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Movimento feminista: contribuições

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Academic year: 2021

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Movimento feminista: contribuições

Marcos Antonio de Menezes∗

A dominação social dos homens sobre as mulheres é anterior ao advento do capitalismo. Ela remete à origem das espécies. Em nenhum regime conhecido a assimetria na distribuição do poder e posição entre os sexos está ausente. O capitalismo apenas se apoderou livremente dessa desigualdade milenar, com sua miríade de opressões, ao mesmo tempo utilizando-a de modo intenso.

Claro que, dentro do sistema capitalista, os índices de emprego, alfabetização e legalidade — trabalho, cultura e cidadania —, moveram-se todos numa única direção. De certa forma, o capitalismo, durante sua evolução, diminuiu as perdas sofridas pelas mulheres nas mãos dos homens. No momento que permite a integração da mulher na produção de mercadorias, o capital cria a ilusão de que elas estão ocupando espaço e disputando o mercado em pé de igualdade com os homens. Na verdade continuam sob o julgo masculino e ainda, em alguns casos, trabalhando mais, na fábrica ou no escritório, e ganhando menos que o sexo oposto.

A condição feminina em nosso país não é muito diferente da verificada no restante do globo. O povo brasileiro é “um povo que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta”, como enfatiza Milton Nascimento na canção Maria, Maria, e a mulher brasileira está neste contexto, pois ela é “Maria que traz no corpo esta marca e possui a estranha mania de ter fé na vida”.

A sociedade brasileira esconde, por trás da igualdade jurídica, as diferenças e não exclui só as mulheres, mas os negros, índios, velhos, crianças, homossexuais e tantos outros.

Foi na década de 1920 que as mulheres brasileiras começaram a se organizar e lutar por sua emancipação, mas somente em 1934 elas obtiveram o direito de voto. O Estado Novo de Getúlio cassou esse direito. Junto com a repressão feita a todos os grupos que questionaram o establishment, as organizações feministas foram desmanteladas. Na década de

Doutor em História Cultural pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor adjunto da Universidade Federal de Goiás (UFG), ministra aulas na graduação no Campus de Jataí e na pós-graduação em História no Campus de Goiânia. É autor de Olhares sobre as cidades: narrativas poéticas das metrópoles contemporâneas. São Paulo: Cone Sul, 2000; Escritas da História: narrativa, arte e nação. Uberlândia: Edufu, 2007; Historiar: lendo objetos da cultura. Uberlândia: Edufu, 2009; Uma corte européia nos trópicos e outros ensaios. Goiânia: Editora da PUC/GO, 2010; Narrativas da modernidade: história, memória e literatura. Uberlândia: Edufu, 2011. Líder do grupo de pesquisa do CNPq: Grupo de Pesquisa em História Regional do Centro-Oeste Brasileiro e membro do Conselho Editorial da revista ArtCultura.

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1950, no governo pretensamente democrático de Juscelino Kubitschek, as mulheres também não puderam atuar como grupo organizado. Durante o primeiro mês do governo JK (janeiro de 1956), o congresso aprovou a continuidade do estado de sítio, decretado em decorrência dos acontecimentos suscitados pelo suicídio de Vargas. Em junho do mesmo ano foram fechados o Sindicato dos Trabalhadores e a Liga de Emancipação Nacional.

Nos anos 1960 e sob a ditadura militar, que impediu a livre associação de pessoas e a liberdade de ideias, as mulheres, mais uma vez e da mesma forma como todos os grupos, tiveram seus direitos cassados. Mas a luta continuou e na década seguinte, apesar do regime ditatorial, elas continuaram se organizando e ocupando outros espaços.

Os grupos feministas também emergiram nessa época, a maioria deles ligados às legendas de esquerda que estavam clandestinas nesse período, e foram esses movimentos que colocaram questões novas à sociedade brasileira, questões que, a princípio, pareciam referir-se apenas às mulheres, como violência, aborto, sexualidade, etc. Mas que colocavam em “xeque” toda numa visão de mundo fundamentadora de nossa sociedade.1

Historicamente, foram criados padrões de comportamento, separando e hierarquizando a relação homens e mulheres e dando um lugar definido para cada um na sociedade.

A discriminação contra a mulher não é praticada só no terceiro mundo ou em países onde o capitalismo ainda não se desenvolveu ao máximo. No capitalismo avançado ela ainda continua, apesar das oportunidades abertas pelo capital, principalmente no mercado de trabalho. A lógica do lucro é indiferente à diversidade sexual.

As feministas contribuíram para que as mulheres fossem vistas como sujeitos da ação histórica, além, é claro, de questionarem o poder na relação homem/mulher. Ao deslocarem as discussões para assuntos da esfera “privada”, as mulheres questionaram as formas de disciplina e sujeição produzidas no cotidiano das relações privadas.

Elas falaram também em “salário igual para trabalho igual” e “dupla jornada de trabalho” e criticaram a educação diferenciada.

Elas criaram noções próprias, intensamente debatidas, de direitos específicos à sua condição de gênero e os exercitam de diferentes modos —no espaço instituído dos órgãos públicos, na representação de interesses populares mais amplos, como interlocutoras formais e informais na formulação de políticas

1

BASTOS, Maria Bueno. A condição feminina: passados e presente. Tema - Revista da Faculdade Teresa Martin, n. 18/20, dezembro de 1993, p. 275.

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públicas, na luta autônoma por informação e formação — de direitos de mercado, na legislação, na cultura, nas políticas partidárias, nos sindicatos, na cidade [...]2

O movimento feminista desenvolve discursos sobre a família e a sexualidade que escapam, em grande medida, a toda a história tradicional do marxismo. Seu movimento questiona todas as espécies de autoritarismo, tanto da esquerda ortodoxa quanto das elites dominantes. A temática da mulher ultrapassa o referencial teórico estabelecido pelo socialismo.

Assim, mesmo se as contradições e omissões daquela herança têm sido parcialmente ressarcidas com um recurso (precário) aos corpos de pensamento menos científicos como a psicanálise, não resta dúvida quanto à natureza radical e salutar do movimento perceptivo — a alteração ótica irreversível — que o novo feminismo executou. O predomínio mais estritamente histórico do marxismo até agora tem sido bem menos ameaçado, embora também aí o surgimento de uma vigorosa história das mulheres, seja potencialmente uma prova crítica para ele.3

O movimento das mulheres trouxe para o interior do debate marxista questões novas ou negligenciadas por este. Por longa data o marxismo reinou soberano no movimento socialista, sem nenhuma contestação intelectual realmente importante. Mas, no século XX, questões como o movimento feminista, pela paz, em defesa do verde, a questão racial e as lutas dos homossexuais têm criaram espaços novos no debate pela superação das desigualdades.

Parece que todas as vantagens do marxismo como uma corrente coesa de pensamento foram colocadas em “xeque” e estão hoje sofrendo uma pressão, uma mudança, que só pode ser bem vinda.

Na verdade, um movimento que questiona as relações de gênero e propõe a igualdade não pode ser compatível com um governo de exploração de classes. Certamente para abolir as classes, as lutas irão exigir a participação de homens e mulheres.

Qualquer bloco insurgente capaz de desencadear uma transição para o socialismo será de composição plural e diversificada: mas só será isso, algo maior que um simples confronto dissidente, se possuir um centro de

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PAOLI, Maria Célia. Conflitos sociais e ordem institucional: cidadania e espaço público no Brasil do século XX. In: XIII Encontro Anual da ANPOCS (GT - Direito e Sociedade), Caxambu, MG, nov. 1989, p. 3-4.

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ANDERSON, Perry. A crise da crise do marxismo: introdução a um debate contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 103.

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gravidade em torno daqueles que produzem diretamente a riqueza material em que se funda a sociedade do capital.4

O movimento feminista tem forçado a ideia de um futuro qualitativamente diverso, porém, ele não é uma ação tão coletiva a ponto de abolir a economia e a política do capital.

Isso significa dizer que a luta das mulheres pelos seus direitos é incipiente se encarada do ponto de vista marxista da necessidade da superação das classes. Com isto concorda e afirma em sua obra, A crise da crise do marxismo, o historiador inglês Perry Anderson. O autor quer saber “qual a conexão entre a abolição da desigualdade sexual e o advento de uma sociedade sem classes” 5.

Joan Scott, em um artigo publicado no livro organizado por Peter Burke, A escrita da

história, defende o movimento feminista e a história das mulheres como disciplina acadêmica.

A emergência da história das mulheres como um campo de estudo acompanhou as campanhas femininas para a melhoria das condições profissionais e envolveu a expansão dos limites da história. Mas esta não foi uma operação direta ou linear, não foi simplesmente uma questão de adicionar algo que estava anteriormente faltando. Em vez disso, há uma incômoda ambigüidade inerente ao projeto da história das mulheres, pois ela é ao mesmo tempo suplemento inócuo à história estabelecida e um deslocamento radical dessa história.6

Se essa história vai abrir uma brecha para trazer à luz o que Michelle Perrot chama de “os excluídos da história”, não responde à questão colocada por Anderson.

As mulheres são elevadas à categoria de sujeitos da história e junto com outros sujeitos configuram um conjunto polissêmico.

A dominação sexual, como padrão de desigualdade, é muito mais antiga historicamente e arraigada na cultura do que a exploração capitalista. “Detonar suas estruturas requer uma carga igualitária muitíssimo maior de esperanças e energia psíquicas, do que necessária para eliminar a diferença entre classes” 7.

A divisão entre os sexos, para Anderson, é fato da natureza e não pode ser abolido como a luta entre classes, um fato da história. Mulheres e homens permanecerão mesmo em uma sociedade comunista.

Nunca há nenhuma centralização global das estruturas de opressão feminina, e essa sua difusão enfraquece criticamente a possibilidade de insurgência

4 Idem, ibidem, p. 109. 5 Idem, ibidem, p. 104. 6

SCOTT, Joan. História das mulheres. IN: BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo: Unesp, 1992, p. 65.

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contra elas. Sem um foco centrípeto para a oposição, a solidariedade coletiva e a organização conjunta são sempre mais difíceis de manter. Nada disso significa, é claro, que seja impossível uma ação conjunta das mulheres pela sua libertação. Pelo contrário, pode-se dizer que, na década passada, tal ação conseguiu um grau de avanço maior do que qualquer luta operária no Ocidente.8

A discussão acadêmica que hoje se faz sobre a questão de gênero não se abre para essas questões. A pergunta de Anderson fica sem resposta, mesmo afirmando que a diferença é uma questão cultural.

Não é só a teoria relacional que não dá conta de resolver a questão das diferenças de classes entre homens e mulheres. O marxismo também não tem respostas para a desigualdade entre os sexos.

REFERÊNCIAS

ANDERSON, Perry. A crise da crise do marxismo: introdução a um debate contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

BASTOS, Maria Bueno. A condição feminina: passados e presente. Tema – Revista das Faculdades Teresa Martin, nº 18/20, dezembro de 1993.

PAOLI, Maria Célia. Conflitos sociais e ordem institucional: cidadania e espaço público no Brasil do século XX. In: XIII Encontro Anual da ANPOCS (GT - Direito e Sociedade), Caxambu, MG, nov. 1989.

SCOTT, Joan. História das mulheres. IN: BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo: Unesp, 1992.

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