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Liderança e desafios. O medo e o comportamento exploratório no processo de transição para uma posição de liderança

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Academic year: 2021

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Liderança e desafios. O medo e o comportamento exploratório no processo

de transição para uma posição de liderança

Bernardo Almeida1 e Catarina Brandão1,2

1Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal. bernardomfca@gmail.com;

catarina@fpce.up.pt

2Centro de Psicologia da Universidade do Porto, Portugal.

Resumo: Partindo das conceções teóricas e metodológicas dominantes acerca da liderança, este artigo apresenta uma forma alternativa de estudar a liderança, que se alia a um entendimento particular acerca deste tema. Para os autores, a liderança é melhor entendida enquanto processo que se concretiza na dinâmica entre pessoas, considerando o seu próprio desenvolvimento, as suas formas de ver, expectativas e receios. Os autores investigam, à luz da teoria da vinculação e da TABEIS, o modo como é ativado o sistema de autodefesa do self e o comportamento exploratório de líderes no processo de transição para um novo posto de liderança. Os dados revelam várias situações ativadoras do sistema de autodefesa dos líderes e distintas estratégias adoptadas para manter ativo o seu comportamento exploratório.

Palavras-chave: liderança; processo de transição; Sistema de autodefesa; comportamento exploratório; TABEIS

Leadership and challenges. Fear and exploratory behavior in the process of transition to a leadership position

Abstract: Starting from the dominant theoretical and methodological conceptions about leadership, this article presents an alternative way of studying leadership, which combines with a particular understanding of this topic. For the authors, leadership is best defined as process that takes shape in the dynamics between people, considering their ways of seeing, expectations and fears. The authors investigate, in the light of the theory of attachment and TABEIS, the way in which exploratory behavior is activated and, on the other, the system of self-defense of the leaders in the process of transition to a new place of leadership. The data reveal several situations activating the self-defense system of the leaders and different strategies of the leaders to keep active the exploratory behavior.

Keywords: leadership; transition process; self-defense system; exploratory behavior; TABEIS.

1 Introdução

Este artigo apresenta um modo complementar e alternativo de abordar a liderança, procurando ir para além das principais conceções teóricas e metodológicas em torno deste tema. O artigo ressalta a importância de compreender a liderança como um processo que acontece nas dinâmicas interpessoais, nas quais importa considerar as idiossincrasias próprias dos seus intervenientes e das relações entre estes. Por conseguinte, para uma melhor compreensão e potenciação das dinâmicas de liderança e dos seus processos emocionais, o artigo evidencia a importância da teoria da vinculação. A liderança é, no âmbito deste trabalho, entendida como um processo que reflete a ativação de vários sistemas intra e interpessoais do indivíduo, sendo influenciada pela qualidade das relações experienciadas ao longo da própria história pessoal. Com efeito, a qualidade da liderança está relacionada com o modo como os indivíduos vivenciam a sua situação no seu contexto, consigo e com os outros. Com base nestas premissas, este estudo foca o modo como se ativa o sistema de autodefesa do líder no processo de transição para um novo lugar de chefia e as estratégias que este mobiliza no sentido de manter o seu sistema de exploração ativo.

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1.1 Perspetivas sobre a liderança

Persistem inúmeros e distintos modos de entender a liderança. Segundo Northouse (2010), existem pelo menos 65 diferentes classificações para a definir. Certo é que a liderança tem sido compreendida segundo um conjunto principal de teorias, entre as quais salientamos quatro, que se distinguem sobretudo pelo seu foco de abordagem. Entre as primeiras teorias, destacamos a das qualidades pessoais, que ressalta as aptidões individuais do líder, crendo-as como dons intrínsecos e inatos (Bennis & Nanus, 1998). Nos anos cinquenta e sessenta do século XX, as teorias dos estilos descortinaram o modo como o bom líder deve proceder, evidenciando três estilos: autocrático, liberal e democrático. Entretanto, verificou-se que uma liderança que envolva os subordinados é mais frutuosa e eficaz. Entrámos assim no dinamismo das teorias situacionais, onde a “situação” concreta aparece como um critério importante de verificação da atitude do líder, de modo a facilitar e a potenciar os colaboradores a nível profissional, pessoal e social (Yukl, 1998). Nos anos oitenta surgiu a chamada “nova liderança” como designação que reúne as teorias mais recentes, as quais destacam valores como: o serviço humilde (liderança de serviço), o desenvolvimento das pessoas (liderança transformacional), a autoconsciência e transparência relacional (liderança autêntica), as condutas apropriadas, a vitalidade dos subordinados (liderança de empoderamento), a transcendência e a conexão (liderança espiritual) (Avolio, Walumbwa, & Weber, 2009).

1.2 Como tem sido estudada a liderança?

São múltiplos os estudos que se debruçam sobre o tema da liderança nas suas diversas dimensões (e.g., Gaiter, 2013; Ilies, Nahrgang, & Morgeson, 2007). Estamos diante de um assunto essencial na Psicologia das Organizações. Ora, grande parte dos estudos que se debruçam sobre a liderança nas organizações e as dimensões que a promovem eficazmente estão mais focados na análise de preditores de tipo universal do que propriamente na análise situacional e em contexto real dos processos de liderança, incluindo a influência das experiências desenvolvimentais dos indivíduos, os elos relacionais e respetivas dinâmicas emocionais. Os estudos sobre a liderança tendem a privilegiar as variáveis e dimensões quantitativas e menos as qualitativas (Coelho, Antloga, Maia, & Takaki, 2016). Contudo, na medida em que liderar traduz uma interação que acontece ao longo do tempo, importa atender à sua complexidade, valorizando a combinação de dados quantitativos e qualitativos. Estes últimos são particularmente relevantes para compreender os processos e padrões envolvidos na dinâmica da liderança (Gordon & Yukl, 2004; Barkouli, 2015). Integrar num único universo a dimensão académica / investigação e a profissional / organizacional é também um caminho que urge assumir (Oliveira, Barros, & Silva 2016). O estudo que aqui se apresenta procura ir ao encontro destas necessidades.

1.3 O nosso entendimento acerca da liderança

Entendemos a organização como um sistema social que se realiza nas interações dos humanos que a constituem (Brandão, Miguez, & McCluskey, 2016) e a liderança como a canalização da energia das pessoas no sentido de metas positivas comuns na organização (Knowles, Holton, & Swanson, 2011). Estamos assim a falar de interações humanas, das quais brotam diversos desafios intra e interpessoais. Com efeito, não obstante as importantes aportações das diferentes teorias sobre a liderança, parece-nos que há um passo importante a dar no sentido de valorizar, por um lado, a qualidade das dinâmicas relacionais que se estabelecem entre líderes e subordinados, a qualidade das dinâmicas internas pessoais de ambos (Brandão, 2016) e a forma como essas dinâmicas traduzem as experiências

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desenvolvimentais dos indivíduos. Importa passar a uma visão da liderança mais focada no modo como se conhecem e se lida com as emoções que surgem no trabalho e como elas são potenciadas (Sandahl, 2010). Neste sentido, a dinâmica da vinculação assume um papel crucial (McCluskey, 2005; Brandão, 2016). Estamos convencidos, conforme o pensamento acerca da liderança tem vindo a mostrar, que os valores humanos serão cada vez mais reconhecidos como estando na base da vida das organizações, e que estas cada vez mais se nutrirão não de ideais de sobrevivência, como a obsessão pelos resultados pode indicar, mas sim de dimensões desenvolvimentais, como o bem-estar, a autenticidade e a partilha (Neath & McCluskey, 2019). Reconhecemos que estes valores serão mais rapidamente alcançados se olharmos a liderança a partir das dinâmicas relacionais estabelecidas entre líderes e subordinados.

À luz do modelo da Theory of Attachment Based Exploratory Interest Sharing (TABEIS), estando o sistema de vinculação dos indivíduos regulado, o comportamento exploratório mantém-se ativo e, estando este ativo, estamos em condições propícias para conhecer novas realidades, realizar novas aprendizagens, evoluir como humanos interna e externamente (McCluskey, 2005; Heard & Lake, 1997). No fundo, o indivíduo está em modo de exploração. Segundo o mesmo modelo, perante uma ameaça ao bem-estar, o sistema de autodefesa do self é activado, podendo activar-se o sistema medo, recorrer-se a um caregiver eficaz (o que traduz a activação do sistema de careseeking) ou, na ausência de um caregiver disponível, ao sistema de ambiente interno, que pode ser de suporte ou de não suporte. Se perante uma ameaça ao bem-estar domina a activação do sistema medo, o comportamento exploratório do indivíduo é inibido e o sistema medo domina, inconsciente e fisiologicamente, em modo de fight (luta, domínio), freeze (desorientação, desorganização, imobilização) ou flight (fuga, evitamento, submissão) (McCluskey, 2011). Estamos assim em modo de sobrevivência, podendo-se este complexificar ao ponto de a pessoa poder passar a depender apenas do sistema medo, condicionando o seu sentir, agir e pensar, sendo que este processo nem sempre é consciente para o indivíduo (McCluskey, 2005).

Olhando em particular para o processo de transição para uma posição de liderança, entendemos que este traduz uma fase particularmente desafiante para quem a vivencia e, por isso, é propensa a ativar o sistema de autodefesa do self. Apesar disso, este processo de transição tem sido pouco abordado pela literatura (Brandão, 2016). Em verdade, estando numa situação de transição para uma nova missão de liderança, os líderes são particularmente chamados a desenvolver a consciência de si e a incrementar a qualidade das interações na organização, reconhecendo a influência que os outros têm neles, que eles têm nos outros, e como as experiências passadas se integram nesse processo (Ferreira, Neves, & Caetano, 2001). De acrescentar que os indivíduos envolvidos neste processo trazem para as organizações (e para o seu plano interpessoal) as suas vivências, verdades e expetativas (Brandão, Henrique, & Miguez, 2016).

1.4 Objetivo e pertinência do estudo

Esta investigação tem por objetivo explorar a ativação do sistema de autodefesa do self e os comportamentos de exploração de indivíduos que transitam para uma posição de liderança. Não se trata apenas de avaliar uma situação ou uma tarefa, mas sim um processo e dinâmica no contexto organizacional, procurando aprofundar a compreensão dessa dinâmica e contribuir para que os líderes mais autenticamente cumpram a sua missão.

Sendo certa a importância de se considerar as dinâmicas emocionais, comportamentais e cognitivas que se estabelecem entre líderes e subordinados (Brandão, 2016), e considerando a quase ausência de estudos sobre a transição para posições de liderança, parece-nos evidente a relevância deste estudo do ponto vista académico e, naturalmente, do ponto de vista da intervenção no contexto da Psicologia das Organizações.

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2 Método

Procedeu-se a um estudo exploratório qualitativo (Sandelowski, 2001), com duas principais questões de investigação (QI):

QI1. Que situações ativam o sistema de autodefesa dos líderes? Esta questão pretende identificar

que tipo de situações favorecem a ativação do sistema de autodefesa dos líderes no processo de transição e a forma como os mesmos gerem essas situações.

QI2. Que estratégias os líderes adotam para manter ativo o comportamento exploratório? Esta

questão de investigação pretende diferenciar as estratégias que os líderes utilizam no processo de transição no sentido de manter os seus níveis de motivação e criatividade aptos para uma prática com qualidade de vida.

Adoptando uma perspetiva fundamentalmente indutiva procura-se interpretar os significados, as emoções e as vivências dos participantes. Trata-se assim de um estudo transversal, que propõe aos participantes uma reflexão sobre o processo de transição vivido por si, o qual constitui precisamente o foco do nosso estudo. Considerando aquilo que autores como Brandão, Ribeiro e Costa (2018) defendem, a metodologia qualitativa é, assim, a mais adequada para o estudo que aqui se apresenta.

2.1. Participantes

Os dados foram recolhidos junto de cinco indivíduos do sexo masculino de um mesmo contexto organizacional, e que transitaram de um outro posto de liderança, estando em processo de transição para o novo posto de liderança entre dois e 10 meses. Definiu-se como critérios de inclusão os participantes serem do sexo masculino (por este estudo se integrar num grupo de investigação) e terem iniciado o processo de transição para uma posição de liderança há menos de um ano, de forma a captar-se, pela recentidade, memórias, emoções e experiências vivas concernentes aos desafios que uma nova missão de liderança determina nas organizações, pois, na realidade, nesse período de tempo os líderes estão em pleno processo de transição.

Ao longo da investigação assumimos que os participantes são os especialistas, os intérpretes e os agentes responsáveis pelo seu desenvolvimento, percebido como um itinerário de coconstrução, adaptação e integração de modelos internos progressivamente mais evoluídos (Fonseca, Araújo, & Santos, 2012).

2.2. Técnica de Recolha de Informação

Para melhor captarmos o fenómeno em estudo optou-se pela técnica da história de vida (Paulilo, 1999), tendo-se elaborado um protocolo de recolha de dados. No seio da metodologia qualitativa, as abordagens biográficas (história oral, biografias, autobiografia e história de vida) dedicam-se à recolha e ao estudo sistemático de documentos que descortinam momentos-chave na vida dos sujeitos (Amado, 2014; Brandão & Lopes, 2017). A técnica da história de vida destaca-se pela qualidade da relação que se pretende alcançar entre investigador e observado (Silva, Barros, Nogueira, & Barros, 2007) como meio privilegiado para devolver ao indivíduo a possibilidade de reconstruir a sua história de vida. Esta técnica oferece um conjunto de benefícios: convoca os participantes a falar da sua experiência; propicia uma melhor aproximação à realidade e uma diminuição de preconceitos; possibilita a exploração de dinâmicas emocionais; valoriza os dados dos participantes de um modo operativo e não só responsivo; e enriquece o estudo com níveis de profundidade que de outro modo dificilmente seriam alcançados (Brandão, 2007; Edvardsson, 1992). Assim, visamos compreender as

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representações, as atitudes e as crenças subjacentes aos líderes nas suas dinâmicas intrapessoais e interpessoais no quadro da organização.

Servimo-nos de um guião de entrevista como suporte para a primeira entrevista, para que cada participante explanasse a sua história integrada nos temas da investigação. O guião foi elaborado tendo por base a literatura sobre o tema e as questões de investigação. Para além da caracterização do participante (dados socioprofissionais e sociodemográficos), o guião apresentava quatro principais seções de conteúdo: percurso profissional anterior, processo de transição, posição atual, e estratégias adotadas para potenciar a liderança. Estas secções integravam perguntas, que representavam estímulos em ordem às respostas mais genuínas às questões de estudo, resultando num guião estruturado, com perguntas abertas.

No sentido de aprimorar a entrevista, realizámos um pré-teste com reflexão falada (Brandão, 2018) junto de um indivíduo com as características da população-alvo, o que permitiu aprimorar a atitude do entrevistador, sobretudo no que concerne à empatia e neutralidade, como também integrar algumas questões e apurar o foco de outras.

2.3. Procedimentos de recolha da informação

Contactadas várias instituições, chegámos a um acordo de colaboração com uma organização. Após se explicar o estudo e a população focada, a organização identificou cinco participantes que cumpriam os critérios de inclusão definidos. A estes enviámos, por email, o pedido formal de colaboração, com a explicação do propósito da investigação e das exigências éticas e sigilosas implicadas. Posteriormente, e de acordo com as possibilidades de cada líder, agendámos as primeiras entrevistas, que se realizaram num mesmo espaço físico da organização. As entrevistas demoraram, em média, uma hora, e foram gravadas em formato de áudio, com autorização dos participantes.

Depois de transcritas, as entrevistas foram enviadas aos participantes, de forma a que cada um validasse a sua e esta servisse de base para a segunda entrevista. Esta realizou-se cerca de 20 dias após a primeira entrevista, desta feita fora da organização e em lugares informais (e.g., café, restaurante, sala de estar), de forma a criar condições propícias para que os participantes se pudessem exprimir o mais natural e autenticamente possível, sem qualquer condicionamento em relação ao seu ambiente de trabalho. Nesta segunda entrevista o entrevistador também se apoiou na transcrição da primeira entrevista, que possuía anotações em vista de uma exploração mais focada e profícua.

Procurou-se que em ambos os momentos a partilha dos participantes fosse a mais autêntica possível e, para isso, o papel do entrevistador foi o de ajudar os participantes a expressar o seu pensamento, discurso, emoção e ação. Na realidade, as entrevistas foram espaços de investigação e de intervenção onde se deu primazia à relação empática, com a consciência da sua importância para a disponibilidade e o envolvimento dos participantes. Todos os participantes assinaram um consentimento informado.

2.4. Técnicas de análise de informação

As entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo, na sua modalidade categorial (Bardin, 2011), adoptando-se as transcrições das entrevistas enquanto corpus de análise, após se ter verificado que correspondiam ao proferido pelos participantes.

Na Fase de pré-análise realizou-se a leitura flutuante, assumindo os objectivos de análise em coerência com as QI definidas. A nível das regras de codificação elegeu-se o tema como unidade de registo e o parágrafo enquanto unidade de contexto, adoptando-se a presença das unidades de registo enquanto regra da enumeração. A categorização seguiu o processo por caixa (e.g., categorias sistema de

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líderes), de forma a garantir-se que o sistema de categorias final traduzia a riqueza dos dados. Atribuiu-se um nome e uma definição operacional a cada uma das categorias e respetivas subcategorias. O sistema de categorias final possui duas categorias de primeiro nível e onze de segundo nível.

Na Fase de exploração do material procedeu-se à codificação (integração dos dados nas categorias), que considerou a experiência havida no contato personalizado com cada um dos participantes, na qual integrámos o comportamento não verbal, a entoação, os níveis de ativação, entre outros parâmetros. O formato oral escrito facilitou o aprofundar do conteúdo das entrevistas e a análise da informação (Brandão, 2010).

De seguida avançou-se para a Fase de tratamento dos resultados obtidos e a sua interpretação. Privilegiou-se a elaboração de quadros e figuras a representar os resultados, emitindo-se inferências e propostas de interpretação para os resultados obtidos, à luz das questões de investigação definidas. Todo este processo foi apoiado pelo NVivo 11 (QSR), software de suporte aos métodos qualitativos, onde foram introduzidos, geridos e analisados os dados (Brandão & Miguez, 2015).

2.5. Qualidade das inferências

A técnica utilizada para a recolha de dados colocou os participantes a contar a sua história de vida de um modo retrospetivo e introspetivo e os investigadores, com a sua subjetividade, a interpretar essas histórias (Amado, 2014). Para assegurar a qualidade das inferências da investigação adotámos um conjunto de estratégias, sustentado em dois principais critérios: a confiabilidade e a autenticidade (Guba & Lincoln, 1994). No que concerne ao primeiro critério, procuramos descrever de um modo explícito os diversos procedimentos realizados em ordem a promover a confiabilidade da investigação, distinguindo as seguintes dimensões: credibilidade, transferabilidade, dependabilidade, confirmabilidade. Outro importante critério que adotámos para atestar da qualidade das inferências foi o da autenticidade, procurando estabelecer uma relação dinâmica com os entrevistados e com os próprios dados de modo a conseguir a máxima fidelidade na compreensão e integração do reportado na investigação. Nesse sentido, destrinçamos as seguintes dimensões: justiça, autenticidade ontológica, autenticidade educativa e autenticidade catalítica.

3 Apresentação e Discussão dos Resultados

De seguida apresentam-se e discutem-se os resultados, considerando as QI definidas. Os dados foram analisados por participante e considerando o grupo, dado o uso da técnica da história de vida. Neste trabalho apresentamos os resultados do grupo, no que procura traduzir as vivências de lideres no processo de transição para uma nova posição de liderança.

3.1 Situações que ativam o sistema de autodefesa dos líderes

Foi possível identificar 6 principais tipos de situações que parecem ativar o sistema de autodefesa do self dos líderes no processo de transição para a nova posição de liderança (Fig. 1): (1) expetativas definidas por si ou por outros: «alguém acreditou em mim e eu posso não corresponder às

expectativas» (P3)1; (2) a incerteza do que irá acontecer ou ser feito: «há mais fatores fora do controlo

[...]; então perde-se um pouco o controlo» (P1); (3) a possibilidade de errar: «medo, desespero até! [...]

lembro-me que errei» (P4); (4) a implementação de mudanças: «mudanças de operação, há muitas

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dúvidas [...], sinto ansiedade» (P2); (5) o não envolvimento dos subordinados: «se as coisas não estão a ser feitas devidamente, é óbvio que o meu tom de voz se vai alterar» (P3); e (6) os conflitos no

trabalho: «sentia-me chateado [...] senti que não estava a ser respeitado» (P1).

Fig. 1. Situações que ativam o sistema de autodefesa dos líderes e reação do sistema medo. P = participante.

Os resultados demonstram que no processo de transição para uma posição de liderança, onde coexistem diversas variáveis e distintas qualidades de inter-relações (Popper & Mayseless, 2003), o sistema de autodefesa do self dos líderes é ativado. Isso irá condicionar as suas interações e metas (Brandão et al., 2016), requerendo por isso suporte (Heard, Lake, & McCluskey, 2012).

A análise permite diferenciar comportamentos que traduzem a manifestação do sistema medo dos participantes, sendo que o modo de reação que mais se manifesta nos dados é o de desorientação («dou respostas menos pensadas», P2), depois o de luta («mais do que uma vez informamos o

colaborador, fazem-nos exaltar mais rapidamente do que o normal», P5) e, finalmente, o de

evitamento («Sorrir, evitar como se nada passasse», P4), sendo este mais diminuto.

3.2 Estratégias adotadas pelos líderes para manter ativo o seu comportamento exploratório

No que concerne às estratégias para manter ativo o comportamento exploratório, identificaram-se as seguintes (Fig. 2): (1) desenvolver competências: «gosto muito de ler alguns textos sobre liderança,

diria que o meu grande recurso é a leitura» (P3); (2) atividades de relaxamento: «tento acalmar-me, tenho que sentir-me primeiro calmo, importa acalmar, primeiro serenar» (P1); (3) autorreflexão:

«penso no modo como as coisas podem ser melhores, por exemplo, através da autorreflexão» (P1); (4) estar próximo dos colaboradores: «estar a par das pessoas e ajudar, gosto de estar dentro daquilo que

elas realmente pensam para conseguir liderar da melhor forma» (P5); e (5) suporte de familiares,

amigos e pares: «sinto necessidade de partilhar com alguém, com os próximos, com os amigos» (P3).

Fig. 2. Estratégias que os líderes adotam para manter ativo o comportamento exploratório. P = participante.

Note-se que as estratégias dos líderes para manter ativo o seu comportamento exploratório estão mais focadas em processos mentais (e.g., autorreflexão e relaxamento) e menos em processos emocionais (e.g., consciência e coerência emocional). Daí que os líderes, por exemplo, privilegiem mais o

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isolamento do que a partilha. As estratégias identificadas sugerem que os líderes estão conscientes da importância dos processos dinâmicos no trabalho (Gabarro & Athos, 1976). Tanto assim que todos sublinham que ouvir, compreender e apoiar os subordinados é essencial. De facto, assim, os subordinados mais facilmente permanecem na área de competência (Siegel, 1999) sem se ativar o seu sistema de autodefesa do self, que os poderia levar ao evitamento, à luta ou à desorientação (Brandão et al., 2016). Cremos que esta seja uma estratégia fundamental assumida pelos nossos participantes. Tanto assim que um deles referiu: «A gestão emocional é muito importante e para tal importa estar

próximo, muito mais do que atingir objetivos e resultados [...] dá logo outro sentido às coisas e passa com muita facilidade outras coisas que queremos comunicar. A estratégia é esta, este lado emocional, que estamos juntos, e que somos uma família» (P2).

4 Conclusões

Os resultados permitem-nos concluir que as diversas situações ativadoras do sistema de autodefesa dos líderes em estudo e as estratégias para manter ativo o seu comportamento exploratório estão interrelacionadas entre si. Por exemplo, o medo de falhar pode implicar com o medo de mudar e vice-versa.

O estudo evidencia a importância da variável emocional no processo de transição para uma posição de liderança e sugere que os líderes poderão beneficiar de apoios no sentido de uma melhor valorização dos seus estados emocionais, incluindo o medo, em ordem a aumentar a sua área de competência e, assim, potenciar o seu desempenho, desenvolvendo competências que permitem que se mantenha ativo o seu comportamento exploratório. Esse apoio poderá surgir, por exemplo, na forma de programas de desenvolvimento para líderes, em particular junto daqueles que se encontram em processo de transição para lugares de chefia, dados os desafios que estes enfrentam, conforme demonstram os nossos dados.

Este estudo possui limitações que importa considerar. Integra apenas participantes do género masculino, devendo também considerar-se a vivência deste processo por mulheres. Outra limitação tem a ver com a ausência de recolha de dados junto dos subordinados dos participantes. Cremos que um feedback destes acerca do modo como os seus líderes vivenciam o processo de transição poderia acrescentar valor e credibilidade à investigação, sobretudo no que concerne ao entendimento e à promoção das interações entre líderes e subordinados. O trabalho teria sido favorecido ainda se se tivesse conseguido atestar e qualificar as estratégias apresentadas pelos participantes. Ao mesmo tempo, conscientes que este estudo retrata um processo de transição que se estende no tempo, seria pertinente que o mesmo fosse estudado de modo longitudinal, no sentido de se avaliar a maneira como os líderes vivenciam o processo de transição ao longo do tempo, os seus medos e as estratégias nele implicados.

Esta investigação reforça a importância da análise e valorização das dinâmicas exploratórias e desenvolvimentais dos líderes e dos seus contextos no sentido do desenvolvimento da liderança nas organizações. Urge potenciar nas organizações condições e ambientes onde cada um e todos possam, coerente e dignamente, consolidar aprendizagens fundamentais para a vida e para as organizações. Estamos em crer que um programa de desenvolvimento pessoal para líderes alicerçado na TABEIS, conforme esta prevê, poderá ser um suporte importante de valorização do cuidado pessoal autêntico e, assim, da capitalização do valor mais importante numa organização: as pessoas. E porque as pessoas se realizam e se desenvolvem a partir de inter-relações, propomos que as organizações desenvolvam, particularmente, junto de indivíduos que se encontram em processo de transição para posições de chefia (e que implicam processos de liderança), um tipo de intervenção sustentado na consciência e

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no desenvolvimento integrado, pessoal e interpessoal, como garante de sucesso humano e, por isso, também organizacional.

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Referências

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