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A poética das formas no Teatro de Animação: A preparação corporal do ator durante a montagem MetaForMose.

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Academic year: 2021

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A poética das formas no Teatro de Animação:

A preparação corporal do ator durante a montagem MetaForMose.

Iasmim Marques 1 Orientador: Prof. Ms. Fernando Linares2 Co-orientador: Prof. Dr. Maurílio Rocha3

Buscando falar do ator na linguagem do Teatro de Animação, proponho uma reflexão sobre o trabalho de sua preparação corporal, associado à minha experiência como

1 Iasmim Marques é graduanda do Curso de Teatro da Escola de Belas Artes da UFMG. Integrante do Grupo

Girino Teatro de Animação, coletivo com sede em Belo Horizonte que pesquisa a linguagem das formas animadas e ministra oficinas na área de arte-educação. Endereço eletrônico: www.grupogirino.com.br

2 Prof. Ms. Fernando Linares, Teatro Universitário, Curso de Formação Técnica vinculado à EBAP (Escola de

Educação Básica e Profissional da UFMG).

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atriz e ao trabalho de investigação que foi realizado no Centro Cultural da Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 2011, pelo Grupo Girino Teatro de Animação, coletivo do qual atualmente sou integrante.

Esta reflexão é relevante na medida em que a origem da proposta de preparação corporal para o processo de montagem MetaForMose está diretamente relacionada àquelas vivências práticas, e também visa a um melhor entendimento do sentido e da natureza deste trabalho, como se poderá ver neste artigo.

Essa pesquisa, viabilizada pelo Edital Ateliê Aberto do CC-UFMG, consistiu em um laboratório de experimentação das técnicas e expressão do Teatro de Animação, durante o período de um ano, visando ao treinamento do ator para o processo de montagem, antes mesmo da concepção das cenas.

Junto ao trabalho de improvisação, procuramos desenvolver uma pesquisa de preparação corporal para o ator relacionada à linguagem do Teatro de Animação. Buscamos para a concepção dramatúrgica não só a construção de narrativas textuais, mas também a manipulação de bonecos, objetos e outras formas materiais, a partir de referências como as lendas folclóricas populares e a mitologia grega.

A Poética da Animação

O Teatro de Animação é uma linguagem teatral que apresenta especificidades técnicas e estéticas, e se refere ao teatro que anima o inanimado, por meio da presença do manipulador. O artista dessa linguagem, conhecido como animador, ator-manipulador ou ator-bonequeiro, tem como principal característica a expressão por meio de máscaras, bonecos, sombras e objetos. Levando em consideração que a produção de sentido se dá essencialmente não por elementos isolados mas pela composição de imagens, cabe ao atuante a expressão através de metáforas e símbolos.

Sob a perspectiva de que o Teatro de Animação está inserido como parte integrante da concepção cênica, o trabalho de preparação corporal desse artista com essa perspectiva, se torna essencial para tal gênero teatral. E, também a partir dos princípios técnicos intrínsecos ao trabalho do ator-manipulador, evidencia-se que essa arte exige a apreensão de saberes peculiares, além dos específicos para a interpretação teatral.

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Procurarei assim, evidenciar alguns pontos relevantes que influenciam na elaboração de um treinamento para o ator dessa linguagem e na utilização do material expressivo para a composição da cena. Um dos princípios fundamentais do Teatro de Animação é o fato de que a personagem ou persona não está no corpo do ator, mas em um objeto inerte que necessita do corpo do ator para ganhar vida, como um outro corpo que se torna extensão do ator-manipulador.

Segundo Valmor Beltrame, “o objeto inerte é tão somente um objeto, o que o transforma em personagem é a ação dramática, a interpretação do ator estendida a ele diante do espectador” (2008, p. 102). Portanto, na relação animado-inanimado é o corpo do ator que interfere e se faz visível na presença do objeto.

Animar é transformar o objeto inerte em personagem. O que caracteriza a arte do teatro de animação não é apenas o objeto em si, tampouco seu desenho, forma, peso volume e o material que é construído, embora esses elementos acabem sendo determinantes na animação do espetáculo. É a animação que dá sentido ao objeto e faz com que ele exista e só a ação justifica sua presença na cena. O que o transforma é a ação e a interpretação diante do espectador. (BELTRAME, 2003, p. 37-38)

Assim, Beltrame afirma que “na medida em que a ação do boneco se completa com o texto e ganha vida, seu caráter se evidencia e a relação com a platéia se estabelece” (2002, p. 2). Dessa maneira, o ator-manipulador deverá evidenciar a ação do boneco na encenação, não só através de recursos plásticos, mas também privilegiando a movimentação da forma a ser animada e a plateia compreenda a relação a ser estabelecida.

No Teatro de Animação, algumas montagens teatrais buscam desenvolver a construção da imagem através de elementos estéticos plásticos na cena, concepção presente na linguagem do Teatro Visual. Sobre esse assunto, são elucidativas as palavras de Toni Rumbau (RUMBAU apud AMARAL; ano não disponível): “não importa somente como os objetos são concebidos (estilizados, realistas, abstratos), mas também a maneira como determinada ideia do espetáculo se coloca em cena”.

Esse é um ponto que influencia significativamente na busca por um treinamento corporal para o ator dessa linguagem, pois agora ele não tem somente as relações corpo-espaço-tempo, mas cabe ao artista explorar, também, as relações com os elementos materiais e compreender que o seu corpo agirá como mais um componente para criar imagens.

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Buscando investigar sobre uma possível metodologia de preparação corporal para o artista dessa linguagem, vislumbrou-se a possibilidade de experimentar os fatores do movimento desenvolvidos por Rudolf Laban na relação do ator com os objetos materiais, partindo de uma abordagem prática durante o processo da montagem MetaForMose. Essa montagem teatral foi desenvolvida no contexto do Trabalho de Conclusão de Curso da UFMG por esta autora. Utilizava como referência estética e conceitual o Teatro de Animação. O objetivo a ser atingido era transpor os conceitos abordados na Oficina de Preparação Corporal, ocorrida durante o processo da montagem para a construção das cenas, propiciando ao ator-manipulador a conscientização do movimento do boneco através da experimentação do corpo em relação ao peso, espaço, fluência e tempo. Essa oficina foi realizada durante o processo de montagem do espetáculo MetaForMose, buscando investigar aspectos da preparação corporal do ator a partir dos conceitos abordados por Rudolf Laban. A oficina foi ministrada pela professora Tânia Mara Silva Meirelles (EBA/UFMG) no Centro Cultural UFMG, ao Grupo Girino Formas Teatro de Animação.

O espetáculo MetaForMose tem como referência o livro homônimo de Paulo Leminski (1994), e perpassa o imaginário do hibridismo humano na concepção mitológica grega. Na trama, a personagem principal, Serpente, constrói narrativas oníricas e fragmentárias, em busca de respostas para a incompletude de sua essência, sempre presa a memórias de processos metamórficos pelos quais passou ao longo de sua existência.

Escolhemos para a montagem retratar a personagem em vários âmbitos de expressão, a partir da faixa-etária apresentada em cada cena. Em sua última fase, na velhice, utilizamos para a representação um boneco sentado em uma cadeira de rodas, manipulado a partir da técnica de manipulação direta. Um boneco de balcão em proporção pequena representava a criança na fase da infância. Já em sua fase adulta, cabia a representação pelo ator. Ainda durante as cenas, eram intercaladas projeções de vídeos que colaboravam com a transformação da personagem, intensificando a temática abordada.

Cabe também ressaltar que o cenário foi um elemento importante para avaliar os fatores do movimento em relação ao espetáculo, uma vez que os espaços demarcavam os limites do corpo. Nesse artigo, usaremos como exemplo o espaço da cabine que poderia ser habitado tanto por um ator quanto por um boneco, o objeto cadeira que resignificamos para criar outros espaços que reforçavam a dramaturgia, e o proscênio, espaço mais amplo, que permitia ao ator uma ruptura com o cenário e uma relação direta com o público.

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Durante a Oficina de Preparação Corporal foram abordados, primeiramente, aspectos relacionados à sensibilização corporal, utilizando os planos baixo, médio e alto e explorando as articulações do corpo. A seguir, começamos a trabalhar os quatros fatores do movimento desenvolvidos por Rudolf Laban (1879-1958), o que foi fundamental e aplicado na manipulação dos bonecos posteriormente.

O primeiro deles foi o Fator Tempo, experimentando o caminhar em diferentes pulsações. Logo após, utilizamos livremente os três andamentos em relação ao tempo. A proposta foi o deslocamento pelo espaço, de maneira linear angulosa ou linear sinuosa. Dentro da oficina também vimos alguns apoios, velocidades e pausas. Para Tânia Mara Meireles, “esse é um fator muito importante para construir a leitura do espectador”. Segundo a professora, “a intenção do movimento é influenciada pelo tônus” 4.

Trabalhamos o peso em relação ao tônus, deixando o corpo entregue à gravidade. Foram realizados movimentos de recolher e estender, contração e extensão a partir da coluna. Em seguida, nos dividimos no espaço, separando-o em duas faixas, para, assim, criarmos vocabulário de movimento a partir de ações básicas possíveis ao corpo, tais como: pressionar, socar, flutuar, sacudir, torcer, pontuar e chicotear, experimentando cada fator do movimento presente nas ações realizadas.

Também foi feito um trabalho de interação entre as duas artistas participantes da oficina. Tratava-se de um jogo corporal de pergunta e resposta ao movimento. Enquanto uma participante realizava uma ação, a outra deveria permanecer imóvel e vice-versa. Esse exercício foi importante, sobretudo, para trabalhar a atenção. Logo depois, fizemos um exercício de manipulação humana, onde um ator deveria ser o manipulador e o outro ator o boneco que reagiria ao toque, se deixando ser totalmente conduzido.

Além disso, foi abordada a manipulação dos bonecos utilizados no espetáculo, através da criação de pequenas situações nas quais os bonecos teriam que executar movimentos, para que, assim, analisássemos a melhor forma de transposição dos fatores do movimento para esse corpo rígido. Deste modo, verificamos se o movimento atingia a intenção buscada.

Rudolf Laban e a pedagogia do movimento

4 Esta fala foi dita durante a Oficina de Preparação Corporal realizada no processo da montagem MetaForMose.

A oficina foi registrada através de filmagem e esses arquivos estão disponíveis no acervo do Grupo Girino Teatro de Animação.

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Rudolf Laban desenvolve uma metodologia de análise que trabalha com a decupagem dos movimentos e estimula a percepção da fragmentação do corpo. A partir disso, é importante observar tal relevância metodológica, sobretudo ao ator-manipulador, o qual, muito frequentemente, deverá concentrar-se separadamente nas mãos, no rosto, nos pés e em outras partes isoladas.

Segundo Laban, “o corpo só encontra sua expressão concreta quando esta se atualiza no esforço” (1978, p.131). Esse fator do movimento é muito importante para que o ator possa criar repertórios de movimento. “Quando Laban falava de Esforço, ele chamava atenção para o que ocorria ‘dentro’ do corpo, lembrando o seu entendimento de corpo como uma totalidade física, emocional e intelectual” (RENGEL, 2008, p.73).

Lenira Rengel coloca que “o movimento não é só o que vemos de fora. Ele tem sensações, atitudes, impulsos, pensamentos, interferências, que aparecem em movimento visível”, e, completa ainda, que “o Esforço é o como do movimento” (2008, p.73). Ou seja, quando o ator se propõe a realizar uma ação, ele deverá eleger a qualidade do movimento que deseja realizar. Há uma busca nesse processo corporal de estar atento a uma percepção física não-cotidiana do corpo.

Segundo a proposta de Laban, para maior organicidade do movimento as figuras geométricas são essenciais e apoiam o trabalho corporal do ator. Ele propunha relações entre direções, extensões, caminhos e planos. Portanto, o pedagogo do movimento, reforça que para o ator ampliar o que ele chamou de Cinesfera, seria necessário a realização de ações dramáticas em posições correspondentes aos vértices dessas figuras. Assim, a conscientização do movimento possibilitaria ao ator a busca por uma maior limpeza gestual e organicidade do movimento. Cinesfera é a esfera pessoal de movimento. Determina o limite natural do espaço pessoal. Cada agente tem a sua própria cinesfera, a qual se relaciona somente a ele. Esta esfera de espaço cerca o corpo, esteja ele em movimento ou em imobilidade. A cinesfera é delimitada espacialmente pelo alcance dos membros ou outras partes do corpo do agente quando se esticam para longe do centro do corpo, em qualquer direção, a partir de um ponto de apoio (RENGEL; 2005, p. 32).

Confluências entre Laban e o Teatro de Animação a partir de MetaForMose

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A partir do meu trabalho de preparação corporal realizado durante o período da montagem MetaForMose, pude observar que em todas as experiências de manipulação de formas era essencial começar pela sensibilização do corpo, para só então acrescentar o trabalho de manipulação para dar vida aos bonecos e objetos. O espetáculo exigia do ator-manipulador uma extrema precisão de movimentos, marcações e tempos, entradas e saídas dinâmicas, para que as imagens propostas tivessem concisão.

Em relação ao Fator Tempo, notei que os bonecos exigiam na maioria de seus gestos o tempo lento. A forma evidenciava-se animada quando o ator utilizava-se do tempo contido, decupando cada movimento a ser realizado sem rapidez nas ações físicas e vocais.

Para Laban, “o corpo preciso em relação ao tempo tem Decisão” (1978, p. 131). Ou seja, esse fator exigirá do ator-manipulador uma precisão na manipulação do boneco para que sejam construídas as intenções do texto, mesmo nas circunstâncias em que é utilizado o tempo sustentado.

Observei que, talvez, o tempo rápido ofereça uma precisão maior ao ator, porque está ligado ao movimento súbito. Experimentando corporalmente o Fator Tempo para saber como o braço percorre o espaço do ponto A ao ponto B no tempo lento ou no rápido, observei que se atinge maior precisão no tempo rápido. Para que o ator se movimente no tempo sustentado, será exigido um estado de contensão, o que se relaciona diretamente com a precisão do movimento e com sua falta.

O boneco que representava a Serpente em sua fase anciã, personagem sentado em uma cadeira de rodas, exigia do ator-manipulador um tempo lento e condensado, pois se o ator-manipulador produzia movimentos rápidos demais, ou em excesso, a ação não se evidenciava e o boneco não ganhava a vida necessária.

Em relação à descoberta das possibilidades de movimento, se notou possível encontrar intenções para a ação a partir da utilização das duas variáveis de tempo, mas, geralmente quando era usado o tempo lento dava-se maior ênfase à ação do boneco. Essa constatação também se deu devido aos fatores dramatúrgicos que impunham um tempo mais lento para o espetáculo, além da caracterização da personagem, já que em sua última fase de vida não lhe eram permitidos movimentos bruscos.

Em relação ao Fator Espaço, notei que ao aplicar esse fator do movimento aos bonecos escolhidos para a cena potencializava-se a percepção externa e interna do

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ator-manipulador e do ato de animar a figura inanimada. Podemos entender o espaço interno do corpo como os impulsos que acontecem dentro dos limites naturais da Cinesfera, e o espaço externo como o espaço mais amplo, que se relaciona em maior amplitude com os elementos da cena.

O espaço, segundo Laban, pode ser direto ou flexível. Mesmo em dimensões físicas diferentes o boneco também se relaciona com o espaço direto e flexível. A ação no espaço direto pode realizar um percurso direto ao ponto desejado, já a ação realizada no espaço flexível poderá passar por outros pontos para chegar ao ponto desejado.

No caso do espetáculo, os espaços eram delimitados por cada cena. Pode-se citar como exemplo o espaço que a cadeira propunha, objeto utilizado durante as cenas “O Professor” e “O Laboratório”. Esse objeto cenográfico obrigava o corpo a manter um estado de imobilidade uma vez que os braços eram mantidos presos para trás, gerando mais tensão para cena e cabendo apenas movimentos pequenos de cabeça e olhos. Essa ação se relacionava em maior proporção com o espaço interno e flexível.

Já na cena “A Rua”, o ator-manipulador utilizava-se do proscênio para a ação e ampliava o espaço, propondo uma ruptura com o cenário. Essa ruptura acontecia em alguns momentos do espetáculo e era gerada porque grande parte da peça ocorria na estrutura do cenário, nos seus espaços específicos.

Havia ainda uma movimentação que se sucedia na cabine, um espaço reduzido do cenário que comportava uma pessoa, o que também influenciava a ação. Sendo assim, também cabe refletir, como cada cena delimita o espaço a partir de objetos e estruturas materiais que afetam completamente a movimentação que estava sendo criada, mesmo em tamanhos diferentes quando se relacionava com o boneco ou com o ator.

Segundo Laban, “o corpo que aprende a se relacionar com o espaço, dominando-o fisicamente, tem Atenção” (1978, p. 131). Fator extremamente necessário para captar os estímulos que emergem do espaço e materializá-los cenicamente, e também elemento importante para o trabalho de improvisação do ator no Teatro de Animação, o qual deverá estar preparado para improvisar em cena com o duplo, se necessário.

Quando o ator-manipulador consegue transmitir a ideia de que o boneco está pensando, ou seja, de que a forma possui Atenção e só depois disso agirá, torna muitas vezes o boneco mais vivo e crível. Talvez as histórias já tendam a humanizar seres e objetos, mas a

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característica principal do Teatro de Animação, independentemente da técnica utilizada, é tornar a manipulação orgânica. Para Ana Marial Amaral:

Um objeto torna-se animado quando seus movimentos são, ou parecem ser intencionais. Essa sua aparente intenção lhe é conferida pelo ator-manipulador. O movimento dos objetos obedece a estímulos internos e externos. Estímulos internos ocorrem quando seu movimento parece intencional. (AMARAL, 2002, p. 103)

Quando o ator-manipulador passa a ideia de que o boneco está agindo por ele mesmo, e que isso não é causado apenas por uma interferência externa, isso é interessante para o Teatro de Animação, pois torna o boneco crível para o público.

De fato, o tempo inteiro o ator-manipulador está interferindo na manipulação do objeto. Mas quando o boneco aparenta pensar isso gera, sobretudo, uma humanização da forma, já que a ação de pensar é completamente humana. Assim, a figura gera a impressão para o público de ter autonomia e de que não está sendo movido por um outro corpo. Tais especificidades são questões que o ator-manipulador terá que desenvolver antes da manipulação em si.

Em relação ao Fator Fluência, também se notou presente o fluxo livre, não-interrompido e o fluxo controlado, entrecortado, de acordo com a necessidade das cenas. No entanto, a fluência talvez seja um dos fatores fundamentais a serem trabalhados no boneco para a construção do sentido dramático. A utilização da fluência em relação ao tempo-espaço será essencial para a experimentação de variados estados corporais e tensões, interferindo diretamente no ritmo e na qualidade de movimento da forma escolhida para ser manipulada, atendendo às atitudes específicas que caracterizam aquele personagem.

O Fator Fluência não pode ser analisado separadamente, assim como os outros fatores do movimento. Como afirma Rengel, “os fatores do movimento nunca acontecem separadamente nos movimentos. O que pode ocorrer é uma maior ou menor ênfase em uma qualidade ou outro fator” (2008, p. 31). Para existir um fluxo, é necessário que os fatores espaço, tempo e peso, atuem simultaneamente.

A fluência também colaborará para definir os estados corporais. Em sua fase anciã a personagem Serpente possui o estado denso da velhice, das memórias e da tentativa de se lembrar. Nesse momento do espetáculo ela está debilitada e idosa e se encontra na sua última

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fase de vida. A narrativa da personagem é a da lembrança, com pausas características à construção do estado da personagem. Assim, nos dedicamos a refletir a respeito de qual seria a melhor qualidade de fluência para tal narrativa? Qual seria a fluência dos gestos que se precisava criar para intensificar a ação e o texto?

Esse fator, experimentado durante as várias dinâmicas na Oficina de Preparação Corporal, possibilitou ao ator-manipulador interferir no estado, nas intenções e no peso dramático de cada cena. Assim, coube ao ator-manipulador refletir sobre como acontece esse processo e selecionar a qualidade do movimento desejada, pensando nas possíveis leituras que o espectador poderá produzir.

Em relação ao fator peso, obtiveram-se resultados das possibilidades dos movimentos firme e leve. No entanto, trabalhar as qualidades de resistência e leveza nas formas animadas exigirá do ator-manipulador uma interação orgânica, integrada e não estereotipada com o duplo material.

Quando falamos de trabalhar uma interação não estereotipada com o duplo, estamos refletindo sobre o trabalho físico e vocal antes da expressão cênica. As formas animadas geralmente pedem por um tipo, uma voz mais caricatural, pois o boneco já traz consigo uma máscara facial, uma expressão que foi esculpida e que sugere uma personalidade e uma expressão.

Cabe ao ator-manipulador desenvolver uma voz e um gestual de acordo com a expressão que a figura já apresenta. Isso é uma especificidade que, comumente, a linguagem da animação exige. No entanto, a reflexão é como o ator-manipulador poderá animar o boneco de uma maneira orgânica, mesmo quando os personagens sugerem uma voz moldada e pré-estabelecida.

Laban aponta para “o corpo que detém o domínio de sua relação com o fator peso”, e, segundo ele, “este possui Intenção” (1978, p. 131). A Intenção é um estágio básico de preparação interior para uma ação corporal, pois o gesto deverá ser dotado de Intenção para que o estado de presença do boneco e o de concentração do ator-manipulador atinjam o objetivo proposto.

A ação física propõe que o ator só deverá agir quando tiver um objetivo, ou seja, agir em função de uma intenção para realizar uma ação. Outra questão é dimensionar a intenção dramática do ator-manipulador ao realizar uma ação com o boneco. Nesse contexto, o boneco também é dotado de intenção, e, do mesmo jeito que o ator ao representar possui um

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subtexto, o boneco também deverá possuir. Além disso, o boneco também realiza ações físicas, pois do contrário criam-se gestos vazios.

A ação física é muito importante para que o boneco esteja animado em cena. Quando o ator-manipulador dá intenção para ação do duplo, o boneco está definitivamente em cena e, ao mesmo tempo, é gerado um estado de concentração ao ator-manipulador, requisito muito exigido a esse artista uma vez que a forma não se encontra em seu próprio corpo. É algo não visceral, o que exigirá um controle absoluto do ator-manipulador para que a relação animado-inanimado não se perca.

Mesmo a partir dessas análises, deve-se levar em consideração uma característica relevante do Teatro de Animação contemporâneo que é, com certeza, a diversidade das linguagens que o compõem. Entre as diversas possibilidades cada segmento artístico, cada gênero, técnica e linguagem trabalhará de uma maneira diferente.

Em relação aos fatores do movimento, é importante ressaltar que cada boneco, máscara, objeto e as outras formas a serem animadas possuem o seu próprio tempo e peso, suas variações de ritmos e fluência, pausas e outras especificidades de cada manipulação que possibilitem o passar do estado inanimado para o animado.

Mesmo tecendo esta reflexão a respeito de cada fator do movimento em separado, e presentes na montagem MetaForMose, deixo claro, que o fazer teatral contemporâneo é justamente a diversidade dos meios expressivos para a composição de um trabalho artístico agindo no conjunto. O processo das experimentações artísticas atuais e, de quebra, das barreiras entre as diversas linguagens, promovem uma diluição de fronteiras estéticas e permitem ao artista de hoje transitar pelos diferentes campos das artes.

Pensar em Laban como uma possibilidade metodológica para a preparação corporal do artista do Teatro de Animação é refletir a respeito da ideia de uma partitura física e vocal que o ator-manipulador poderá desenvolver em relação ao boneco, principalmente como ferramenta de trabalho para codificar o movimento.

E como utilizar isso para que o boneco tenha mais expressão? Como explorar as especificidades das formas animadas, para que não fiquem somente no aspecto ilustrativo, ou textocêntrico, quando estamos falando de representar símbolos? Ou ainda, como fazer, conscientemente, através do ator-manipulador que o boneco utilize os fatores do movimento para trazer a intenção dramática desejada?

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Trata-se do trabalho que vem antes da expressão, o qual o ator-manipulador poderá desenvolver com o boneco antes propriamente da produção da montagem propriamente dita. Será necessário experimentar formas de como o boneco vai andar, pegar um objeto, olhar, mesmo que isso não seja utilizado para cena.

Realizar um trabalho de preparação corporal e de improvisações possibilitará desenvolver o estudo do gestual, além de acrescer o repertório de movimento do ator, a construção da personagem, a criação de uma partitura física e vocal, ou seja, elementos essenciais à criação nas artes da cena.

Usar os fatores do movimento desenvolvidos por Rudolf Laban como ferramentas para a construção das intenções, estados e qualidades de movimentos dos duplos materiais do ator, possibilitará ao ator-manipulador transitar por diferentes técnicas e reagir aos mais diversos estímulos, utilizando o material expressivo para a composição da cena, recriando e interagindo com a proposta.

Dessa forma, a preparação técnica do ator antes da personagem construída e da cena finalizada se torna fundamental para essa linguagem de natureza complexa, onde há um processo de confluência entre o vivo e o não-vivo, ambos interagindo e se influenciando.

O presente trabalho procurou apontar alguns aspectos da questão do corpo do ator no Teatro de Animação e oferecer uma pequena contribuição nesse sentido, mesmo que através de uma breve experiência, mas que poderá ser transposta e apropriada para outras propostas teatrais, permitindo-se ao erro e à mudança.

Referências

AMARAL, Ana Maria. O ator e seus duplos: máscaras, bonecos, objetos. São Paulo: Ed. SENAC, 2002.

_________________. Teatro de formas animadas: máscaras, bonecos, objetos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1991.

_________________. Imagens, Símbolos e Mitos. Artigo disponível em: http://formasanimadas.wordpress.com/2010/08/12/teatro-de-animacao/ Acesso em 19/10/2011

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BELTRAME, Valmor. A animação do inanimado da dramaturgia de Maiakóvski. In: Revista

Linguagem em (Dis)curso, volume 2, número 2, jan./jul. 2002.

_________________. O Trabalho do Ator-bonequeiro. In: Revista Nupeart, n.2, Florianópolis: UDESC, 2003.

________________. Teatro de Bonecos: distintos olhares sobre teoria e prática. Florianópolis: UDESC, 2008.

RENGEL, Lenira. Dicionário Laban. 2. Ed. São Paulo: Annablume, 2005.

______________. Os temas de movimento de Rudolf Laban: I, II, III, IV, V, V [sic], VII, VIII: modos de aplicação e referências. São Paulo: Annablume, 2008.

Referências

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