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Em busca do bairro num contexto de globalização ensinar e aprender a Geografia da autonomia

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Academic year: 2021

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E

M BUSCA DO BAIRRO NUM

CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO

.

ENSINAR E APRENDER A

G

EOGRAFIA DA AUTONOMIA

I

N SEARCH OF THE NEIGHBORHOOD IN A

CONTEXT OF GLOBALIZATION

.

TO TEACH

AND LEARN

G

EOGRAPHY OF AUTONOMY

E

N BUSCA DEL BARRIO EN UN

CONTEXTO DE GLOBALIZACIÓN

.

E

NSEÑAR Y APRENDER

G

EOGRAFÍA DE

LA AUTONOMÍA

MARCIO FERNANDO GOMES

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Sorocaba/SP. E-mail: marciogomes@ufscar.br

Resumo: Este artigo procura responder a indagação de pensar e fazer a Geografia no século XXI, ao buscar uma resposta faz a proposta de pensar em quais condições devemos pensar e fazer para ensinar e aprender a Geografia no século XXI. Para responder a esta indagação versa sobre a relação entre a escola e o bairro, num contexto do processo de urbanização e industrialização brasileira, sobretudo das regiões metropolitanas em condições da globalização, período no qual, conforme Zygmunt Bauman, valoriza o sentido individual e reforça os sentimentos solitários e, que para nós as pessoas vivem numa multidão em rede de isolados. Traz uma proposta teórico-metodológica do estudo do meio e o trabalho de campo no entorno da escola, não apenas valoriza a execução das práticas dialógicas de

ensino-aprendizagem na sala de aula da própria

escola e, em outros territórios da escola, mas, que elas possam o ocorrer para além dos muros

da escola, ou seja, transformar o bairro em sala

de aula, pois a proposta é transformar a escola de educação básica num território de estreita relação com a comunidade do entorno, na perspectiva de tornar o ensino-aprendizagem dos próprios estudantes da escola mais significativo, dialógico e valorativo das relações familiares e de bairros. Pensar e fazer Geografia no século XXI é caminhar à Utopia, por um mundo mais humano e solidário, é buscar a essência na aparência de que o bairro nos isola e de que a globalização nos conecta, é criar as

possibilidades de ensino-aprendizagem

dialógica na sociedade da informação, na qual a comunidade do bairro torna-se um resíduo irredutível à sociedade em rede em contexto da globalização. Pensar e fazer Geografia no século XXI é pensar e fazer uma Geografia da autonomia a partir da inspiração de uma pedagogia da autonomia de Paulo Freire que possa construir uma outra globalização como conclama Milton Santos.

Palavras-chave: bairro, globalização, escola, ensino-aprendizagem, autonomia.

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Abstract: This article seeks to answer the question of thinking and doing Geography in the XXI century, when seeking an answer makes the proposal to think in what conditions we should think and do to teach and learn Geography in the XXI century. To answer this question, it is about the relation between the school and the neighborhood, in a context of the process of urbanization and Brazilian industrialization, especially of the metropolitan regions in conditions of globalization, a period in which, according to Zygmunt Bauman, lonely feelings and, that for us people live in a multitude in network of isolated. It brings a theoretical-methodological proposal of the study of the environment and the field work in the school environment, not only values the execution of the dialogical practices of teaching-learning in the classroom of the school itself and in other areas of the school, but which they can occur beyond the walls of the school, that is, transforming the neighborhood into a classroom, since the proposal is to transform the basic education school into a territory closely related to the surrounding community, with a view to making teaching- learning of the students of the most significant, dialogical and evaluative school of family and neighborhood relations. To think and to do Geography in the 21st century is to walk to Utopia, for a more humane and supportive world, to seek the essence in the appearance of the neighborhood isolating us and of which globalization connects us, is to create the possibilities of dialogic teaching-learning in the society in which the neighborhood community becomes an irreducible residue to the network society in the context of globalization. To think and to make Geography in the XXI century is to think and to make a Geography of the autonomy from the inspiration of a pedagogy of the autonomy of Paulo Freire that can construct another globalization as calls Milton Santos. Keywords: neighborhood, globalization, school, teaching learning, autonomy.

Resumen: Este artículo busca responder a la indagación de pensar y hacer la Geografía en el siglo XXI, al buscar una respuesta hace la propuesta de pensar en qué condiciones debemos pensar y hacer para enseñar y aprender la Geografía en el siglo XXI. Para responder a esta indagación versa sobre la relación entre la escuela y el barrio, en un contexto del proceso de urbanización e industrialización brasileña, sobre todo de las regiones metropolitanas en condiciones de la globalización, período en el que, según Zygmunt Bauman, valora el sentido individual y refuerza los sentidos individuales sentimientos solitarios y que para nosotros las personas viven en una

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multitud en red de aislados. Se trata de una propuesta teórico-metodológica del estudio del medio y el trabajo de campo en el entorno de la escuela, no sólo valora la ejecución de las prácticas dialógicas de enseñanza-aprendizaje en el aula de la propia escuela y, en otros territorios de la escuela, que pueden ocurrir más allá de los muros de la escuela, es decir, transformar el barrio en el aula, pues la propuesta es transformar la escuela de educación básica en un territorio de estrecha relación con la comunidad del entorno, en la perspectiva de hacer la enseñanza- el aprendizaje de los propios estudiantes de la escuela más significativo, dialógico y valorativo de las relaciones familiares y de barrios. Pensar y hacer Geografía en el siglo XXI es caminar a la Utopía, por un mundo más humano y solidario, es buscar la esencia en la apariencia de que el barrio nos aísla y de que la globalización nos conecta, es crear las posibilidades de enseñanza-aprendizaje dialógica en la sociedad sociedad de la información, en la que la comunidad del barrio se convierte en un residuo irreductible a la sociedad en red en el contexto de la globalización. Pensar y hacer Geografía en el siglo XXI es pensar y hacer una Geografía de la autonomía a partir de la inspiración de una pedagogía de la autonomía de Paulo Freire que pueda construir otra globalización como concluye Milton Santos.

Palabras clave: barrio, globalización, escuela, enseñanza-aprendizaje, autonomía.

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. Fernando Birri,

citado por Eduardo Galeano, As Palavras Andantes. Introdução

Para responder a indagação de pensar e fazer a Geografia no século XXI, propomos responde-la a partir de um outro questionamento, ou seja, de pensar em quais condições devemos pensar e fazer para ensinar e aprender a Geografia no século XXI, pois devemos pensar e fazer Geografia dissociada de ensinar e aprender Geografia?

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Pensar e fazer Geografia no século XXI é caminhar à Utopia, por um mundo mais humano e solidário, é buscar a essência na aparência de que o bairro nos isola e de que a globalização nos conecta, é criar as possibilidades de ensino e aprendizagem dialógica na sociedade da informação, na qual a comunidade do bairro torna-se um resíduo irredutível a sociedade em rede em contexto de globalização. Tanto Paulo Freire, quanto Milton Santos nos conduz à Utopia, ou seja, nos conclama a pensar e fazer da resistência o caminho da Geografia no século XXI; para o primeiro, por meio da pedagogia da autonomia, por uma nova rebeldia ética da

solidariedade humana e; para o segundo, por meio da construção de

uma consciência universal baseada em relações solidárias de se construir uma outra globalização, assentada em novos espaços de esperança. E uma Geografia que assegure a sua autonomia, pode ser um espaço de esperança, uma resistência à fábula e perversidade da globalização.

Com o desenvolvimento do capitalismo, sobretudo na sua fase da globalização, cada vez mais a comunidade se desarticula, em tempo de sociedade em rede constrói uma sociedade anônima que se relaciona por meio técnico-científico-informacional, ou seja, por sistemas funcionais e objetos com inteligência artificial. Conforme Manuel Castells, as funções e os processos dominantes na era da informação estão organizados em redes.

Redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social (...) sociedade em rede, caracterizada pela

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primazia da morfologia social sobre a ação social (CASTELLS:1999:497).

Segundo Castells, a morfologia da rede reorganiza as relações de poder, sendo que os conectores são os que detém o poder, as conexões que ligam as redes representam os instrumentos privilegiados de poder, essa estrutura define os processos sociais predominantes consequentemente dando forma à própria estrutura social.

No final da década de noventa, período no qual ainda os objetos técnicos informacionais não eram disseminados e vivíamos os primórdios da sociedade em rede, Milton Santos (2010), nos ensina que a globalização separa, mas o lugar pode criar possibilidades de união e, que os sistemas de objetos e ações utilizados para construir um mundo confuso e perverso poderia ser o motor para transformação de um mundo mais humano, quando seu uso fosse democratizado e a humanidade atribuísse um novo sentido à existência de cada ser humano. Segundo Paulo Freire (2013), caberia a nós construir um mundo mais humano e solidário, pois, não somos um ser no suporte mas um ser no mundo, com o mundo e com os outros.

A tecnologia tanto se dá a práticas perversas, negadoras da vocação para o ser mais de mulheres e de homens quanto a práticas humanizantes. Não cabe à tecnologia decidir sobre a que prática servir mas aos homens e às mulheres, fundadas em princípios éticos iluminadores da ação política (FREIRE:2013).

Em contexto da segunda década dos anos 2000, a questão que se coloca é se com a democratização dos objetos técnicos informacionais o mundo se tornou mais humano e mais solidário. Isso nos remete a pensar na questão se as redes sociais na atualidade

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em vez de serem os instrumentos revolucionários, como muitos puderam pensar, dentre eles Milton Santos e Paulo Freire, são o novo ópio do povo. Zygmunt Bauman, em entrevista ao jornalista Ricardo de Querol, do El País, diz que as redes sociais são uma armadilha. O autor de Modernidade Liquida, que desenvolve, desde 1999, a ideia de que vivemos num período em que tudo que é solido se liquidificou, ou seja, que “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até um novo aviso”.

A questão da identidade foi transformada de algo preestabelecido em uma tarefa, você tem que criar a sua própria comunidade. Mas não se cria uma comunidade, você tem ou não, o que as redes sociais podem gerar é um substituto. A diferença entre a comunidade e a rede é que você pertence à comunidade, mas a rede pertence a você. É possível adicionar e deletar amigos, e controlar as pessoas com que você se relaciona. Isso faz com que os indivíduos se sintam um pouco melhor, porque a solidão é a grande ameça nesses tempos individualistas. Mas, nas redes, é tão fácil adicionar e deletar amigos que as habilidades sociais não são necessárias. Elas são desenvolvidas na rua, ou no trabalho, ao encontrar gente com quem se precisa ter uma intereção razoável. Aí você tem que enfrentar as dificuldades, se envolver em um diálogo [...] o diálogo real não é falar com gente que pensa igual a você. As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia. Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zona de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha (BAUMAN: 2015).

Sobretudo nas grandes regiões metropolitanas vivemos em contexto de aparente caos. A aparência de caos está dentre as questões mais relevantes para se debruçar na contemporaneidade.

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Segundo Raphael Cruz, tornou-se tema relevante tanto na literatura de José Saramago, quanto na sociologia de Zygmunt Bauman. Ao articular literatura e sociologia demonstra que as narrativas literárias de Saramago deslocam os personagens para situações fantásticas, mas rementem à realidade, ressalta questões da atualidade sociologicamente importantes, como o estranhamento do sujeito frente a estruturas totalizantes, a normalização do estado de exceção, o surgimento do precariado face à globalização, a sociedade de consumo, que se inserem no mundo vivido e o estar-no-mundo-humano. Com relação a Saramago diz que tanto Todos os nomes

(1997), quanto O homem duplicado (2002) marcam uma nova fase, em que o autor se distancia do romance histórico português para criar narrativas atemporais, territorialmente inespecíficas e permeadas de elementos mágicos, que desvelam o social aparentemente caótico, uma perspectiva por dinâmicas estruturais subjacentes à realidade social. O livro Todos os nomes, é introduzido com a frase “Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens”, de um fictício Livro das Evidências. No prefácio de O homem duplicado, Saramago cita outro livro fictício: “O caos é uma ordem por decifrar - O Livro dos Contrários”. (CRUZ: 2017: 19-21).

A este escrevinhador sempre o preocupou o que se esconde por trás das meras aparências, e agora não estou a falar de átomos ou de subpartículas, que, como tal, são sempre aparência de algo que se esconde. Falo, sim, de questões correntes, habituais, quotidianas, como, por exemplo, o sistema político que denominamos democracia, aquele mesmo que Churchill dizia ser o menos mal dos sistemas conhecidos (SARAMAGO: 2009 apud CRUZ: 2017:20).

O contexto atual do capitalismo é caracterizado de globalização, por um lado, há afirmação da transformação do padrão

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rentista do capitalismo, que privilegia tanto o ritmo de circulação quanto a magnitude espacial do capital. Por outro lado, identificamos que, ao mesmo tempo, há uma força que pretende transformar a humanidade numa cultura mundial, há forças contrárias que afirmam os regionalismos e as identidades étnico-culturais. O faro é que no atualidade, por meios de novas materialidades e imaterialidades, nao apenas intensificaram-se as trocas economico-financeiras, mas, tambem, as possibilidades do encontro daqueles que estavam separados e distantes. Essas migrações criaram no mundo alguns espaços multiculturais. No entanto, na mundialização, o indivíduo, portador de sua cultura de origem, ao se relacionar com outros, vai se transformando, o que inicialmente era expressão de diversidade cultural torna-se diferença individual. Na atualidade à escola, também, torna-se um território desafiador para reparar a desigualdade econômica e social da humanidade e buscar à igualdade na diversidade dos conjuntos culturais e na diferença dos individuos.

Nesse contexto, de afirmação do neoliberalismo e da reestruturação produtiva, do fim do século XX e início do século XXI, a sociedade como um todo é instrumentalizada. As mudanças que surgem desta realidade se fazem notar nas mais diversas esferas da sociedade. No âmbito da educação, os efeitos passam pela redefinição das instituições e das suas finalidades formativas, particularmente no que diz respeito à educação as instituições educativas são afetadas de forma direta na sua organização, sofrendo a imposição de uma lógica alheia e que fere a autonomia e a dinâmica própria do trabalho intelectual dos docentes e discentes. Como constata Zygmunt Bauman, talvez não seja na rede, onde escutamos os ecos da nossa própria voz, o melhor lugar para reparar a desigualdade econômica

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e social da humanidade e buscar à igualdade na diferença dos conjuntos culturais e na diferença dos indivíduos. No entanto, como nos encoraja Paulo Freire (FREIRE, 2003) e, Milton Santos (SANTOS, 2010) talvez seja nos espaços do conflito, assegurando autonomia, que há de se construir o espaço da esperança, estabelecendo práticas educativas dialógicas de ensino-aprendizagem e estreitando a relação entre a escola e a comunidade do entorno por meio de relações mais solidárias que possamos construir um mundo mais humano e por um mundo mais bonito.

Para pensar e fazer a Geografia do século XXI versamos sobre a relação entre a escola e o bairro, a escola e a comunidade do entorno da escola num contexto de expansão do tecido urbano metropolitano, do processo de urbanização e industrialização brasileira, sobretudo das regiões metropolitanas em condições da globalização. A relação entre a escola e o bairro nos remeteu a pensá-la a partir da superação de uma abordagem conceitual da educação tecnicista e tecnológica sob orientação neoliberal e do bairro numa concepção da produção social do espaço num contexto de reprodução capitalista da sociedade.

A construção teórica surge das práticas educativas dialógicas de ensino-aprendizagem vivenciadas no subprojeto da Licenciatura em Geografia do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, no período entre março de 2014 a fevereiro de 2018.

A escola de educação básica numa parceria colaborativa com a universidade, por meio de um programa que procura valorizar o princípio educativo que relaciona ensino, pesquisa e extensão torna-se um novo território de ensino-aprendizagem e de formação docente tanto dos licenciandos em sua formação inicial, quanto dos

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professores da escola básica em sua formação continuada, no qual o licenciando numa parceria colaborativa com o professor da escola supera sua condição de observador e torna-se colaborador tanto na concepção e no planejamento, quanto nas práticas dialógicas de ensino-aprendizagem.

No pensamento de Paulo Freire não existe ensino sem aprendizagem, educar trata-se de um processo dialógico consciente, ou seja, um contínuo de trocas entre o educador e o educando. Neste processo dialógico a relação entre educador e educando torna-se um contínuo de ensino-aprendizagem, no qual o educador ensina e aprende com o seu estudante e o estudante aprende enquanto ensina seu educador. Na Pedagogia do Oprimido, Freire explicita sua concepção de educação, pois “o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não

contra elas”. (FREIRE, 2013: 95-96). A consciência se manifesta no contexto em que educador e educando superam sua condição de sujeitos que ensinam e aprendem conteúdo formal, tomam relevo suas vivências, com seus caminhos, histórias e sentimentos.

Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma revisão bibliográfica sobre os temas abordados a partir de uma reflexão das práticas dialógicas de

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ensino-aprendizagem vivenciadas pelo autor como coordenador de área do subprojeto da Licenciatura em Geografia do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência da CAPES. Ao longo desta vivência o autor elaborou relatórios, participou de espaços de diálogos, seminários e apresentou trabalhos.

Constitui um trabalho de pesquisa de caráter qualitativo e transformador, tendo como princípio norteador a realidade como práxis, a perspectiva da reflexão e ação docente a partir da sua autorreflexão. Interação entre investigação e ação, processo de investigação como processo educativo.

Nesse contexto, o autor traz uma proposta teórico-metodológica do estudo do meio e o trabalho de campo no entorno da escola, numa concepção freireana, procura não apenas privilegiar a execução das práticas dialógicas de ensino-aprendizagem na sala de aula da própria escola e, em outros territórios da escola, mas, que elas possam o ocorrer para além dos muros da escola, ou seja, transformar o bairro em sala de aula, pois a proposta é transformar a escola de educação básica num território de estreita relação com a comunidade do entorno, na perspectiva de tornar o ensino-aprendizagem dos próprios estudantes da escola mais significativo, dialógico e valorativo das relações familiares e de bairros. Promove o diálogo entre o conteúdo curricular formal e os conteúdos das vivências tanto do professor em formação inicial e continuada, quanto do estudante da escola. Como nos ensina Paulo Freire, faz-se necessário, reciprocamente, o reconhecimento do outro e, como no convida Milton Santos, faz-se construir novos espaços de esperança por meio do estabelecimento de relações solidárias.

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Conforme Odette Seabra, pensar o bairro, nos leva a pensá-lo na cidade histórica, formada de tempos lentos e estáveis sob o primado de uma concepção clerical do mundo, no qual o bairro e paróquia tendiam a coincidir, o bairro guardara pertencimentos profundos e os produzia a partir de práticas simples, comuns, cotidianas, eram lugares apropriados, a essência da vida do bairro podia ser encontrada a partir das relações familiares e de vizinhança no nível da prática paroquial e social, do uso do espaço, formadas no âmbito das relações de qualidade a partir das experiências vividas. (SEABRA: 2003). Segundo Henri Lefebvre, num dado momento, os homens estão ligados por relações que são imediatas (laços de parentesco, amizade, amor e subordinação) ou mediatas (econômicas, políticas, ideológicas e teóricas). (LEFEBVRE: 2002). As relações dos bairros das cidades históricas eram imediatas e as relações sociais estabelecidas na metrópole são mediatas, isto posto, nos remete a pensar o embate entre as práticas que confrontam qualidade e quantidade num contexto de metamorfose da cidade em metrópole.

No domínio das ciências do homem (sociológicas) é preciso distinguir dois tipos de relações: as relações imediatas e as relações mediatas. Esta distinção do imediato e do mediato transborda a teoria do conhecimento e tem um sentido geral, humano. Em uma dada época, os homens, os indivíduos estão ligados por relações que são imediatas e diretas

(contribuições biológicas, parentela e

consanguinidade, relações sociais pessoa-pessoa, amizade, amor ou ao contrário subordinação) ou mediatas e indiretas (relações econômicas sobre o mercado, relações políticas no Estado, relações ideológicas e teóricas por conceitos, categorias, sistemas ideológicos e teorias). (LEFEBVRE: 2002: 25-26 apud SEABRA: 2003).

No final do século XIX, a cidade de São Paulo, surge como o lugar a partir do qual se definiria uma unidade de vida social

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destinada a integrar o rural e urbano, sobretudo com a industrialização, num contexto de transformação da cidade em metrópole, na qual as modernas relações da religiosidade, da propriedade, do dinheiro e do capital, circunscritas pelo movimento do mercado fundiário, de trabalho (imigração) e o de produtos valorizaram as relações quantitativas, no nível concebido, racional, métrico do espaço e tempo, mas nenhum desses processos atinge a sociedade em absoluto e de uma única vez, porque é espacialmente desigual e temporalmente circunstancial. Desse modo, constituía-se um referencial jurídico de Estado para institucionalizar as novas práticas, estas sobretudo circunscritas no nível abstrato do urbano, no qual a fragmentação do espaço e do tempo provoca uma separação entre o viver (lugar da experiência existencial) e o vivido; este se destaca da experiência imediata e perpassa pela retórica e estética, no qual o homem urbano experimenta o mundo, percebe-o através de abstrações, no seu limite a reprodução da sociedade envolveu o tempo e o lugar de reprodução da vida e do cotidiano como uma sequência lógica e necessária desse mesmo processo. Nesse sentido, no contexto da urbanização capitalista, a cidade e o bairro pré-modernos transformavam-se numa certa espacialização do processo social da modernidade. Contudo o bairro e o não-bairro seguiam concomitantemente, ao ponto a partir do qual o “fazer o bairro” já não fazia florescer a vida de bairro. Dessa maneira, as continuidades históricas integram produtivamente o processo social até o momento em que este mesmo processo entra numa fase de reprodução, na qual a urbanização torna-se dilacerante, segregadora, violenta, autoritária, discricionária e rentista. A urbanização produz os espaços da hiperfuncionalidade e da homogeneidade, tornada como modo de vida, é expressão quantitativa de uma racionalidade técnica,

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mas o progresso técnico, entendido como força produtiva social, sob o contexto do movimento de reprodução capitalista da riqueza, é que revela a forma urbana. A cidade histórica com seus bairros é

fragmentada na medida em que os espaços funcionais e homogêneos

da urbanização se sobrepõem às formas pregressas de uso do espaço. Esses fragmentos dos antigos bairros tornados resíduos são entraves à mobilidade urbana, os quais diante da justaposição da produção espacial contemporânea da metrópole estabelece os conflitos e contradições da modernidade capitalista. (SEABRA: 2003). Odette Seabra ao abordar a insurreição do uso, diz que para Henri Lefebvre esses resíduos são irredutíveis, são resistências ao domínio da lógica e da razão. O uso do espaço, do tempo, do corpo é fundamental no pensamento de Lefebvre, porque abrigam dimensões da existência, os sentidos da vida que resistem à predominância da lógica e da razão como sentido do mundo que, tornando-se razão instrumental (em prática), estratégia política e sujeição econômica têm a intenção de dominar o mundo. Neste embate se confrontam a apropriação, referenciada na qualidade e a propriedade, referenciada na quantidade. Para Lefebvre o uso implica modo de ser e costume, no seu movimento antitético precede à mercadoria, está inserido na forma mercadoria, valor de uso e valor de troca. Lefebvre, apoiados em raciocínios de Marx, diz que é no cotidiano, lugar do embate entre o concebido e o vivido, que estão os enigmas de debate da sociedade e do social, para revelar o uso. (SEABRA: 1996). O urbano como processo social e modo de vida, tanto mostra inclusões produtivas, quanto “exclusões necessárias” ao processo de reprodução da sociedade, em decorrência da fragmentação do espaço e do tempo, as modalidades de uso do espaço se sucedem numa aparência de caos, sejam condôminos fechados, centros empresariais, ocupações de

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propriedade pública ou privada, favelas, dentre outras. A cidade e o bairro, realizam-se como prática social e como conceito dotado de historicidade, mas indicam novos conteúdos da urbanização pela conformação de territórios, os territórios de uso, compreendidos como domínios territoriais auto-administrados. (SEABRA: 2003)

Ao compreender a transformação da cidade histórica, centro da vida civil e política, em cidade moderna, mais precisamente em metrópole verifica-se que a modernização geral das cidades corresponde a condição do desenvolvimento dos processos industriais, em muitos casos sob bairros rurais, numa perspectiva positiva diz-se que a modernização permitia uma vida mais diversa, com novos sujeitos sociais, mas, numa compreensão mais dialética, observamos as bases desiguais desta formação econômico-social e que a nova divisão manufatureira do trabalho fez emergir contradições fundamentais dessa formação, que para Henri Lefebvre podem ser pensadas para além do mundo do trabalho, as transformações da sociedade transformando-se em contradições do espaço, como contradições da sociedade urbana e industrial de uma cidade moderna, na qual a metrópole contemporânea torna-se sua expressão mais acabada, o urbano consuma-se na fragmentação do espaço e do tempo, mas a cidade e os bairros estão retidos na metrópole pelos seus fragmentos; por um lado, o aniquilamento das formas sociais e históricas de uso do espaço induzido pela industrialização conduz à periferização; por outro lado, a densidade histórica dos lugares se traduz como resíduos de tempos anteriores. Assim, contata-se que o bairro-cidade, como espacialidade do processo social, comportou uma prática espacial concreta, de relações imediatas e diretas, bases das experiências da vida de bairro. Desse modo, podemos pensar e questionar a urbanização numa perspectiva

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qualitativa, de que maneira os indivíduos e famílias, enquanto moradores de bairros com seus modos de vida, vivem e sobrevivem os conflitos que são produtos da modernização geral da formação social do capitalismo. (SEABRA: 2003).

Segundo Odette Seabra, o conceito de metrópole dá-se por duas acepções: uma, define a relação fundamental do colonialismo, metrópole-colônia; a outra, trata-se a uma formação espacialmente concentrada do processo social, expressa por funcionalidades e homogeneidades técnicas e de estrutura polinucleada, uma região urbana, ou como preferem os planejadores região metropolitana. Até os anos 70, os geógrafos franceses, como Pierre George, preferiram defini-la como aglomeração urbana ou megalópoles. Com Michel Rochefort, numa perspectiva do planejamento dos centros nodais de equilíbrio do território francês de maior densidade econômica e social, começou a ser definida como metrópoles. O mesmo termo é usado pelos geógrafos norte-americanos, como Mark Gottdiener. (SEABRA: 2003).

Como podemos notar, durante o século XX, a cidade de São Paulo se transforma em metrópole concentrada, pelo fato de se tornar o centro da industrialização e urbanização brasileira. Durante a década de 1970, observa-se um processo de desconcentração territorial industrial e um processo de reestruturação urbano-industrial da metrópole, advindo das deseconomias de escala e de aglomeração. Na perspectiva da industrialização e urbanização a reestruturação produtiva produziu os espaços em ruínas das metrópoles, que no caso do Estado de São Paulo, produziu uma região metropolizada, formação de uma cidade-região e cisão territorial da indústria, no qual verifica-se por um lado, a desconcentração territorial da produção industrial da capital para o interior e, por

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outro lado, a centralização da gestão do capital e do trabalho imaterial na capital. (LENCIONI: 2009). Sandra Lencioni coloca em discussão uma nova lógica territorial das empresas-redes que torna insuficiente às clássicas teorias da localização industrial, trata-se do conceito de descentralização, afirmando que muito da dispersão industrial está vinculado a processos de centralização do capital na capital, pois esta relocalização industrial expressa a expansão do aglomerado metropolitano, que redefine a primazia da capital, não como a capital do capital, no sentido da produção, mas, sobretudo, como a capital da gestão. As analises recentes apontam para uma cisão territorial da indústria e integração regional no Estado de São Paulo que separam o lugar da planta industrial da gestão por meio da conformação de redes, tanto materiais, quanto imateriais, como mediadoras das estratégias territoriais das empresas-redes, criando elos que permitem unir o que se encontra distante e separado. Entretanto, verifica-se que a gestão, também, se localiza em outras cidades. Os grandes conglomerados econômicos e financeiros estabelecem, ao lado da cisão territorial, outras estratégias territoriais do capital, tais como, a subcontratação e a constituição das empresas-redes. Esta estratégia revela novos processos e territorialidades no seio da reestruturação produtiva recente, acompanhados de uma forma urbana concentrada, que reafirma a primazia da capital e configura a formação em curso de uma megalópolis, ou mesmo uma cidade-região. A cisão territorial entre produção e gestão redesenha as proximidades e distancias de um território, bem como realiza a integração entre o local e o global sob a lógica da descontinuidade territorial. (LENCIONI: 2003).

Nesse contexto, identifica-se um movimento de desconcentração das indústrias da capital em direção ao interior do

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Estado de São Paulo, principalmente nos municípios limítrofes aos principais eixos rodoviários num raio de 150 Km partindo da capital, particularmente ao longo das rodovias Anchieta, Anhanguera, Bandeirantes, Castelo Branco, Dutra e Imigrantes.

Neste movimento, podemos pensar na industrialização e expansão do tecido urbano metropolitano, se processa, sobretudo, pela produção dos espaços funcionais e homogêneos, como conceitua Lefebvre, nesses espaços os homens estão ligados por relações que são mediatas (econômicas, políticas, ideológicas e teóricas), como no caso de shoppings, centros industriais e condôminos fechados, construídos numa descontinuidade territorial sob antigos bairros rurais, que para Lefebvre, os homens estavam ligados por relações que são imediatas (laços de parentesco, amizade, amor e subordinação). Nesse processo o bairro deve ser pensado na perspectiva de resíduos irredutíveis à periférico, nos remete a pensá-lo a partir do embate entre as práticas que confrontam qualidade e quantidade num contexto de metamorfose da cidade em metrópole. A Geografia da autonomia para construir uma outra globalização

Pensar e fazer Geografia no século XXI é caminhar à Utopia, por um mundo mais humano e solidário, é buscar a essência na aparência de que o bairro nos isola e de que a globalização nos conecta, é criar as possibilidades de ensino-aprendizagem dialógica na sociedade da informação, na qual a comunidade do bairro torna-se um resíduo irredutível à sociedade em rede em contexto da globalização. Pensar e fazer Geografia no século XXI é pensar e fazer uma Geografia da autonomia a partir da inspiração de uma pedagogia da autonomia que possa construir uma outra globalização.

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A Geografia deve sempre procurar pensar e assegurar a

autonomia, a resistência e a esperança no desenvolvimento das práticas de ensino-aprendizagem, correspondendo a uma reflexão realizada a partir da autonomia da universidade num contexto de parceria colaborativa com a escola básica. Desse modo, deve procurar pensar a categoria autonomia na educação num contexto de globalização do início do século XXI, pois o capitalismo, na fase da globalização, na sua face rentista neoliberal ao requerer uma educação para atender as necessidades do mercado, incorpora a autonomia, imbuída da sua ideologia de individualidade e competitividade. Nesse contexto, torna-se fundamental pensar sobre a categoria autonomia, particularmente a autonomia na educação num contexto de globalização a partir do referencial teórico-metodológico que leva em consideração a concepção da pedagogia da autonomia de Paulo Freire e o da proposição por uma outra globalização de Milton Santos.

Paulo Freire partindo da sua Pedagogia da Autonomia

contribui para a reflexão de que ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica. A ideologia fatalista naturaliza os fatos e as condições históricas, nos faz querer colocar que a globalização da economia é um momento necessário da economia mundial no qual os países não podem escapar. Essa universalização não considera condições históricas e presentes dos diferentes países do mundo. Os países que lideram a globalização exigem, no presente, dos outros, o que não fizeram, no passado, consigo mesmos. Para Freire, o enfrentamento e a superação à globalização e à sua face rentista, o neoliberalismo e à sua “ética de mercado” se dará com o contraponto da solidariedade histórica de homens e mulheres como uma das

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formas de luta capaz de promover e instaurar a “ética universal do ser humano”. Para Freire:

“O discurso da globalização que fala em ética esconde, porém, que a sua é a ética do mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar bravamente se optamos, na verdade, por um mundo de gente”. (FREIRE: 2013:124).

Segundo Freire, a globalização que nos é contada obscurece a malvadez do sistema capitalista e disfarça que ela, por um lado, concentra e centraliza capital na mão de poucos e, por outro lado, desconcentra e aumenta assustadoramente a pobreza e a miséria do mundo. A malvadez intrínseca do capitalismo no contexto da globalização na sua face rentista neoliberal alcança o máximo de eficácia de sua malvadeza. E a contestação a essa malvadeza do capitalismo, acredita Freire, virá da generalização do mal-estar das mulheres e os homens do mundo.

Mal-estar que terminará por consolidar-se numa

rebeldia nova em que a palavra crítica, o discurso

humanista, o compromisso solidário, a denúncia veemente da negação do homem e da mulher e o

anúncio de um mundo genteficado serão armas de incalculável alcance. [...] A grande força sobre que alicerçar-se a nova rebeldia é a ética universal do ser humano e não a do mercado, insensível a todo reclamo das gentes e apenas aberta à gulodice do

lucro. É a ética da solidariedade humana

(FREIRE: 2013:125-126).

O que Freire nos ensina é de que a resistência crítica necessária ao poder manhoso da ideologia se faz, por um lado, por meio de uma atitude sempre aberta aos demais, aos dados da realidade; por outro lado, por uma desconfiança metódica na qual nos defende tornarmos absolutamente certo das certezas. O melhor

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caminho é nos deixar expostos às diferenças, é recusar posições dogmáticas.

Milton Santos em sua Por Uma Outra Globalização do Pensamento Único à Consciência Universal, ao fazer a crítica a globalização e pensá-la como fábula, como perversidade e como possibilidade propõe a superação do pensamento único por meio da construção de uma consciência universal, na qual tomaria relevo à resistência consciente de parte da humanidade a partir dos seus lugares. Segundo Santos, o:

Processo de tomada de consciência (...) não é homogêneo, nem segundo os lugares, nem segundo as classes sociais ou situações profissionais, nem quanto aos indivíduos. A velocidade com que cada pessoa se apropria da verdade contida na história é diferente, tanto quanto a profundidade e coerência dessa apropriação (SANTOS: 2010:168-169).

Com isto cada pessoa obtêm uma visão sistêmica, capaz de enxergar a interdependência das situações e causas, o que permite com que cada um faça um debate interior e, posteriormente, coletivo, no qual torna cada vez mais claro compreender como as relações de causa e efeito se estruturam numa rede dinâmica contínua, interpenetram e completam à escala do mundo e à escala dos lugares. Essa compreensão sistêmica permite entender como cada lugar, coisa, pessoa e relação dependem do mundo. Essas condições:

Deverão permitir a implantação de um novo modelo econômico, social e político que, a partir de uma nova distribuição de bens e serviços, conduz à

realização de uma vida coletiva solidária e,

passando da escala do lugar à escala do planeta, assegure uma reforma do mundo, por intermédio de outra maneira de realizar a globalização (SANTOS: 2010:170).

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Desse modo, esse novo mundo não será uma construção de cima para baixo, como quer a globalização perversa, mas se dará de baixo para cima, ou seja, haverá possibilidade de construção de um espaço de liberdade para a cultura popular se opor à cultura de massa, de um espaço de solidariedade na luta dos “de baixo” em oposição aos “de cima”, construindo uma nova centralidade do social e, por conseguinte, de uma nova política. Segundo Santos:

O que, afinal, se cria é o mundo como realidade

histórica unitária, ainda que ele seja

extremamente diversificado. Ele é datado como uma data substantivamente única, graças aos traços comuns de sua constituição técnica e à existência de um único motor para as ações hegemônicas, representado pelo lucro à escala global. É isso, aliás, que, junto à informação generalizada, assegurará a cada lugar a comunhão universal com todos os outros (SANTOS: 2010:173).

Entretanto, para Milton Santos há espaços de esperanças, por um lado, ao constatar que a globalização é uma fábula, uma máquina ideológica que nos quer convencer que vivemos numa aldeia global e ao constatar que a globalização é perversa, uma fábrica de perversidade sistêmica, na qual sua raiz encontra-se na adesão desenfreada aos comportamentos competitivos. Por outro lado, nos faz enxergar que é possível um mundo novo por uma outra globalização, na qual a mesma materialidade técnica, atualmente utilizada para construir um mundo confuso e perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais humano, por meio de uma mutação tecnológica, quando sua utilização for democratizada e de uma mutação filosófica da espécie humana, capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa, e, também, do planeta. (SANTOS, 2010:174).

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Portanto, tanto Paulo Freire, quanto Milton Santos nos conduz à Utopia, ou seja, nos conclama a pensar e fazer da resistência o caminho da Geografia no século XXI; para o primeiro, por meio da pedagogia da autonomia, por uma nova rebeldia ética da

solidariedade humana e; para o segundo, por meio da construção de

uma consciência universal baseada em relações solidárias de se construir uma outra globalização, assentada em novos espaços de esperança. E uma Geografia que assegure a sua autonomia, pode ser um espaço de esperança, uma resistência à fábula e perversidade da globalização.

Ensino-aprendizagem dialógica na Geografia da autonomia no século XXI

Para ensinar e aprender dialogicamente a Geografia da autonomia no século XXI, inspirado em Paulo Freire em sua

Pedagogia da Autonomia e, em Milton Santos em sua Por Uma

Outra Globalização do Pensamento Único à Consciência Universal,

é preciso pensar e fazer a Geografia a partir da indissociação entre reflexão e ação, contribuindo para o despertar da práxis, a qual permite ao professor conquistar a autonomia da práxis, na sua reflexão-ação-reflexão.

Na perspectiva de pensar e fazer Geografia no século XXI e de ensinar e aprender dialogicamente Geografia da autonomia, Paulo Freire nos ensina que a reflexão é o movimento realizado no “pensar para o fazer” e no “pensar sobre o fazer”. A reflexão se origina da superação da curiosidade ingênua à crítica. Desse modo, o caminho para Geografia chegar à Utopia de um mundo mais humano e solidário perpassa pela contínua reflexão crítica docente, que tem no horizonte a transformação por meio da sua prática educativa.

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A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. [...] O que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. Por isso é que, na formação

permanente dos professores, o momento

fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática (FREIRE: 2013: 39-40).

Desde os anos de 1980, a formação docente esta cada vez mais imbrica ao modo de produzir e divulgar conhecimentos. Nesse contexto, baseados na premissa de que há uma base de conhecimento para o ensino e aprendizagem, cada vez mais há pesquisas sobre a temática dos saberes e profissionalização docente, superando a concepção histórica da docência vocacionada. No Brasil, desde os anos de 1990, esta temática é inserida principalmente por meio das ideias de Antonio Nóvoa, Dolnald Schön, Maurice Tardif e Francis Imbert, dentre outros.

Para Nóvoa (1991) a formação contínua docente se âncora num tripé: pessoal, a partir de uma formação crítico-reflexiva; profissional, a partir de uma reflexão sobre a autonomia diante ao controle administrativo e às regulações burocráticas do Estado; e organizacional, na qual às inovações só podem ocorrer se houver transformação na organização escolar.

A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vistas à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional (NÓVOA: 1991: 25).

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Baseado na teoria da indagação de John Dewey, Schön (1992), construiu sua teoria de prática reflexiva, desenvolveu a teoria da ação docente em contexto de situações incertas e de conflito, a qual produz conhecimento espontâneo por observação e reflexão sobre as ações. Sua teoria da formação de um profissional reflexivo perpassa por três perspectivas: conhecer na ação; reflexão na ação; reflexão sobre a reflexão na ação.

Tardif (2002) valoriza à temporalidade, à pluralidade e a heterogeneidade do saber docente e destaca a relevância do saber experimental para a profissionalização docente, ressalta que os saberes docentes não se restringem a sua função de transmitir conhecimentos constituídos, mas integram e se relacionam com diferentes saberes originários da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e de experienciais. Os saberes docentes são temporais, plurais, heterogêneos, personalizados e territorializados.

Segundo Imbert (2003) a mudança da escola e das práticas pedagógicas só poderá ocorrer quando houver uma transformação no imaginário dos educadores, que perpassa pela ideia de que a práxis é resultado de um projeto coletivo autônomo.

A práxis não é uma prática. Convém não se enganar a esse respeito. A práxis é elaboração coletiva, num grupo, das práticas vividas no quotidiano. A prática pode se situar no plano das elaborações primárias do pensamento, a práxis não. Ela pressupõe um coletivo: um coletivo articulado, nunca massificado ou aglutinado (IMBERT: 2003: 74)

Os saberes e a profissionalização docente ressaltam a importância da reflexão e da ação docente individual e coletiva e das escolas enquanto territórios de formação contínua, no qual o docente

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orientado por um aporte teórico-metodológico, exerce sua condição de pesquisador e produtor de conhecimento. Com isto, há a superação do modelo de racionalidade técnica de transmissão de conhecimentos pelo de autonomia da formação docente contínua, na qual se valoriza as experiências da formação inicial com às da ação docente, que conduz ao conhecimento crítico e a construção da cidadania.

Ao longo dos anos 2000, intensificaram-se os programas de formação docente inicial e continuada, buscando a parceria colaborativa entre a universidade e a escola básica. Na medida em que os licenciandos em sua formação inicial e os docentes das escolas em sua formação continuada se apropriam da sua ação docente enquanto momento de sua formação inicial e contínua e da sala de aula como um território de ensino-aprendizagem, não somente os territórios para além da sala de aula nas escolas foram sendo apropriados, mas, também, o bairro no entorno da escola tornou-se um território de pesquisa e de práticas dialógicas de ensino-aprendizagem, pois o bairro tornou-se uma sala de aula e um território para se estreitar à relação entre escola e comunidade do entorno.

Essas práticas dialógicas de ensino-aprendizagem procuram cada vez mais por objetivo dar relevo ao protagonismo do aluno da educação básica, tanto no seu aprendizado em sala de aula, quanto na sua participação na comunidade, pois como nos inspira Paulo Freire as práticas educativas são dialógicas e contribuem para o processo de construção de cidadania, pois não existe ensino sem aprendizagem, educar trata-se de um processo dialógico consciente, ou seja, um contínuo de trocas entre o educador e o educando. Conforme Cavalcanti (2013):

Práticas formativas são os papéis assumidos por professores e alunos, as rotinas pedagógicas, os

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modos de relacionamento entre professores e alunos, os estilos de professores, a organização das

atividades, os modos de avaliação da

aprendizagem, os modos de registros das atividades e de organização centralizada desses registros, os modos de planejamento das aulas e do currículo. (CAVALCANTI, 2013:104-105).

Na perspectiva de que a educação formal necessita ser inclusiva e, para tanto, precisa garantir uma formação cidadã torna-se de fundamental importância à valorização de estudos, pesquisas e projetos em níveis e modalidades de ensino diferentes, mas, também, à aprendizagem advinda de ações da própria comunidade, projetos e alternativas de ensino-aprendizagem plural poderão ser colocados em prática, por ora, acompanhados, analisados e avaliados por todos. Dessa maneira, o aprendizado, a socialização e o desenvolvimento coletivo de práticas e metodologias disciplinares e interdisciplinares possibilitarão o desenvolvimento de atividades de integração entre a universidade, a escola pública e a comunidade do entorno da escola.

A escola básica no Brasil é um território de contato de uma sociedade multicultural, espalhada por múltiplas territorialidades que intensificam possibilidades e conflitos entre diferentes grupos e pessoas.

Com relação ao mal e a miopia, Zygmunt Bauman diz que na globalização não se restringem às guerras ou em contextos os quais as pessoas agem sob condições de coerção. Atualmente se mostram na insensibilidade cotidiana diante do sofrimento do outro, na incapacidade ou recusa de compreendê-lo e na vontade de controlar a privacidade de outrem. A maldade e a cegueira ética diariamente se escondem na banalidade da vida. Em Cegueira Moral

(BAUMAN; DONSKIS; 2014), ao abordar um fenômeno de variação da sensibilidade que atravessa tanto a forma “sólida” da

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modernidade, quanto sua variante “líquida”, Bauman desenvolve o conceito grego de adiaphoron; de acordo com a compreensão da filosofia estóica, bem como na teologia cristã, são coisas neutras em termos éticos, ou seja, privadas de uma classificação como boa ou má.

Os estratagemas voltados para colocar, com intenção ou não, certos atos e/ou a omissão deles em relação a certas categorias de seres humanos

fora do eixo moral-imoral – ou seja, fora do ‘universo das obrigações morais’ e do reino dos

fenômenos sujeitos à avaliação moral;

estratagemas para declarar tais ações ou inações, de maneira implícita ou explícita, ‘moralmente neutras’ e impedir que as escolhas entre elas sejam submetidas a um julgamento ético – o que significa assumir o opróbrio moral. (BAUMAN; DONSKIS;

2014 apudCRUZ, 2017: 24).

A adiaforização compreenderia o processo no qual as ações ou omissões são colocadas para além da ética. Nesse contexto a exclusão social seria compreendida dentro de uma normalidade sistêmica, na qual o desemprego ou desigualdade não seria mais suas condições essenciais históricas e que requereriam reparações por meio de instituições como o Estado, a Igreja e as ONGs. (CRUZ, 2017: 22-24). Na modernidade líquida, em contexto da sociedade do consumo, do espetáculo, da informação os interesses econômico-financeiros permanentemente instáveis se sobrepõem as obrigações morais, tornam cada vez mais os seres humanos descartáveis e irrelevantes.

Nesse sentido, a valorização das temáticas transversais, que dialogam com a adiaforização, tais, como: acessibilidade, étnico-racial, gênero, sexualidade, cidadania e direito à diferença devem ser contempladas em estudos, pesquisas e projetos. Em diversas escolas tanto os gestores, quanto os educadores pelo fato de terem se formado há muitos anos e/ou por terem uma formação de curta duração,

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acabam desconhecendo as alterações no regramento dos direitos civis e sociais e, por consequência não abordam as temáticas que asseguram o diálogo ao direito à diferença, de maneira geral este debate, em muitos casos, está negligenciado ou não valorizado na escola pública. Mas a reversão dessa condição faz-se necessária, pois no momento em que a educação básica se torna universal no Brasil ressalta a acessibilidade, a pluralidade étnico-racial e as questões de multiculturalidade, de gênero e de sexualidade na escola. O desenvolvimento de estudos, pesquisas, projetos e material didático deve ter a preocupação de versar em que condições essas temáticas são observadas e abordadas tanto na universidade, quanto na escola básica.

Portanto, devemos pensar e fazer, ensinar e aprender Geografia para quem? Jovens escolares e suas motivações. Conforme Cavalcanti, com a contribuição das investigações e das formulações teóricas sobre o tema, postula-se que há a necessidade de estabelecer saberes docentes específicos a serem formados/construídos pelos professores de Geografia para atuar profissionalmente: saber geografia, saber ensinar, saber para quem vai ensinar, saber quem ensina geografia, saber para que ensinar Geografia e saber como ensinar Geografia para sujeitos e contextos determinados. Segundo Cavalcanti, busca-se um ensino crítico:

Voltado para o desenvolvimento intelectual dos alunos, busca mediar seus processos de conhecimento considerando-os sujeitos ativos, já portadores de saberes e capacidade de pensamento, já portadores de histórias e sensibilidades, de experiências reais e imaginárias (...) buscam-se aproximações entre saberes cotidianos e científicos para ampliação dos conhecimentos (CAVALCANTI: 2013:110-112).

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Com relação aos estudantes da escola, interessa observar os jovens, seus dizeres, suas práticas, a juventude e sua cultura. Conforme Cavalcanti, para que o aluno possa ser motivado e possa ampliar seus conhecimentos sobre o mundo, compreender e problematizar o mundo e entender sua inserção no mundo torna-se fundamental o trabalho docente de intervir nos motivos e nos interesses pessoais dos alunos, afim de, ao mobilizá-los, mediar os processos de reflexão, dar relevo a suas experiências geográficas e aos seus conhecimentos empíricos. (CAVALCANTI: 2013:116-117). Neste caso, faz-se necessário compreender a escola como instituição social, seu contexto na atualidade, suas crises e suas dificuldades, ter uma posição sobre a sociedade e seus limites, suas conquistas históricas e seus “enganos”. Desse modo, a Geografia deve valorizar as práticas dialógicas de ensino-aprendizagem de Geografia a partir de duas perspectivas: as práticas dialógicas de ensino-aprendizagem desenvolvidas na sala de aula ou em outros territórios da escola e; as práticas de ensino-aprendizagem inicialmente desenvolvidas na sala de aula e que têm seus desdobramentos em outros territórios na escola ou para além dos muros da escola, no entorno da escola, no próprio bairro.

O estudo do meio e o trabalho de campo no entorno da escola e no bairro

Na perspectiva de tornar a prática dialógica de ensino-aprendizagem mais significativa para os estudantes da escola e valorizar a relação escola/aluno/comunidade a Geografia deve orientar os trabalhos a partir da metodologia do estudo do meio, culminando com o trabalho de campo em Geografia no entorno da escola e o uso do letramento cartográfico. Ensinar e aprender a

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Geografia no século XXI nos remeteu a relacionar como se pensou e se fez Geografia ao longo da história do pensamento geográfico, relacionar o método do estudo do meio e o trabalho de campo em Geografia com os métodos e metodologias que estão na gênese da Geografia moderna.

Na gênese da Geografia moderna, com Karl Ritter, se transpõe a fase taxonômica e descritiva para a fase centrada no conceito e na explicação, sua referência é a corografia, que a partir dela cria o método comparativo uma forma e uma fase nova para a Geografia. A corografia parte da noção do recorte paisagístico por meio de uma classificação taxonômica ao tempo, identifica a individualidade regional dos recortes de espaço. O processo é comparar duas a duas, selecionando as singularidades, inferir uma ordem geral de classificação e a específica de individualidade, produzindo o mapa, ao final a corografia se constitui em corologia, uma taxonomia da paisagem da superfície terrestre concebido na teoria. Com Karl Ritter, a Geografia torna-se antropocêntrica, regional, privilegia a abordagem homem-natureza, para além das observações para explicar o espaço que o homem habitava, fazia-se necessário o trabalho empírico, a percepção e as ações intuitivas. (MOREIRA: 2014:15).

Karl Ritter tem papel fundamental na educação geográfica, referenciado pelos pensamentos de Jean-Jacques Rousseau, no qual deve-se evitar que o educando seja influenciado negativamente pela sociedade e a Johann Heinrich Pestalozzi, que cria o método de educação ativo e interativo que coloca o aluno observar do particular ao geral até atingir a consciência e o discurso.

Ritter trata de reconstruir a unidade do todo a partir da observação, progredindo do simples ao complexo. Com isto segue, outra vez, uma das

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a preocupação com a proporção, e o objetivo de avançar sempre do simples ao complexo, explicam, por outro lado, alguns aspectos do plano de Erdkunde (CAPEL: 2007: 50).

Este método inicialmente propicia ao aluno ter um contato direto com o seu meio imediato, exercitando sua intuição, suas sensações e percepções no processo de conhecimento, posteriormente permite a elaboração conceitual. (ZANATT: 2005: 165-184). Portanto, vemos que a abordagem do desenvolvimento do conhecimento abstrato, conceitual do estudante a partir do conhecimento concreto, que leva em consideração suas intuições, sensações e percepções está na gênese do ensino de Geografia moderna. Compreendemos na atualidade que o estudo do meio e o trabalho de campo no entorno da escola ao propiciar ao estudante a reelaboração da sua realidade concreta em diálogo com os conceitos do conteúdo disciplinar tem na sua origem os pressupostos da Geografia moderna ressignificados.

Atualmente são diversos os procedimentos e maneiras de realizar o estudo do meio e o trabalho de campo, procedimentos estes que podem ser encontrados em Para Ensinar e Aprender Geografia, organizado por Nídia Nacib Pontuschka, segundo esta autora trata-se de uma metodologia de ensino interdisciplinar que pretende revelar a complexidade de um espaço específico extremamente dinâmico e em constante transformação. O processo pode incentivar a reflexão do aluno para produzir conhecimentos que não estão nos livros didáticos. Possibilita um movimento de apreensão do espaço social, físico e biológico que se dá em múltiplas ações combinadas e complexas. Propõe como um projeto de estudo do meio os momentos e ações, como segue: 1) mobilização dos sujeitos sociais; 2) visita preliminar e a escolha do percurso; 3) planejamento; 4) elaboração do

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caderno de campo, fonte de pesquisa; 5) a pesquisa de campo reveladora da vida; 6) entrevistas reveladoras de histórias e concepções de mundo; 7) transcrição e categorização; 8) retorno a sala de aula e a sistematização do material colhido, análise do material e compartilhamento cognitivo coletivo. (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE: 2009:173).

Ver uma paisagem qualquer que seja do lugar em que o aluno mora ou outra, fora de seu espaço de vivência, pode suscitar interrogações que, com o suporte do professor, ajudarão a revelar e mostrar o que existe por trás do que se vê ou do que se ouve. (...) Uma das etapas importantes do estudo do meio é o trabalho de campo – a saída da escola já permite outro modo de olhar. O aluno pode, se bem orientado, utilizar todos os seus sentidos para conhecer melhor certo meio. (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE: 2009: 174).

Diante do fato de que cada vez mais se reconhece que a melhoria da educação escolar e a superação dos problemas que envolvem a escola básica perpassam pelo estreitamento da relação entre educadores, estudantes, familiares e comunidade do entorno das escolas, acreditamos que a proposta teórico-metodológica do estudo do meio e trabalho de campo em Geografia no entorno da escola podem contribuir para estreitar a relação entre os agentes da escola e a comunidade do entorno e para estabelecer dentro da escola e em seu entorno, diálogos efetivos e ações compartilhadas entre seus diferentes agentes. Nesta perspectiva, com esta metodologia, por um lado, procura-se estreitar as relações entre comunidade escolar e comunidade do entorno e tornar as práticas dialógicas de ensino-aprendizagem mais significativas para os estudantes da escola, lhes proporcionando autonomia, autoria e maior interação dialógica e de valorização das relações familiares e de bairro. Por outro lado, aborda-se o fato de que a metodologia do estudo do meio e trabalho

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de campo em Geografia no entorno da escola pode contribuir para que escola e comunidade do entorno possam pensar sobre a possibilidade da sua transformação numa comunidade de aprendizagem, ou seja, de se estabelecerem, dentro da escola e em seu entorno, diálogos efetivos entre seus diferentes agentes e, práticas dialógicas de ensino-aprendizagem disciplinares e não disciplinares, tais como atividades culturais, recreativas e de lazer. Com isso pensar a sua transformação em uma sociedade mais democrática e que busca a igualdade na diferença. Apesar dos bairros

se tornarem resíduos irredutíveis do espaço num contexto de

metamorfose da cidade em metrópole, estas ações na escola podem

potencializar encontros, práticas sociais e educativas e, mesmo que possa ter aparência de utopia, podem possibilitar a metamorfose da

escola em comunidade de aprendizagem.

A metamorfose da escola em comunidade de aprendizagem

Comunidade de aprendizagem é um modelo que foi pensado a partir da proposta teórico-metodológica, apoiada no conceito de aprendizagem dialógica, de inspiração nas contribuições de Jurguen Habermas e Paulo Freire, elaborada por Ramón Flecha, do Centro Especial de Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA) da Universidade de Barcelona, Espanha e, desde 2003, em colaboração com o Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE) da UFSCar, liderado por Roseli Rodrigues de Mello, é difundida no Brasil e em outros países da América Latina. Esta proposta surgiu, em 1978, na Escola de Pessoas Adultas de Verneda de Sant Martí, e implantada, em 1995,

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no sistema regular de ensino fundamental em escolas na Espanha. Segundo Roseli Mello, trata-se de uma proposta

Dedicada à ampliação da participação das pessoas do bairro e da cidade na vida da escola, intensificando e diversificando, de maneira metódica, as interações entre diferentes agentes educativos. Ações familiares, de pessoas da comunidade de entorno e de profissionais da educação se articulam de maneira dialógica para a garantia de máxima aprendizagem para todos os estudantes, com desenvolvimento de convivência respeitosa, tendo a diversidade como fonte de riqueza humana. [...] A proposta de Comunidade de Aprendizagem apresenta instrumentos para a transformação tanto da gestão da escola como dos processos de aprendizagem (MELLO: 2012: 11-12).

A perspectiva é que essa gestão escolar seja menos hierárquica e mais democrática, dialógica e compartilhada, entre profissionais e não profissionais, por meio de colegiados mais fortalecidos, tais como os que envolvem os estudantes, a família e a comunidade do entorno da escola. Desse modo, estendem-se os processos de reflexão, de planejamento e de ação na escola e na casa dos estudantes. A escola torna-se um novo território de formação profissional e de estudos para os familiares e a comunidade do entorno. As transformações pedagógicas acontecem em concordância entre os docentes e se originam depois de reflexões pautadas a partir da diversidade de vivências escolares. As transformações das relações e interações entre todas as partes surgem em princípios compartilhados, os da aprendizagem dialógica, tais como: diálogo igualitário, inteligência cultural, transformação, dimensão instrumental, solidariedade, criação de sentido e igualdade de diferenças. Seguindo os caminhos de Paulo Freire, trata-se da realização de uma utopia, o cotidiano como parte constitutiva de um futuro melhor por meio de um sonho e de um projeto.

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A escola e o bairro em Cuba num contexto de globalização

Em busca do bairro num contexto de globalização nos levou a procurar o bairro em Cuba, encontramos uma estreita relação entre a escola e o bairro e a valorização de laços comunitários e solidários. Pensar e fazer a Geografia no século XXI, é nos referenciar como os cubanos ensinam e apreendem Geografia, por meio de um mundo mais humano e solidário.

Ramón Cuétera López vem realizando há muitos anos pesquisas e estudos, no Departamento de Geografia da Universidade Pedagógica Enrique José Varona, Cuba, sobre uma proposta teórico-metodológica para o estudo da localidade na Geografia escolar, particularmente sobre a didática de Geografia local. Constitui uma investigação de caráter fundamentalmente qualitativo e transformador, tornando a realidade como práxis; implicação docente na solução de problemas a partir da sua autorreflexão; interação permanente entre investigação e ação, e utilização do processo de pesquisa como processo educativo. A base do estudo parte do critério de que o estudo da localidade constitui um princípio no ensino de Geografia. Consiste, essencialmente, em que o centro da iniciação da aprendizagem geográfica se situa na localidade no entorno do aluno e, que por comparação, se pode estender até áreas mais distantes e menos conhecidas. O conceito de localidade, para fins de ensino, trata-se daquele território que permite a realização de observações durante as atividades de aprendizagem dos alunos, seja no entorno da escola, seja em uma área que possui uma área de um quilômetro, que pode ser percorrido a pé e que tem a escola como centro de referência.

Referências

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