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História Moderna Política e Cultura

1. Variações de Vocabulário: a ambiguidade de conceitos (Época Moderna,

Renascimento, Reforma, Barroco, Classicismo, Iluminismo, Antigo Regime). Critérios de modernidade e tentativas de periodização.

2. Renascimento Artístico:

A Itália não foi somente o berço do Humanismo: foi-o também do Renascimento artístico, que lhe está intimamente ligado; assim como para o humanista a exaltação do belo era inseparável da do verdadeiro, para o artista do Renascimento o homem era a medida de tudo. Quer num caso quer no outro, o modelo foi a Antiguidade redescoberta. O longo período que mediou entre cerca de 1420 e 1580 ou 1600 presenciou um extraordinário florescimento de obras imortais que estavam destinadas a servir de referências incontestadas a todos os artistas europeus até ao princípio do século XX. Essa arte clássica baseava-se na beleza e na simetria: o cuidado posto na composição – quer de um palácio quer de uma estátua quer de um quadro – a regular disposição das ordens retomadas da Antiguidade e o respeito pelas proporções ideais do corpo humano, eram outros tantos meios técnicos para a tradução dessa simetria e dessa beleza. De resto, a escultura e a pintura não se restringiam aos assuntos religiosos, sempre predominantes, e abriam-se também aos temas profanos: a paisagem – com utilização da perspectiva – e o retrato tinham uma posição cada vez mais importante. Podemos distinguir três fases: o renascimento florentino do Quattrocento (1420-1500), com o arquitecto Brunelleschi, construtor da cúpula de Santa Maria del Fiore, o pintor Masaccio, o escultor Donatello e depois, em fins do século, os grandes pintores Botticelli e Leonardo da Vinci; o renascimento romano (1500-1530), com o início da reconstrução da Basílica de S.Pedro de Roma e as obras de Rafael e Miguel Ângelo (arquitecto, pintor e escultor); e o maneirismo (1530-1580), caracterizado pela imitação – não servil (pois cada artista oferecia a sua «maneira») mas um pouco académica – das grandes obras precedentes.

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Já no fim do século XV, a publicação – graças à imprensa e à gravura em cobre – dos grandes tratados ilustrados, as estadas fora de Itália de grandes artistas chamados pelos soberanos e as viagens diplomáticas ou militares à península haviam contribuído para a difusão dos modelos italianos em toda a Europa. Essa difusão todavia não se fez sem dificuldades, resistências ou adaptações variáveis de país para país e provenientes das tradições próprias de cada um deles. Por exemplo, nos Países Baixos opõe-se à influência italiana a existência, já no século XV, de uma arte nacional rica e inovadora – representada por Jan Van Eyck, entre outros. Em França, formou-se por volta de 1550 – pela síntese das influências italianas e antigas e das tradições nacionais – um estilo clássico propriamente francês. Esta mesma adaptação às condições locais se observa no Império, com Albrecht Dürer, por exemplo, e em Espanha, onde Filipe II mandou construir o Escorial – simultaneamente mosteiro, igreja e palácio – obra de um severo classicismo tipicamente espanhol.

2.1. Linhas de Força (séculos XV e XVI): os Descobrimentos e a conjuntura

europeia; progressos técnicos, homens de negócio e mercadorias; mobilidade social e mecenato.

A Europa sofria desde os finais do século XIV de uma crónica escassez de metais preciosos que a reconstrução posterior a 1450 só serviu para agravar – com o novo crescimento da população, o desenvolvimento das trocas comerciais, a acentuação do luxo nas classes superiores da sociedade e as despesas dos príncipes. A prata extraída das minas da Europa Central e, o ouro proveniente do Golfo da Guiné já não chegavam para satisfazer as novas necessidades. Assim, os portugueses traçaram o projecto de chegar directamente ao ouro guineense navegando ao longo da costa africana até à «costa do ouro». Mais tarde, Colombo e outros navegadores foram também movidos pela obsessão do metal amarelo do Catai e de Cipango (a China e o Japão de Marco Pólo) ou do país a que chamaram El Dorado. A sede de ouro pode ter sido o primeiro móbil económico dos descobrimentos, pois este metal era indispensável para as grandes trocas comerciais, mas não foi o único.

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Segundo várias opiniões de autores conceituados existe um conjunto de razões que contribuem para que Portugal tenha avançado para o mar nos finais do século XIV e iniciado assim um período de conquistas e descobrimentos:

1. Razões de natureza geográfica (Portugal tem um único vizinho com tendências hegemónicas e tem uma vasta linha de costa), só poderia expandir-se fora da Península Ibérica;

2. Razões de natureza económica (Portugal possui recursos naturais limitados e no período que antecede a expansão verificam-se crises económico-sociais de que resultaram uma acentuada quebra demográfica e uma diminuição da produção agrícola), procura de metal precioso, cereais e novas oportunidades de comércio;

3. Razões de natureza religiosa (há um certo espírito de cruzada, de missionação, a que também não é alheio o facto do patrocínio papal ser uma condição fundamental para o êxito da empresa, uma vez que a ideologia dominante confunde-se, em boa medida, com os objectivos geopolíticos da Santa Sé), e perigo do avanço turco a partir de 1453;

4. Razões de natureza política (transição da primeira para segunda dinastia), ou seja necessidade de legitimidade da nova dinastia;

5. A tradição náutica;

6. Conhecimento científico (os portugueses tinham a vantagem de terem privado com os árabes, através dos quais receberam muitos conhecimentos na área das ciências náuticas e da astronomia, nomeadamente a construção naval, a navegação à bolina, a orientação pelos astros através do Astrolábio, a cartografia, desde as cartas de portulano aos planisférios e mapas-múndi, o estudo das correntes marítimas e dos ventos);

7. A procura da fortuna, da possibilidade de ascender na condição social; 8. Predestinação (razão não oficial de carácter propagandístico).

Estas razões servem de tentativa de explicação à questão que se coloca sobre porque terão sido os portugueses os pioneiros deste fenómeno e não outros povos europeus em posição geográfica semelhante porém, qualquer um destes motivos pode ser contrariado, não sendo possível ter a certeza em que medida as razões acima transcritas influenciaram a saída dos portugueses para o mar e a consequente aventura marítima da qual foram os grandes instigadores.

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A busca pelas especiarias teria sido um objectivo menos importante, pois apesar das necessidades da Europa neste domínio serem evidentes, eram há muito satisfeitas pelos mercadores italianos, que obtinham as especiarias nas suas feitorias da Crimeia, mas também nos portos do Mediterrâneo Oriental, onde lhes eram vendidas pelos mercadores árabes.

O grande inspirador da política portuguesa dos descobrimentos foi o Infante D.Henrique (1394-1460), segundo filho de D.João I. O seu objectivo era armar expedições que fossem sempre mais longe ao longo da costa de África, tentando ao mesmo tempo apanhar o Islão pela retaguarda e alcançar as regiões auríferas do Golfo da Guiné. O cabo Bojador foi ultrapassado em 1434 por Gil Eanes. A morte do Infante em 1460 foi a causa de um ligeiro abrandamento de ritmo nas expedições, mas o delta do Níger foi alcançado em 1472 e o Equador em 1475. O grande e derradeiro objectivo consistia em dar a volta ao continente africano para chegar aos mercados do Oceano Índico, sendo que o comércio das especiarias ficaria então nas mãos dos portugueses, sem ser necessário intermediários, o que acarretava menos custos.

Em 1488, Bartolomeu Dias regressava a Lisboa depois de ter ultrapassado o Cabo da Boa Esperança. Seguiu-se um interregno de praticamente dez anos até à saída de Vasco da Gama para a Índia, que pode ser explicado pelo facto de ser necessário construir um novo tipo de navios, com maior capacidade de carga, equipados com artilharia pesada e mais resistentes a viagens longas do que as caravelas, que eram até então as embarcações privilegiadas dos descobrimentos portugueses. As três naus da armada de Vasco da Gama saíram de Lisboa em 1497, tendo chegado a Calecut em 1498. No ano seguinte deu-se o regresso a Portugal, com duas embarcações (a terceira ter-se-á afundado) carregadas de especiarias.

Colombo pensou por sua vez em chegar ao Oriente navegando para Oeste. O seu pedido a D.João II de Portugal para que financiasse uma expedição foi negado, pois nessa altura o rei português recebera notícias de que Bartolomeu Dias tinha dobrado o Cabo da Boa Esperança e a Índia estava já muito próxima. Apresentou o mesmo pedido a Isabel e Fernando de Castela, e em 1492 deixou a Europa alcançando as Antilhas alguns meses depois, convencido que chegara à Ásia. Devido à descoberta de Colombo foram assinados entre Portugal e a Espanha os Tratados de Tordesilhas (1494).

Em 1500, Pedro Álvares Cabral chegava ao Brasil e sete anos mais tarde, o novo continente descoberto por Colombo era baptizado com o nome de América.

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Em 1521-22 a expedição de Fernão de Magalhães, um português ao serviço de Espanha, concluída pelo seu imediato Juan Sebastian de El Cano, contornou pelo sul o continente americano, atravessou o Pacífico e regressou à Europa pelo Cabo da Boa Esperança. Estava mais do que confirmada a esfericidade da Terra.

A primeira consequência destes descobrimentos foi a criação dos impérios coloniais português e espanhol. O primeiro era constituído por uma série de feitorias instaladas desde os Açores até à Insulíndia: portos fortificados que dominavam os territórios circunvizinhos e serviam de escalas para os navios mercantes e de bases de apoio para uma frota militar que, pela força, mantinha em respeito todos os concorrentes – europeus e asiáticos – do monopólio comercial português. Muito diferente era o império colonial espanhol.

Com efeito, um punhado de conquistadores partidos de Espanha, meteu ombros à tarefa de descobrir e conquistar o Novo Mundo em três fases consecutivas: as Grandes Antilhas (1492-1519), o México, conquistado aos Aztecas por Cortez (1519-1521), e o Peru conquistado aos Incas por Pizarro (1531-1533). Depois do saque dos tesouros azteca e inca, foi a exploração das minas de ouro e principalmente de prata, que – sob a autoridade dos vice-reis que eram representantes do rei de Espanha – constituiu a partir de meados do século XVI a grande riqueza das Índias Espanholas e, por conseguinte, da sua metrópole.

As consequências dos descobrimentos na própria Europa foram consideráveis. A economia europeia, limitada em fins do século XV ao Velho Continente e com os dois focos da Itália do Norte e dos Países Baixos, ampliou-se a dimensões mundiais. O primeiro aspecto desta verdadeira explosão é constituído pela promoção da fachada atlântica da Europa, com Lisboa e Sevilha a dominar – cada uma por seu lado – o tráfico mundial e Antuérpia, o grande porto dos Países Baixos espanhóis, a encarregar-se da redistribuição dos produtos coloniais pelo resto do continente europeu. Esta promoção dos portos atlânticos não significa, porém, a decadência imediata e irremediável dos portos mediterrânicos – se bem que, a prazo, postulasse o seu relativo declínio.

A exploração do Novo Mundo teve por outra consequência a chegada à Europa dos metais preciosos da América. No fim do século XVI, as disponibilidades de metais preciosos da Europa haviam alcançado o dobro das do início do século – e, no caso especifico da prata, o triplo. Este crescimento de disponibilidades, que de resto só foi importante a partir de 1550, provocando a alta dos preços industriais – e, por

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estimulação benfazeja, o aumento da produção – teve assim um efeito impulsionador na economia mercantil. Nem todos os europeus lucraram por igual com esse surto da economia. A burguesia capitalista das grandes cidades mercantis – os manufactureiros, os negociantes, os armadores de frotas, os banqueiros – foi a grande beneficiária. Mas não foi esse o caso, salvo excepções, dos nobres, que para manter o seu estatuto social tinham de ocorrer a despesas que cresciam mais rapidamente que as rendas das suas terras. Quanto às classes populares – camponeses dependentes e assalariados das cidades – sofreram uma pauperização relativa em consequência da subida dos preços agrícolas e industriais. Por fim, os portugueses e os espanhóis, sendo embora os mais bem colocados para tirar partido desse enriquecimento, tendiam cada vez mais a adquirir no exterior quase tudo o que lhes era necessário e, por este facto, a prata americana que era descarregada em Sevilha e o ganhos portugueses com o comércio da Ásia serviram, afinal para enriquecer o resto da Europa.

A efervescência artística não pode ser separada dos sistemas políticos que lhe permitiram adoptar uma forma excepcional e específica. A cultura tornou-se um terceiro poder, enquanto a encomenda artística passava a ser uma forma de quase guerra-fria. Renovava-se a arquitectura, encomendavam-se obras de arte aos mais famosos artistas, tudo servia para demonstrar grandeza e poder. Esta arte era especificamente principesca, através dela ilustrava-se o poder de um indivíduo sobre grupos sociais que ainda não eram as massas colectivas próprias da época barroca.

Sem falar da ostentação faustosa e do novo sentido da comodidade, que transformaram os castelos em palácios, multiplicaram as festas, mantinham as aparências mesmo quando dificuldades financeiras se aproximavam. Assim quando o poder se personalizou, a arte exaltou a individualidade do príncipe e por sua mediação, a da cidade e a dos seus cidadãos. A coerência das formas artísticas e do mecanismo do poder político manifestou-se com particular nitidez na arquitectura. O príncipe era o impulsionador de uma reestruturação do modo de vida.

2.2. O Humanismo: atitudes perante a Antiguidade e a Idade Média; Filologia e

Filosofia; Arte e Poder.

Já em 1539 a palavra francesa humaniste era aplicada aos eruditos – em primeiro lugar italianos – que do início do século XIV até ao princípio do século XVI haviam honrado

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o estudo directo das letras antigas – hebraicas, gregas e latinas – nas quais baseavam uma concepção do homem e o mundo. A despeito da sua certeza de estar a viver um «renascimento», uma época totalmente nova, em ruptura com um passado «tenebroso» e ultrapassado, os humanistas continuavam tributários da herança medieval e, em primeira linha, do Cristianismo. Quaisquer que fossem a sua admiração pela sabedoria antiga e a sua independência de espírito, quase todos eles eram profundamente religiosos e naturalmente cristãos – o que não excluía dificuldades nem contradições. Com efeito, o Humanismo caracteriza-se pelo seu fundamental optimismo: o homem, na medida de todas as coisas, está no centro do Universo e é uma criatura privilegiada, chamada a realizar os desígnios de Deus mediante o dom da razão auxiliada pela graça divina. Esta intervenção da graça, a todos concedida, não estorva a liberdade humana, pois o homem é fundamentalmente bom, livre e responsável. Liberdade, felicidade, respeito por si próprio: eis os grandes valores de uma moral individual que conduz a uma moral colectiva baseada na tolerância e na paz entre os homens. Ora uma moral como esta combina mal com o dogma do pecado original e parece contradizer certos fundamentos do Cristianismo; para os humanistas porém, convinha reformular o Cristianismo e voltar à pureza das Escrituras e da mensagem evangélica.

O movimento humanista nasceu em Itália com Francisco Petrarca (1304-1374) e ali se desenvolveu no século XV, designadamente em Florença, a capital do Humanismo no tempo de Lourenço de Médicis (1449-1492), que reuniu à sua volta alguns dos maiores espíritos da época como Marsilio Ficino e Pico della Mirandola. A invenção da imprensa pelo estrasburguês Gutenberg, em 1455 forneceu aos humanistas um incomparável instrumento de difusão: em 1500, 236 cidades da Europa tinham já uma ou mais oficinas de impressão. As ideias humanistas, veiculadas pelo latim – a língua comum a todos os europeus cultos – espalharam-se para além das cidades italianas alastrando a todo o continente – de Espanha à Hungria e de Inglaterra à Polónia. Erasmo de Roterdão (1469-1536) é quem melhor ilustra, pela sua vida e pela sua obra, o ideal humanista: um filólogo que publicou numerosos textos antigos, um moralista, um teólogo e um conselheiro de príncipes.

Quando Erasmo morreu, em 1536, este ideal estava já a ser cruelmente desmentido pelos factos. Em vez do regresso ao Evangelho, que ele preconizava que se realizasse em paz e tolerância, rompera-se a unidade dos cristãos e estalavam as guerras religiosas com as suas fogueiras e as suas matanças. Noutro plano, o balanço do Humanismo mostrava-se negativo. A admiração incondicional pelos grandes sábios da Antiguidade

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– de Aristóteles a Ptolomeu e a Galeno – tinha efeitos paralisantes ao condenar antecipadamente qualquer hipótese ou conclusão que contrariasse esta ou aquela asserção de um Antigo. Para mais, o excessivo idealismo de alguns tendia a desviar as atenções da observação do mundo sensível. E o século XVI não ficou, tão pouco, marcado por grandes descobertas científicas – qualquer que seja o interesse das intuições de um Leonardo da Vinci. Só o heliocentrismo de Nicolau Copérnico (1473-1543), que vinha contra o geocentrismo de Ptolomeu e das escrituras, representou um avanço decisivo, mas foi condenado pelos teólogos e recusado pelos sábios.

Finalmente, o ascenso das línguas e literaturas nacionais constituía até certo ponto, uma derrota do Humanismo. É verdade que os grandes escritores que em muitos países tomavam o partido de exprimir-se em língua «vulgar» compartilhavam da mesma admiração pela herança da Antiguidade e consideravam os autores gregos e latinos não só como mestres de pensamento mas também como modelos de composição e de estilo com os quais se esforçavam por rivalizar. Mas o seu desejo de basear-se numa língua e numa cultura nacionais assinala uma ruptura com o cosmopolitismo dos humanistas, que estavam ligados por um ideal comum e por uma língua comum, o latim. Ariosto e Maquiavel em Itália (depois de Dante, Petrarca e Boccaccio, no século XIV), Rabelais, Ronsard e Montaigne em França, Camões em Portugal, Cervantes em Espanha e Shakespeare em Inglaterra «defendem e ilustram» as línguas «vulgares» dos seus respectivos países. No entanto, se o Humanismo se estancou, em parte, no século XVI, o essencial dos seus métodos e dos seus ideais penetrou no ensino das universidades e principalmente dos estudos secundários: as «humanidades» constituíram até ao século XX, o núcleo de aprendizagem obrigatória de qualquer europeu culto.

2.3. As forças consistentes, os sonhos e as contradições: pensamento político e

noção de etiqueta; as utopias; feitiçaria e astrologia; sincretismo e cepticismo. As utopias do Renascimento, ligando-se para lá da Idade Média a uma corrente de pensamento muito antiga e a uma erudição platónica, mostravam-se inadaptadas ao presente. Os utopistas do século XVI e inícios do século XVII estavam atrasados em relação ao seu tempo.

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2.4. A Igreja e os homens: a devotio moderna e o humanismo cristão; as

«reformas» (Lutero e a polémica com Erasmo; Zwinglio; Calvino; a reforma Anglicana).

Depois de meados do século XIV, a Cristandade foi abalada por uma série de cataclismos e provações. A grande peste de 1348 e as numerosas epidemias da mesma doença que se lhe seguiram, a Guerra dos Cem Anos e o seu cortejo de misérias, as infelicidades que atormentaram a própria Igreja – o Grande Cisma e os conflitos entre papas e concílios – pareciam a muita gente castigos de Deus e anúncios de males ainda maiores. Mais que em qualquer outro período da história, criou-se um clima de medo colectivo: medo da peste, perante a qual todos se sentiam indefesos, medo de Satanás e dos feiticeiros, seus cúmplices, e principalmente, medo da morte, do juízo final e do Inferno. Em toda a parte se manifestavam uma grande inquietação religiosa e um grande desejo de reformar a Igreja. Para pôr fim ao cisma e promover as reformas desejadas, reuniram-se durante o século XV vários concílios que restabeleceram a unidade sob a autoridade de um único papa. Mas, em contrapartida, nem os concílios nem o papa haviam conseguido realizar a reforma da Igreja.

No século XVI essa reforma parecia ser cada vez mais necessária. Reprovava-se ao papa o luxo de que se fazia rodear e os pesados impostos com que sobrecarregava toda a cristandade; aos bispos o seu demasiado frequente absentismo; aos membros do baixo clero, a ignorância da maioria. Mas aquilo que sobretudo reclamavam, como o faziam Erasmo e Lutero, era um clero cujos membros não fossem uns meros distribuidores dos sacramentos mas sim homens capazes de ensinar a palavra divina e de, desse modo, corresponder às inquietações e preocupações do seu tempo.

Ao ler determinados escritos de S.Paulo e de Santo Agostinho, Martinho Lutero (1483-1546), monge do convento alemão de Wittenberg na Saxónia, ganhou a convicção de que as obras humanas – e as indulgências – não exerciam qualquer influência na salvação do indivíduo: só a fé em Deus poderia fazer do homem um justo e salvá-lo. Deste modo correspondia às expectativas de muitos dos seus contemporâneos. Pensava também que todos os cristãos eram iguais pelo baptismo e que, portanto, todos eles eram padres (era o sacerdócio universal). Recusava assim a superioridade espiritual do papa, dos bispos e do clero em geral. E, enfim, reconhecendo embora um certo valor à Tradição, afirmava que a Revelação estava, toda ela, inteiramente contida na Bíblia. Em consequência destes três princípios, que lhe valeram a excomunhão papal em 1520,

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Lutero recusava o papel do clero: os pastores, que não eram obrigados ao celibato, seriam simples fiéis cuja função consistiria em ensinar a palavra de Deus. Negava o papel de intercessores que a Igreja atribuía a Virgem e aos Santos. E, por fim, manteve apenas dois sacramentos, simples ritos exteriores sem efeitos próprios: o baptismo e a ceia (Lutero admitia a presença real, mas com consubstanciação e não transubstanciação). As suas ideias foram formuladas de uma maneira sistemática em 1530 por um dos seus discípulos na Confissão de Augsburg, o credo dos luteranos. O luteranismo espalhou-se na Alemanha graças ao apoio de certos príncipes, cujo primeiro gesto foi a supressão do clero e a secularização dos seus bens e aos quais Lutero reconheceu direitos muito amplos que em certo sentido, faziam deles os chefes espirituais dos respectivos Estados. Fora da Alemanha, a reforma luterana alastrou aos países escandinavos.

Por volta de 1520 outros reformadores elaboraram com base na teoria da justificação pela fé, ideias mais ou menos inspiradas nas de Lutero. Foi o caso de Zwinglio, que a introduziu em Zurique. Zwinglio era padre e humanista, e afastou-se de Lutero na questão dos sacramentos (negava a presença real). Quanto ao anabaptismo, que se formou a partir de 1523, era menos uma tentativa de reforma do Cristianismo que uma aspiração religiosa ligada a certas correntes milenaristas medievais.

Em 1536, o francês João Calvino (1509-1564) publicou em latim a Institution de la

religion chrétienne, obra na qual expunha o essencial da doutrina que gradualmente

havia elaborado sob a influência das ideias de Lutero. Tal como este, Calvino baseava a religião cristã na justificação pela fé, no sacerdócio universal e na autoridade exclusiva da Bíblia, mas modificando um pouco esses princípios. Para ele a justificação pela fé postulava a predestinação isto é, a decisão eterna de Deus, pela qual ele já tem determinado aquilo que quer fazer de cada homem. De resto, como a Bíblia era o único depositário da Revelação, qualquer fiel deveria poder ter acesso a ela por meio da sua leitura directa e quotidiana. Finalmente Calvino organizou fortemente cada uma das igrejas locais: se não havia sacerdócio em particular, havia ministérios – ou seja, funções diversas distribuídas por ministros diversos. Na ceia, a presença real não devia ser entendida senão num sentido puramente espiritual. De Genebra, onde Calvino se instalou em 1541, o calvinismo passou à Alemanha, à Europa Central, à Escócia, a Inglaterra e a França. Em Inglaterra, o Anglicanismo, estabelecido por Isabel I foi um compromisso entre o calvinismo e o catolicismo. Em França, a difusão das ideias calvinistas foi contrariada por uma violenta repressão.

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Em 1534, o rei de Inglaterra, Henrique VIII (1509-1547), rompeu com o papado – que se recusara a reconhecer-lhe o divórcio – e proclamou-se chefe supremo da Igreja de Inglaterra.

A questão deste «divórcio» tem origens muito diversas e complexas, relacionadas com a entrada das novas ideias reformistas vindas do continente na Inglaterra; com o poder detido pelos arcebispos, bispos e restante clero inglês e a sua influência nos assuntos reais; com as próprias personalidades com quem o rei privava como numa primeira fase Wolsey (cardeal) e Thomas More, e depois Latimer, Cranmer e Cromwell, entre outros. Tecnicamente, o problema adveio do facto de Henrique ser ou não devidamente casado com Catarina de Aragão, que fora antes casada com Artur, irmão de Henrique. O antigo papa concedera à princesa espanhola a dispensa necessária para casar com Henrique depois da morte de Artur, mas agora pedia-se a Clemente VII (papa) que declarasse a invalidade deste matrimónio e, mais ainda, a qualidade de solteiro a Henrique VIII. O rei pretendia casar com Ana Bolena, aia da rainha Catarina. Como a generalidade dos monarcas dessa época, Henrique teria ficado satisfeito em tê-la como sua concubina se não fosse o facto de desejar assegurar a sucessão do trono inglês por via masculina. Henrique VIII não tinha quaisquer esperanças de Catarina poder gerar um herdeiro varão, pois após vários problemas de gravidez, a rainha apenas dera à luz a princesa Maria. Até então a Inglaterra nunca fora governada por uma mulher e essa hipótese parecia adivinhar tempos difíceis e uma possível guerra civil no país ou o domínio de um príncipe consorte estrangeiro. Esta ideia era pouco familiar e desagradava ao rei. A recusa do papa em libertar o rei inglês das suas obrigações não se ficou a dever a meros escrúpulos: afinal tinha recentemente divorciado a irmã de Henrique, Margarida, rainha da Escócia, por motivos muito menos importantes, e outros papas antes dele tinham libertado monarcas como Luís XII de França quando os motivos do divórcio não passavam de razões de Estado. O papa não tinha era meios para satisfazer as pretensões de Henrique porque depois do saque de Roma, ficou sujeito ao poder de Carlos V (Imperador do Sacro Império Romano-Germânico), que por sua vez era sobrinho de Catarina de Aragão e seu zeloso protector. O poder temporal dum papa, em vez de lhe dar liberdade, agrilhoava-o às considerações mundanas tanto nessa altura como noutras épocas, e o facto de Clemente VII ser um príncipe italiano não lhe permitia contrariar o senhor de facto da Itália.

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Henrique considerava intolerável ver os interesses da Inglaterra sujeitos à vontade do Imperador através do papa. Esta ofensa pessoal fê-lo ver aquilo que muitos ingleses tinham já concluído: se a Inglaterra pretendia ser uma verdadeira nação teria de repudiar a jurisdição espiritual manipulada pelos seus rivais e inimigos estrangeiros.

Entretanto o rei encontra na pessoa de Thomas Cromwell um servidor duro e menos escrupuloso do que Cranmer, que o apoiava na questão. A revolução, simultaneamente antipapal, anticlerical, anglicana e erastiana, foi desencadeada e conduzida com o habitual cortejo de violências e injustiças.

A opinião do povo inglês, inicialmente, dividiu-se. Por um lado, uns apoiavam a política reformista de Henrique pois consideravam que a Inglaterra não deveria reger-se pelas leis religiosas que eram feitas quase sempre de acordo com os interesses italianos, espanhóis, imperiais e franceses. Por outro lado, outros simpatizavam com o partido católico centrado na defesa dos interesses da rainha repudiada e da sua filha. Ana Bolena era bastante impopular, não passando de uma concubina tornada esposa.

Contudo os aspectos políticos e eclesiásticos da questão em breve se sobrepuseram aos aspectos pessoais, e à medida que o assunto assim evoluía, mais forte ficava a posição de Henrique perante os seus súbditos. O monarca obteve deste modo o apoio de Londres e de todo o sul nesta grande revolução em que o Estado e a Igreja ingleses se libertaram das grilhetas de Roma, em que monges e frades foram suprimidos por representarem a antiga ordem cosmopolitana e em que o poder e os privilégios do clero se viram extraordinariamente reduzidos. A política impopular do divórcio associou-se assim à popular ruptura com Roma, e esta implicou a revolução anticlerical interna, em cujas fileiras se alistaram as forças mais poderosas do país. No entanto, nem Henrique nem os seus súbditos se aperceberam na altura de que estas mudanças teriam necessariamente de levar à aceitação da religião protestante, pois viviam-se momentos de perseguição anticlerical católica tão peculiares – ou, tão monstruosas – como o próprio monarca, e que na altura receberam mais apoios do que outra política mais lógica ou mesmo mais misericordiosa. Henrique, ao mandar o nobre Sir Thomas More para o cadafalso por se recusar a repudiar a autoridade papal e mandar queimar os pobres protestantes por negarem a transubstanciação, consegue exacerbar a ira das gentes que se haviam habituado à tolerância religiosa como base da sociedade moderna. Estes trágicos acontecimentos afectaram, no entanto, as mentes dos indivíduos contemporâneos duma forma diferente – demonstrando piedade pelas vítimas, mas respeitando um governo que

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mantinha na ordem a Igreja e o Estado de acordo com padrões persecutórios herdados da velha prática cristã e que até aí nunca se tinham revelado necessários.

A veneração do rei na época dos Tudores atingiu nesses anos o seu ponto culminante, mas esse facto foi na verdade desastroso para a personalidade de Henrique, cujo egoísmo se tornou doentio. Apesar do rei ter mandando derramar o sangue de inúmeras personalidades, incluindo duas das suas esposas1 (Ana Bolena e Catarina Howard), pelo

menos não correram os rios de sangue que marcaram as guerras religiosas na França, Holanda e Alemanha.

O instrumento escolhido por Henrique para impor a reforma real foi o Parlamento, cuja importância se viu reforçada pela Reforma. Até então, o Parlamento tinha sido tanto um tribunal como uma assembleia legislativa, mas a sua importância estava em claro declínio. O Parlamento da Reforma, ao contrário dos seus antecessores, esteve reunido durante 7 anos, e no decurso das suas 8 sessões adquiriu uma continuidade de experiências pessoais que ajudou a construir as tradições da moderna Câmara dos Comuns como importante instrumento de governação. Nas sessões parlamentares de Henrique havia uma razoável liberdade de opiniões. A supressão das ordens de monges e frades e a secularização das suas propriedades (1536-1539) foi importante para assegurar a reforma parlamentar real numa base de interesses documentados. Henrique vendeu grande parte das terras confiscadas das abadias aos pares do reino, a cortesãos, servidores públicos e comerciantes, que por sua vez as revenderam a indivíduos de menor importância. Henrique como supremo dirigente da Igreja prosseguiu a reforma da religião dos seus súbditos e consolidou deste modo a ruptura completa com Roma. Foi suprimido o estudo da Lei Canónica, o elo intelectual que ligara a Inglaterra à Europa dos papas. A autoridade real fez desaparecer a adoração de relíquias e imagens, os perdões dos monges e as formas mais grosseiras de superstição popular e de fraude piedosa. Entretanto sob a influência de Cranmer, tentava-se a aproximação a um tipo de chamamento dos instintos religiosos das massas. O próprio arcebispo dedicou-se à redacção de novas formas de oração em língua inglesa, que viriam a consubstanciar-se no Livro de Orações, surgido no reinado seguinte.

Sob o seu jovem filho, Eduardo VI (1547-1553), o reino inclinou-se para o calvinismo, em contrapartida, a meia-irmã deste, Maria, católica fervorosa, reconciliou a Inglaterra com Roma em 1554 e casou com Filipe, futuro rei de Espanha, no ano seguinte. Mas em

1 Henrique VIII, após divorciar-se de Catarina de Aragão (divórcio este não reconhecido pela Igreja de

Roma), casou mais cinco vezes. Com Ana Bolena, Jane Seymour, Ana de Cléves, Catarina Howard e Catarina Parr). Só a última lhe sobreviveu.

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1558, morta Maria, o trono de Inglaterra passou para a sua meia-irmã Isabel. O longo reinado desta (1558-1603) ficou assinalado pela instalação do anglicanismo e pelo desenvolvimento económico do reino.

Isabel, desejosa de unidade e concórdia, mostrou-se inicialmente prudente, procurando uma solução de compromisso entre o catolicismo e o calvinismo. O Parlamento votou em 1559 o Acto de Supremacia, que submetia a Igreja à autoridade da rainha e, em 1563, os Trinta e Nove Artigos. Nos termos deste texto, a liturgia e a hierarquia mantinham-se próximas do catolicismo (embora abandonando o uso do latim, o culto das imagens e o celibato dos padres), mas o dogma era nitidamente calvinista: justificação pela fé, autoridade exclusiva da Bíblia e rejeição dos sacramentos com excepção de dois, o baptismo e a ceia. Excomungada e deposta pelo papa em 1570, a rainha decidiu-se a ratificar a declaração dos Trinta e Nove Artigos e a iniciar as perseguições aos seus opositores – os calvinistas ditos «puritanos» e os católicos. A partir de 1570 os papistas foram considerados traidores potenciais. A política anti-inglesa de Filipe II e as conjuras tecidas em redor de Maria Stuart, rainha da Escócia e prima de Isabel I, contribuíram para alimentar na opinião corrente a obsessão de uma conspiração romana. A rainha da Escócia, católica, fora expulsa do seu reino pelos seus súbditos, convertidos ao protestantismo, e refugiara-se em 1568 junto de Isabel. Mas esta acabou por mandar prendê-la e fê-la depois condenar à morte e executar, por alta traição em 1587. Por seu lado, os irlandeses opunham-se resolutamente à introdução do anglicanismo na sua ilha: foram esmagadas várias revoltas, designadamente em 1603. A Irlanda parecia submetida; mas o velho antagonismo anglo-irlandês, agora acompanhado do antagonismo religioso, era mais irredutível que nunca.

A segunda metade do século ficou assinalada por um desenvolvimento económico muito grande. A população de Inglaterra (excluindo Gales) aumentou, a agricultura, sem progressos técnicos dignos de nota, conseguiu dar resposta ao aumento de procura. Ao mesmo tempo, as indústrias, dispersas pela província encontravam-se em pleno desenvolvimento e não trabalhavam já somente para satisfazer as necessidades internas mas também para a exportação. Londres não era apenas uma capital política, intelectual e cultural: era cada vez mais uma grande praça comercial, com as suas companhias de comércio (Companhia das Índias Orientais, criada em 1600), a sua Bolsa, fundada em 1566, os seus estaleiros de construção naval e o seu porto, cujo desenvolvimento começava a rivalizar com o de Antuérpia. A partir de 1568, os mareantes ingleses lançaram-se abertamente ao ataque do monopólio espanhol na América. Em 1577-1580,

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Francis Drake realizou uma grande expedição que o levou até às costas do Chile e do Peru onde saqueou Callao, em seguida atravessou o Pacífico e regressou à Inglaterra pelo Cabo da Boa Esperança, completando a segunda viagem de circum-navegação. Depois da avalancha da Reforma que invadiu a Europa Central e do Norte, a Igreja Romana tratou de se regenerar através da reforma da sua própria hierarquia. Esse foi o grande objectivo do Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563. Em vez de procurar o diálogo entre protestantes e católicos, o Concílio insistiu no combate contra a Reforma e baseou-se na reorganização e aperfeiçoamento do seu corpo doutrinário (breviário e missal romanos) consistindo também no esforço de clarificação teológica (relações entre a Escritura e a tradição, pecado original e remissão, significado dos sacramentos, etc.). Também reforçou o zelo pastoral: reforma do episcopado e do clero secular e regular, e preocupação pela catequese e pregação. Foi-se então implantando um catolicismo fortalecido. Roma foi restabelecendo o seu carácter respeitável, realçado pelo seu esplendor arquitectónico. A autoridade pontifícia viu-se igualmente reforçada pela criação das congregações romanas. Duas destas congregações (os Capuchinhos e os Jesuítas) tinham até sido criadas antes do Concílio, em 1526 e 1530, respectivamente. Os colégios da Companhia de Jesus formavam o escol aristocrático e burguês dos países católicos, mas o seu apogeu situa-se só depois de 1600. Confessores dos príncipes, os Jesuítas exerceram uma influência considerável sobre as elites.

Os meios populares foram atendidos sobretudo pelos Capuchinhos. Voltara-se a uma disciplina mais rigorosa que surgiu também nas congregações femininas com as Carmelitas e Ursulinas.

No plano secular instaurou-se um novo episcopado, mais consciente dos seus deveres, em especial dos de residência. O sacerdote separou-se dos fiéis e a ordem clerical revalorizou-se com novos clérigos mais dignos que mantinham a castidade. Porém em 1600 o nível intelectual dos sacerdotes continuava abaixo do da maioria dos pastores protestantes.

A vida religiosa dos fiéis foi ainda revigorada pelas missões e pela acção pastoral de algumas ordens (Capuchinhos) e do clero paroquial, a cristianização ficou assegurada pela missa dominical e pelos sacramentos, especialmente a confirmação, a confissão e a eucaristia. O catecismo, obrigatório, ensinava uma religião austera e meticulosa que insistia mais na recompensa do que no amor.

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Impulsionou-se o culto dos santos, das relíquias e das imagens. Entretanto não se pode ignorar o sentimento e as medidas anti-protestantes resultantes da Contra-Reforma ou Reforma Católica. As primeiras medidas repressivas incluíram o restabelecimento do Tribunal da Inquisição, a criação da congregação do Índex, que a partir de 1559 criou listas de obras proibidas, e a já referida Companhia de Jesus cujos os membros foram os agentes mais activos da luta contra a heresia. O Concilio de Trento rejeitou a missa em língua vulgar e qualquer tradução bíblica diferente da Vulgata, revalorizou a tradição perante a Bíblia e manteve os sete sacramentos.

3. Direcções da Evolução Política: guerra, paz e construção dos Estados (séculos

XVI e XVII):

3.1. Itália e o Papado; o Império e os Habsburgos: o fracasso da política religiosa

de Carlos V; as guerras de religião em França.

Um ano antes da excomunhão de Lutero pelo papa, três concorrentes disputavam a coroa imperial por morte do imperador Maximiliano (1519): o rei de Espanha, o rei de França e o eleitor da Saxónia. Carlos de Habsburgo, nascido em Gand em 1500 e educado na Flandres, era um príncipe borgonhês, de língua francesa. Senhor dos Países Baixos e do Franco-Condado desde 1506, por morte de seu pai Filipe, o Belo, tornara-se em 1516 – com o falecimento de seu avô materno e a incapacidade da sua mãe, Joana a Louca – rei de Aragão, de Castela, da Sicília, de Nápoles e senhor das colónias espanholas da América, cuja conquista ainda mal começara. A morte de seu avô paterno, Maximiliano, trouxe-lhe, por fim, as possessões hereditárias dos Habsburgos: a Áustria, os ducados alpinos e a Alsácia. Deste modo, o rei de Espanha não era de modo nenhum, um príncipe alemão; mas pelo menos, o facto de ser chefe da Casa de Áustria dava-lhe uma segura vantagem visto que desde 1438, os sete eleitores sempre haviam escolhido o imperador naquela casa.

O seu grande opositor era Francisco I, nascido em 1495 e o soberano do reino mais poderoso da Europa, a França. Garantira a presença francesa em Milão e na Itália do Norte, mantendo-se Nápoles e o sul da península sob domínio espanhol. A sua candidatura explicava-se simultaneamente pelo desejo de conseguir a coroa imperial e pelo receio de vê-la reforçar o poderio do rei de Espanha. Quanto ao eleitor da Saxónia, era o único candidato alemão, mas as suas possibilidades eram fracas em

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comparação com os meios postos em acção por Carlos e Francisco para comprar os votos dos eleitores. Estes, ganhos pelo ouro do banqueiro Fugger, ao serviço do rei de Espanha, elegeram por fim, o soberano espanhol com o título de Carlos V, tendo na altura apenas 19 anos.

Carlos V decidiu primeiramente recuperar os pedaços da herança borgonhesa que Luís XI anexara por morte do Temerário (a Borgonha e a Picardia) e expulsar os franceses de Itália. Mas, melhor ainda, sonhou – pelo menos até 1530 – realizar a «monarquia universal e cristã» tão cara a Erasmo, e exercer assim o poder temporal, lado a lado com o poder espiritual do papa, para máximo benefício da Cristandade. Mas esse sonho medieval dos dois poderes tornara-se anacrónico na Europa do século XVI e Carlos não tardou a compreendê-lo.

Consumido pela gota, esgotado por incessantes viagens, profundamente decepcionado pelos fracassos sofridos, Carlos V decidiu finalmente em 1555, não só renunciar ao poder como ainda repartir o seu império. Entre Setembro de 1555 e Janeiro de 1556, largou mão da soberania das regiões borgonhesas e das coroas espanholas em benefício do seu filho Filipe, que assim se tornou rei de Espanha, com o título de Filipe II. Em Setembro de 1556, renunciou à dignidade imperial a favor do seu irmão Fernando, já então soberano dos domínios austríacos e rei da Boémia e da Hungria. É bem verdade que não lhe tinham faltado dificuldades durante o seu longo reinado.

A partir de 1520 a Alemanha foi abalada por uma crise temível, provocada pelo eco que ali encontravam as ideias de Lutero. A revolta dos cavaleiros renanos (1522-1523), a terrível Guerra dos Camponeses (1525), a formação da Liga de Smalkalde, que reunia os príncipes convertidos ao luteranismo (1531), e a guerra contra estes movida pelo imperador e pelos príncipes católicos (1531-1547) foram os episódios principais dessa crise que, de religiosa se converteu em social e política. A vitória de Carlos V em Mühlberg em 1547 não foi suficiente para o restabelecimento da unidade religiosa e política do Império; e o imperador teve de aceitar a paz de Augsburg em 1555, que reconhecia ambas as confissões e o aumento de poder conseguido pelos príncipes luteranos com as secularizações. O saque de Roma, em Maio de 1527, por mercenários luteranos ao serviço de Carlos V comprometera também irremediavelmente – a despeito de uma ulterior reconciliação – a ideia dos dois poderes capazes de impor à Europa o seu arbítrio, cada um na sua esfera.

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Durante quarenta anos, de 1519 a 1559 uma longa luta entrecortada por breves tréguas opôs as duas maiores potências europeias. Essa persistência explica-se pela rivalidade pessoal entre Carlos V e Francisco I, mas mais ainda, pelas suas ambições rivais e pela ameaça de envolvimento que a Casa de Áustria fazia pender sobre a França. As demais potências seguiam o conflito com interesse e inquietação, ora se aliando a um ora a outro dos contendores. Foi esse o caso, designadamente, do rei de Inglaterra, Henrique VIII e, em Itália, de Veneza e do papado. O sultão Salomão chegou mesmo a concluir com Francisco I, em 1536 uma aliança de facto contra Carlos V, a coberto de acordos comerciais. A guerra travou-se em Itália, na Provença, no Rossilhão, na Picardia, na Champagne e na Lorena. Dois episódios foram particularmente dramáticos. Derrotado e aprisionado em Pavia (1525), Francisco I ficou retido em Madrid quase um ano pelo seu adversário que em troca da liberdade lhe exigiu a cedência da Borgonha e do Milanês; mas ao regressar a França o rei recusou-se a cumprir os termos de um tratado que assinara sob coacção. Em 1553 foi a vez de Carlos V sofrer grave derrota em Metz.

Por fim, esgotados de finanças, Henrique II, sucessor de Francisco I, e Filipe II, sucessor de Carlos V, assinaram em 1559 o tratado de Cateau-Cambrésis: a França foi, de facto, desapossada da Itália – de então em diante dominada pela Espanha, que ficou senhora de Milão e de Nápoles – mas conservou, em contrapartida, os três bispados lorenos de Metz, Toul e Verdun, ocupados em 1552, e Calais, que tomara aos Ingleses em 1558.

Na segunda metade do século XVI a França atravessou uma longa crise nacional que ficou conhecida pelo nome de «guerras religiosas». Diversos factores contribuíram para a gravidade e complexidade dessa crise; a violência das paixões religiosas, a debilidade da autoridade régia, a intervenção estrangeira, as dificuldades económicas. Os progressos do calvinismo em França até 1559 – data do primeiro sínodo nacional em Paris – e em especial, a conversão de numerosos fidalgos constituíam uma ameaça directa à paz e à unidade do reino. Com efeito, os calvinistas, se bem que muito minoritários, não escondiam, tal como os seus adversários, o desejo de impor a sua crença à totalidade dos franceses. Só algumas raras vozes isoladas se fizeram ouvir para preconizar a tolerância. Esta violência das paixões religiosas antagónicas acarretou o desencadear do fanatismo e da crueldade e explica a duração e a ferocidade do conflito.

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Um forte poder régio teria, talvez conseguido desempenhar a função de árbitro. Mas a Henrique II, morto por acidente em 1559, sucedeu Francisco II (casado com Maria Stuart da Escócia), seu filho mais velho, que tinha apenas 16 anos e que, doente viria a morrer ao fim de apenas dezoito meses de reinado. Como o seu irmão, Carlos IX (1560-1574), contava apenas 11 anos de idade, o poder foi inicialmente exercido pela sua mãe, Catarina de Médicis, que falhou na sua política de aproximação das duas confissões (colóquio de Poissy, 1561). O estalar da guerra civil e a incapacidade de Carlos IX e depois da sua morte, a mesma incapacidade do seu irmão, Henrique III (1574-1589) em lhe pôr fim, demonstravam bem a fraqueza do poder régio perante os chefes dos partidos em presença – François, duque de Guise, e depois seu filho Henri pelo partido católico; e Coligny e depois Henrique de Bourbon, rei de Navarra, pelo partido protestante ou huguenote. Depressa a religião serviu de disfarce às ambições políticas. Os acontecimentos iam também favorecendo o reavivamento das autonomias, provinciais ou locais, que haviam sido refreadas no tempo de Francisco I e Henrique II. Os governadores de certas províncias, frequentemente apoiados pelas assembleias – États – provinciais, comportavam-se como chefes quase independentes. A situação agravou-se ainda mais com as intervenções estrangeiras: os huguenotes pediram por várias vezes o apoio inglês e dos príncipes protestantes alemães; por seu lado, Filipe II de Espanha apoiava a liga católica. Finalmente, as dificuldades económicas – parcialmente criadas pela guerra – vinham juntar-se à crise política.

Até 1572 a luta mostrou-se indecisa. A eliminação dos principais chefes protestantes em Paris por ocasião da Noite de S.Bartolomeu a 24 de Agosto desse ano, nada resolveu. Os huguenotes, exasperados, endureceram a sua atitude perante os católicos; os mais extremistas destes últimos organizaram-se numa Santa Liga. Em 1584 a morte de François d’Alençon, último filho de Henrique II, veio pôr de novo em causa o frágil equilíbrio de facto que assim se estabelecera. Com efeito, como Henrique III não deixava filhos, o seu herdeiro seria Henrique de Bourbon-Navarra, descendente do último filho de S.Luís. A perspectiva de ver um huguenote subir ao trono de França repugnava à maioria dos franceses e levou a Santa Liga, dominada pelos de Guise a mover guerra aos protestantes. Henrique III que os da Liga consideravam demasiado brando, foi assassinado em 1589 – não sem ter reconhecido Henrique de Navarra como seu sucessor. Este, já com o título de Henrique IV, não conseguiu impor-se à maioria dos seus súbditos senão abjurando

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do protestantismo (1593) e tornando-se católico. Desejoso de restabelecer a paz civil, outorgou aos seus ex-correligionários (huguenotes) em 1598 o Édito de Nantes, que lhes garantia a liberdade de consciência, a liberdade de culto (sob reservas) e o acesso a todos os empregos. Assim se criou por vontade régia uma situação profundamente original na Europa de então e que foi muito mal recebida pela maior parte dos franceses – visto que, desse modo, a França passava a ser um estado em que coabitavam, teórica e legalmente, em pé de igualdade, súbditos católicos e súbditos reformados.

3.2. A geopolítica dos conflitos: da Guerra dos Trinta Anos à Guerra de Sucessão

de Espanha; evolução as estruturas militares e das práticas de negociação; os actores da diplomacia; o peso da economia nas relações internacionais; a exportação dos conflitos europeus.

O choque de católicos e protestantes no Império era, por volta de 1600, uma temível ameaça para a paz europeia. É certo que o compromisso de Augsburg pusera fim em 1555, ao confronto armado entre príncipes católicos e príncipes luteranos, concedendo a uns e outros a liberdade de escolher a sua religião e de impô-la aos seus respectivos súbditos. Mas a evolução da situação depois dessa data trouxera a lume as insuficiências do compromisso – tanto mais que, depois da abdicação de Carlos V e da morte de Fernando I (1564), os seus medíocres sucessores tinham deixado a autoridade do imperador debilitar-se. A proibição de toda e qualquer secularização depois de 1552 não fora respeitada e a rápida extensão do calvinismo na Alemanha no último quartel do século XVI criavam um grave problema, uma vez que os príncipes calvinistas, reclamavam a aplicação em seu proveito das cláusulas da paz de Augsburg. A paz ficou ainda mais ameaçada quando em 1608-09 se formaram ligas armadas no Império: a União Evangélica, protestante, e a Santa Liga, católica.

Esta explosiva situação tornou-se ainda mais perigosa por causa da personalidade do novo imperador, Fernando II, eleito em 1619. Com efeito, Fernando II, católico intransigente, não escondia as suas ambições que se orientavam para a eliminação do protestantismo e a transformação das suas possessões hereditárias, das suas coroas electivas (Boémia e Hungria) e do Império Germânico num único e vasto Estado centralizado, alemão e católico. Além dos checos e dos húngaros, todos os príncipes do Império se sentiram ameaçados – e os que eram protestantes ainda mais.

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Esse projecto, que era apoiado pelo rei de Espanha, Filipe III, não podia enfim deixar de inquietar a França, que se mantinha atenta ao perigo implícito em tal aumento do poderio dos Habsburgos – pois mesmo apesar da partilha feita por Carlos V em 1555, os dois ramos da Casa de Áustria mantinham-se muito unidos.

Eleito rei da Boémia em 1617, Fernando entrou imediatamente em conflito com os seus súbditos checos. Um incidente – a defenestração em 1618 em Praga, de três lugares-tenentes do rei por um grupo de fidalgos protestantes – bastou para aquecer os ânimos. Os checos revoltados, proclamaram a destituição de Fernando e elegeram para seu rei o eleitor palatino, príncipe calvinista e chefe da União Evangélica. Deste modo, a revolta checa, simples incidente localizado, transformou-se num problema que tocava todo o Império e, para lá dele, a maioria dos estados vizinhos: era o início da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Fernando II, vencedor dos checos na batalha da Montanha Branca em 1620, deu início a uma violenta reacção política e religiosa na Boémia, especialmente destinada à sua parcial germanização e à eliminação do protestantismo; ao mesmo tempo, tirava desforra do eleitor palatino confiscando-lhe os bens e privando-o da dignidade eleitprivando-oral em benefíciprivando-o dprivando-o duque da Baviera, católicprivando-o e chefe da Santa Liga. Os príncipes protestantes, cada vez mais inquietos, procuraram apoios no exterior do Império – primeiro junto do rei da Dinamarca (que fracassou) e depois do rei da Suécia, Gustavo Adolfo, simultaneamente desejoso de estender o poder sueco na Europa do Norte e de defender o luteranismo. Convencido pelos príncipes protestantes e pela França, o rei sueco iniciou uma campanha pela Alemanha do Norte, venceu as tropas imperiais e chegou à Renânia, mas foi morto em Leipzig em 1632 depois de nova vitória. Fernando II, provisoriamente liberto do perigo sueco, propôs aos príncipes alemães uma paz de compromisso em 1634. Mas, em França, tinha chegado o momento de Richelieu entrar na luta contra os Habsburgos.

A obra de restabelecimento da autoridade monárquica e de recuperação económica que Henrique IV de França empreendera na última parte do seu reinado foi interrompida em 1610 pelo assassinato do rei. Sob a regência da sua mãe, Maria de Médicis, e depois sozinho, o jovem Luís XIII tentou fazer frente às intrigas dos grandes e às sublevações dos protestantes até que em 1624 decidiu recorrer ao bispo de Luçon, Richelieu, que nomeou chefe do Conselho. O bispo, mais tarde cardeal, frustrou diversas conspirações dos nobres, levou a melhor com os protestantes – cujo poderio político e económico arruinou apoderando-se de La Rochelle, mas aos quais manteve as prerrogativas religiosas e civis do Édito de Nantes – e enfim, reprimiu as numerosas sublevações

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populares originadas pela sobrepressão fiscal. Esta era porém o fruto da guerra, a princípio «encoberta» mas depois «aberta», que o ministro decidira levar até ao fim, custasse o que custasse, contra os Habsburgos.

Quando em 1642 morreu, meses antes de Luís XIII (1643), deixou o cuidado de continuar a obra por si iniciada ao italiano Mazarino, que exerceu os poderes de um Primeiro-Ministro graças à confiança que lhe dedicava a rainha Ana de Áustria, regente por menoridade de Luís XIV. Com efeito, mesmo com a Fronda (1648-1653), uma guerra civil muito mais grave do que se pensava, na qual todos os descontentes se levantaram contra o jovem rei, a rainha-mãe e Mazarino, este prosseguiu e levou até ao fim a guerra contra os Habsburgos.

Richelieu inquietava-se tanto com as manobras de Olivares, o Primeiro-Ministro de Filipe IV, que pretendia submeter as Províncias Unidas e aumentar o poder espanhol – como as ambições de Fernando III, que sucedeu a seu pai em 1637 adoptando a mesma política. Assim, a França começou por declarar guerra à Espanha (1635). Depois de começos difíceis, assinalados pela tomada de Corbie pelos espanhóis (1636), as tropas francesas alcançaram êxitos na Alsácia, no Artois e no Rossilhão e, ao mesmo tempo, deram apoio a todos os adversários dos Habsburgos: aos holandeses, aos príncipes protestantes alemães, aos suecos e também aos catalães, aos portugueses e aos napolitanos, que se haviam revoltado contra Madrid em 1640. Em 1643 o futuro príncipe de Condé esmagou junto de Rocroi um exército espanhol que marchava para Paris. Em 1646, e novamente em 1648, Turenne e os suecos venceram os imperiais na Baviera e ameaçaram Viena. Em Agosto 1648 Condé venceu os espanhóis em Lens e semanas depois a paz era assinada em Vestefália.

A Dieta de Ratisbona de 1640 foi convocada pelo Imperador do Sacro Império Romano-Germânico (SIRG), Fernando III (1608-1677)2.

Esta Dieta constatou o impasse militar atingido e o estado de deslocação em que se encontrava a Alemanha e concluiu não haver vantagens no prolongamento das hostilidades no contexto da Guerra dos Trinta Anos (esta guerra, que se desenrolou entre 1618-1648, opôs protestantes e católicos e deu corpo à contestação da hegemonia dos Habsburgos)3.

2 Era filho e sucessor do anterior Imperador, Fernando II.

3 A Guerra dos Trinta Anos teve como primeiro campo de batalha a Boémia, mas acabou por alargar-se a

toda a Alemanha. Em breve envolveu algumas das principais potências, transformando-se em algo mais do que uma disputa religiosa. O estalar da guerra deu-se em 1618, quando os protestantes da Boémia se revoltaram contra os representantes do imperador Rudolfo, um acérrimo defensor da Contra-Reforma. A

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O Imperador recomendou então a convocação imediata de um Congresso para tratar da paz, com a condição de tratar separada ainda que simultaneamente com a potência católica, a França, e com a protestante, a Suécia. Fernando não desistia de considerar o conflito fundamentalmente religioso.

A imposição de Fernando decidira o formato especial da Conferência, sendo recomendada a escolha das cidades de Osnabrück e Münster, em Vestefália, separadas uma da outra mas relativamente próximas, circunstância que facilitava a comunicação. O Imperador dispunha de uma considerável vantagem sobre os restantes beligerantes. Os preliminares de Vestefália foram decididos na Conferência de Hamburgo de 1641, convocada pela Dieta. Ficou decidido que as duas Conferências de Paz (Osnabrück e Münster) funcionariam como uma só; as duas cidades seriam declaradas neutras (pois a guerra continuava). As potências estrangeiras participantes na guerra, designadamente a França, os Estados Gerais, a Suécia e a Sabóia, seriam convidadas a participar como membros de pleno direito nos trabalhos da Conferência. Nem na Conferência nem na Dieta foram negociadas as cláusulas de um armísticio.

A língua oficial da Conferência seria o latim. A abertura dos trabalhos foi marcada para o ano de 1642, mas foi depois adiada para Junho de 1643 devido a demoras da ratificação da Acta de Hamburgo pela corte de Viena.

Fernando III, defensor da hegemonia dos Habsburgos, retardava a negociação da paz na esperança de ainda obter no terreno uma vitória militar que o colocasse numa posição mais vantajosa perante os seus adversários. Do lado francês também não havia muita pressa. A morte de Richelieu (1642), a quem sucedeu Mazarino, aliviou um pouco a pressão para construir a paz.

Quando, finalmente a delegação francesa chegou a Münster em Maio de 1645, com quase dois anos de atraso sobre a data prevista, foi, ainda assim, a primeira delegação a apresentar-se.

As negociações decorreram em três planos: as do Império com a Suécia, que terminaram em Janeiro de 1648; as do Império com a França, que terminaram em Setembro também em 1648; e as negociações entre os estados alemães, que terminaram em finais de Outubro do mesmo ano. A Conferência distinguiu entre grandes e pequenas potências: umas e outras negociavam entre si separadamente, mas as primeiras

revolta ficou conhecida pela defenestração de Praga e a ela se sucedeu, devido à nomeação do imperador Fernando II, que seguia as convicções do seu antecessor, o não reconhecimento daquele como rei e a nomeação em seu lugar de Frederico V, protestante.

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constituíram-se conjuntamente garantes do acordado pelas pequenas nos três planos mencionados (Princípio de Directório).

Os delegados portugueses Francisco Andrade Leitão e Luís de Castro, figuravam na comitiva francesa, arranjo recomendado por Mazarino, para evitar que os espanhóis abandonassem a Conferência - (aceitar os representantes portugueses em termos de igualdade, era o mesmo que reconhecer D. João IV e Portugal como país independente). A realização desta Conferência constituiu só por si, uma inovação da prática diplomática na medida em que, pela primeira vez se procedeu ao tratamento das questões políticas europeias pela via da negociação multilateral. O processo adaptado reproduziu o da Dieta alemã: foi criada a figura do mediador. As delegações emitiam comunicações que circulavam através dos mediadores, e estes convidavam os restantes delegados a se pronunciarem sobre as mesmas.

Mazarino havia concebido três planos estratégicos a desenvolver em Vestefália: em relação ao imperador (pretendia-se fragilizar o SIRG); em relação à Espanha (visava-se a separação dos dois ramos da casa dos Habsburgos - Áustria e Espanha); e em relação à Itália (era necessário à França conseguir diminuir a influência da Espanha e da Áustria, sobre vários Estados Italianos).

Em Vestefália a diplomacia espanhola elegeu como prioridade absoluta separar a França das Províncias Unidas. Mas a questão que a Espanha tinha de resolver em Vestefália, de maior importância era a portuguesa. Com a independência de Portugal, o prestígio da Espanha como grande potência ficara seriamente comprometido: a Espanha perdera metade do seu império, mais de metade dos seus recursos ultramarinos, o seu melhor porto do Atlântico e a sua capacidade para dominar o espaço ibérico estava em causa. Madrid considerava o conflito português um desafio à sua autoridade.

Resultados gerais da Conferência de Vestefália:  Fragmentação do poder do Império;

 Os assuntos dos impérios ultramarinos foram relegados para um plano secundário;  Os Estados Gerais saem mais isolados;

 Portugal foi ignorado apesar de ter feito parte da comitiva francesa;  A Suécia passa a exercer um poder quase absoluto sobre o Báltico;

 A segurança europeia passa a ser garantida pelas grandes potências (França e Suécia). O Império continua, no entanto, a ter um papel importante;

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 A ordem teocrática, assente na figura do Papa como mediador altera-se a favor de uma ordem laica;

 Houve uma valorização do papel supremo da soberania dos Estados;  Criou-se um princípio de equilíbrio de poder;

 A Espanha saiu muito fragilizada - tendo de assinar em 1659 o Tratado dos Pirenéus com a França, em que é obrigada a fazer uma série de concessões territoriais à França. Além disso, teve de concordar com o casamento da princesa espanhola, Maria Teresa, com o futuro rei francês, Luís XIV, incluindo dote. Este casamento foi depois utilizado pela França para reclamar legitimidade sob o trono espanhol, aquando da Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), depois da morte do último Habsburgo, Carlos II. Perdeu ainda a sua influência em Itália.

A questão da Guerra de Sucessão de Espanha (1700-1714) está relacionada com o facto de Carlos II de Espanha4 não ter deixado herdeiros directos ao trono espanhol e vários

candidatos surgirem para a sua sucessão, nomeadamente o Imperador Leopoldo I e o rei francês Luís XIV.

Em 1698, a Inglaterra, a França e os Países Baixos (Bélgica), assinam um acordo que previa a partilha da Espanha entre Luís XIV; o eleitor da Baviera, José Fernando; e o imperador do SIRG Leopoldo I.

Face a esta situação, Carlos II faz um testamento político em que deixa o trono indiviso para o eleitor da Baviera, que no entanto morreu pouco depois.

Em 1700, o arquiduque Carlos, filho do imperador Leopoldo I é apresentado como sucessor ao trono espanhol. Carlos II resolve então nomear Filipe, duque d’Anjou e neto de Luís XIV, como seu sucessor. Face a isto, a França ignora o acordo de partilha. Portugal é atraído para a esfera de influência francesa, pelo que, em 1701, assina um tratado com a França em que o apoio português ao duque é trocado por ajuda militar francesa em caso de guerra.

Como a França não cumpre o acordo de 1698, a Grã-Bretanha alia-se ao Império e aos Países Baixos, formando a Grande Aliança, que queria o arquiduque Carlos no trono. Em 1702 é declarada guerra contra a França. Com esta conjuntura, Portugal começa a ser pressionado para aderir à causa inglesa. John Methuen é enviado a Portugal para assinar um novo acordo comercial. Este acordo é assinado em 1703, depois de Portugal

4 Filho de Filipe IV de Espanha (III de Portugal) e D. Mariana de Áustria é também o último dos

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ter denunciado o acordo com a França, já que esta lhe recusou a ajuda prevista no tratado.

Nesse ano são formadas duas alianças: uma defensiva, que junta Portugal, Inglaterra e Países Baixos; e outra ofensiva e defensiva que para além destes países tem a participação do Império. Portugal, em troca da sua participação, recebe a garantia de que se o arquiduque ficasse com o trono espanhol, o nosso país teria direito a algumas cidades na Estremadura e na Galiza assim como a colónia do Sacramento (Uruguai). Em 1709 a França pondera a hipótese da paz, pelo que reúne os beligerantes em Utreque. No entanto, o imperador morre no decorrer dos trabalhos. Tal como disposto no testamento de Leopoldo, se o seu filho primogénito, José, não tivesse filhos varões, o trono reverteria para o seu irmão Carlos. E é isso que sucede: o arquiduque torna-se imperador sob o nome de Carlos VI. Face a esta reviravolta, que poderia, caso a coligação vencesse, fazer renascer o império de Carlos V, a Inglaterra passa a apoiar o duque d’Anjou. Os trabalhos do Congresso terminam em 1715 e Portugal consegue a colónia do Sacramento. E na Espanha, sobe ao trono Filipe V (duque d’Anjou), ficando implantada a dinastia dos Bourbons no país.

3.3. O exercício e os instrumentos do poder: o absolutismo de Luís XIV, a vitória

do parlamentarismo em Inglaterra, o poder e a decadência das Províncias Unidas.

A república das Províncias Unidas nasceu de uma revolta em 1568 contra a autoridade dos governos espanhóis, acto político de um homem, Guilherme de Orange, sobre o fundo de um apego às liberdades tradicionais e de um processo religioso que tivera como resultado o aparecimento de uma pluralidade de confissões num país oficialmente católico e romano, mas com uma forte percentagem de calvinistas. Em 1572, por meio de um desembarque surpresa, a revolta entrou numa fase decisiva. A Holanda e a Zelândia, sublevadas conjuntamente constituíram o primeiro espaço libertado e pouco depois ambas se uniram por meio de uma aliança. Os excessos das tropas espanholas generalizaram a revolta no conjunto dos Países Baixos: sob a direcção dos Estados Gerais, reunidos em Bruxelas, teria sido possível constituir-se uma entidade autónoma, mas os acontecimentos levaram outro rumo. Apesar de terem prometido aceitar a situação, os espanhóis não estavam dispostos a retirar-se sem luta, até porque no seio dos revoltosos estalavam disputas entre os da ala católica e os da ala reformista. Em

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1579 assinava-se a União de Utreque, acto constitutivo da Confederação das Províncias Unidas.

Entretanto os espanhóis foram reconquistando algum território, apoderando-se em 1584 das cidades flamengas, e em 1585 de Bruxelas e Antuérpia. A situação só não piorou devido à alteração da política externa do soberano espanhol, que entretanto decidiu ser mais urgente combater a Inglaterra (em 1588 dá-se o desastre da Invencível Armada). Assim a plena soberania da Holanda apenas seria reconhecida em 1648 no âmbito dos Tratados de Vestefália.

O desenvolvimento da navegação e do comércio que se tinha produzido paralelamente às guerras da independência, beneficiou sobretudo a Holanda. Amesterdão era agora uma das principais cidades comerciais da Europa e podia até ser apelidada de uma «cidade de mercadores».

As rotas comerciais tinham-se entretanto centrado especialmente no Norte da Europa. Enquanto isso, os holandeses conquistaram parte do Brasil aos portugueses, mas por pouco tempo, já que em 1654 foram expulsos daquelas terras. Ao mesmo tempo perdiam os seus estabelecimentos de Nova Amesterdão (actual Nova Iorque) em 1664, e o Suriname só começaria a ser realmente explorado a partir de 1683. Nos finais do século XVII, Curaçau, como centro do tráfico de escravos negros e do contrabando com a Venezuela, era o único trunfo importante dos holandeses naquela zona. O longínquo Atlântico não era a fonte fundamental da prosperidade das Províncias Unidas, que visavam mais para leste, para a Ásia, onde a sua Companhia das Índias captava os produtos e assediava algumas ilhas.

O comércio holandês baseava-se em primeiro lugar numa sólida capacidade de exportar produtos próprios como lã, chumbo, estanho e trigo, ao que veio juntar-se no século XVII um importante ramo de comércio de armazenagem. Por altura de 1700, a Companhia Holandesa das Índias Orientais começou a ceder posições perante a sua homóloga inglesa.

A supremacia da monarquia de Luís XIV5 na Europa (evidente a partir de 1661), foi

obra sobretudo da reunião das forças materiais e políticas em que se baseava o seu poder arbitral, pouco contestado durante algum tempo e suportado durante muito mais. Esta hegemonia foi-se forjando ao longo de meio século de crises, guerras e diversas rupturas. O hábil Mazarino (1643-1661), que foi o principal ministro durante a

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