito de comunidades epistémicas tem sido restrita desde a sua introdução às RI (Cross, 2012; Cross, 2013; Morin, 2014). A literatura sobre o conceito tem sido parca, espaçada no tempo e com casos particularistas, sem que se desenvolvam generalizações (Cross, 2012). Tem-se focado particularmente em assuntos de regulação internacional associada ao ambiente e ao controlo de armamento nuclear (Cross, 2012).

Em função disso, gerou-se a ideia de que as comunidades epistémicas são compostas apenas por cientistas, e que a utilidade do conceito para compreender as RI é restrita (Cross, 2012). Antoniades (2003) interpreta o texto original de Haas com especial enfâse no carácter positivista do termo epistémico, e considera a aplicação do conceito exclusiva a áreas do conhecimento cientifico. A pesquisa realizada com este conceito veio restringir o escopo empírico do mesmo, focando-se de forma limitada sobre redes de cientistas e casos de estudo únicos, em vez de prosseguir por uma via comparativa (Cross, 2012). Nesta dissertação testa-se precisamente um caso de estudo que alarga o escopo empírico do conceito.

Podemos distinguir duas vagas de literatura sobre as comunidades epistémicas (Cross, 2012). A primeira é relativa à edição especial da revista International Organization (1992). Em casos de estudo muito diversos, analisou-se a capacidade de influência que as comunidades epistémicas podem criar nos decisores políticos. Drake e Nicolaïdis (Cross, 2012) argumentam que uma comunidade epistémica especializada em serviços conseguiu, perante uma visão protecionista dos estados, introduzir o tema da liberalização na área dos serviços como parte do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), convencendo os governos mundiais de que iria ser benéfico à escala global (Cross, 2012). Ikenberry por seu lado, estudou o influente papel que uma comunidade epistémica anglo-americana teve durante as negociações de Bretton Woods e a sua capacidade de popularizar medidas Keynesianas (Cross, 2012). Adler (1992) sugere que uma comunidade epistémica doméstica americana

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teve a capacidade de persuadir a comunidade internacional em criar um regime de controlo de mísseis balísticos nucleares. Outros casos de estudo enriquecem a literatura com temas tão variados como a regulação bancária por Kapstein ou a proteção da camada de ozono por Haas (Cross, 2012).

Uma segunda vaga surge no seguimento da edição mencionada acima. Zito (2001) investiga o papel de uma comunidade epistémica ambientalista na criação da política da UE no combate às chuvas ácidas. Argumenta que a estrutura institucional da UE é um ambiente favorável à influência de comunidades epistémicas por existirem vários “pontos de acesso” e a inovação ser valorizada (Zito, 2001). Verdun (1999) coloca a hipótese de o Comité Delors, identificado como uma comunidade epistémica, ter sido usado como um instrumento legitimador da integração ocorrida através da União Económica e Monetária. Argumenta que os vários governos europeus procuraram um grupo de especialistas que os auxiliassem a delinear os próximos passos da integração de forma a dar mais ímpeto ao projeto europeu. Sem o relatório, redigido pelo Comité Delors com autonomia e independência, haveria razões para desconfiar dos objetivos e motivações de uns governos nacionais face a outros (Verdun, 1999)

Dunlop (2009) também vem demonstrar o alcance e a capacidade para a multidisciplinaridade que esta abordagem oferece. Na sua análise sobre a campanha da utilização de hormonas de crescimento no gado bovino, compara o processo de difusão de conhecimento, entre as comunidades epistémicas e as autoridades políticas, nos EUA e na UE. No primeiro caso, abriu-se caminho para o uso de hormonas de crescimento, enquanto que no segundo tal não ocorreu, apesar da objetividade da produção do conhecimento científico (Dunlop, 2009). A utilidade da sua inovação permite realizar análises comparativas entre diferentes áreas de governação para compreender como o processo de difusão de

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conhecimento ocorre e explicar a variação que existe na influência exercida por comunidades epistémicas no output político (Dunlop, 2009).

Dunlop (2010) também faz uso do conceito de comunidade epistémica para aprofundar o estudo do Problema “Principal-Agente”. Um decisor político enfrenta sempre o dilema da eficiência e da credibilidade na delegação de funções a um painel de especialistas, neste caso identificado como uma comunidade epistémica (Dunlop, 2010). Pode usar o conhecimento transmitido por uma comunidade epistémica para legitimar uma determinada política, ou para definir os seus interesses e os do estado numa situação de incerteza particular. Dunlop introduz uma distinção entre comunidades epistémicas evolutivas e governamentais. As primeiras geram-se naturalmente pela socialização de profissionais de uma determinada área do conhecimento, enquanto as segundas são criadas pelo poder político, como o Comité Delors de Verdun (1999), e semelhante à conceção de comunidade epistémica híbrida introduzida por Elzinga (Meyer & Molyneux-Hodgson, 2010). Assume-se que as comunidades epistémicas evolutivas (Agente) providenciem mais credibilidade aos decisores políticos (Principal), e que as governamentais providenciem mais eficiência na formulação de políticas (Dunlop, 2010). Utilizando o caso empírico das hormonas de crescimento para o gado bovino na UE, são apresentadas duas comunidades epistémicas às quais foi delegado o estudo do impacto para a saúde humana da sua utilização (C. Dunlop, 2010). A comunidade epistémica governamental criada pela CE, supostamente menos credível, viu o seu conhecimento transferido para a formulação de políticas públicas. Dunlop (2010) descreve que tal ocorreu, porque havia um alinhamento prévio da sociedade europeia com uma visão negativa sobre o uso de hormonas de crescimento. Esta dimensão social adicional demonstrou ser importante na relação Principal-Agente, levando a UE a escolher a informação providenciada pela comunidade epistémica a quem tinha delegado essa função, com um menor grau de autonomia, logo de credibilidade (Dunlop, 2010). O uso de comunidades epistémicas governamentais demonstrou ser uma proposta importante para

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compreender o processo de governação da UE no sentido em que estas podem ser eficientes no alinhamento com o poder político, e assumir um papel credível na formulação de políticas (Dunlop, 2010). Esta distinção é relevante no âmbito deste trabalho, pois a ser considerada uma comunidade epistémica, o grupo de trabalho GoP on the Preparatory Action for CSDP-related research seria uma comunidade de tipo governamental com poder delegado pela CE (Comissão Europeia, 2013).

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2.4

-

Revisão da literatura sobre a PCSD

Assim como a integração europeia, a cooperação militar europeia tem revelado ser um desafio para a classe política e académica. Desde os estudos de segurança às teorias da integração, são várias as contribuições teóricas sobre a ideia de uma defesa europeia, contudo: “Não se encontra Doutrina suficientemente fundamentada para avalizar a dispensa das forças armadas em qualquer estado, pequeno ou grande, nas aras da paz perpétua, do estado universal ou de qualquer projeto multilateral coordenado por grandes potências regionais. A Doutrina persiste em afirmar que a capacidade militar é o ponto forte em que se apoia a política externa e as foças armadas o instrumento especial de defesa dos interesses nacionais.” (Bessa, 2001)

Num olhar evolutivo sobre o processo de integração da UE podemos distinguir 3 correntes teoréticas diferentes (Ferreira, 2016): o institucionalismo racionalista, o institucionalismo histórico e o institucionalismo sociológico.

As abordagens sociológicas à integração europeia estudam o processo de decisão e de mudança política enfatizando o papel das normas culturais e das práticas discursivas e não discursivas na constituição dos interesses dos atores institucionais e na determinação dos seus padrões de socialização e de aprendizagem social (Schmidt & Radaelli, 2004). Consideram que os interesses e as preferências dos atores são construções intersubjetivas que definem um espaço normativo de decisões políticas viáveis num determinado contexto organizacional e estabelecidos através de socialização e interação coletivas (Schmidt & Radaelli, 2004).

O institucionalismo histórico concentra a sua análise no estudo dos efeitos cumulativos que as instituições internacionais, por via da sua autonomia e complexidade orgânica vão paulatinamente desenvolvendo e que se consubstanciam em efeitos de ramificação entre sectores, padrões institucionais de interação entre órgãos institucionais e

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