Livros e Claustro no séc. XIII em Portugal:
O Inventário da Livraria
de S. Vicente de Fora, em Lisboa*
N o ú l t i m o f ó l i o d e u m o b i t u á r i o1 e m uso n o séc. XIII, e ainda
h o j e c o n s e r v a d o na Bibi. Pública M u n i c i p a l d o P o r t o ( C o d . 707, fl. 92), v e m e n u n c i a d o o elenco d e livros pertencentes, p r o v a v e l m e n t e l o g o na entrada d a q u e l e século, à livraria dos C ó n e g o s R e g r a n t e s d e S. Vicente d e Fora, na c i d a d e de Lisboa.
P o r várias vezes, e j u s t i f i c a d a m e n t e , n u m p e r í o d o d e v i n t e anos, t e m esse elenco c o n c i t a d o as atenções dos especialistas u n i v e r s i t á r i o s2.
O seu interesse reside o b v i a m e n t e n ã o apenas n o f a c t o d e nesse m o s t e i r o ter recebido, p o r essa altura, f o r m a ç ã o F e r n a n d o d e Bulhões, q u e mais t a r d e se c o n s a g r a r i a c o m o Sto. A n t ó n i o d a Igreja universal, mas nas perspectivas sobre a c u l t u r a a m b i e n t e q u e a análise d o n ú m e r o e da v a r i e d a d e de livros ali consignados p e r m i t e c o n f i g u r a r . Se r e t o m a m o s aqui esse i n v e n t á r i o , n ã o é, pois, pela n o v i d a d e q u e possamos trazer, e m t e r m o s absolutos (ainda q u e n ã o seja d e t o d o inútil chamar ao c e n t r o e ao c o n v í v i o d e m u i t o s a q u i l o q u e n a periferia p o d e facilmente ficar esquecido o u n o d o m í n i o d e alguns poucos), m a s p o r q u e , s e g u n d o a lição dos mestres medievais, apoiados aos o m b r o s
* Este texto constituiu inicialmente comunicação lida na X X I Semana de Estudos Monásticos (25-30 de Agosto de 1986), em Santiago de Compostela.
1 Seguimos aqui a terminologia consagrada por N . HUYGHEBAERT, Les Documents
Nécrologiques, Lovaina, 1972.
2 Publicado inicialmente por FRANCISCO DA GAMA CAEIRO, Santo António de Lisboa
vol. 1, Lisboa, 1967, p. 31 ss. (com rep. fot. em apêndice), foi comentado por ISAIAS DA ROSA PEREIRA, «Livros de Direito na Idade Média — II», Lusitania Sacra, 8,1967-68, 87-92, e de n o v o comentado pelo primeiro em «Fontes portuguesas da formação do santo», Itinerarium, 27,1981,
1 3 6 - 1 6 4 .
d o s q u e nos p r e c e d e r a m , g o s t a r í a m o s de i n t e n t a r ver u m p o u c o mais l o n g e3.
1. C h a m a m - n o s i m e d i a t a m e n t e a atenção alguns aspectos f o r m a i s d e e s t r u t u r a ç ã o d o elenco e da descrição das espécies b i b l i o g r á f i c a s .
A o t o d o , o i n v e n t á r i o c o m p o r t a n a d a m e n o s q u e 60 entradas para u m total de 116 v o l u m e s . P o r o u t r o lado, o registo n ã o se l i m i t a a r e f e r i r os livros existentes e m d e p ó s i t o ; e n u m e r a os e m p r é s t i m o s , e, n a l g u n s casos, a p o n t a o estado de conservação o u t a m b é m a destinação das espécies. M a i s ainda: p a r e c e - n o s possível r e c o n h e c e r a constituição d e g r u p o s específicos, o r g a n i z a d o s j u s t a m e n t e p o r critérios de destinação e d e e m p r é s t i m o . A p r ó p r i a o r d e m na sequência dos g r u p o s n ã o p a r e c e t a m b é m t o t a l m e n t e arbitrária.
S o b este aspecto, c o n v i r á a c e n t u a r q u e os e m p r é s t i m o s se e n c o n t r a m registados n o final (n.o s 50 a 60); i m e d i a t a m e n t e antes
( n .o s 36 a 49) v ê m os livros litúrgicos, apenas ficando de f o r a , d a d o
l o g o n o registo inicial, o Liber Capituli, q u e i d e n t i f i c a r e m o s c o m o l i v r o da Regula, se n ã o m e s m o c o m o Martirologium e m a i s p r o v a v e l m e n t e a q u i l o q u e n o u t r o s lugares recebe o n o m e de Consuetudines.
E fácil v e r neste t r a t a m e n t o a i n t e r v e n ç ã o de u m c o n s e r v a d o r d e livraria q u e a d m i n i s t r a c o m as devidas precauções os bens q u e lhe são c o n f i a d o s pela c o m u n i d a d e r e g r a n t e e p r o c u r a dar c o n t a d o p a r a d e i r o d e cada u m a das espécies confiadas à sua g u a r d a . M a s n ã o deixa d e s u r p r e e n d e r t a m b é m q u e registe a destinação específica dos livros litúrgicos e q u e n a l g u n s destes seja precisamente essa destinação q u e serve p a r a descrever a espécie b i b l i o g r á f i c a . Assim, n o n . ° 48 refere Liber per quem benedicunt aquam, e n o n . ° 49 Duo libri per quos sepeliunt mortuos. D e i g u a l m o d o , os S a c r a m e n t á r i o s e os Leccionários ( n .o s 37 a
42) t r a z e m indicações relativas à utilização litúrgica (missas solenes o u privadas; dias d e festa o u d o m i n g o s ) . I n f o r m a ç ã o s e m e l h a n t e apenas a e n c o n t r a m o s n o n . ° 8 p a r a Omelie per quas legunt ad mensam in dominico.
P o r m í n i m o s q u e s e j a m estes p o r m e n o r e s , n ã o p o d e m o s deixar de r e p a r a r n o q u e eles r e v e l a m d e relação c o m o l i v r o , m o r m e n t e n o q u e respeita à disponibilidade activa q u e e x p r i m e m anotações c o m o as q u e a c a b a m o s d e assinalar. O u seja, o elenco constitui-se n ã o t a n t o c o m o
3 P o r b r e v i d a d e , o m i t i m o s os p o n t o s de coincidência o u dc divergência. Fique b e m clara
a h o m e n a g e m q u e t a m b é m c o m o nosso c o n t r i b u t o p r e t e n d e m o s prestar ao trabalho daqueles medievistas da Faculdade de Letras de Lisboa e ao m é r i t o da sua d o u t a investigação.
i n v e n t A r i o d a i.IvKAria DE s. v i c e n t e 231
registo de p r o p r i e d a d e , m a s s o b r e t u d o c o m o i n s t r u m e n t o d e uso, a o serviço da c o m u n i d a d e r e g u l a r .
C o n s i d e r a r e m o s assim q u e n ã o é f r u t o d e m e r o acaso q u e este elenco d e livraria se e n c o n t r e associado a u m o b i t u á r i o e m q u e se registam os sufrágios o b r i g a t ó r i o s da c o m u n i d a d e . Se aceitarmos, aliás, a i d e n t i d a d e d e m ã o q u e f a z o registo o r i g i n a l d e u m a coisa e d e o u t r a4, a p r o x i m a r n o s e m o s , s e m d ú v i d a , da identificação, g e n é
-rica, m a s c o n c r e t a , d e a l g u é m q u e exerce s i m u l t a n e a m e n t e as f u n ç õ e s d e responsável p e l o serviço l i t ú r g i c o e d e g u a r d a da l i v r a r i a , p r o v a v e l m e n t e d u r a n t e u m a b o a p a r t e d o séc. XIII n o M o s t e i r o d e S. Vicente d e Fora. Q u e a n o t e circunstâncias t ã o transitórias c o m o as de e m p r é s t i m o a pessoas e entidades mais o u m e n o s distantes ( q u e se situam t a n t o n o p r ó p r i o m o s t e i r o c o m o n o p e r í m e t r o da c i d a d e d e Lisboa o u ainda e m C o i m b r a e Viseu), o u q u e r e t o m e o registo para deixar na entrelinha a e n t r e g a d e u m a espécie a a l g u é m b e m d e t e r m i n a d o (cf. n.° 30, e m q u e se indica q u e u m dos v o l u m e s d a s Decretais se e n c o n t r a nas m ã o s de M e s t r e P a i o 5), o u p a r a definir o uso
litúrgico, tais elementos, n o seu c o n j u n t o , p a r e c e m m e n o s d e v i d o s a u m a simples i n t e n ç ã o d e c o n s t i t u i r u m i n v e n t á r i o e mais relacionados c o m a transmissão de f u n ç õ e s .
Transmissão p r o v a v e l m e n t e activa (de q u e m assume e p r o c u r a situar-se) e não passiva (de q u e m deixa e entrega) e x p r i m e - s e , pois, p o r u m a relação de f u n c i o n a l i d a d e d i n â m i c a c o m o l i v r o .
T a l transmissão é, n o e n t a n t o , f u n d a m e n t a l m e n t e descritiva. D a í q u e esse f a c t o r f u n c i o n a l n ã o i n t e r v e n h a u n i v e r s a l m e n t e e m t o d o s os itens. D a í t a m b é m q u e n ã o pareça suficiente p a r a i n t r o d u z i r critérios u n i f o r m e s e gerais, c o m o seria o d e c r i t é r i o t e m á t i c o , n a distribuição dos restantes v o l u m e s . Seria, p o r o u t r o l a d o , descabido e a r b i t r á r i o , p o r falta d e indicações explícitas, p r e t e n d e r i n t e r p r e t a r tal distribuição a partir da f r e q u ê n c i a d e uso q u e pressupusesse i n t e r v e n ç ã o d o
bibliotecário.
A relação expressa é p e r s p e c t i v a d a pelas situações previstas na vida colectiva d a c o m u n i d a d e dos c ó n e g o s r e g u l a r e s e n ã o pelas solicitações individuais, i n d e p e n d e n t e m e n t e da f r e q u ê n c i a c o m q u e s u r j a m .
Mas, se fica f o r a d o nosso alcance u m a relação analítica d e c o n t e ú d o c o o r d e n a d a c o m o r e g i s t o d e i n v e n t á r i o , o elenco, n o seu
4 L o u v a m o - n o s aqui na análise f o r n e c i d a p o r F. da G a m a Caeiro, op. cií., 1967, p. 33. 5 A sua identificação c o m u m c ó n e g o de S. Vicente d o c u m e n t a d o para os anos d e 1213 e
c o n j u n t o , e só p o r si, p o d e e d e v e ser t o m a d o c o m o t e s t e m u n h o c u l t u r a l m e n t e s i g n i f i c a t i v o .
2. F a l t a m n o s , é c e r t o , t e r m o s d e c o m p a r a ç ã o , simples e o p e r a -t i v o s , q u e nos p e r m i -t i s s e m si-tuá-lo n o -t e m p o e n o espaço g e o g r á f i c o d a sua constituição. E f e c t i v a m e n t e , n e m m e s m o o prestigioso F u n d o d e A l c o b a ç a , apesar dos e l e m e n t o s j á t r a b a l h a d o s e r e u n i d o s6, c o n
-sente u m a a p r o x i m a ç ã o directa e i m e d i a t a .
P o r o u t r o l a d o , neste i n v e n t á r i o , n e m todas as espécies estão t a m b é m e x p l i c i t a m e n t e definidas q u a n t o ao c o n t e ú d o . Casos haverá, c o m o n o d o n . ° 2 97, e m q u e d u v i d a r e m o s se o t í t u l o Cantica Canticorum c o n t é m só este l i v r o b í b l i c o o u se n ã o é antes e apenas o p r i m e i r o t e x t o q u e a b r e o códice, ou, p o r o u t r a , se n ã o se tratará antes de u m C o m e n t á r i o aos Cantares, c o m o o d e S . G r e g ó r i o M a g n o o u o d e S. B e r n a r d o .
D u a s entradas, s o b r e t u d o , nos d e i x a m dúvidas de identificação. A p r i m e i r a é a d o n . ° 22, c o m o t í t u l o De iure constitutionis nature humane. M a u g r a d o a ausência nos r e p e r t ó r i o s consagrados, m a s p o r q u e tal título c o r r e s p o n d e a u m c o n t e ú d o , d e f e n d e r í a m o s a hipótese d e estarmos p e r a n t e u m a v a r i a n t e p a r a o título da o b r a d e I n o c ê n c i o III q u e o e d i t o r m o d e r n o i n t i t u l o u d e De miséria conditionis humanae8 e c u j a t r a d i ç ã o m a n u s c r i t a n e m s e m p r e é constante (no
Ale. 380, p o r ex., aparece sob a f o r m a d e De uilitate conditionis humane).
6 J u l g a m o s ter d a d o alguns c o n t r i b u t o s para isso e m alguns trabalhos mais o u m e n o s
parcelares, d e carácter codicológico, sobre o F u n d o Alcobacense da Biblioteca N a c i o n a l de Lisboa. Seja-nos p e r m i t i d o r e m e t e r n o m e a d a m e n t e para: «Em busca dos Códices Alcobacenses»,
Didaskalia, 9, 1979, 279-288; «Diferenças e c o n t i n u i d a d e n a encadernação alcobacense: sua
i m p o r t â n c i a para a história d o s c r i p t o r i u m de Alcobaça», Revista da Faculdade de Letras, 1983,136157; Encadernação Portuguesa Medieval —Alcobaça, Lisboa, I N C M , 1984; «Les reliures m é d i é -vales d u F o n d s Alcobaça d e la B i b l i o t h è q u e N a t i o n a l e de Lisbonne», in Calames et Cahicrs
(Mélanges ... Gilissen), Bruxelas, 1985, 107-117; « U m t e s t e m u n h o da tradição hispânica dos
Moralia i n l o b : Lisboa, Ale. 349 — Subsídios para o seu e n q u a d r a m e n t o » , Archivos Leoneses, 79-80, 1986, 213-331. P a r a u m a perspectiva das livrarias medievais e m P o r t u g a l , além da bibliografia j á citada, da autoria d e F. da G a m a C a e i r o c de Isaías da R o s a Pereira, cf. A. CRUZ,
Santa Cruz de Coimbra na Cultura Portuguesa da Idade Média, I: Observações sobre o scriptorium e os Estudos Claustrais, P o r t o , 1964; P . e AVELINO DEJESUS DA COSTA, A Biblioteca e o Tesouro da Sé de Coimbra nos séculos XI a XVI, C o i m b r a , 1983; IDEM, A Bilioteca e o Tesouro da Sé de Braga nos séculos XV a XVIII, B r a g a , 1986. Pela nossa parte i n t e n t á m o s u m a interpretação da circulação
d e livros n o P o r t u g a l m e d i e v o na nossa c o m u n i c a ç ã o ao C o l ó q u i o sobre a circulação de manuscritos e n t r e a Península Ibérica e a E u r o p a , celebrado e m Santiago de C o m p o s t e l a , 16-19 de S e t e m b r o de 1982, sob o t í t u l o «Concentração, dispersão e dependências n a circulação de manuscritos e m P o r t u g a l nos séculos x n e XIII».
7 S e r v i m o - n o s d o n ú m e r o de o r d e m para remissivas, e m b o r a ele não conste d o original. Aceitamos, de resto, a f o r m a de apresentação dos editores q u e nos p r e c e d e r a m , p r o c e d e n d o a correcções q u a n d o elas nos pareçam necessárias.
8 ROBERT E . LEWIS (ed.), Lotario dei Segui {Pope Inocentius 111), De miséria conditionis,
i n v e n t A r i o d a i . I v K A r i a d e s . v i c e n t e 233
T a m b é m aqui o c o n t e ú d o n ã o deveria limitar-se a este t e x t o , o qual n ã o ocuparia n o r m a l m e n t e mais q u e uns v i n t e fólios, ( c o m o o de ms. da B . P . M . , P o r t o , 102, f o i . 102, f o i . 87-107). O s e g u n d o caso d u v i d o s o s u r g e - n o s n o n . ° 24, cuja e n t r a d a p ô d e m u i t o j u s t a m e n t e SCJ lida c o m o III Custumes et unus illorum est uetus. A f o r m a custumes, e m b o r a aceitável c o m o v u l g a r i s m o , é estranha d e n t r o d e u m elenco redigido t o d o e m l a t i m . A ser i n t e r p r e t a d o c o m o Costumeiro. esperaríamos, n a t u r a l m e n t e , a f o r m a Consuetudines o u Constitutiones ( c o m o acontece c o m o C o d . 74 d e Santa C r u z d e C o i m b r a ) . M e s m o assim, estranharíamos q u e h o u v e s s e n a d a menos que três v o l u m e s a l é m d o i n d i c a d o n o p r i m e i r o registo, p a r a u m a o b r a q u e apenas se justificava p a r a utilização colectiva e n ã o i n d i v i d u a l . E c e r t a m e n t e arriscado p r o p o r q u a l q u e r o u t r a f o r m a de substituição c só p o r m e r a hipótese se p o d e r á a v e n t a r a de Betunie(nse)s, p o r sugerir o n o m e d e E v r a r d u s Betuniensis, o a u t o r d o Graecismus, m a l g r a f a d o p o r ignorância d o i n v e n t a r i a d o r . M e n o s p r o b a b i l i d a d e , talvez, teria u m a o u t r a hipótese d e C(hronica) Tunie(nsi)s, p o r Chronicon d e V i c t o r T u n e n e n s e , q u e sabemos ter existido n u m códice d e Alcobaça, h o j e p e r d i d o , m a s ainda c o n s u l t a d o p o r Fr. A n t ó n i o B r a n d ã o , e m p r i n c í p i o s d o s é c . XVII 9.
D ú v i d a subsistirá t a m b é m p a r a os n .o s 51 e 52 q u a n t o à
interpretação de De itinere, associado ao n o m e d e dois utilizadores (Maurilino e G o n ç a l o M o n i z ) . N a versão p o r t u g u e s a dos Autos dos Apóstolos de B e r n a r d o de B r i u e r g a , fala-se d e u m Livro da Carreira de S. Clemente e s o b r e t u d o d e u m Livro do Caminho, q u e mais n ã o é q u e o livro das Recognitiones d o P s e u d o - C l e m e n t e , na versão d e R u f m o , o qual j á e m t e m p o s d e Gelásio e N i c é f o r o aparece c o m o n o m e d e Itinerarium 1 0. A q u i , t o d a v i a , s o m o s levados a pensar s o b r e t u d o n o De itinere deserti d e Ildefonso de T o l e d o q u e p o r vezes aparece sob o título de De progressu spiritalis deserti11. N ã o será, p o r é m , de excluir a
hipótese d e se tratar d e a l g u m m a n u a l q u e a c o m p a n h a v a o c ó n e g o regrante n o seu t r a b a l h o pastoral l o n g e d o m o s t e i r o .
O Liber Odonis Abbatis, d o n . ° 15, constitui t a m b é m designação demasiado v a g a q u e n ã o deixa p e r c e b e r qual a o b r a d e O d ã o d e C l u n y a q u e se refere. E n t r e elas s a b e m o s q u e o c u p a v a l u g a r d e r e l e v o n o
9 AIRES AUGUSTO NASCIMENTO, «fim busca dos Códices Alcobacenses perdidos»»
Didaskalia, 9, 1979, 2 7 9 - 2 8 8 ; «Três notas Alcobacenses: u m C ó d i c e p e r d i d o ; u m L i v r o de
Milagres; Concordâncias Bíblicas», Didaskalia, 1 2 , 1 9 8 2 , 185-194.
1 0 C f . MÁRIO MARTINS, Estudos de Cultura Medieval, II, B r a g a , 1972, p. 192.
1 1 VICENTE B I A N C O e JÚI.IO CAMPOS ( e d s . ) , San Ildefonso de Toledo, El Camino dei desierto,
â m b i t o m e d i e v a l o l i v r o das Collationes (que e f e c t i v a m e n t e t a m b é m se e n c o n t r a v a na livraria d e A l c o b a ç a : B N L , Ale. 70). Mas n ã o será de excluir a hipótese de e s t a r m o s p e r a n t e a Excerptio Moralium, o n d e se r e t ê m s o b r e t u d o as i n t e r p r e t a ç õ e s místicas e m o r a i s dos C o m e n t á r i o s sobre o L i v r o de J o b , d o P a p a S. G r e g ó r i o M a g n o1 2.
As Sententie d o n.° 25 serão m u i t o p r o v a v e l m e n t e os Sententiarum Libri Três d e Isidoro (PL, 83, 537-738); o epíteto veteres q u e a c o m p a n h a o t í t u l o refere-se, c o m o n o u t r o s casos, q u e r aqui q u e r e m t e s t a m e n t o s medievais, ao seu estado de conservação. N ã o será, c o n t u d o , d e excluir a hipótese d e se tratar da o b r a de P e d r o L o m -b a r d o , ainda q u e fosse de esperar o n o m e deste a u t o r .
N ã o o f e r e c e dúvidas, n a t u r a l m e n t e , o n . ° 9: Angelus. Trata-se o b v i a m e n t e da Summa Angelus, l i v r o d e distinctiones a t r i b u í d a s t r a d i c i o n a l m e n t e a G a r n i e r d e R o c h e f o r t , A b a d e d e C l a r a v a l1 3 e
falecido p o r v o l t a d e 1216, as quais, s e g u n d o consta d o c ó l o f o n existente n o e x e m p l a r d o F u n d o Alcobacense da B . N . d e Lisboa (Ale. 410), j á e m 1219 e r a m copiadas e m P o r t u g a l p o r «Egidius presbiter Leirene».
O b r a similar é a p o n t a d a n o n.° 35, Abel, q u e h á - d e interpretar-se, sem mais, c o m o a Summa Abel d e P e t r u s C a n t o r1 4, a qual p o r vezes
aparece associada c o m a a n t e r i o r (assim a c o n t e c e n d o n o Alcobacense a c a b a d o d e referir).
Parece-nos t a m b é m quase ó b v i o q u e o De Ysidoro, II partes (n.° 7) terá d e i n t e r p r e t a r - s e c o m o s e n d o as Etimologias, e m dois v o l u m e s .
C o m a t r i b u i ç ã o a Isidoro regista-se a i n d a n o n . ° 34 a Prefatio Ysidori in Libro Testimoniorum de Christo. O registo copia c e r t a m e n t e o incipit d o Isaiae Testimonia de Christo Domino, cuja tradição manuscrita, c o m o se sabe, n ã o r e m o n t a a l é m d o séc. x n1 5. P r o v a v e l m e n t e
t a m b é m aqui n ã o seria a única o b r a existente n o códice, dada a sua e x i g u i d a d e (PLS 4, 1822-1839).
1 2 RENÉ WASSELYNCK, «Les C o m p i l a t i o n s des M o r a l i a in J o b d u V l l . e au X l l . e siècle»,
Recherches de Théologie Ancienne et Médiévale, 29, 1962, 5-32; GABRIELLA BRAGA, «Problemi di
autenticità p e r O d d o n e di C l u n y : l ' E p i t o m e dei Moralia di G r e g o r i o Magno», Studi Medievali,
1 8 , 1 9 7 7 , f a s c . 2 . " , 4 5 - 1 4 5 .
1 3 RICHARD H . & A. ROUSE, «Biblical Distinctiones i n t h e t h i r t e e n t h century», A . H . D . L . M . A . , 4 1 , 1 9 7 4 , 27-37; RICHARD H . ROUSE, «Cistercian aids t o S t u d y in t h e thirteenth century», Studies in Medieval Cistercian History, II, 1976, 123-134; A. WILMART, «Les allégories sur l ' É c r i t u r e attribuées à R a b a n Maur», Revue Bénédictine, 3 2 , 1 9 2 0 , 4 7 - 5 6 .
1 4 R I C H A R D H . R O U S E & M A R Y A . R O U S E , « S t a t i m i n v e n i r e : S c h o o l s , P r e a c h e r s a n d n e w
attitudes t o t h e Page», in Renaissance and Renewal in the twelfth century, eds. R o b e r t L. B e n s o n & Giles Constable, O x f o r d , 1982, p p . 201-225.
1 5 C f . M . C . DIAZ Y DIAZ, na i n t r o d u ç ã o a San Isidoro de Sevilla, Etimologias, M a d r i d ,
i n v e n t A r i o d a i . I v K A r i a d e S. v i c e n t e 235
As Vitas Patrum, d o n. ° 10, c o m a p a r t i c u l a r i d a d e m o r f o l ó g i c a q u e apresentam, m a n t i d a pela t r a d i ç ã o hispânica, é p r e s u m i v e l m e n t e o livro das Vitas Patrum Emeretensium16 e m b o r a seja t a m b é m admissível
a hipótese d e estarmos p e r a n t e o L i v r o V d e R o s w e i d u s .
O n . ° 12, Barlaam, é, s e m d ú v i d a , o Liber gestorum Barlaam et Josaphat, c u j a d i f u s ã o m e d i e v a l , a p a r t i r de 1050, está b e m atestada e m
mais d e 60 m a n u s c r i t o s c o n h e c i d o s1 7.
P o r seu lado, o Ovidius Maior, d o n.° 33, t e m de ser identificado c o m as Metamorfoses ovidianas, s e g u n d o a designação c o n h e c i d a na Idade M é d i a e q u e p o d e m o s e n c o n t r a r , p o r ex., na Grande e General Estória de A f o n s o , o Sábio, o u n o Convivium (3,3,7) de D a n t e1 8.
N o n.° 54, e n t r e os dois livros e m p r e s t a d o s p a r a a Sé de Viseu, está o Pastoralis e u m Prosper. Se q u a n t o ao p r i m e i r o n ã o restarão dúvidas de q u e se tratará da Regula Pastoralis (PL, 77, 13-128), q u a n t o ao s e g u n d o ficaremos hesitantes, pois, sc n ã o seria i n v e r o s í m i l c o m p r e e n d e r as Sententiae ex operibus Sancti Augustini, seria t a m b é m admissível estarmos p e r a n t e u m livro d e Crónicas c o m e ç a d o j u s t a m e n t e p e l o Chronicon de P r ó s p e r o (PL 45, 1859). A existência de Orosius (n.° 59) e m p r e s t a d o ao A b a d e d e Santiago p o d e r á ser u m indício, ainda que l o n g í n q u o , d o interesse p o r t e m a s históricos, interesse q u e j u s t a m e n t e e m Santa C r u z d e C o i m b r a serviria p a r a nos conservar os
Annales Portugalenses Veteres ,9.
T o r n a - s e arriscado e m i t i r u m j u í z o r e l a t i v a m e n t e às rasuras feitas sobre alguns registos, n o m e a d a m e n t e q u a n t o a o m o m e n t o e m q u e f o r a m realizadas. A d m i t i r a hipótese d e u m e n g a n o , p r o n t a m e n t e sanado, n ã o c o n d i z c o m o u t r o r e c u r s o utilizado, c o m o é o da s u b p o n t u a ç ã o . Aceitar q u e se t e n h a m i n c l u í d o livros e v e n t u a l m e n t e e m p r e s t a d o s a S. V i c e n t e c o n f i r m a r i a a h i p ó t e s e d e o e x e c u t a n t e d o i n v e n t á r i o o ter realizado n u m m o m e n t o d e entrada e m f u n ç õ e s sem ter ainda u m c o n h e c i m e n t o preciso das espécies r e a l m e n t e pertencentes ao m o s t e i r o . C o m esta h i p ó t e s e seexplicariam m e l h o r as hesitações, os erros ocasionais, os e n t r e l i n h a d o s p a r a acrescentos, as indicações de uso.
1 6 C f . JOSEPH N . GARVIN, The Vitas Sanctorum Patrum Emeretensium — text and translation w i t h an i n t r o d u c t i o n and c o m i n e n t a r y , W a s h i n g t o n , 1946 (diss.).
1 7 C f . JEAN SONET, Le Roman de Barlaam et Josaphat — R e c h e r c h e s sur la tradition manuscrite latine et française, Lovaina, 1949.
1 8 C f . PAUL RENUCCT, L'Aventure de l'Humanisme Européen au Moyen Age, C l e r m o n t
--Ferrand, 1953, p. 71 e 114 (n. 148); D . COMPARETTI, Vergil in the Middle Ages, r e p . H a m d e n , 1966, p. 2 4 4 ( n . 5 ) .
3. Seja c o m o f o r , e n ã o o b s t a n t e as restrições assinaladas, de a l g u m a m a n e i r a , a m a t e r i a l i d a d e d o registo parece dar u m a i m a g e m v i r t u a l da m o v i m e n t a ç ã o da livraria d e m o s t e i r o de S. Vicente, n o m o m e n t o e m q u e a s e g u n d a geração de c ó n e g o s regrantes o h a b i t a2 0.
A data d o i n v e n t á r i o , dos 116 v o l u m e s disponíveis, 94 e s t a v a m e m d e p ó s i t o , 13 e s t a v a m na posse de c ó n e g o s d o m o s t e i r o , 9 t i n h a m sido e m p r e s t a d o s a várias entidades (Sé de Viseu, Santa C r u z de C o i m b r a , R e i t o r da igreja de S. T o m é , A b a d e d e Santiago, e m Lisboa, e n t r e outros). P o r o u t r o lado, a a d m i t i r q u e as rasuras f i c a r a m a dever-se à inclusão i n d e v i d a d e espécies q u e n ã o e r a m p r o p r i e d a d e d o m o s t e i r o , a d m i t i r e m o s t a m b é m , p o r hipótese ao m e n o s , q u e os c ó n e g o s regrantes d e S. V i c e n t e n ã o se p r i v a v a m dos recursos bibliográficos e v e n t u a l m e n t e apenas acessíveis p o r e m p r é s t i m o2 1.
Se nos v o l t a r m o s m a i s d i r e c t a m e n t e p a r a o elenco dos livros d o i n v e n t á r i o , parece ainda possível assinalar a l g u m a s linhas de orientação actuantes nessa livraria d o m o s t e i r o d e S. V i c e n t e .
A o s livros litúrgicos j á f i z e m o s referência q u a n d o i n d i c á m o s q u e c o n s t i t u e m u m g r u p o p e r f e i t a m e n t e à parte. C o n s t i t u e m - n o 9 Saltérios, 3 S a c r a m e n t á r i o s d e missas festivas, 4 Sacramentários d e missas privadas, 3 Evangeliários das festas, 3 Epistolários, 2 Leccionários das festas, 2 Leccionários dos d o m i n g o s , 2 Prosários (ou T r o p á r i o s ) , 4 Oficiais (que i n t e r p r e t a r e m o s c o m o L i v r o d o O f í c i o , o u Saltério d o C o r o 22, c o m A n t í f o n a s , capítulas, cânticos e responsórios),
5 A n t i f o n á r i o s , 2 Colectários, 3 O f e r e n d á r i o s , dos quais u m de m e n o r e s p r o p o r ç õ e s q u e os o u t r o s , para os cortejos o u procissões, 1 R i t u a l c o m e ç a d o pela b ê n ç ã o da água, 2 Livros para o O f í c i o dos D e f u n t o s , 1 L i v r o d o C a p í t u l o (ou Consuetudines c o m a R e g r a , s e g u n d o a nossa i n t e r p r e t a ç ã o ) . A o t o d o 46 v o l u m e s litúrgicos. U m o u t r o g r u p o é f o r m a d o p o r livros de D i r e i t o : 1 Liber Canonum ( p r o v a v e l m e n t e a Collectio Hispana), 6 v o l u m e s d e Decretais (três da I C o m p i l a ç ã o A n t i g a e u m da II C o m p i l a ç ã o Antiga), 3 v o l u m e s d o D e c r e t o d e G r a c i a n o . P o r j u n t o , 10 v o l u m e s d e D i r e i t o2 3.
U m terceiro c o n j u n t o é c o n s t i t u í d o p o r livros d e teologia bíblica. C o m p r e e n d e vários tipos bibliográficos:
2 0 R e c o r d e - s e que o m o s t e i r o foi criado após a conquista da cidade pelo rei I). Afonso
H e n r i q u e s e m 1147.
2 1 Faltam-nos infelizmente outros dados catalográficos paralelos q u e possam c o m p r o v a r c esclarecer semelhante situação.
2 2 ANDREW HUGHES, Medieval Manuscripts for Mass and Office — A Guide to their
o r g a n i z a t i o n and t e r m i n o l o g y , T o r o n t o , 1982, p. 119.
I N V E N T A R I O D A I . I V K A R I A D E S. V I C E N T E 237
a) C o m e n t á r i o s Patrísticos: C o m e n t á r i o d e Sto. A g o s t i n h o aos Salmos; C o m e n t á r i o de Sto. A m b r ó s i o ao S a l m o 118; O s Moralia in Job d e S. G r e g ó r i o M a g n o ; O Líber Odonis Abbatis (trate-se das Collationes o u da E x c e r p t i o M o r a l i u m ) ; o Liber Testimoniorum de Christo, de Isidoro; e v e n t u a l m e n t e , u m C o m e n t á r i o ao C â n t i c o dos Cânticos. A o t o d o , 6 v o l u m e s .
b) C o m e n t á r i o s d e Glosas e Distinctiones: 6 Saltérios glosados; 2 v o l u m e s d e Epístolas Paulinas glosadas; 1 E v a n g e l h o d e M a t e u s glosado; a S u m m a Angelus d e G a r n i e r d e R o c h e f o r t ; a S u m m a Abel d e P e d r o C a n t o r . A s o m a a t i n g e 11 v o l u m e s . D e n o t a r , neste â m b i t o , q u e o t i p o d e livros glosados coincide c o m os da p r i m i t i v a constituição da glosa b í b l i c a2 4. N ã o será, d e resto, sem i m p o r t â n c i a registar q u e a
indicação mais antiga d e u m l e g a d o d e glosas bíblicas a u m a igreja p o r t u g u e s a é feito e m Paris n o a n o d e 1175 e é c o n s t i t u í d o pelas Glosas a M a t e u s2 5. D e z anos mais t a r d e , e m 1185, o Bispo d o P o r t o , D .
Fer-n a Fer-n d o M a r t i Fer-n s , deixa e m t e s t a m e Fer-n t o à Sé d e Braga, e Fer-n t r e o u t r o s livros, t a m b é m u m Psalterium Glosulatum26. A q u i , n o i n v e n t á r i o de
S. Vicente, d e v e r á a p o n t a r - s e u m a o u t r a p a r t i c u l a r i d a d e : a atribuição de u m a Glosa a o Saltério a B e r n a r d o d e Orleães, n o m e q u e n ã o l o g r á m o s i d e n t i f i c a r2 7.
c) O s Livros Bíblicos p r o p r i a m e n t e ditos c o m p r e e n d e m n o i n v e n t á r i o : Bíblia, e m 4 vols.; Epístolas Paulinas, 1 vol.; o L i v r o de Isaías (incompleto); dos Saltérios, a l é m dos j á referidos p a r a uso litúrgico, assinalam-se mais 11 q u e estão nas m ã o s d e particulares. N e m t o d o s estes Saltérios c e r t a m e n t e se destinariam a usos escolares, pois u m está c o m o A b a d e Soeiro, o u t r o c o m G o n ç a l o M o n i z a q u e m foi e m p r e s t a d o t a m b é m u m o u t r o livro.
O g r u p o escolar, p o r seu l a d o , e c o n f i r m a n d o a advertência q u e fazemos, parece n ã o estar v i n c u l a d o ao g r a u e l e m e n t a r . P o r o r d e m d e entrada, r e c o n h e c e m o s c o m o p e r t e n c e n d o - l h e : Papias, e m dois v o l u m e s ; Etimologias d e Isidoro, e m 2 vols.; De miséria conditionis humanae (a a d m i t i r - s e e v i d e n t e m e n t e a equivalência q u e acima
2 4 CHRISTOPHER DE HAMEL, Glossed Books of the Bible and the origins of the Paris booktrade, Suffolk, 1984.
2 5 Consta do chamado Livro das Calendas — Necrológio da Sé de C o i m b r a a doação do Cónego Martinho aos cónegos da catedral de C o i m b r a , feita por testamento e m Paris, naquela data de 1175. C f . PIERRE DAVID & T . SOUSA SOARES (eds.), Liber Anniversariornm Eccíesiae
Cathedralis Colimbriensis (Livro dás Kalendas), I, Coimbra, 1947, p. 79.
26 Censual do Cabido da Sé do Porto, p. 385-386, cit. ap. I. ROSA PEREIRA, «Livros de
Direito...», p. 19.
p o s t u l á m o s para a entrada d o n . ° 22); 2 Scrmonários; O v i d i u s M a i o r (Metamorfoses)-, Prisciano. A acrescentar t a m b é m nesta r u b r i c a , e h i p o t e t i c a m e n t e , c o m as reservas acima apontadas, o Graecismus d e E v r a r d o de B e t u n i a . Incluiríamos i g u a l m e n t e aqui as Sententiae d o n . ° 25, m u i t o e m b o r a o a n o n i m a t o n ã o p e r m i t a ajuizar d o g r a u d e pertinência d e tal inclusão.
A i n d a q u e n e m t o d o s os e l e m e n t o s s e j a m p l e n a m e n t e explícitos t a m b é m neste c a m p o , p a r e c e claro q u e o a m b i e n t e escolar d e S. V i c e n t e n o séc. XIII é a m p l o e se p r o j e c t a n o nível superior. A c o m -p r o v á - l o está a -presença d e O v í d i o (necessariamente i n t e g r a d o -p e l o c o m e n t á r i o alegórico), o recurso aos S e r m o n á r i o s , c o m o f o r m a d e p r e p a r a ç ã o pastoral, a utilização de Isidoro, de Papias e Prisciano, e, h i p o t e t i c a m e n t e , d e E v r a r d o o u ainda a b r a n g e n d o a temática d o Contemptus mundi veiculada p e l o De miséria conditionis humanae o u t a m b é m pelas Sententiae28.
A lição de g r a m á t i c a p r o p e n d i a necessariamente para a f o r m a ç ã o espiritual e apostólica. N o sentido da cura animarum e n t e n d e r e m o s o r e l e v o d a d o à presença de obras j u r í d i c a s o u d e c o m e n t á r i o s bíblicos. C o m o o b j e c t i v o da aedijicatio, t a n t o na p r o p o s t a de m o d e l o s c o m o na m o d u l a ç ã o d e c o m p o r t a m e n t o s , i n c l u i r e m o s ainda: Vi tas Patrurn Emeretensium; Cíaustrum animae, d e H u g o d e Folieto; o Livro de Barlaatn e /osa/ãi; Liber Dialogorum, d e S. G r e g ó r i o M a g n o ; De institutione novitionim, d e H u g o d e S. V i c t o r ; De conflictu vitiorum et virtutum, d e A m b r ó s i o A u t p e r t o ( a t r i b u í d o a Sto. A g o s t i n h o , c o m o era c o r r e n t e na Idade M é d i a ) ; De itinere d e I l d e f o n s o d e T o l e d o (sob reserva, c o m o f o i a p o n t a d o ) ; O r ó s i o e, e v e n t u a l m e n t e , u m L i v r o d e Crónicas, e n t r e as quais se contaria, e m p r i m e i r o lugar, o Chronicon d e P r ó s p e r o .
N o c o n j u n t o , o b t e m o s u m q u a d r o c o m p ó s i t o , o n d e cabe a t r a d i ç ã o hispânica, a m e n s a g e m v i c t o r i n a , o i m a g i n á r i o oriental, a lição m o n á s t i c a d e G r e g ó r i o M a g n o e a lição da história de O r ó s i o . N e s t e a l a r g a m e n t o d e h o r i z o n t e s culturais se h á - d e e n t e n d e r t a m b é m a associação q u e e m S. V i c e n t e se faz d o c o m e n t á r i o patrístico c o m a glosa universitária, d a leitura das M e t a m o r f o s e s d e O v í d i o c o m o t e x t o d e Inocêncio III, da C o m p i l a ç ã o H i s p a n a c o m as Decretais e destas, n o seu c o n j u n t o , c o m aqueles.
2 8 Para esta temática e sua intervenção na escola medieval veja-se R . BULTOT, «La Chartula et l'enseignement du mépris du monde dans les écoles et les universités médiévales»,
I N V E N T A R I O D A I.IVKARIA D E S. V I C E N T E 239
N ã o i g n o r a v a m , p o r certo, os c ó n e g o s regulares de S. V i c e n t e os interditos eclesiásticos a si respeitantes r e l a t i v a m e n t e à a p r e n d i z a g e m e prática d o D i r e i t o civil e t a m b é m a eles n ã o q u a d r a r i a m as censuras d o franciscano inglês R o g é r i o B a c o n2 9. E m c o n t r a p a r t i d a , as artes d e
g r a m á t i c a (talvez m e s m o a retórica dos sermonários), a t e o l o g i a bíblica e o d i r e i t o c a n ó n i c o p a r e c e m f o r m a r u m leque e q u i l i b r a d o e r e l a t i v a m e n t e l a r g o de c o n h e c i m e n t o s , p e l o m e n o s p a r a as possibi-lidades q u e se nos a f i g u r a m t e n h a m sido as d e u m a cidade de periferia c o m o era a d e Lisboa n o séc. XIII. Q u a i s q u e r q u e t e n h a m sido as relações m a n t i d a s p o r S. V i c e n t e c o m alguns centros culturais europeus, u m a coisa parece i n d e s m e n t í v e l : as tendências culturais d o resto da E u r o p a t a m b é m ali estavam presentes.
A I R E S A U G U S T O N A S C I M E N T O
2 9 Recordados nomeadamente por PHILIPPE DSLHAYE, «L'Organisation scolaire au
L I V R O S D O M O S T E I R O DE S. VICENTE DE F O R A DE LISBOA Porto, B.P.M., Cod. 707, fl. 92
Hii sunt libri nionasterii Sancti Vincencii: 1. Liber Capituli.
2. Quatuor partes dc Biblioteca.
3. Expositio Sancti Augustini de Beatus vir, [et sunt due partes: exp. eras. ] et sunt IUI.or partes.
4. De Papias, II partes. 5. D e Moralium fob, II partes. 6. D e Psalteriis glosulatis, IIII.or. 7. De Ysidoro, II partes.
8. Omelie per quas legunt ad mensam in dominico. 9. Angelus. 10. Vitas Patrum. 11. Claustrum anime. 12. Barlaam. 13. Liber Canonum. 14. Beati inunaculati. 15. Liber Odonis Abbatis.
16. Psalterium glosulatum Bernaldi Aurelianensis. 17. Glosarius super epistulas Pauli.
18. Epistulas Pauli. 19. Liber Dialogorum.
20. Liber Augustini D e conflictu vitiorum. 21. Evangelia glosulata super Matheum. 22. De iure constitutionis nature humane. 23. De institutione novitiorum.
24. III [ad. sup. lin; eras. Quatuor] Custumes (?) et unus illorum est uetus [postea. plura uerba erasit]
25. Sentencie veteres. 26. Quedam pars Ysaye. 28. Epistule canonice. 29. Cantica Canticorum.
30. Quatuor Decretales et III sunt prime [ad. sup. lin. II magistri Pelagii] et una est media.
31. I Décréta. 32. II Sermonarii. 33. Ovidius Maior
INVENTARIO DA I.IVKARIA DE S. VICENTE
241
34. Prefatio Ysidori in Libro Testimoniorum de Christo. 35. Abel.
36. Novem Psalterii.
37. Tres Sacramentarii maiorum missarum [ad. sup. litt. sunt de festis], 38. Quatuor Sacramentarii privatarum missarum.
39. Tres Evangeliorum [ad. sup. litt, sunt de festis]. 40. TresEpistularum [ad. sup. litt, sunt de festis], 41. Duo Lectionarii de festis.
42. Duo de dominicis diebus. 43. Duo Prosarii.
44. Quatuor [0]ficiales. 45. Tres Antifanales. 46. Duo Colletanei.
47. Duo OfFerendarii, et alius minor de pompis. 48. Liber per quem benedicunt aquam.
49. Duo libri per quos [benedicunt aquam exp.] sepeliunt mortuos. 50. Isti [ad. sup. litt; eras. Alii] sunt Psalterii quos secum fratres habent: Vincencii lohannis, Gonsalvi Gonsalvi, Pelagii Petri, Iohannis Iohannis, Dominici Munionis, Domni Benedicti, Dominici Pelagii, Gonsalvi Munionis, Suerii Abbatis, Iohannis [postea uerha eras.].
51. Liber Maurilini de itinere.
52. Gonsalvi Munionis de itinere [postea uerha eras.]. 53. Pri[s]cianus [postea uerba eras.}.
54. Apud Visensem sedem, Pastoralis et Prosper. 55. Apud Sanctam Crucem, Psalterium glosulatum.
56. Apud Petrum Pelagii, rectorem Sancti Thome, quedam Decretales. 57. Apud Egidium Roderici, Decreta.
58. Apud Durannum Frogie, Decretales et Decreta. 59. Apud Petrum, Abbatem Sancti Jacobi, Orosius. 60. Apud Ricardum Almadane I Psalterium.
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