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Da Pathogenia da Keratite

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Academic year: 2021

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(1)

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DISSERTAÇÃO INAUGURAL

TARA

AGTO G R A N D E

SEGUIDA DE NOVE PROPOSIÇÕES

APRESENTADA A

tmiA

I I B I » S M M M

m mm

P A R A S E R DEFENDIDA SOB A PRESIDÊNCIA DO EXCELLENTISSIMO SENHOR

EàucvCòo tfïeievuxj tfïiwieutco

LENTE DA SEXTA CADEIRA

PELO ALUMNO

PORTO

IMPRENSA POPULAR DE MATTOS CARVALHO & VIEIRA PAIVA 67, Rua do Bomjardim, 67

1873

(2)

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(3)

ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

D I R E C T O R O ILL.m0 E EXC.n,° SNR.

CONSELHEIRO MANOEL MARIA DA COSTA LEITE S E C R E T A R I O

O ILL.m0 E EXC.m0 SNR.

ANTONIO JOAQUIM DE MORAES CALDAS

CATHEDRATÏCO

L E N T E S P R O P R I E T Á R I O S

OS III,.""" E MC.1"0 5 E SNRS.

!.• CADEIRA—Anatomia descriptiva e João Pereira Dias Lebre, peral

2.» CADEIRA—Physiologia Dr. José Carlos Lopes Junior. 3." CADEIRA—Historianatural dos

me-dicamentos. Materia medica João Xavier d'Oliveira Barros. 4." CADEIRA—Pathologia externa e

Therapeulica externa Illidio Ayres Pereira do Valle. 5.a CADEIRA-Medicina operatória... Pedro Augusto Dias.

6.a CADEIHA—Partos, moléstias das

mulheres de parto e dos

recem-nascidos Eduardo Pereira Pimenta (Presidente.) 7."

CADEIRA—Pathologiaintcrna.The-rapeutica interna.Historia medica. José d'Andrade Gramaxo. 8.1 CADEIRA—Clinica medica Antonio d'Oliveira Monteiro.

9.a CADEIRA—Clinica cirúrgica Agostinho Antonio do Souto.

10.a CADEIRA—Anatomia pathologica.. José Joaquim da Silva Amado.

11." CADEIRA—Medicina legal. Hygie-ne privada e publica. Toxicologia

geral Dr. José F. Ayres de Gouvêa Osório. Curso de pathologia geral Illidio Ayres Pereira do Valle.

L E N T E S J U B I L A D O S

Í

Dr. José Pereira Reis. Dr. Francisco Veiloso da Cruz. Dr. Antonio Ferreira de Macedo Pinto. ! Antonio Bernardino d'Almeida.

Luiz Pereira da Fonseca.

Conselheiro Manoel M. da Costa Leite. L E N T E S S U B S T I T U T O S

Secção medica I V a„a'

Secção cirúrgica J ^n i o So^a[m d e M o r a e ! C a l d a s

-L E N T E D E M O N S T R A D O R Secção cirúrgica Vaga.

(4)

A Escola nâo responde pelas doutrinas expendidas na dissertação o enun-ciadas nas proposições.

(REGULAMENTO DA ESCOLA DK 23 I>B ABRIL DB 1840,

(5)

MEMORIA

iMnZBTHLA. IMlã-IE

SAUDADE INFINDA

(6)

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A M E U S I R M Ã O S

K)0Q*EBtBa9ia

(7)

0Lo Exe.™0 Sut.

EDUARDO PEREIRA PIMENTA

MEU DIGNÍSSIMO PRESIDENTE

A solicitude e carinho com que V. Exc.a me

tratou na minha enfermidade, e os benefícios que de V. Exc.a tenho recebido, auctorisam-me a

de-dicar-lhe este pobre trabalho, que mal concebido e mal executado serve ao menos para tornar bem patente a minha gratidão para com V. E x c * e o respeito e consideração em que tem os seus conhe-cimentos como professor e como clinico '

O mais humilde dos seus discípulos

(8)

AO EXC.M0 SNR.

!

I

JOÃO MARIA DE LACERDA I

i

BACHAREL FORMADO EM MEDICINA E CIRURGIA PELA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

! ! COMO PROVA 00 MUITO APREÇO EM (UE TEM 0 SEU CARACTER

E OS SEUS CONHECIMENTOS

i

i

(9)

1

AOS MEUS CONDISCÍPULOS

ENVIA

(10)

PRELIMINARES

O trabalho que hoje submettemos á aprecia-ção dos illustres membros d'esta escola como complemento da nossa formatura não é uma obra perfeita, nem tão pouco regular.

Com poucos recursos intellectuaes, não po-deríamos ir muito mais longe; mas alguma cousa mais faríamos, se por um lado os padecimentos que nos inhibiram de apresental-o no fim do anno lectivo, estendendo-se pelas férias dentro, e pelo outro as ordens superiores nos não cerceassem o tempo de que careciamos para a confecção d'esta dissertação inaugural.

Falta de intelligencia e falta de tempo são clous poderosos motivos que justificam a mesqui-nhez^ do trabalho e nos fazem esperar a indul-gência dos nossos professores.

O nosso propósito ao emprehender este tra-balho era estudar, nos seus phenomenos geraes,

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16

-as keratites, m-as a falta de tempo obrigou-nos a limitarmos-nos ao estudo da sua pathogenia.

Para melhor comprehensão dos phenome-nos mórbidos que se passam na cornea julgamos indispensável apresentar considerações sobre a inflammação em geral e sobre a anatomia nor-mal da cornea.

Dividimos pois o nosso trabalho em três ca-pitulos.

No primeiro estudamos a inflammação em geral; e sendo o nosso fim como já deixamos dito apresentar somente o indispensável para o estudo da inflammação da cornea, nada diremos sobre as theorias antigas e occupar-nos-hemos tão somente d'aquellas que actualmente estão em

vigor.

No segundo capitulo exporemos, da anato-mia normal da cornea o que julgarmos indispen-sável para a comprehensão das alterações do seu tecido nos casos de kératite.

No terceiro estudaremos as différentes ques-tões suscitadas a propósito da inflammação da cornea, bem como certas modificações patholo-gicas que n'este caso se podem dar no tecido d'esta membrana.

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I

DA INFLAMMAÇÃO EM GERAL

Sem pretendermos fazer uma exposição das différentes theorias que desde os primeiros tem-pos da medicina até a actualidade teem tido curso na pathologia da inflammação, por que um es-tudo tal daria margem a um trabalho, além de superior aos nossos minguados recursos intelle-ctuaes, demasiadamente extenso e em opposição ao pouco tempo de que dispomos, julgamos con-veniente resumir o mais possivel as theorias que hoje se debatem no campo da pathologia da in-flammação antes de entrar no assumpto que mais particularmente escolhemos para esta disserta-ção.

Theoria franceza, theoria allemã, e theoria de Cohnheim, taes são as theorias da inflamma-ção que na actualidade estão mais em voga e teem mais illustres defensores..

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— 18

-Robin, de quem a theoria francesa tem o no-me por ser este illustre micrographo o seu mais denodado campeão, define da seguinte maneira a inflammação: «A inflammação é um pheno-meno mórbido complexo, mas ligando-se parti-cularmente á funcção da circulação e consistindo principalmente em uma modificação da circula-ção dos capillares de muitos órgãos, ou de parte de um órgão» '.,

Eis os plienomenos que Robin diz se obser-vam n'um processo inflammatorio. Primeira-mente ha uma constricção dos arteriolos e pe-quenas veias sem participação dos capillares; em seguida sobrevem a replecção e dilatação dos capillares, a circulação torna-se considera-velmente lenta, os glóbulos accumulam-se pouco a pouco sobre as paredes dos vasos; a circula-ção vai successivamente diminuindo na perife-ria do vaso e limita-se ao eixo; passado algum tempo chega um momento em que o capillar se obstrue completamente e a circulação pára; en-tão o plasma sanguineo começa a exsudar atra-vés da parede do vaso, e n'este plasma desenvol-vem-se depois, por génese, os elementos anató-micos.

N'esta theoria a presença dos vasos é, como se vê, indispensável ao processo inflammatorio.

Este modo de vêr não é novo. Muitos patho-logistas teem limitado o seu estudo sobre a in-flammação a observarem as perturbações dos vasos sanguineos locaes. Uns teem affirmado que

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! ^ ^ ^ ^ ^

19

-nas suas observações microscópicas observam sempre constricção, outros dilatação dos vasos capillares, outros finalmente aífirmam ter obser­ vado primeiro constricção, depois dilatação; Bi­ chat colloca a sede da inflammação nos capilla­ res; Broussais considera a inflammação como uma exaltação local dos movimentos orgânicos, ligada constantemente a uma irritação; mas diz que as modificações vitaes residem nos vasos ca­ pillares da região doente.

Robin pois não inventou uma theoria ex­ clusivamente sua; aproveitou as doutrinas de Thompson, Wilson Philips, Ch. Hastings, Kal­ tembrunner e outros medicos notáveis, e prin­ cipalmente as de Lebert, completou­as e formu­ lou a theoria a que se deu o seu nome.

Esta theoria foi por muito tempo recebida sem contestação pelas différentes escolas medi­ cas, até o momento em que Virchow apresentou a sua theoria cellular.

A contradicção notável em que constante­ mente se achavam as ideas da theoria de Robin com as observações clinicas começou a chamar a attenção dos homens da sciencia para este pon­ to, e levou­os a suppôr que as perturbações vas­ culares, que Robin considerava como a expres­ são da inflammação, tinham menos valor do que queriam attribuir­lhe; e que, além d'esté, devia haver outro phenomeno a que a inflammação es­ tivesse ligada.

E na verdade, se em alguns casos a circula­ ção é um agente da nutrição, a que não podemos deixar de ligar importância, casos ha, e bem ave­

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2 0

-riguados, em que, sem vasos, não só se pôde dar a nutrição, mas até uma alteração da mesma nu-trição, quando uma causa irritante qualquer

per-turbe essa nutrição.

Para provarmos esta asserção julgamos con-veniente transcrever aqui a seguinte experiência de Vulpian:

«Separo a cauda das gyrinos ou larvas de rã, sabidas ha vinte e quatro horas do seu in-vólucro, do resto do corpo e lanço-as em agua. Na occasião da operação não se podem distinguir nenhuns dos órgãos profundos que fazem parte da cauda. Esta é apenas transparente, e não se vêem nem o eixo vertebral nem as massas mus-culares; no invólucro cutâneo parece não haver vasos, e a epiderme, coberta de cilios vibrateis, contém uma massa de pigmento anegrado que contribue para tornar o segmento caudal quasi completamente opaco. Alguns elementos cellu-lares que se vêem por baixo da pelle estão cheios de granulações vitellinas. Dous dias depois da operação, a parte axil começa a reconhecer-se; já ahi se distinguem confusamente as massas musculares com seus interstícios obliquos e pa-rallelos. Ao mesmo tempo, a superficie de sec-ção cicatrisa e começa a desenvolver pequenos gomos. Ao quarto dia, os músculos e os seus in-terstícios desenham-se mais na parte axil; as la-minas natatorias destacam-se melhor do resto da cauda; a quantidade de granulações vitellinas diminue; ha leves movimentos apparentemente espontâneos. Ao sexto dia vêem-se distincta-mente os fasciculos musculares parallelos uns

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21

-aos outros, a columna vertebral é bastante visí-vel, e já se vêem os rudimentos dos vasos. Ao oitavo ou nono dia, os vasos desenliam-se me-lhor e as suas ramificações complicam-se. Em alguns pontos d'esses vasos observa-se o san-gue immovel. As granulações vitellinas teem em grande parte desapparecido. O segmento caudal augmenta progressiva e consideravelmente, tan-to em comprimentan-to como em largura. Ao deci-mo dia, e algumas vezes mais tarde, este se-gmento morre. N'este momento a cauda das gy-rinos não mutiladas está completamente desen-volvida debaixo de todos os pontos de vista». i

Em 1846 (segundo diz Picard na sua these de aggregação) Kuss escreveu um trabalho que ficou inédito, em que aventa a idéa de que os vasos não são indispensáveis ao processo inflam-matorio. As suas conclusões são as seguintes:

l.a A presença dos capillares não é

necessá-ria ao desenvolvimento da inflammação. 2.a E preciso estudar a inflammação nos

te-cidos simples.

3.a Quando uma irritação leve actua sobre

um órgão, augmenta-lhe a actividade nutritiva; o plasma não serve somente á conservação do tecido, uma parte organisa-se; quando uma ir-ritação excessiva ataca um órgão não vascular, este órgão é ferido mortalmente; entre estes dous extremos observam-se os phenomenos inflamma-tories.

' Vutpian. Lições de physiologia geral c comparada do syslema nervoso, (transcripçao de Gavarret).

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22

-4.a A inflammação é uma perturbação da

nu-trição, que pôde apparecer em todo o órgão que vive e se nutre.

5.a Debaixo do ponto de vista anatómico a

inflammação consiste em um duplo plienomeno: desapparição do tecido normal, e organisação do plasma em tecido inflammatorio.

6.a O tecido inflammado é idêntico em

to-dos os órgãos; e, se nada perturbar a sua evo-lução, passa pelas seguintes phases: blastema amorpho, glóbulos inflammatories e fibras con-junctivas.

7.a Os vasos desenvolvem-se n'elle ao

mes-mo tempo que as fibras conjunctivas.

8.a A suppuração é a necrose do tecido

in-flammado, o glóbulo do pus é o seu cadaver. 9.a A inflammação pseudo-membranosa é a

inflammação do epitlielio.

10.a O rubor e as pulsações inflammatorias

são uma consequência inteiramente physica de um começo de destruição das paredes vascula-res; a dôr parece causada pela destruição dos nervos. 4

Estas idéas são um passo dado para a theo-ria de Vircbow que passamos a expor; e d'aqui vem que alguns espiritos invejosos pretendem roubar ao eminente histologista allemão a glo-ria da sua theoglo-ria. Entre as idc'as de Kuss e a theoria de Virchow ha, 6 verdade, pontos simi-lhantes, mas também ha grandes differenças.

Kuss, como Virchow, não admitte a

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- 23 —

sidade de vasos para a producção da inflamma-ção, mas admitte a necessidade do plasma e não nega as gerações espontâneas.

Para Virchow cada animal representa uma somma de unidades vitaes, e esta unidade vital é a cellula. Cada cellula tem a sua vida propria, a sua actividade especial. Para obter a manifes-tação d'esta actividade é necessária a precedên-cia de uma irritação no elemento cellular extra-vascular.

Quando esta irritação exceder os limites nor-maes, haverá uma modificação na cellula; modi-ficação que consistirá, ou na hypertrophia da cellula sem modificação do núcleo, ou na modi-ficação do núcleo, cujo nucleolo se tornará mais volumoso, se estrangulará, e por fim se dividirá em dous nucleolos: em seguida o núcleo e a cel-lula dividir-se-hão também e em vez de uma te-remos duas cellulas! cada uma possuirá as mes-mas partes constitutivas da cellula mãe; cada uma d'estas cellulas novas soffrerá a mesma evo-lução, e d'esta maneira teremos o augmento real dos elementos anatómicos. A hypertrophia epro-liferação cellular é pois para Virchow o pheno-meno característico da inflammação.

Virchow nega a possibilidade da geração es-pontânea dos elementos anatómicos no meio do plasma amorpho, e diz que assim como cada fi-lho ha de ter um pae, assim também os elemen-tos cellulares que compõem o organismo devem provir d'outros elementos da mesma natureza. E o que elle exprime pelo seu aphorismo, omnis

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_ 24

-Para Virchow a inflammação é uma hyper-trophia e hyperplasia cellular. Não ha necessi-dade da acção dos vasos nem dos nervos para essa producção. Todo este processo mórbido re-pousa sobre a actividade propria das partes ele-mentares, e não sobre a exageração da corrente sanguinea, nem sobre a excitação dos nervos. As modificações histológicas dos elementos ana-tómicos são o phenomeno primordial, e o único essencial e característico da inflammação: as per-turbações circulatórias são posteriores e acces-• sorias.

D'esté resumo que acabamos de fazer das duas theorias, franceza e allemã, podem bem vêr-se as grandes differenças que ha entre ellas.

Para Robin os phenomeno s primor diaes do processo inflammatorio passam-se nos capillares; as perturbações extra-vasculares vem só mais tarde. Para Virchow as perturbações vasculares, não são necessárias para a producção da inflam-mação; e se n'um órgão inflammado sobreveem alterações circulatórias, são consecutivas á pro-liferação dos elementos cellulares.

Para Robin é no meio de um blastema amor-pho que nascem espontaneamente os elementos anatómicos. Para Virchow é a proliferação das cellulas plasmáticas, que se encontram em todos os tecidos, que fornece os elementos novos. Por outras palavras para Robin ha' elementos de ge-ração espontânea; para Virchow a existência de um elemento revela a preexistência de outro que lhe deu origem.

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- 25 —

na medicina, e é hoje sustentada pela maioria dos homens da sciencia; e os seus próprios ad-versários, cedendo passo a passo das suas idéas, teem contribuido poderosamente para a conso-lidarem. O próprio Kobin confessa que a segmen-tação ou geminação se não pôde pôr em duvi-da, porque elle próprio a tinha observado nos primeiros tempos do desenvolvimento do ovulo; sustenta apenas que não é esse o único modo de producção dos elementos anatómicos, e que ha outro que é a geração dos elementos no blaste-ma, ás custas do mesmo blastema.

Cohnheim, em 1867, pretendeu provar que os glóbulos do pus são os glóbulos brancos do sangue que passam para fora dos vasos através das suas paredes.

Cohnheim não admitte que os glóbulos do pus provenham, como quer Virchow, da proli-feração das cellulas do tecido conjunctivo, por-que nunca pôde surprehendel-as em via de se-gmentação; também não admitte que nasçam es-pontaneamente em um blastema amorphe Para elle os glóbulos do pus não são mais do que os glóbulos brancos do sangue que atravessam as paredes dos capillares, e, uma vez sahidos, vão constituir a massa dos leucocytes do pus.

Esta passagem é facilitada por uma proprie-dade que os glóbulos brancos possuem de pode-rem mudar de forma, e possuipode-rem movimentos amiboides ou sarcodicos.

«A exposição das minhas experiências, diz este histologista, por mais imperfeita que seja, dará a todo o homem não prevenido, a certeza

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— 26 —

de que se trata aqui de uma emigração de gló-bulos incolores da veia para fora através da pa-rede intacta do vaso. Estes glóbulos que assim se agglomeram no exterior da parede do vaso, são idênticos aos elementos brancos do sangue, como facilmente podemos reconhecer examinando os seus caracteres histológicos.

Este observador affirma também ter visto os glóbulos rubros seguirem os brancos na sua mar-cha através das paredes dos vasos, mas este phe-nomeno observou-o unicamente nos capillares, e para que isto se dé, é preciso que haja um au-gmente de pressão sobre elles, visto que não são, como os leucocytes, dotados de movimentos pró-prios.

A marcha dos leucocytes na sua emigração é por elle descripta de uma maneira um tanto romântica. «Ces globules, diz Cohnheim,

pren-nent, parsuite de leur etiration par la paroi vascu-lare, la forme d'une taille de guêpe. Cest dans cette pénible situation que j'ai vu les globules sanguins rester des heures entières... Le sort de ces éléments peut encore être plus lamentable; quand la stase

cesse dans un capillaire, j'ai vu la moitié anté-rieure d'un globule étranglé par la paroi, être violemment arracliêe du fragment externe et en-trainêeplus loin. On vois même de ces amputations de globules sans cause directe. Toutefois la plus-part des globules ne subissent pas une aussi triste destinée e traversent la paroi sans coup férir. »

Mas vejamos como, segundo Cohnheim, os glóbulos sanguineus podem atravessar a parede intacta do vaso. Elle reconhece que os glóbulos

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— 27

-brancos não teem a força suficiente para rom-per as tunicas das paredes vasculares ; mas ad-mitte n'estas paredes caminhos preformados, es-paços canaliculars, e é por estas lacunas que os glóbulos fazem caminho.

A novidade da doutrina, o nome do author e a fácil explicação dos phenomenos inflamma-tories por esta theoria, contribuiram para ser recebida e aceite com facilidade; todavia os da-dos anatómicos sobre que assenta não são da-dos mais bem demonstrados.

As aberturas através das quaes passam os glóbulos, que não são mais do que os estomatos de Recldingausen, não teem podido ser desco-bertas por micrographos de nome, apesar de pa-ra isso empregarem os melhores microscópios. As experiências que o fizeram conceber a sua theoria, repetidas por Duval, Feltz e outros mi-crographos, deram resultados oppostos aos seus.

Feltz, repetindo as experiências de Cohnheim, e tendo o cuidado de ser rigoroso na observân-cia dos processos empregados por elle, nunca conseguiu vêr os canaliculos ou lacunas das pa-redes dos vasos, e attribue o phenomeno des-cripto por Cohnheim, a uma simples descama-ção do epithelio; e as pretendidas lacunas ou ca-naliculos vasculares são para elle o resultado de manobras operatórias. «Parece-nos que a prova da existência dos canaes ocos cavados no tecido conjunctivo e communicando directamente com o systema lymphatico, diz Feltz, está longe de ser estabelecida, e que até hoje estamos no di-reito de regeital-a. »

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— 28 —

Quando tratarmos da kératite apresentare-mos o resultado das experiências de Duval, que, como as de Feltz, são pouco favoráveis ás dou-trinas de Cohnheim.

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II

DA STRUCTURA DA CORNEA

A cornea, membrana transparente que oc-cupa a parte anterior do olho tem duas faces uma externa convexa, outra interna concava, e uma circumferencia talhada em forma de engaste de annel ás custas da face anterior.

A cornea é composta de um numero de cama-das, variável para os différentes auctores. Uns, não admittindo que as camadas epitheliaes ante-rior e posteante-rior façam parte integrante do tecido da cornea, descrevem-lhe três camadas; outros, não mencionando a membrana elástica de

Bow-mann, assignalam-lhe duas camadas; outros

final-mente dividem-a em cinco, que são, indo de fora para dentro: l.a camada epithelial anterior; 2.a

camada elástica de Bowmann; 3.a membrana

pro-pria; 4.a lamina elástica de Demours ou de

Des-cemet; 5.a camada epithelial posterior.

(25)

— 30 —

Sem nos demorarmos na descrípção da stru-ctura de todas estas camadas, diremos apenas alguma cousa acerca da membrana propria da cornea por ser a que maiores questões tem ori-ginado.

Qual é a structura d'esta membrana? Eis uma pergunta, á qual, apesar dos minu-ciosos estudos microscópicos dos mais eminen-tes histologistas, se não pôde dar uma resposta decisiva.

Para nos convencermos d'esta verdade bas-tará 1er as seguintes opiniões.

Henle suppõe que a cornea se compõe de la-minas que nós produzimos artificialmente, e que cada uma d'estas se compõe de outras laminas mais finas; de sorte que, segundo Henle, o nu-mero das laminas d'esta membrana não é infe-rior a trezentas.

Estas laminas são compostas de fibras acha-tadas separadas umas das outras por fibras de núcleo, incompletamente desenvolvidas, cruzan-do-se em todas as direcções.

Kolliker entende que os elementos de que a cornea se compõe, são fasciculos polidos de 0m,005 a 0ra,009 de diâmetro, formando

fibril-las parallefibril-las ás faces da cornea, e anastomo-sando-se umas com as outras. Entre estas fibril-las não lia espaços vasios. Os fasciculos são acha-tados dando á cornea, vista no seu conjuncto, um aspecto lamellar. O tecido da cornea é idên-tico ao da sclerotica de que ella não é senão a continuação.

(26)

com 31 com

-põem a substancia propria da cornea, teem en-tre si adherencias directas : a cornea compõe-se de uma substancia compacta interrompida em différentes sentidos por elementos cellulares íu-siformes, anastomosados entre si, e tendo ao mes-mo tempo prolongamentos lateraes.

Estes elementos cellulares são as cellulas plasmáticas, que para His foram objecto de es-tudos minuciosos.

Estas cellulas, dispostas, segundo este auctor, regularmente por planos parallelos, acham-se mergulhadas em uma substancia intercellular homogénea com pequeno poder refingente, que, fendendo-se em différentes partes, dá um aspe-cto lamellar á cornea, que poucos elementos fi-brillares tem.

Frey admitte na cornea a existência de ca-naliculos contendo elementos cellulares, que são

o corneal tubes de Bowmann descriptos por este

auctor.

'«Quando examinamos a cornea sobre um corte parallelo á superficie da mesma, diz Frey, vemos uma rede apresentando dilatações distin-ctes muito largas, d'onde partem numerosas ra-mificações; quando estudamos um corte vertical vemos ao contrario extensas linhas alongadas e parallelas, com dilatações fusiformes; estas li-nhas communicam umas com as outras por ca-naliculus transversaes, e acham-se da mesma ma-neira ligadas ás linhas mais profundas ou mais elevadas por canaliculus perpendiculares. É pois evidente que as dilatações estrelladas que se ob-servam sobre cortes transversaes, são achatadas

(27)

— 32

-no sentido da superficie da cornea. Estes espa-ços dilatados, conhecidos pelo nome de corpús-culos da cornea, teem CT,013 a 0m,018 de

mil-lesima de comprido por 0m,009 a 0ra,011 de

lar-go; as ramificações teem de 0m,002 a 0m,006 de

diâmetro. Os corpúsculos acham-se de 0m,02 a

0m,04 distantes uns dos outros. Se tratarmos a

preparação por uma solução de acido acético di-luido observamos, ao nivel das dilatações, nú-cleos de 0m,009 a 0m,011 de diâmetro.

Como o corpo cellular se estende geralmente até o limite do espaço estrellado, quizeram d'esté espaço fazer uma cellula. Mas, servindo-nos de uma solução de nitrato de prata, vê-se um corpo finamente granuloso, com seu núcleo, desprovi-do de invólucro e separadesprovi-do das paredes desprovi-do es-paço estrellado por uma distancia apreciável. Esta pequena massa é o elemento cellular da cornea, elemento contractu1 por toda a vida, e

que envia prolongamentos aos canaliculos ocos do tecido da cornea ». l

Recklingausen admitte a existência d'estes canaes que, para elle, communicam com a rede lymphatica geral, e os elementos cellulares que alli se encontram são elementos cellulares lym-phaticos, que alli se introduzem e se movem pela força amyboide.

Robin descreve na cornea: l.a fibras, 2.a

cel-lulas, ou corpos fibro-plasticos, 3.a substancia

homogénea amorpha, 4.a núcleos

embryoplasti-cos, 5.a cytoblastiões, 6.a elementos nervosos.

(28)

^

— 33 —

Depois das opiniões de tantos histologistas distinctes o que nos fica sobre este ponto? a du­ vida, por certo.

Mas não ficam aqui as duvidas acerca da es­ tructura da cornea. A existência de vasos san­ guíneos, a dos lymphaticos, e a dos nervos teem dado logar a discussões longas e pertinazes.

Os estudos feitos por todos os histologistas modernos deram em resultado a demonstração de que, no adulto, a cornea não possue vasos se­ não na circumferencia. Injecções delicadas mos­ tram que os capillar es da conjunctiva avançam cerca de meio millimetro sobre a cornea, e cur­ vam­se em forma de ansa.

Muller diz que esta membrana contém no embrião numerosos vasos, Rœmer diz que estes vasos não só existem á superficie da cornea mas penetram no seu tecido. No adulto porém até hoje ninguém pôde descobril­os.

Broca, injectando a essência de therebenti­ na, corada pelo azul de Prussia e outras sub­ stancias insolúveis, nas artérias da cabeça, nunca pôde descobrir mais do que as ansas descriptas por outros auctores. Quanto á existência dos va­ sos serosos diz elle: «Os vasos serosos da cornea, a existirem, deveriam communicar com as ansas vasculares terminaes; deveríamos vêr em algum ponto ao nivel da sua embocadura alguns vagos prolongamentos opacos, formados por parcellas da substancia injectada, introduzidas nos estrei­ tos canaes serosos. Mas nada podemos observar, e cada ansa terminal, examinada em particular, apresenta em toda a sua extensão contornos bem

3

(29)

34

-distinctes. N'este ponto lia completa similhança entre a disposição dos vasos conjunctivaes á volta da cornea, e a dos vasos sinoviaes á volta das cartilagens articulares». l

Quanto á questão da existência de vasos lym--phaticos, apesar dos estudos que se teem feito a este respeito, reina ainda a duvida.

Recldingausen, introduzindo uma cornea morta em um sacco lymphatico vivo, encontra, passado um certo tempo, alguns corpúsculos lymphaticos; por isso diz que a cornea não passa de uma rede lymphatica communicando com o systema lymphatico geral; mas os estudos de His vão de encontro a esta opinião.

Antigamente considerava-se a cornea como desprovida de nervos. Schlemm foi o primeiro auctor que, examinando o olho do boi, desco-briu na cornea ramificações nervosas provenien-tes dos nervos ciliares, e depois d'elle quasi to-dos os histologistas teem confirmado a sua des-coberta. Segundo estas observações, quarenta a quarenta e cinco filetes nervosos, provenientes do plexo ciliar, passam da sclerotica para a cor-nea. N'esta membrana perdem a bainha medul-lar e formam na espessura do seu tecido plexos tanto mais finos quanto mais se approximam da superficie.» Segundo os estudos recentes estes nervos terminam de dous modos:

1.°, uns, nervos da membrana propria, não sahem da camada media, e, segundo Kune, entram em connexão com os corpúsculos estrellados da

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: ; ■

- 3 5

-cornea, (nervos trophicos?) nervos motores de Kune. 2.°, outros, nervos sensitivos, depois de terem atravessado os orifícios da lamina elástica anterior, penetram na camada epithelial ante­ rior e terminam por extremidades livres, ou en­ tre as cellulas epitheliaes, ou, pelo menos nos mammiferos, adiante das cellulas mais superfi­ ciaes» *.

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Ill

DA PATHOGENIA DA KERATITE

Entre os trabalhos que teem apparecido so-bre a inflammaçào da cornea, é sem duvida o de His um dos mais importantes.

His toma para base do seu trabalho a patho-logia cellular de Virchow.

Na cornea, como em todos os tecidos, o ponto de partida dos phenomenos inflammatories con-siste n'um modo de ser particular da vitalidade da cellula.

«E evidente, diz His, que as ideas theoricas geralmente aceites sobre as moléstias da cornea devem ser inteiramente reformadas. Devem-se de deduzir, se assim posso dizel-o, as leis a que está sujeita a inflammaçào da cornea, das que re-gem a cellula. Dando esta idéa por base a es-tudos assíduos, chegar-se-ha, assim o espero, a ponto de um observador poder deduzir de um

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— 38

-exame directo as alterações microscópicas, e ad-quirir conhecimentos muito mais profundos d'es-tas alterações ». *

His fez um grande numero de expe .encias, nas quaes pôde seguir passo a passo as mudan-ças que experimentam as cellulas da cornea, quando irritadas.

Eis as mudanças por elle observadas: l.a Augmento de volume das cellulas.

2.a Alteração do seu núcleo.

3.a Desaggregação da parede da cellula do

seu contheudo que se divide.

4.a Transformação d'estas parcellas do

con-theudo da cellula em cellulas endógenas. 5.a Desenvolvimento ulterior de novas

cel-lulas.

6.* Degenerescência gordurosa de grupos d'estas cellulas, incapazes de se desenvolverem.

7.a União do contheudo granuloso á parede

da cellula, com augmento de volume do antigo núcleo e apparição de nucleolos.

8.a Diminuição de volume das cellulas de

nova formação». 2

His ainda concluiu das suas experiências: 1.° Que as modificações cellulares se produ-zem n'uma certa extensão á volta do ponto irri-tado, e que a actividade dos phenomenos de pro-liferação é tanto maior, quanto mais se appro-xima do ponto irritado.

2.° Que a irritação st propaga muito mais

1 His Beitrage znr normalen uni) palholo; ~'i histologie des corneas (trad.

de Necker).

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- 39 —

rapidamente á superficie do tecido da cornea do que na espessura do mesmo tecido.

3.° Que as cellulas soffrem um augmente notável de volume na visinhança dos vasos; o que parece depender da chegada dos materiaes de nutrição vindos dos vasos.

D'aqui se vê que His admitte plenamente as idéas de Virchow; ideas que, digamol­o desde já, no estado actual da sciencia nos parecem as mais admissíveis.

Mas vejamos as différentes opiniões dos his­ tologistas que se teem occupado do estudo da inflammação da cornea.

Miraul d'Angers sustentou em uma these que a cornea era susceptível de inflammar­se, opinião antes d'elle emittida por Vetch e War­ drop.

Miraul por varias vezes tinha observado ver­ dadeiras inflammações da cornea; mas a cornea

é uma membrana desprovida de vasos, e ninguém

n'esse tempo pensava que se poderia dar uma inflammação independentemente da presença de vasos. Tentando resolver esta difficuldade, Mi­ raul suppõe que a inflammação começa pela scle­ rotica ou pela conjunctiva e que d'ahi se pro­ paga á cornea.

Esta explicação não agradava aos partidá­ rios da theoria de Robin e Broca escreveu uma memoria na qual rejeita absolutamente a idéa da inflammação da cornea.

Depois de justificar as suas idéas Broca da­ nos as seguintes conclusões:

l.a Começando sempre a inflammação pelos

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4 0

-vasos capillares, os tecidos desprovidos de va-sos, taes como o corpo vitreo, o crystalline e a cornea, não podem ser mais susceptíveis de in-flammação, do que os pellos, as cartilagens, os dentes e as unhas.

2.a A cornea, no estado normal, não encerra

vestígios de vasos, os pretendidos vasos serosos não existem.

3.a A vasciúarisacão accidental da cornea

não ê devida, nem á dilatação dos vasos antigos até então invisiveis nem á formação de vasos no-vos ; é devida simplesmente á extensão dos va-sos que existem á volta d'ella.

4.a Nas moléstias da cornea, a

vascularisa-ção nunca é senão um phenomeno de importân-cia secundaria; ê a consequênimportân-cia e não a causa de um estado mórbido, que jamais pôde ser to-mado por inflammação e tratado como tal.

5.a A maior parte das moléstias da cornea,

mesmo d'aquellas que se designam pelo nome inexacto de kératite, percorrem todos os seus períodos, sem que a cornea se torne vascular, e sem que por conseguinte possamos ligal-as a um estado inflammatorio.

6.a E duvidoso que as collecções designadas

com o nome de abcessos da cornea contenham verdadeiro pus ; em todo o caso não podem ser tomadas como consequência da inflammação. No mesmo caso estão as manchas e as ulceras da cornea.

7.a A cicatrisação das feridas da cornea

effei-tua-se sem a intervenção directa dos vasos; estes quando apparecem, o que é excepcional, é só

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— 4i —

n'uma epoclia em que já existe a adhesão entre os lábios da ferida.

8.a A palavra kératite deve ser riscada da

sciencia.

Desde Boerhaave que as perturbações vas-culares eram consideradas como phenomeno in-dispensável ao processo inflammatorio. Este mo-do de ver, em perfeito accormo-do com a evolução dos phenomenos inflammatories observados a olho nu em a maioria dos casos, permittia a ex-plicação dos principaes phenomenos inflamma-tories.

Como conceber pois uma inflammaçâo em um tecido desprovido de vasos? Broca, cohé-rente com as suas idéas, rejeita in limine a pos-sibilidade da inflammaçâo da cornea; e do alto da sua cadeira de professor condemna a kératite á morte.

Nem todos os partidários da theoria fran-ceza foram tão intransigentes.

Aquelles que não poderam recusar a certas moléstias da cornea o caracter inflammatorio por „causa da similhança dos seus phenomenos locaes com os que se passam em todos os teci-dos inflammateci-dos trataram de explicar o caso a seu modo.

«O obscurecimento da cornea, diz Miraul, não é mais do que o produeto do engorgitamento dos seus vasos serosos. Esses vasos dilatam-se e enchem-se de fluidos brancos: o sangue ainda alli não penetrou, ou pelo menos nada revela a sua presença ; por isso a irritação diminue, e bem depressa recupera a sua diaphaneidade.

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- 42 —

Mas, se a ophtalmia se torna mais intensa, os vasos da cornea e da conjunctiva parecem ce-der â impulsão sanguinea, dilatam-se e enchem-se de um fluido que até então alli não tinha pe-netrado.

A cornea torna-se então a sede de uma in-jecção sanguinea mais ou menos apparente. »

Miraul resolve, como se vê, as diíficuldades admittindo na cornea vasos serosos, explicação a que muitos se abraçaram. Mas os vasos sero-sos são mais que duvidosero-sos.

«Ha casos raros, diz Schiff, em que uma ir-ritação do centro não vascular da cornea não reage sobre os vasos marginaes, mas produz uma alteração inteiramente local no ponto irritado; n'estes casos a cornea perde a sua transparên-cia, turva-se, e ao microscópio as laminas inter-sticiaes existentes entre as suas fibras parecem maiores, as cellulas encontram-se alli em maior numero e em estado de divisão; tornam-se mo-veis e caminham nos instersticios do tecido da cornea; segundo Recldingausen também se tor-nam contracteis». *

É uma outra explicação. Schiff é partidário de Cohnheim.

Desmarres e o próprio Robin também não são tão intransigentes como Broca. Aceitam, é verdade, as idéas d'esté auctor e concordam com ellas, fazendo-lhes porém algumas modificações. Confessam que nos abcessos da cornea encon-tram verdadeiros leucocytos perfeitamente

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— 43

-milhantes aos do pus phlegmonoso, o que é posto em duvida por Broca na sua sexta proposição. Kobin e Desmarres reconhecem que, em conse-quência do seu modo de nutrição os meios não vasculares do olho podem soffrer muitas altera-ções particulares, mas como consequência da propagação de uma moléstia dos tecidos

visi-nhos.

«Estas lesões, dizem elles, devem ser descri-ptas e classificadas pelo que o exame anatómico tiver feito conhecer a respeito da sua natureza intima, mas jamais devem ser consideradas como

phlegmasias ».

« Os principios que a cornea tira aos capil-lares da coreideia, da conjunctiva e da sclero-tica inílammadas, não são os mesmos que no es-tado normal lhe são fornecidos; e por isso os elementos anatómicos que nascem na cornea tam-bém não podem ser os mesmos que normalmente alli se produzem ou se nutrem. Ha uma gera-ção accidental de leucocytos absolutamente si-milhantes aos dos tecidos vasculares». l

Cohnheim, tendo irritado com um craião de nitrato de prata o centro da cornea, diz que ao terceiro dia, viu apparecer n'uni ponto distante do irritado, e junto do limbo da cornea, uma mancha acinzentada, de forma triangular, cuja base correspondia á circumferencia d'aquella membrana. Examinando esta mancha ao micros-cópio, verificou a existência alli de leucocytos cujo numero era muito maior na base. Depois

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44

-a corne-a foi -adquirindo -a su-a tr-ansp-arênci-a n-a porção marginal, e a opacidade foi-se

concen-trando para o ponto primitivamente irritado, e por fim desappareceu.

Cohnheim notou que,os corpúsculos estrel-lados da cornea apresentam sempre, no estado pathologico, a mesma disposição que teem no estado normal, embora esta membrana conte-nha no seu interior uma grande quantidade de leucocytes. Caqui concluiu que estes glóbulos se não formam no tecido da cornea mas vem do exterior.

D'onde provêem estes glóbulos? Cohnheim entende que os leucocytos que se encontram na cornea inflammada não são senão glóbulos bran-cos do sangue que atravessam as paredes dos lymphaticos e chegam assim á parte que é a sede da inflammação. A confirmação d'esta idéa ob-teve-a Cohnheim cia seguinte experiência: Inje-ctou na torrente circulatória de uma rã o azul de anilina, e observou que os glóbulos brancos do sangue continham no seu interior glóbulos de anilina: depois observou que os leucocytos que se encontravam na cornea inflammada d'esta rã continham os mesmos glóbulos de anilina.

Para Cohnheim, como se deprehende do que deixamos exposto, a cornea seria um órgão qne desempenharia um papel inteiramente passivo nos phenomenos mórbidos que n'ella se passam. O craião de nitrato de prata, tocando a superfi-cie da cornea, irritaria os nervos d'esté órgão; esta irritação seria por elles transmittida á con-junctiva onde se desenvolveria a inflammação,

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— 4S —

e os leucocytos, d'alii provenientes, infiltrando-se na cornea, produziriam alii a opacidade que é o primeiro phenomeno que apparece nas in-flammações d'esta membrana.

O apparecimento do anil nos glóbulos do sangue e nos leucocytos do pus, seria â primei-ra vista um argumento poderoso a favor da theo-ria de Cohnheim quando esta observação fosse confirmada por outros histologistas; mas ainda assim não tinha o valor que Cohnheim queria dar-lhe; pois que, podendo os glóbulos de ani-lina sahir dos vasos por serem mais peque-nos do que os leucocytos do sangue, nada mais fácil do que achar-se o anil nos leucocytos do pus. Mas observadores que se teem dado a repetir as experiências de Cohnheim não teem obtido os mesmos resultados.

Iwanoff concluiu dos seus minuciosos tra-balhos que a base anatomo-pathologica do

pa-nus consistia em uma proliferação muito

abun-dante de cellulas de nova formação ao nivel do limbo conjunctival da cornea, provenientes do tecido cellular subepithelial, operando-se então uma espécie de infiltração da cornea por estas cellulas que emigram em massa por entre o epi-thelio e a membrana de Bowmann.

As experiências de Duval, porém, e princi-palmente as de Feltz feriram de morte a theoria de Cohnheim.

Com o fim de apurar o que havia de ver-dadeiro n'esta theoria, Duval procedeu a um grande numero de experiências.

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-resolvidos a sacrificar todas as nossas convic-ções histológicas sobre a proveniência do pus, ao menos em certos casos especiaes, porque tam-bém se fundam em casos que o mais noviço pôde verificar, e que provam sem replica a importân-cia da proliferação cellular... Se pois esperáva-mos verificar os factos avançados por Cohnheim, era unicamente na esperança de vermos juntar-se mais um elemento á pathogenia da inflamma-ção e á da suppurainflamma-ção em particular». *

Aguçando um craião de nitrato de prata ap-plica-o muito ao de leve, e apenas durante alguns segundos, de maneira a obter uma mancha opa-lina, no centro da cornea; logo em seguida banha o olho com uma solução de chlorureto de sodium para precipitar o resto do nitrato de prata, e d'esta maneira evitar que elle se espalhasse por toda a cornea. No fim de 24 horas a mancha proveniente da cauterisação tinha-se tornado azul e apresentava algumas vezes dous prolon-gamentos de um branco sujo, um superior que chegava até o bordo da cornea alargando-se para a peripheria e diminuindo de côr no mesmo sen-tido, outro inferior que terminava perfeitamente em massa (massue). Passadas 48 horas, a man-cha central tem o mesmo aspecto, mas os pro-longamentos teem desapparecido. Corta então a

cornea, e, ao exame microscópico verifica que ao nivel da mancha o epithelio da cornea se acha impregnado de nitrato de prata, que não tinha sido destruído: a cauterisação, por pouco

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^

— 47 —

profunda, não tinha interessado o tecido da cor-nea, a qual não apresenta a mais pequena alte-ração.

Recomeça as experiências, applicando a pon-ta aguçada do craião sobre o centro da cornea; mas d'esta vez com certa força, e por mais tem-po do que nas primeiras experiências, e obtém uma cauterisação perfeitamente central, regular

e de 0m,001 a 0m,015 de diâmetro.

No dia seguinte a mancha está mais opaca, mas perfeitamente limitada, sem ter augmen-tado em extensão, e com os seus bordos distin-ctamente limitados, sem haver prolongamentos em direcção alguma.

No segundo dia a mancha conserva-se no mesmo estado e observa-se uma leve perturba-ção geral da cornea. No terceiro dia a man-cha conserva-se ainda limitada por um rebordo distincte; observam-se algumas manchas esbran-quiçadas, disseminadas pela parte superior da superficie da cornea, as quaes não apresentam connexão alguma com a mancha da cauterisa-ção.

No quarto dia ha o mesmo estado da cornea e uma injecção manifesta da membrane clignotante; a lente revela nos limites superior e inferior da cor-nea muitas manchas pequenas e esbranquiçadas. Tira então a cornea e verifica que as cellulas plas-máticas comparadas com as da cornea sã tinham volume dobrado. Ao nivel das pequenas man-chas periféricas observa hypertrophia e hyper-plasia das cellulas plasmáticas sem mais altera-ção alguma. Ao nivel da mancha da

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cautérisa 4 8 cautérisa

-ção não observa modifica-ção apparente de es-tructura a não ser um deposito da granulações de nitrato de prata.

Da repetição d'estas experiências com resul-tados idênticos tirou as seguintes conclusões:

l.a A inflammação da cornea, como o

mos-trou já o exame microscópico, não marcha da periferia para o centro. Algumas vezes somente, observam-se traços, dos quaes a maior parte não attingem o bordo da cornea. Nem a sua sede nem a sua existência são .pois constantes.

2.a O exame microscópico demonstra que o

trabalho de proliferação começa ao nivel do traix-matismo, e d'alli irradia em todos os sentidos. N'uma palavra, o trabalho phlegmasico é cen-trifuge

3.a Nas partes em via de metamorphose

nunca se vêem no principio glóbulos brancos isolados e livres; provêem sempre de uma pro-liferação cellular.

4.a O ponto de partida das metamorphoses

é a cellula plasmática, que, longe de ficar indif-férente se hypertrophia e dá origem a produ-ctos globulares novos. »

Repetindo depois as suas experiências em animaes de sangue quente, os resultados que d'ellas colheu, confirmaram a verdade das suas conclusões.

Feltz passa no mesmo dia, um fio metallico através da cornea de doze coelhos, e mata cada dia um para lhe examinar a cornea. Este exa-me é feito a olho nu e ao microscópio.

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cor-— 49 cor-—

nea começa exactamente ao nivel dos pontos de entrada e sahida do fio, indo-se d'ahi estenden-do successivamente por toda a cornea, que ao oitavo ou nono dia está completamente invadi-da, apresentando por toda uma côr lactescente. Este estado é sempre acompanhado de um au-gmento considerável da espessura da cornea. Algumas vezes, a par com estas lesões, observa uma conjunctivite, bem como, mas muito mais raras vezes, a presença de um circulo excêntri-co, que não está, como pretende Cohnheim, em relação com a opacidade central, e que Feltz at-tribue a uma espécie de dissecação da cornea, proveniente do obstáculo que o fio oppõe ao jogo da pálpebra, pois que quando cortava esta

membrana o circulo apparecia sempre.

Ao microscópio, o primeiro phenomeno que observa, no fim de muito pouco tempo, é a di-latação dos corpúsculos ou lacunas que elle diz existirem na cornea no estado normal; depois os prolongamentos caudaes d'estes corpúsculos participam da dilatação.

No fim de 12 horas vêem-se muito distincta-mente canaes de paredes perfeitadistincta-mente limita-das reunirem os différentes corpúsculos; a dila-tação vai progredindo, tornando-se mais notável nos corpúsculos e nos canaes intermediários. Feltz diz ter observado também, na cornea, a presença de leucocytos, e é de opinião que na cornea se pode dar a suppuração.

Virchow, no seu tratado de pathologia cel-lular, ao mesmo tempo que dá os resultados dos seus estudos anotomo-pathologicos sobre a

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— 50

-ratite, expõe a maneira como considera os pro-cessos pathologicos da cornea. Já dissemos re-sumidamente em que consistia a sua theoria. Para elle a caracteristi ca da inflammação não é a hyperemia dos tecidos mas sim a actividade exagerada da cellula, e a kératite representa o typo da inflammação parencliimatosa.

« Se a inflammação estivesse verdadeiramen-te ligada á hyperemia, diz Virchow, seria im-possível admittir a inflammação das partes que não estão em relação com os vasos; não pode-ríamos conceber uma inflammação a certa dis-tancia dos vasos. Seria impossivel fallar de uma inflammação da cornea a não ser do seu bordo, da inflammação de uma cartilagem a não ser da porção contigua ao osso, ou finalmente da in-flammação do interior de um tendão; e todavia essas partes inflammam-se como as outras, e as modificações que produz este estado mórbido não differem essencialmente das observadas nos órgãos vasculares».

Do que deixamos exposto julgamos poder concluir que a cornea é susceptível de se inflam-mar, porque para nós a inflammação não con-siste nas perturbações vasculares.

A cornea é muitas vezes a sede de collecções purulentas, cuja origem em balde nos esforça-mos por encontrar nos órgãos visinhos, que es-tão sãos. Este pus, somos forçados a admittil-o, fórma-se na propria cornea: mas para isso é pre-ciso que alli se dê uma perturbação da nutrição; d'aqui a necessidade de admittirmos a inflamma-ção da cornea.

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- 5 1

-Nem deve servir de obstáculo o dizer-se que a cornea é uma espécie de parasita que vive ás custas dos suecos nutritivos que lhe são forneci-dos pelos vasos forneci-dos órgãos visinhos, e que por isso as perturbações d'esté órgão estão fatalmente ligadas ás dos órgãos que no estado physiologico lhe fornecem esses elementos; porque n'esse caso não teriamos conjunctivite nem choroidite quê não arrastasse comsigo perturbações da cornea, e os factos estão constantemente a mostrar-nos o contrario.

A cornea, para nós, ê um órgão mais inde-pendente do que querem alguns auetores. Como órgão desprovido de vasos vai tirar aos tecidos visinhos os elementos de que carece para a sua existência; mas esses elementos não são mais do que a materia prima. A cornea tem uma vida propria, uma actividade funecionalindependente. Se esta actividade é menor do que a dos órgãos vasculares, qual é a sociedade em que todos os seus membros são igualmente trabalhadores?

A cornea bebe nos órgãos visinhos os mate-riaes de que carece para alimentar a sua activi-dade nutritiva e funccional propria; e se nós po-demos admittir que a cornea se nutre no estado normal, porque não havemos de admittir que esta propriedade nutritiva é susceptível de perturba-ções? Entendemos, pois, que a palavra kératite, em opposição á opinião de Broca, deve ser con-servada na sciencia.

As observações clinicas de Desmarres, Ga-lezowski, Duplay e outros auetores, e principal-mente as observações microscópicas dos

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aueto-- 82 —

res apontados no decorrer d'esta dissertação, levam-nos a rejeitar a opinião d'aquelles que consideram a kératite como plienomeno sempre consecutivo a uma inflammação dos órgãos vas-culares visinhos, e a admittir também a kératite primitiva: não podemos conformar-nos com a opinião d'aquelles que querem que a irritação produzida por um traumatismo qualquer, actuan-do sobre os nervos da cornea, vá, por meio d'es-ses nervos, provocar na conjunctiva uma inflam-mação que d'aquelle órgão se estenda á cornea.

Admittida a kératite, resumamos alguns dos phenomenos, a que ella dá logar.

A kératite pôde dar logar á vascularisação, á ulceração e á suppnração.

VASCULARISAÇÃO

Toda a inflammação da cornea, quando se prolonga por um certo tempo, pôde dar logar á vascularisação d'esté tecido; mas não é sempre fácil verificar a existência dos vasos, e se não tivermos o cuidado de observar a cornea por meio do microscópio negaremos a existência de vasos aonde realmente existem.

A epocha da apparição d'estes vasos não pôde fixar-se; depende da natureza mais ou me-nos francamente inflammatoria da moléstia. Em certas keratites, desenvolvidas em individuos de constituição débil, os vasos muitas vezes não ap-parecem senão mui tardiamente.

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——<mmmm^^^-^-^—

— S3 —

Acerca do desenvolvimento dos vasos diz Broca:

«As arcadas terminaes alongam-se insensi-velmente, vão-se estendendo pouco a pouco so-bre a cornea e conservam todos os seus cara-cteres. O sangue que conteem não percorre veias novas. Não são vasos que se formam, são os vasos normaes que se estendem, em virtude do estado mórbido, e que da conjunctiva passam á cornea, como se as suas paredes, amollecidas pela inflammação, tivessem adquirido a proprie-dade de cederem, e por assim dizer, de fugirem diante da impulsão do sangue.

His explica o desenvolvimento dos vasos por uma hypergenese das cellulas fusiformes da tunica adventicia dos capillares. As novas cel-lulas fusiformes nascidas das precedentes affe-ctant a forma de massas cónicas, irradiando para o centro da cornea.

No ponto em que estas massas tocam a pa-rede dos capillares pela sua base, esta experi-menta provavelmente uma perda de substancia pela qual o sangue penetra para se cavar na massa das cellulas em novo canal.

Qual é o papel d'estes vasos nas affecções da cornea?

Até que ponto são elles necessários á repa-ração das perdas de substancia d'esta membra-na? E mais um ponto duvidoso que se vem jun-tar aos muitos que se encontram no estudo das moléstias da cornea.

Para provarmos o que dizemos poremos aqui as seguintes explicações:

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5 4

-« Nas moléstias da cornea, diz Broca, a vas-cularisação não é senão um phenomeno de im-portância secundaria ; é a consequência e não a causa de um estado mórbido.

Se não irritarmos a conjunctiva, as lesões mais profundas da cornea, curam-se sem a ap-parição dos vasos».

Galezowsld pela sua parte diz: «Ha dous an-nos li á sociedade de cirurgia um trabalho no qual procurei demonstrar que os vasos são ne-cessários ao restabelecimento de uma cornea doente. Fiz depois d'isso novas experiências, e julgo-me feliz por ter de declarar que tirei os mesmos resultados. Sem vasos não ha repara-ção possivel de uma cornea doente, e nenhuma hypergenese das cellulas basta para a cicatrisa-ção de uma cornea doente. »

ULCERAÇÃO

A ulceração raras vezes é uma affecção pri-mitiva da cornea. A maior parte das vezes é consecutiva a umaphlictena, um abcesso, ou uma ferida d'esta membrana. Pôde invadir as cama-das superficiaes ou profuncama-das do tecido: e n'este ultimo caso, além da gravidade resultante da perda da substancia e da possibilidade de uma opacidade consecutiva, a pressão intra-ocular é das mais prejudiciaes á reparação da ulcera.

A sede da ulceração tem muita importância sobre a marcha da moléstia. Assim as ulceras

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centraes teem uma marcha muito mais lenta que as da periferia, o que é devido á maior distancia a que aquellas se acham dos vasos sanguíneos. Como se reparam as ulceras da cornea? e em que condições dão logar ás chamadas maculas ou opacidades da cicatriz?

Experiências feitas sobre animaes deram a convicção de que as maculas da cicatriz estão intimamente ligadas á evolução mais ou menos rápida das cellulas que constituem o tecido cica­ tricial. Se o seu desenvolvimento se faz com len­ tidão, podem adquirir uma transparência perfeita; mas se ao contrario a sua evolução é rápida, não attingem um grau de desenvolvimento completo e a cicatriz fica opaca.

S. Duplay no seu tratado de pathologia ex­ terna diz: «Os recentes estudos, e sobretudo as experiências feitas em animaes mostram que, logo que termine a eliminação dos leucocytos e das cellulas gordurosas que tapetam o fundo da ulcera, se produz nas partes adjacentes uma tu­ mefacção dos elementos preexistentes. Estes não tardam a multiplicar­se e passam pelo estado em­ brionário tornando­se fusiformes. Quando esta regeneração se passa com lentidão, segundo "We­ cker, permitte ao tecido da cornea recuperar a sua transparência ; no caso contrario produz­se uma espécie de retracção dos elementos tume­ factos e um desenvolvimento de fibrillas opacas que podem mesmo incrustar­se de granulações gordurosas ou calcareas.

Isto vê­se, sobretudo quando, em seguida á ulceração, se estabelece uma vascularisação

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anormal no centro da perda de substancia. Ou-tras vezes o tecido de nova formação começa por ser opaco, e não é senão lenta e progressi-vamente que vai adquirindo transparência, pro-vavelmente por uma reabsorpção de alguns de seus elementos.»

SUPPUKAÇA©

Antigamente punha-se em duvida a possibi-lidade da suppuração da cornea; mas hoje é um phenomeno admittido por todos, e ninguém nega a existência dos abcessos da cornea.

Muitas vezes encontram-se na cornea derra-mes formados por um pus de tal sorte concreto que não corre pela abertura que se pratica n'esta membrana: mas as collecções liquidas da cornea não são raras, e as observações microscópicas teem mostrado que este liquido 6 formado de glóbulos de pus, núcleos, gottas de gordura e pe-quenos fragmentos destacados do tecido da cor-nea.

A suppuração da cornea pôde ser aguda, ou produzir-se de uma maneira lenta e sem reacção alguma sobre os tecidos visinlios. No primeiro caso a moléstia tem uma evolução rápida; e os abcessos terminam, ou pela abertura para o ex-terior quando são superficiaes, ou por hypopion quando são profundos.

Quando o trabalho da suppuração é lento, o abcesso pôde ficar estacionário por muito tempo

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m m — — ^ — 1

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sem desenvolver os plienomenos inflammatorios; mas passado um espaço de tempo maior ou me-nor, sobrevem o estado agudo, a cornea vascu-larisa-se, á volta do abcesso apparece uma nu-vem ou mancha acinzentada, e o trabalho de re-absorpção começa.

Cesta maneira podem desapparecer abces-sos muito antigos.

ETIOLOGIA

As causas que dão logar á kératite podem dividir-se em geraes e locaes.

As causas geraes são as seguintes:

Influencia do estado geral sobre a nutrição da cornea.

Esta influencia ê um facto que não pôde pôr-se em duvida. Trauspôr-seau, nos archivos de medi-cina, apresenta varias observações de fusão da cornea consecutiva a febres pútridas. Também se tem observado o amollecimento da cornea em individuos affectados de phtysica, escorbuto, dy-senteria e febre palustre.

Apontam-se ainda como causas de kératite a escrófula, a syphilis, a gotta, o rheumatismo e outras moléstias diathesicas. De todas a que tem mais influencia é sem duvida a escrófula. Nos escrofulosos observa-se uma forma de kératite, que apresenta uma evolução tão caracteristica, que alguns auctor.es teem d'ella feito uma forma particular a que teem dado o nome de kératite lymphatica escrofulosa: mas, apesar de ninguém

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8 8

-negar á escrofulose a sua influencia como causa de kératite, ainda se não está de accordo sobre se esta forma especial é um modo de manifesta-ção da diathese, ou se a escrofulose não faz mais do que complicar a kératite.

As causas locaes de kératite são assaz nume-rosas.

Corpos estranhos, entropion e ectropion, ex-posição constante a um foco calorífico, um trau-matismo qualquer e muitas outras causas podem dar logar á kératite.

A cornea encontra nas moléstias dos tecidos visinhos uma causa frequente de perturbações; pôde mesmo dizer-se que não ha conjunctivite de alguma duração que não produza uma per-turbação mais ou menos profunda da cornea.

A blepharite chronica é uma das causas mais frequentes de kératite, mas não se veio ainda a um accordo sobre o mechanismo da pro-ducção da kératite n'este caso.

Querem alguns ophtalmologistas que a ké-ratite seja, n'estes casos, devida á infiltração da cornea pelos liquidos pathologicos.

Castorani fez um grande numero de expe-riências, cujos resultados o convenceram de que as diversas affecções da cornea reunidas debaixo do nome de kératite suppurativa são productos segregados pela conjunctiva, não só quando a inflammação d'esta membrana é primitiva, mas ainda quando é consecutiva á das outras mem-branas do olho, os quaes penetrando na cornea dão em resultado o seu amollecimento e opaci-dade.

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-Castorani tendo irritado a conjunctiva d'um coelho com uma pinça de torsão e obtido uma secreção abundante, notou, no fim de três dias, que a cornea tinha quasi perdido o seu brilho e se embaciara á maneira de um espelho quando lhe bafejamos. Passados sete dias a cornea tornou-se opaca e branca, as pálpebras achavam-tornou-se uni-das pelo muco-pus secco, a conjunctiva estava secca e rubra e a secreção tinha-se tornado mais abundante. Puxou para fora o olho ao coelho, a fim de isolal-o de todo o contacto com as pál-pebras, e passado uma hora a cornea retomou a sua transparência pelo facto da evaporação.

Gosselin attribue ao mechanismo da imbi-bição uma grande importância. Tendo demon-strado por experiências que a cornea é dotada de um grande poder endosmotico apresentou a seguinte opinião:

«A facilidade com que a absorpção conduz ao olho os materiaes apanhados á sua superficie, permitte-nos pensar que certas moléstias dos olhos são, talvez mais do que se pensa, devidas á absorpção e á passagem, á cornea e ás outras membranas, de princípios deletérios projectados accidentalmente sobre o omo, apanhados na at-mosphera ou trazidos é su] erficie do olho pelas lagrimas.

Vejo um exemplo d'isto nas epidemias de ophtalmia purulenta dos hospitaes dos exércitos e das prisões. Não poderá ser que nas outras ophtalmias o principio mórbido, em logar de vir de fora seja produzido pelo próprio individuo? que por exemplo o bordo das pálpebras

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segre-

co-gue, sob a influencia de uma constituição má, uma substancia purulenta ou serosa, a qual, mis-turando-se com as lagrimas, e passando com ellas, provoque a kératite, moléstia tão frequente nos escrofulosos?»

Mas a maior parte dos ophtalmologistas for-mam a este respeito uma opinião muito diffé-rente.

«A blepharite chronica, diz Volpean, é uma das causas determinantes (da kératite) mais fre-quentes e menos bem apreciadas. Eu de alguma sorte segui com o dedo e com os olhos o desen-volvimento da kératite em quatro individuos. E um facto que o contacto do tecido são com o doente explica muito bem. Em um dos doentes observados por mim o estado granuloso da pál-pebra datava de très mezes. A kératite corres-pondia-lhe tão exactamente que não occupava uma linha a maior e augmenta va sempre na mes-ma proporção ».

E evidente que n'estes casos a kératite era devida ao atrito constante das granulações so-bre a cornea. Este modo de ver é o mais geral-mente seguido.

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PROPOSIÇÕES

o

Anatomia. A cellula óssea não deriva immediate- .

mente da cellula cartilaginea.

Pnysiologia. Julgamos possível a nutrição sem a

ir-rigação directa dos tecidos pelo sangue.

Materia medica. A casca do salgueiro branco ó um

succedaneo da quina.

Pathologia externa. Adrnittimos a existência de

keratites primitivas.

Operações. Nos casos de cálculos urinários achamos

preferível a operação da talha á da lithotripsia.

Obstetrícia. Votamos contra a anasthesia nos partos

naturaes simples.

Pathología interna. No principio das gastrites

agu-das a melhor indicação é a dos eméticos.

Anatomia natnologica. Não está provado que os

glóbulos do pus sejam os leucocytes do sangue.

Hygiene. 0 celibato obrigatório £ prejudicial ao

indi-viduo e á sociedade.

Visio. Pôde imprimir-se.

O CONSBI.HEIIIO DIRECTOR,

Referências

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