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OS OLHARES SOBRE A AMÉRICA LATINA

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Academic year: 2021

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Rev. Augustus | Rio de Janeiro | v.23 | n. 45 | p. 131-151 | jan./jun. 2018 131

Miriam Barros Dias da Silva*

Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM) barros.miriam@yahoo.com.br

RESUMO

Ao longo dos séculos XIX e XX, vários intelectuais dedicaram tempo de suas vidas para pesquisar se seria possível estabelecer um projeto que explicasse a origem da identidade da América Latina, buscando elucidar em que se baseiam os males do continente que justificariam o atraso dos países latino-americanos. Para isso, cada um adotou os preceitos que melhor se adequassem as visões que os pesquisadores tinham sobre o continente americano. Dentre os teóricos que dedicaram- se a essas questões encontram-se Domingos Faustino Sarmiento, Manuel González Prada, José Martí e José Carlos Mariátegui.

Palavras- Chaves: Indigenismo; Sarmiento; Prada; Martí e Mariátegui.

THE LOOKS ABOUT LATIN AMERICA

ABSTRACT

Throughout the nineteenth and twentieth centuries, several intellectuals spent time in their lives to investigate whether it would be possible to establish a project that would explain the origin of Latin American identity, seeking to elucidate the basis of the evils of the continent that would justify the backwardness of Latin countries Americans. To do this, each one adopted the precepts that best suited the visions that the researchers had on the American continent. Among the theorists who dedicated themselves to these questions are Domingos Faustino Sarmiento, Manuel González Prada, José Martí and José Carlos Mariátegui.

Keywords: Indigenismo; Sarmiento; Prada; Martí and Mariátegui.

*

Especialista em História e Cultura da América Latina. Graduada em História pelo Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM).

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1 INTRODUÇÃO

A chegada do europeu na América causou a destruição de muitas nações indígenas. Os nativos foram roubados, escravizados, torturados e mortos. O índio era considerado um ser de raça inferior, o não civilizado e, por isso, a causa do atraso dos países americanos. Para o intelectual Domingos Faustino Sarmiento, o índio era a causa da enfermidade do continente americano.

As terras indígenas durante a colonização foram invadidas e tornaram- se propriedades privadas dos grandes latifundiários (os gamonales), sendo esta a origem do problema do índio. Uma pequena parte do território, em alguns casos, foram transformadas em reservas indígenas que mais pareciam um “parque prisão”, porque antes o índio era o dono da terra e desfrutava de uma vasta liberdade. Querer limitar o espaço territorial do indígena significaria o mesmo que cortar as asas de um pássaro.

O fato é que muitas nações indígenas foram vítimas de um grande genocídio e, por muito tempo foi preferível exaltar a Expansão Marítima e Comercial e a conquista europeia na América, do que exaltar os nativos da terra. A herança colonial deixou “cicatrizes profundas” na população indígena, que até hoje luta pela demarcação de suas terras. Apesar de terem sido os primeiros habitantes do continente americano, seus territórios não foram respeitados, sendo invadidos e tomados a força pelo homem branco considerado um ser superior e “civilizado”.

Após os processos de independências no continente, países foram formados na América, o que gerou uma intensa controvérsia. Onde estariam os símbolos desses novos países? Estariam nas raízes do continente, na cultura indígena ou no espelhismo das nações estrangeiras consideradas progressistas? Para alguns intelectuais americanos, a identidade nacional dos países latino- americanos deveria ser elaborada com símbolos, encontrados em seu próprio território. Portanto, segundo José Martí, as raízes culturais seriam encontradas nos costumes, nas tradições e na valorização das nações indígenas, até então depreciadas pela história contada pelo homem europeu.

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2 AS VISÕES DOS INTELECTUAIS AMERICANOS

Na história da América Latina um dos intelectuais que se destacaram foi Domingo Faustino Sarmiento. Ele fez parte de uma geração influenciada pelas doutrinas filosóficas europeias do século XVIII, o positivismo e a Revolução Francesa, e por conta disso enxergava na colonização da América Hispânica, a origem de suas mazelas e enfermidades. Sarmiento ao tentar explicar os problemas da Argentina, a partir de 1845, buscou “diagnosticar os seus males” e da sua interpretação produziu textos que acabaram influenciando o pensamento de vários intelectuais sobre as dificuldades encontradas no continente americano. Para esse pensador argentino do século XIX, o passado colonial revela que patologicamente o continente americano apresentou imperfeições que deixariam marcas na construção de sua identidade cultural. A América seria uma terra ocupada por povos sem história e sem cultura, o que caracteriza a teoria da inferioridade do nativo, que serviu como justificativa para missão civilizatória dos europeus. Em um trecho de sua obra- Conflicto y Armonía de las Razas en América- mais especificamente nas conclusiones, o autor apresenta a sua explicação de cunho racista em relação a inferioridade indígena. Embora considerasse que o índio fosse até mais apto em se adaptar ao ambiente imposto a ele, o mesmo continuaria sendo biologicamente inferior ao europeu.

Sarmiento afirma que existia uma diferença enorme entre a civilização- o mundo urbano, iluminado e civilizado- e a barbárie, que caracteriza como “es lo heredado, las razas

que se han mestistizado dando lugar a hombre aún más serviles” (ZEA, 1995:402). Portanto,

a parte civilizada eram as cidades, enquanto o lado da barbárie estaria nas áreas rurais. Segundo Cesar Augusto Barcellos Guazzelli, na visão de Sarmiento mesmo após as independências o atraso das antigas colônias latino-americanas em relação à Europa, podia ser explicado com uma lógica baseada numa interpretação evolutiva, uma vez que nos novos países americanos manteve-se a permanência do “feudalismo”.

Assim, os problemas que apresentava a Argentina- e a América Latina por extensão- se deviam por causas naturais: uma relacionada às origens étnicas, e outra ao meio ambiente; derivadas delas sobrepunham-se a oposição entre campo e cidade, e a persistência do “feudalismo”. (GUAZZELLI, História da Historiografia, nº 7)

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Para ele essa barbárie era fruto da colonização, uma vez que a raça encontrada na América era denominada como: pré-histórica servil, além de considerar o indígena como um ser biológico inferior. Na visão de Sarmiento, o homem branco europeu era superior não apenas em relação aos índios, mas também aos negros e aos asiáticos. Portanto, para o autor eram considerados bárbaros todos os indivíduos que não se enquadravam no processo civilizatório europeu.

Segundo Sarmiento, além do indígena ser considerado desde o seu nascimento uma representação da barbárie, o mesmo tornou-se mais agravante quando surgiram os mestiços, considerados pelo autor a causa da degeneração e da inferioridade do homem hispano- indígena.

El pueblo que habita estas extensas comarcas, se compone de dos razas diversas, que mezclándose formam medios tintes imperceptibles, españoles y indígenas (...) La raza negra (...) há dejado sus zambos y mulatos (...) eslabón que liga al hombre civilizado com el palurdo (...) Por lo demás, de la fusión de estas tres familias há resultado um todo homogêneo, que se distingue por el amor a la ociosidad y incapacidad industrial. (SARMIENTO,1952, p.23-24)

Sarmiento apresenta dois tipos de mestiçagem: a negativa e a positiva. Quando a miscigenação era de origem indígena, era considerada degenerativa, uma vez que retratava a fisionomia dos índios considerados pelo autor como seres não educados. Agora quando a miscigenação causava o clareamento da população, uma vez que tinha em sua mistura a presença de anglo saxões e europeus, ela era considerada positiva, porque além de ocidentalizar a população introduzindo a cultura europeia na América, ela evitaria o crescimento das populações latinas no continente.

O autor José Carlos Mariátegui escreveu a obra, Setes ensaios de interpretação da

realidade peruana, em um período de grande mobilização das populações indígenas no Peru,

durante a Guerra do Pacífico. Na obra citada, o autor discorda totalmente de Sarmiento no que se refere aos seguintes aspectos: de raça inferior, de miscigenação e de degeneração do homem hispano. Para ele, a perspectiva defendida por Sarmiento servia para atender os interesses mais antigos dos ideais imperialistas, uma vez que o problema do índio não era étnico e sim um problema socioeconômico.

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(...) Esperar a emancipação indígena de um cruzamento ativo da raça aborígene com imigrantes brancos é uma ingenuidade antissociológica, concebível apenas na mente rudimentar de um importador de carneiros merinos. Os povos asiáticos, ao quais o povo índio não é inferior em nenhum ponto, assimilaram admiravelmente a cultura ocidental, no que esta tem de mais dinâmico e criador, sem transfusões de sangue europeu. (MARIÁTEGUI, 2012:57)

É importante mencionar que Sarmiento também era um defensor do “espelhismo europeu”, isto é, desejava reproduzir na América tudo o que ele enxergava na Europa, buscando sempre estabelecer uma aproximação para refletir as tradições, as doutrinas e as teorias europeias. Infere- se que a inferioridade indígena se associa a um processo biológico, o que constituí um problema, e o mesmo só poderia ser superado quando o passado fosse negado e esquecido.

José Carlos Mariátegui, mais uma vez discorda de Sarmiento. Para o primeiro, deveria haver uma imersão do índio na sociedade sob a perspectiva de uma visão holística, para preservar a cultura indígena. Deveria ser feito um resgate dos ayllus indígenas, que antes da chegada europeia na América, tinha uma comunidade comunista perfeita: a sociedade incaica.

Os incas exercem no indigenismo marxista uma fascinação facilmente compreensível. A visão da antiga civilização dos Andes, herdada de Garcilaso de La Veja, se presta a uma interpretação que apresenta os incas como fundadores do comunismo perfeito. Em “A Justiça do Inca (1923)”, o boliviano Tristán Marof (pseudônimo de Gustavo Navarro, 1898-1979) destaca que eles formaram um povo feliz que nadava em abundância. As leis que eram rígidas, severas e justas. Tudo estava previsto maravilhosamente e regulado economicamente. Os bons anos serviam de reserva aos maus. A colheita se repartia escrupulosamente e o Estado inca girava ao redor de um sistema de harmonia(...) Todos comiam bem e se sentiam felizes. O crime era desconhecido e uma sombra tutelar de honradez purificada flutuava no império. (FAVRE, 2011:35)

Segundo uma análise de Dora Mayer de Zulen, sobre a Associação Pró- Indígena (1909- 1917), um movimento que buscou, por vias legais, o resgate da cultura indígena e conseguiu despertar o senso de responsabilidade em diversos setores da sociedade peruana, foi no despertar da consciência, que os próprios indígenas aprenderam que eles mesmos deveriam buscar a solução para os seus problemas.

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governantes, a consciência dos gamonales, a consciência do clero, a consciência do público ilustrado e semi- ilustrado, a respeito de suas obrigações para com a população que não apenas merecia um resgate filantrópico de vexames desumanos, mas também para qual o patriotismo peruano devia um reconhecimento de honra nacional, porque a raça incaica havia descido ao escárnio de próprios e estranhos. O melhor resultado da Pró-Indígena resulta, (...) no despertar indígena. O que era desejável que acontecesse, estava acontecendo: que os próprios indígenas, escapando da tutela das classes alheias, concebessem eles mesmo os meios de sua reivindicação. (MARIÁTEGUI, 2010:58)

Outro intelectual que também defende uma posição contrária a Sarmiento é José Martí. Para ele as nações latinas- americanas devem buscar formar as suas identidades lembrando sempre do seu passado, pois é nele que encontram- se as suas raízes históricas e culturais.

Em que pátria puede tener um hombre orgulho que em nuestras repúblicas dolorosas de América, levantadas entre las massas mudas de índios, al ruído de pelea del libro com el cirial, sobre los brazos sangrientos de um centenar de apóstolos. (CARVALHO, Estudos Ibero-americanos, vol.24)

Um exemplo deste resgate cultural no passado, para formar a identidade nacional aconteceu na América portuguesa, após a independência do Brasil. Segundo Edson Hely Silva, em O lugar do índio. Conflitos, esbulhos de terras e resistência indígena no século XIX: o

caso de Escada- PE (1860-1880), apenas a raça indígena poderia ser o símbolo legítimo da

nação brasileira, se fazendo presente nos discursos de intelectuais e políticos e sendo retratada na arte e na literatura como: O Guarani (1857) e Iracema (1865).

Com a Independência do Brasil, as elites a frente deste movimento, iniciaram a construção das bases de um Estado Nacional. Esse momento foi marcado pelo nacionalismo e pela afirmação da soberania política, onde o jovem país espelhava-se nas tidas como grandes nações civilizadas da Europa. Na busca da afirmação da identidade da nova nação independente, de uma representação simbólica que expressasse a participação das raças na sua formação histórica, o branco por ser de origem portuguesa foi rejeitado, por significar a manifestação da antiga dominação da qual o país há pouco se libertara. A raça negra, nunca fora prestigiada, pois a condição de escravos trazidos da África e de coisificação a eles imposta não permitia pensá-la como representação da nacionalidade. Restava o indígena, que embora combatido no passado e no presente, era o filho originário da terra e assim como ninguém um elegível e legítimo representante simbólico da nacionalidadE (SILVA, 1995:19).

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desenvolver na América Latina um movimento ideológico favorável a proteção da população indígena: o indigenismo que, teve o seu apogeu entre 1920 e 1970. Esse movimento atrelava- se ao nacionalismo, pois os países latino-americanos tentavam se constituir em nações. Sendo assim, era importante recuperar o universo indígena para integrá-lo na sociedade, buscando encontrar algum elemento que o identificasse na sua essência para restituir a sua época de glória.

(...) o indigenismo se classifica na família do populismo. Devido à sua busca de raízes americanas, à sua exaltação da cultura indígena, à sua valorização da comunidade agrária, às suas tendências coletivistas ou socializantes, e às conotações antiurbanas e com freqüência antiocidentais na busca de autenticidade (...). (FAVRE, 2011:4)

Segundo Antonio Carlos Amador Gil, o indigenismo no México tinha como objetivo incorporar a população indígena na sociedade, mas desde que fossem abandonados os costumes e as tradições nativas. E para isso acontecer, foi incentivado o processo da mestiçagem.

(...) foi instaurado pelo Estado o indigenismo, uma política sistemática para tentar resolver a questão indígena e incorporá-los definitivamente através da mestiçagem. O indigenismo implementado pelo Estado mexicano continha 3 elementos fundamentais: a denúncia da opressão do índio; a busca de políticas de superação da situação indígena pelo caminho da integração e a manifestação do caráter mestiço do continente. O indigenismo foi uma política governamental nutrida por uma visão de mundo que destacava as políticas e ações dirigidas aos indígenas, porém, de uma perspectiva não indígena. (GIL, 2011:342)

Sarmiento defendia que, para solucionar a deficiência da América Latina seria necessário incorporar algumas práticas dos povos já considerados civilizados, como os norte- americanos e os europeus, que constantemente buscavam o progresso. Segundo Guazzelli, uma das justificativas de Sarmiento para o “progresso” estadunidense foi a falta da miscigenação na região. “Já a ausência de misturas raciais seria destacada como uma das

explicações para o sucesso da colonização na América do Norte, na esteira da qual se construía o poderio dos Estados Unidos da América” (GUAZZELLI, História da Historiografia,

nº 7). Para ele, tanto os EUA quanto a Europa, representariam na época uma raça superior, ao passo que a América Latina seria a fraca, a inferior, caracterizando uma concepção racista:

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a tese do darwinismo social ou darwinismo criollo.

O fato de Sarmiento enquadrar os EUA como o modelo a ser seguido, pode ser explicado pela distinção desenvolvida desde a colonização da América do Norte onde os anglo saxões não aceitavam os indígenas: “ni como sócios, ni como siervos em su constitución

social” (ZEA, 1995:407). Enquanto isso, a colonização espanhola utilizou bastante a mão de

obra indígena e absorveu o sangue desse povo servil. Já para Martí, a tese do darwinismo social não se aplica, pois ele segue o princípio de que apesar de pertencerem a culturas diferentes, todos os homens possuem uma igualdade: a existência de uma alma, que o autor denomina como a grande identidade humana.

Para Sarmiento só existia um solução para libertar a América de seus problemas: o estabelecimento de um novo sistema educacional, que seria implantado com a chegada dos imigrantes, que libertariam as terras latino-americanas das enfermidades deixadas pelo passado, eliminando os vestígios de suas origens, que nesse momento para muitos eram motivos de dores e de vergonha. “Están mezcladas a nuestro ser como nación,

razas indigenas, primitivas, prehistóricas, destituídas de todo rudimento de civilización y gobierno; y solo la esculea puede llevar al alma El gérmen que em la edad adulta desenvolverá la vida social.” (SARMIENTO, 1993:410).

Com a chegada do estrangeiro, a América seria colocada nos trilhos em direção à modernidade, que a conduziria ao progresso e a civilização, pois esse imigrante traria consigo novas ideias, teorias, hábitos, enfim, uma nova visão de mundo que seria incorporada na vida cotidiana americana. Juan Bautista Alberdi foi um dos intelectuais fundadores da república liberal na Argentina e, ao lado de Sarmiento participou do grupo denominado “Geração de 37” influenciados pelas ideias iluministas, enxergavam na razão a solução para os males da América Latina. Alberdi e Sarmiento concordavam que o processo político nacional de branqueamento, garantiria os meios para o progresso. Sendo assim, ambos visualizavam nos Estados Unidos o ideal de nação.

Inspirado na experiência norte- americana via na imigração de habitantes da Europa do Norte o elemento chave dessa estratégia. A máxima do livro em que se esboçou seu projeto político para a Argentina era:” na América do Sul governar é povoar”. Isto significava transplantar os hábitos, os valores e as habilidades de trabalho dos europeus do norte; e desenvolver a economia do país de modo a integrá-la e

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equipará-la à dos países mais avançados (BEIRER, 1996:40).

É importante mencionar que, apesar das semelhanças entre Sarmiento e Alberdi, também havia algumas divergências em determinados aspectos sobre o liberalismo. “Para o primeiro intelectual, a fórmula liberal seria direcionada a “liberdade dos antigos”, enquanto para o segundo a “liberdade dos modernos” realizaria o ideal da república. Para Alberdi, a república deveria ser movimentada por sua própria sociedade civil, inclusive no aspecto político, embora apenas alguns indivíduos possuíssem direitos políticos, mas no geral todos teriam igualdade dos direitos civis o que ele caracteriza como país de ”habitantes produtores”.

Enquanto Alberdi concebia a liberdade como realização do interesse material individual, Sarmiento concebia-a como a realização das virtudes cívicas da cidadania política; isto é, como abandono da vida privada para se engajar nas lutas, nos debates e na tomada de decisões políticas. A república ideal de Sarmiento era composta de cidadãos dominados pela paixão política, enquanto para Alberdi ela consistia numa comunidade de habitantes- produtores, preocupados em essência com seus assuntos privados (BEIRER, 1996:42).

Um outro ponto de divergência entre Sarmiento e Alberdi era o papel da educação. Enquanto o primeiro era defensor da universalização do ensino sob-responsabilidade do Estado, como instrumento que garantiria ao indivíduo a posse de seus direitos políticos, o segundo defendia uma educação da população focada em sua capacitação profissional. Segundo José Carlos Mariátegui o problema do índio não era educacional, mas a invasão de suas terras pelos grandes latifundiários que consolidavam seu poder apoiados no capital estrangeiro. Formavam uma “aliança entre feudalismo e o imperialismo, que permite

qualificar a América Latina de “semifeudal” e de “semicolonial” (FAVRE, 2011:35). E mesmo

se fosse um problema educacional, a pedagogia defende que a educação não é apenas uma simples reprodução de métodos didáticos, mas um processo complexo onde o meio social e econômico interferem na construção processo ensino- aprendizagem. Tanto para Eugênio Rezende de Carvalho quanto para José Martí, o futuro da América não poderia estar nas ideias oriundas do estrangeiro e na sua suposta superioridade. O futuro da América deveria brotar das suas próprias raízes americanas.

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entre 1848 e 1918, e que trouxe uma perspectiva de indigenismo na qual buscou defender veementemente as populações indígenas americanas. Na sua obra Nuestros Índios, ele questiona a divisão da humanidade em raças superiores e inferiores, respectivamente, os homens brancos- que monopolizariam o poder - e os negros africanos e os índios. Prada vai condenar o darwinismo social de Sarmiento, pois para ele as nações indígenas não são responsáveis pelo atraso da América Latina.

Segundo a obra de Prada e de Favre o problema indígena não é derivado do aspecto cultural ou biológico, como disse Sarmiento. A origem do problema encontra-se nas questões sociais e econômicas, opinião também compartilhada por Mariátegui, tanto que é possível visualizar a relação existente entre o opressor e o oprimido.

A servidão em que os mantinham os terratinientes e que os reduz à condição de párias impede as massas indígenas desenvolver o sentimento de pertencer a uma pátria. As estruturas de dominação interna, baseadas na acumulação da terra, fazem do Peru um simples “território habitado”. Para que se converta em nação, não é necessário que o índio se emancipe e que seja destruído o poder agrário a que está sujeito. Assim pois, o problema do índio não é um problema racial. Tampouco é um problema cultural que pode encontrar sua possível solução na educação. É uma questão essencialmente econômica e social. (FAVRE, 2011:34)

Segundo Mariátegui, se o problema das populações indígenas americanas tem suas raízes no regime de propriedade da terra que está concentrada nas mãos dos grandes proprietários agrícolas, dos latifundiários, enquanto houver o feudalismo desses gamonales, o problema do índio continuará existindo. Frederico Daia Firmiano, em A “Questão Agrária”

em Mariátegui, afirma que o problema do índio é de origem socioeconômica e, para se

buscar a solução é necessário reconhecer o direito do índio a terra.

Colocando no primeiro plano o problema econômico-social, assumimos a postura menos lírica ou literária possível. Não nos contentamos em reivindicar o direito do índio à educação, à cultura, ao progresso, ao amor e ao céu. Começamos por reivindicar, categoricamente, seu direito à terra. (FIRMIANO, 2012: 24)

Para Frederico D. Firmiano, o problema do índio na visão de Mariátegui, não é um problema capitalista e sim socialista.

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Onde existissem, as comunidades deveriam, pois, se constituir como parte do socialismo andino, única alternativa possível às formas de exploração e opressão de seu povo, que tem a expressão indígena. (...)

É assim, que Mariátegui encaminha o “problema indígena” e o “problema da terra” como o problema do socialismo e não, simplesmente, como uma “questão agrária” que, como sabemos, classicamente, é um problema do capitalismo, que a ordem burguesa deve resolver. (FIRMIANO, 2012:28)

Retrocedendo um pouco na história da América Latina, sabe-se que a partir da invasão europeia houve a conquista e, as terras americanas ficaram sob a posse da Coroa espanhola. As terras eram adquiridas por aqueles indivíduos bem relacionados, fosse através de concessões ou de compra. Os que se beneficiaram, acabaram se transformando em grandes proprietários rurais e, muitas vezes tomavam ou compravam as propriedades dos pequenos agricultores e pecuaristas. Estes direcionavam para as regiões de fronteiras e deparavam- se com a possibilidade de uma nova expulsão, só que desta vez pelos ataques indígenas (em alguns casos interessados em defender o que lhe restará).

Um exemplo foi o que aconteceu na Argentina no governo de Juan Manuel de Rosas, o décimo maior estancieiro e o mais poderoso caudilho da época. Ele esteve no poder de 1828 a 1852, havendo um breve intervalo entre 1832 e 1835. Foi no governo de Rosas que as fronteiras foram ampliadas em 42%, mas para isso acontecer foi necessário atacar, destruir as tribos indígenas dos pampas e ocupar as suas terras.

A Expedição ao deserto, realizada entre 1833 e 1834, foi a mais importante da época rosista. Nessa guerra genocida, que só terminaria na década de 1880, os índios sobreviventes foram empurrados para as gélidas e áridas terras da Patagônia. Os grandes beneficiários da expansão da fronteira foram os grandes proprietários de terras. (BEIRER, 1996:35)

Infere-se que a república ao invés de elevar a condição do índio fez o inverso, o conduziu ainda mais a miséria ao retirar dele a terra, uma fonte de alegria, o local de onde se brota a vida. Segundo Mariátegui, ao retirar a terra do índio que tem uma cultura agrária, além de ser prejudicado materialmente ele também sofria um ataque a sua moralidade. Nota- se que a terra para as tribos indígenas é extremamente importante, pois para eles é dela que surge a vida. Portanto, ao retirá-la deles seria o mesmo que arranca- lhes a alegria e a vida, restando apenas a tristeza em seus corações. Sendo assim, a raça indígena está

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atrelada a terra, a agricultura e ao pastoreio desde a época dos povos pré-colombianos. Um exemplo de povo que demonstra esse princípio de que é da terra que vem a vida, são os incas do Peru.

A terra- escreve Valcárcel estudando a vida econômica do tawatinsuyo-, na tradição reinícola, é a mãe comum: de suas entranhas saem não somente os frutos alimentícios, mas também o próprio homem. A terra apresenta todos os bens. O culto da Mama Pacha é paralelo ao da heliolatria, e como o Sol não é de ninguém em particular, tampouco o é o planeta. Irmanados os dois conceitos na ideologia aborígine, nasceu o agrarismo, que é a prosperidade comunitária dos campos e religião universal do astro do dia. (...)

Propriedade coletiva da terra cultivável pelo ayllu ou conjunto de famílias aparentadas, ainda que dividida em lotes individuais intransferíveis; propriedade coletiva das águas, terras de pasto e bosques pela marca da tribo, ou seja, uma federação de ayllus estabelecidos ao redor de uma mesma aldeia; cooperação em comum no trabalho; apropriação individual das colheitas e frutos. (MARIÁTEGUI, 2010:71)

É notório que esse sentimento, se fez presente entre os índios do continente americano do Norte ao Sul. Durante o processo de expansão territorial dos Estados Unidos, principalmente na direção Oeste, houve inúmeros conflitos entre os pioneiros e os nativos que ocupavam as terras. Muitas nações indígenas também foram dizimadas e expulsas dos seus territórios pelos conquistadores, caracterizando a luta entre os donos da terra e os donos do dinheiro.

Segundo a obra de Dee Brow, Enterrem meu coração na curva do rio, era comum a pratica de negociações de representantes do governo (os comissários) com chefes de tribos indígenas norte-americanas. Em 1870, foi colhido o depoimento de Santana, chefe dos kiowas, no qual é possível verificar o sofrimento deles diante da invasão de suas terras pelos homens brancos, que não respeitavam a natureza e nem os antigos donos das terras.

Soube que pretendem colocar-nos em uma reserva perto das montanhas. Não quero ficar nela. Gosto de vagar pelas pradarias. Nelas me sinto livre e feliz; quando nos estabelecemos, ficamos pálidos e morremos. Pus de lado minha lança, o arco e o escudo, mas me sinto seguro na sua presença. Disse-lhes a verdade. Não tenho pequenas mentiras ocultas em mim, mas não como são os comissários. São tão francos quanto eu? Há muito tempo, esta terra pertencia aos nossos antepassado; mas quando subo o rio, vejo acampamentos de soldados em suas margens. Esses soldados cortam a minha madeira, matam meu búfalo e, quando vejo isso, meu coração parece partir; fico triste (...).

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come o que matou? “Quando os homens vermelhos matam a caça, é para que possam viver e não morrer de fome”. (BROWN, 2003: 173)

Um outro caso de invasão às terras indígenas, aconteceu na antiga América portuguesa, na Aldeia de Escada que, em 1861, era considerada a mais rica da província de Pernambuco. A aldeia citada, foi pesquisada por Edson Heloy que, constatou que a mesma estava situada em um terreno de grande valor. As terras da aldeia eram muito férteis, numa região de mata virgens e muito bem irrigada pelos rios. A população da aldeia de Escada era de 292 indígenas, que viviam numa situação econômica estável. Havia até um índio que possuía dois engenhos de açúcar dentro da propriedade da aldeia, seu nome era José Francisco Ferreira e os engenhos denominados de Boa Sorte e Cassupim. Logo as terras da aldeia despertariam os interesses dos grandes latifundiários. A análise comprovou que a terras da aldeia de Escada foram invadidas para atender interesses econômicos.

A fertilidade da região da Mata sul em Pernambuco, com um solo propício, estimulou o investimento no cultivo da cana e a concentração de engenhos para a fabricação de açúcar. As pressões impostas e as invasões das terras indígenas pelos senhores de engenho, baseavam-se na lógica do aproveitamento econômico da fertilidade dos terrenos onde estava localizada a Aldeia da Escada. Essa foi, por exemplo, a motivação, na qual fundamentou o Juiz de Órfãos de Vitória de Santo Antão o seu parecer favorável, em 1853, como resposta a consulta do Presidente da Província sobre a conveniência de arrendar parte das terras da Aldeia da Escada, ao Major Mariano Carneiro da Cunha. O Juiz afirmava só existirem na Aldeia "onze famílias índias, e trinta e sete pardas, inclusive alguns pretos, que se inculcam índios"(...)

O Juiz estava convencido da viabilidade de um arrendamento, em sua ótica, mais lucrativo. Para ele, seria mais conveniente aforarem- se os terrenos que os indígenas "não podiam cultivar", a pessoas que pagassem de imediato "uma prestação vantajosa", isso porque o terreno a ser aforado "nenhum prejuízo" traria aos índios (...).

Em conseqüência das perseguições impostas pelos invasores, que cada vez estreitavam os terrenos cultivados pelos indígenas, muitos abandonaram seus antigos locais de moradia, indo se estabelecerem em terras de engenhos. (SILVA, 1995:40-42)

Durante a revolução de independência do Peru, promovida pelos criollos, houve uma intensa participação da população indígena que enxergava na república a oportunidade de ter os seus direitos respeitados. Uma das primeiras medidas da gestão republicana foi criar leis e decretos que fossem favoráveis aos índios. Porém, as determinações das leis como: abolir o trabalho gratuito e a repartição das terras ficou apenas no papel. Em suma, não

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houve a diminuição da servidão do índio e o regime das mitas foi restaurado no regime republicano. Para Mariátegui, no Peru:

A aristocracia latifundiária da colônia, dona do poder, conservou intactos seus direitos feudais sobre a terra e, por consequência, sobre o índio. Todas as disposições aparentemente dirigidas para protegê-lo nada puderam contra o feudalismo subsistente até hoje. (MARIÁTEGUI, 2010:62)

A verdade é que a república peruana provocou uma fragilidade na população indígena, que no final, perdeu a vontade de lutar por tudo aquilo que deveria reivindicar, por seu direito à terra que estava concentrado nas mãos dos gamonales. Seria possível as tribos indígenas solucionarem os seus problemas?

Esta seria uma tarefa muito difícil, porque a antiga classe latifundiária não perdeu o monopólio da terra e conservou a sua posição, porque se disfarçou de burguesia republicana e capitalista. Desta forma, a política agrária instituída na república peruana, manteve intacta a manutenção do latifúndio, o que dificultou a implantação da solução liberal para o problema: fracionar o latifúndio para criar as pequenas propriedades.

(...) De qualquer maneira, entre nós, o caudilho e o governo dos militares cooperaram para o desenvolvimento do latifúndio. Um exame mesmo superficial dos títulos de propriedade dos nossos grandes fazendeiros bastaria para demonstrar que quase todos devem seus bens, no princípio, à mercê da Coroa espanhola, depois à concessão de favores e concessões ilegítimas concedidos pelos generais influentes em nossas falsas repúblicas. As benesses e as concessões foram dadas a cada momento, sem levar em consideração os direitos de populações inteiras de indígenas ou de mestiços aos quais faltou força para fazer valer seu domínio. (MARÁTEGUI, 2010:85)

Outro fator relevante é que, essa velha classe latifundiária também determinava o regime político. O fato de se manterem intactas as raízes feudais, seria uma causa do atraso no desenvolvimento do sistema capitalista na América Latina. Portanto, para Mariátegui: “o

problema agrário- que até agora a república não conseguiu resolver- domina todos os problemas da nossa nação. Sobre uma economia semifeudal não podem prosperar nem funcionar instituições democráticas e liberais” (MARIÁTEGUI, 2010:70).

O fato é que o regime republicano não conseguiu acabar com os latifúndios- herança colonial- por três motivos: primeiro que a formação da burguesia foi muito tardia se

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comparada com a de outras nações americanas, portanto a burguesia formada era menos incipiente. Em segundo, a inexistência de um estado revolucionário na classe camponesa, consciente de suas reivindicações do seu direito à terra em contraposição do poder da velha classe latifundiária. E por último, a inexistência de um movimento indígena forte, resistente e determinado na luta pela terra dentro da revolução de independência. Segundo Bárbara Weinstein:

Só para resumir rapidamente, essa linha de crítica geralmente viu a independência como um projeto das elites que excluiu as classes populares, e fechou os pequenos espaços de atuação política que existiram na época colonial. Por isso, os índios ficaram inteiramente fora da nação, ou incorporados somente como não-índios. (REICHEL, 2005:296)

Segundo Mariátegui, a causa da redenção dos indígenas se converteu na república e, os próprios índios peruanos, perderam a vontade de lutar pelas suas terras: “(...) Um povo de

4 milhões de homens, conscientes de seu número, nunca desespera de seu futuro. Os mesmos 4 milhões de homens, enquanto não sejam mais que uma massa orgânica, uma multidão dispersa, são incapazes de decidir seu rumo histórico” (MARIÁTEGUI, 2010:65).

Embora tenha- se promulgado o Código Civil do Peru que, condenava a ordem política da aristocracia latifundiária e, favorecia a formação das pequenas propriedades com a divisão igualitária. A verdade é que, a pequena propriedade peruana não conseguiu prosperar e os latifúndios expandiram- se ainda mais, inclusive alcançando as terras das comunidades indígenas.

Para Sarmiento, os Estados Unidos da América era um exemplo de nação a ser seguido, mas o fato é que desde o início, o processo de colonização da América do Norte foi muito diferente do processo colonial da América espanhola. Segundo Mariátegui, na América do Norte as terras não foram doadas, pois cada colono comprava a sua propriedade. O tamanho das propriedades era determinado de acordo com a área que ele poderia cultivar, por isso em vez de encomendas nos EUA houve o cultivo.

Nesse processo várias terras indígenas foram invadidas, mas diferente da América espanhola, no Norte, nem o general vitorioso na luta contra os nativos e, nem o rei, repartia ou doava entre os seus amigos ou familiares o território conquistado. A prática adotada era

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realizar leilões de lotes das terras conquistadas, além de determinar que o indivíduo não poderia em uma única compra adquirir vários lotes. E assim, várias cidades foram construídas em meio ao deserto, o que valorizava muito o preço da terra. Mariátegui afirma que:

(...) E com a limitação de que uma única pessoa não pudesse adquirir muitos lotes de uma vez. Desse sábio, desse justiceiro sistema social provém o grande poderio estadunidense. Por não ter procedido da mesma maneira é que tantas vezes fomos caminhando para trás. (MARIÁTEGUI, 2010:76)

Na América do Norte, mais uma vez as populações indígenas foram prejudicadas durante a Guerra Civil, em meados do século XIX. Estima-se que durante o conflito, entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos da América, havia aproximadamente trezentos mil índios no país, mas a maioria deles vivia a oeste do Mississípi. Segundo Dee Brown, esses eram remanescentes das tribos indígenas que conseguiram sobreviver após a chegada dos primeiros colonos.

A tribo mais poderosa e numerosa era conhecida como Sioux ou Dakota, localizava-se na região Oeste. Eram separados em várias subdivisões, por exemplo, os Sioux Santee, que habitavam as florestas de Minnesota, no oeste os Tetons Oglala e os Sioux Teton. Brown afirma que durante a Guerra Civil, foi possível verificar que os nativos adotaram posturas diferentes. Alguns líderes de tribos indígenas preferiam negociar com o homem branco, pensando que assim, evitariam uma guerra, alguns chegaram a fornecer os seus guerreiros para lutarem contra as outras tribos rivais. Em outros casos, alguns líderes estavam dispostos a declararem guerra ao homem branco e, a lutarem para expulsar os invasores de suas terras. Segundo Brown:

(...) Entre os hunkpapas, uma divisão menor dos sioux teton, um jovem, com seus 25 anos, já conseguira reputação de caçador e guerreiro. Em conselhos tribais ele defendera a oposição radical a qualquer invasão de homens brancos. Era Tatanta Yotanka, o Touro Sentado. Era o mentor de um menino órfão chamado Galha. Junto com Cavalo Doido, dos oglalas, fariam história dezesseis anos depois, em 1876. Embora ainda não tivesse 40 anos, Cauda Pintada era o porta- voz principal dos tenton brulé, que viviam nas planícies do extremo oeste. (...) Adorava seu modo de vida e a terra em que vivia, mas estava disposto a negociar para evitar a guerra” (...) Nas montanhas rochosas, ao norte dos territórios dos apaches e navajos, havia os utes, uma agressiva tribo montanhosa, inclinada a atacar seus vizinhos mais pacíficos do sul. Ouray, seu líder mais conhecido, favoreceu a paz com os homens brancos a ponto de alistar seus guerreiros como mercenários contra outras tribos

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índias. No extremo oeste, a maioria das tribos eram muito pequenas, muito divididas ou muito fracas para oferecer muita resistência. (BROWN.2003: 26-29)

Para Dee Brown, foram trinta anos de luta onde jovens e idosos indígenas perderam as suas vidas, mas acreditando que lutavam pela liberdade do índio e pelo seu direito, que era a terra. E nesse conflito, seus nomes entraram para a história e esses guerreiros tornaram-se personagens lendários de uma nação. “Agora, um século depois, são talvez os

mais heroicos de todos os americanos” (BROWN, 2003:29).

É notório que, a maioria das populações indígenas não aceitaram pacificamente a invasão de suas terras, os guerreiros, a maneira deles tentaram lutar por seus direitos, mesmo que isso tenha significado a perca de suas próprias vidas ou a destruição de seu povo. Esses guerreiros lutavam, pois consideravam- se defensores tenazes das suas terras. Isso aconteceu tanto na América do Norte quanto na América do Sul. Embora muitas nações indígenas tenham lutado para preservação do seu território, é notório que a tecnologia militar contribuiu para a vitória dos europeus em diversas partes do continente americano. Sendo assim, inúmeras nações indígenas foram dizimadas e tiveram arrancadas de si a sua fonte de alegria e de vida: a sua terra, a mesma onde viveram os seus antepassados.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a colonização (com os repartimentos e as mitas) até o regime republicano os indígenas sempre foram desprestigiados e explorados para atender os interesses econômicos das elites sociais, por exemplo, os latifundiários. Para conduzir a América à modernidade, seria necessário realizar a eliminação da estrutura feudal na América Latina, uma herança deixada pela colonização, e realizar uma transformação que fosse efetiva na vida dos nativos. O que seria difícil, porque muitos proprietários de terra mantinham relações e alianças com o governo devido à existência de interesses comuns. Prada menciona que a forma de governo chamada de república democrática, era composta por autoridades políticas que ajudavam quase sempre aos indivíduos ricos e fortes. Em muitas regiões americanas juízes e governadores pertenciam à classe dos latifundiários, portanto, deveriam garantir os interesses do seu grupo social mesmo que fosse em detrimento dos demais, como no caso

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dos indígenas que tiveram suas terras invadidas.

A perspectiva ideológica de Sarmiento que analisou a América Latina predominou entre os intelectuais, conseguindo inúmeros seguidores, mas não se pode dizer que se tornou uma unanimidade, pois uma minoria preferiu valorizar uma visão positiva do que se tinha no continente antes da chegada dos europeus. Martí foi um que fez parte dessa minoria, para ele a Nuestra America seria a busca de uma personalidade própria, e tentar construí-la com costumes estrangeiros significaria esquecer que existem diferenças.

Para Sarmiento a barbárie encontrava-se no campo, por isso ele defende Buenos Aires se contrapondo as lutas argentinas que começaram na área rural. Os problemas dos males de origem da América encontram-se no seu aspecto cultural, por isso seria importante além de criar um novo sistema educacional, destacar o modelo norte-americano como um exemplo a ser seguido. Os EUA além de isolarem completamente as populações indígenas em áreas de reservas, também estimularam a imigração para seu território. Segundo Martí, esse espelhismo não deveria ser adotado, nem no que se refere aos Estados Unidos, pois essa seria outra América. Afinal, desde a colonização o processo administrativo adotado pelas Trezes Colônias inglesas apresentaram características diferentes da América espanhola.

De um lado Prada e Mariátegui descartam o problema do índio como um fator cultural ou educacional, pois esse se encontra no aspecto social e econômico e que embora exista a concentração do poder nas mãos dos fazendeiros e caudilhos em detrimento das nações indígenas, eles defendiam a superação dessa diferença.

Do outro Sarmiento defende que o conhecimento e a civilidade encontram-se na cidade, enquanto no campo encontram-se apenas o homem rural e o indígena que representam a barbárie. Prada e Martí discordam e possuem visões diferentes de Sarmiento. Para Prada “Donde se lee barbarie humana tradúzcase hombre sin pellejo blanco” (ZEA, 1995:430), e segundo Martí: “No hay batalla entre la civilización y la barbárie, sino entre la

falsa eruddción y la naturaleza” (CARVALHO, 1995:17).

Defensor dos indígenas americanos Manuel Gonzalez Prada, um teórico marxista, aborda que a questão da herança do colonialismo havia deixado frutos de uma dominação sofrida, onde alguns grupos sociais discriminaram os indígenas utilizando-se da justificativa da supremacia das diferenças raciais. Prada desenvolve a questão da exploração indígena ao

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fazer algumas perguntas como: Teria sofrido menos o índio dominado pelos colonizadores espanhóis? Sabendo que o problema indígena é de origem econômica e social, como resolver esse impasse?

Prada diz que a solução para os problemas indígenas serão encontradas quando os próprios tomarem a decisão de superar as barreiras impostas a eles, sem esperar que seus opressores amenizem as pressões ou que alguém faça algo para defendê-los.

Neste aspecto, também é notória a concordância entre Prada e José Carlos Mariátegui, pois a solução para o problema indígena é de cunho social e quem deve executá-las são os próprios índios. Eles não devem esperar que outros setores da sociedade o façam em seu lugar. Manuel González Prada costumava dizer que a resolução do problema indígena eram apenas duas: “ou o coração dos opressores se condói a ponto de reconhecer o direito

dos oprimidos, ou o ânimo dos oprimidos adquire virilidade suficiente para castigar os opressores” (MARIÁTEGUI, 2010: 58).

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