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Perturbadores endócrinos na água: instrumentos legais e efeitos na saúde humana e no meio ambiente

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOCIÊNCIAS FORENSES

Perturbadores endócrinos na água: instrumentos legais e efeitos na saúde humana e no meio ambiente

Luisa De Sordi Gregório1 Daniela Buosi Rohlfs2

1

Bióloga. Aluna da Pós-Graduação em Biociências Forenses, pela Universidade Católica de Goiás/IFAR.

2 Orientadora: Engenheira Florestal. Universidade de Brasília, UNB, Brasil; Mestre em Ciências Ambientais –

Universidade de Brasília, UNB, Brasil; Atuando como Coordenadora Geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde; Daniela.buosi@gmail.com

Resumo

A Ecotoxicologia Forense está intimamente associada à saúde pública e busca avaliar os agravos decorrentes da utilização de substâncias químicas. Os perturbadores endócrinos englobam uma grande classe de substâncias capazes de interferir no funcionamento do sistema endócrino, como: agrotóxicos, hormônios naturais e sintéticos, fitoesteróides, solventes, lubrificantes e subprodutos industriais, plásticos e produtos farmacêuticos. A presença desses agentes químicos na água é alvo de crescentes pesquisas que visam avaliar sua toxicidade em corpos hídricos, bem como seus possíveis efeitos à saúde pública e ao meio ambiente. As lacunas existentes na legislação brasileira e mundial quanto ao estabelecimento de padrões de qualidade para esses compostos, aliadas às limitações associadas a sua correta e eficaz remoção das estações de tratamento de água e esgotos, aumentam ainda mais a preocupação acerca dos danos causados pelos perturbadores endócrinos e reforçam a importância de novas pesquisas na área.

Palavras-chaves: Ecotoxicologia Forense, perturbadores endócrinos, saúde pública, meio ambiente.

Abstract

The Forensic Ecotoxicology is closely linked to public health and seeks to assess the damages resulting from the use of chemicals. The endocrine disruptors comprise a large class of substances capable of interfering with the endocrine system, such as pesticides, natural and synthetic hormones, fytoesteroids, industrial solvents/lubricants and their byproducts, plastics and pharmaceuticals products. The presence of these chemicals in water is the subject of increasing research that aim to evaluate its toxicity in water bodies, as well as their possible effects on humans and on the environment. Gaps in legislations in Brazil and worldwide related to the establishment of quality standards for these compounds, coupled with limitations associated with its proper and effective removal of water treatment plants and sewers, increases the concern about the damage caused by endocrine disruptors and reinforce the importance of further research in the area.

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1 INTRODUÇÃO

A Toxicologia é a ciência que visa o estudo dos agentes tóxicos que interagem com os sistemas vivos por meio de processos químicos. A Ecotoxicologia é sua vertente responsável pelo estudo dos agentes tóxicos no ambiente, entre os quais incluem-se os Perturbadores Endócrinos (PEs) (RANGEL, 2003). A Ecotoxicologia Forense está intimamente associada à saúde pública e busca avaliar os agravos decorrentes da utilização de substâncias químicas (ALVES, 2005), utilizando como parâmetro as regulamentações existentes.

De acordo com a definição proposta pelo Programa Internacional de Segurança Química (IPCS, 2002), PEs são substâncias exógenas capazes de alterar funções do sistema endócrino, podendo interferir na síntese, secreção, transporte, metabolismo e eliminação de hormônios responsáveis pela homeostase, desenvolvimento e reprodução (DIAMANTI-KANDARAKIS et al, 2009), podendo influenciar no funcionamento normal de tecidos e órgãos, especialmente os do trato reprodutivo (HENLEY e KORACH, 2006).

São considerados PEs uma grande variedade de moléculas, que incluem hormônios naturais e sintéticos, fitoestrógenos, pesticidas, solventes e lubrificantes industriais, subprodutos de processos industriais, plásticos, fungicidas e produtos farmacêuticos (SILVA, 2009; DIAMANTI-KANDARAKIS et al, 2009). Essas substâncias encontram-se largamente distribuídas no meio ambiente em todo o mundo (IPCS, 2002), seja no solo, na água ou em alimentos e sua ocorrência reflete quase sempre um problema de saúde pública e ocupacional (GUIMARÃES, 2005).

O estudo da qualidade da água é fundamental para a manutenção da sadia qualidade de vida da população e a importância desse tema se reflete na necessidade de investigação da presença e, em caso afirmativo, a remoção dos PEs das estações de tratamento de água devido a potencial contaminação do meio ambiente e correspondente risco à saúde humana (PERES, 2011). A escassez de normas que regulamentem os padrões nacionais e internacionais de PEs na água torna o assunto um grave problema ecotoxicológico, o que reflete a importância do tema para a perspectiva forense.

Este trabalho apresenta uma revisão bibliográfica sobre a ocorrência de PEs na água analisada no Brasil, buscando comparar com a ocorrência em outros países, bem como descrever os mecanismos de ação dessas substâncias e seus efeitos nos seres humanos e no meio ambiente.

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2 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão de literatura baseada em produções científicas prioritariamente desenvolvidas nos últimos 10 anos, cujas informações e artigos correlacionados foram obtidos de sites de pesquisa da internet, como Scielo, ScienceDirect, Pubmed, Google acadêmico e outros. Livros e a legislação referente ao tema foram consultados. Foram também utilizadas produções científicas de Bibliotecas Virtuais de Teses e Dissertações de Universidades Federais e Estaduais brasileiras, sendo a maior parte referente à região sudeste.

3 PERTURBADORES ENDÓCRINOS

3.1. Aspectos gerais

Os termos utilizados para nomear as substâncias capazes de interferir e causar anormalidades no funcionamento do sistema endócrino não apresentam consenso entre os autores. A tradução literal da expressão mais utilizada na língua inglesa -“endocrine disrupting chemicals” - é a opção de alguns autores brasileiros (GUIMARÃES, 2005). O uso de “Endocrine disruptings” também diverge entre autores estrangeiros, já que alguns acreditam se referir a compostos que se ligam a receptores específicos ou interferem na expressão do sítio de ligação; outros não levam em consideração os mecanismos de ação, considerando todas as substâncias passíveis de causarem alterações endócrinas (WAISSMAN, 2002).

No Brasil alguns autores, baseados na premissa de que essas substâncias seriam mais do que “desreguladores” ou “disruptores”, preferem utilizar a expressão “interferentes endócrinos”, que, segundo Waissman (2002), tipifica, porém não restringe a ação da substância no sistema endócrino. Há, ainda, as denominações “perturbadores endócrinos” e “estrogênios ambientais”, sendo que esta última não parece refletir a toxicidade dessas substâncias (GHISELLI e JARDIM, 2007; WAISSMAN, 2002). Tendo em vista que a tradução da palavra disrupt seja: desfazer/perturbar/interromper, adotaremos o termo “perturbadores endócrinos” (PE) ao nos referirmos a essas substâncias.

Os PEs representam uma grande variedade de substâncias, em sua maioria orgânicas (cloradas ou não), e incluem hormônios naturais, sintetizados por vertebrados (estrógenos, andrógenos e progesterona), xenoesteróides - incluindo compostos presentes em

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anabolizantes, cosméticos, poluentes orgânicos persistentes (POPs) e metais pesados. Também estão na lista as dioxinas, bifenilas policloradas (PCBs), alquilfenoís, ftalatos, pesticidas, fungicidas, inseticidas, bem como os hormônios esteroides sintéticos, utilizados em larga escala por mulheres como contraceptivo (FONTENELE et al, 2010;HOLLANDER, 1997). Esses autores incluem os fitoestrogênios, compostos sintetizados pelas plantas, na relação dos xenoesteróides. Entretanto, Ghiselli (2006) os diferenciou, por serem de origem natural, enquanto que os xenoesteróides são de origem antrópica.

Os PE podem ser classificados, ainda, de acordo com sua função biológica, podendo ter ação agonista ou antagonista. No agonismo, essas substâncias mimetizam a ação do hormônio endógeno, podendo desencadear um estimulo de forma exagerada ou por tempo prolongado. No antagonismo, um receptor hormonal específico é bloqueado por outra substância, sendo seus efeitos esperados anulados ou reduzidos (GHISELLI, 2007; VEGAS, 2006; MARKEY et al, 2003).

A tabela 1 mostra alguns exemplos de classes de perturbadores endócrinos, seus usos e aplicações.

Tabela 1. Exemplos de perturbadores endócrinos, usos e/ou aplicações Perturbadores endócrinos Uso e/ou aplicação

Acrilamida Tratamento de água e esgoto; produção de papel e celulose Bensopirenos (PCB) Asfalto; graxas e óleos minerais

Bifenilas policlorinadas Plastificantes em tintas, plásticos, pigmentos, papéis, refrigeradores, capacitores elétricos

Bisfenol A selantes dentários, cremes, resinas epóxi, tubulações de ar-condicionado, mamadeiras e garrafas plásticas BTX (Benzeno, tolueno e

xilenos)

Tintas, solventes, gasolina, thinner, removedores Dicloro-difenil-tricloroetano

(DDT)

Inseticida

Estireno Fabricação de plásticos

Fenilfenóis Desinfetantes

Ftalatos Fabricação de plásticos e polímeros

Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos

Erupções vulcânicas, incêndios, queima de combustíveis fósseis, incineração de resíduos

Metais pesados Componentes

Organotinas Fungicida

Metais pesados Usados em tintas, detergentes, lubrificantes, cosméticos, têxteis, pesticidas, fármacos e plásticos

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As fontes geradoras de PEs são diferenciadas em dois grupos: as pontuais e as não pontuais. As primeiras possuem sua entrada no meio ambiente bem caracterizada, ao contrário das não pontuais, comumente utilizando-se de recursos hídricos, como os efluentes industriais e esgotos domésticos, por exemplo. As não pontuais são caracterizadas por deposições atmosféricas e os escoamentos superficiais, tendo como resultado deposições parciais dos poluentes antes destes atingirem os corpos d’água (GHISELLI; JARDIM, 2007 apud BIRKETTe LESTER, 2003).

A exposição aos PEs pode advir da ingestão de água e alimentos contaminados, inalação do ar ou contato com solo. Como são facilmente transportados, podem ser encontrados em regiões onde não são nem mesmo produzidos, inclusive em países onde seu uso é proibido (HOLANDER, 1997). O DDT, por exemplo, é proibido em cerca de 80 países e é representante da classe dos pesticidas que chegam a somar 60% dos PE (MEYERet al, 1999).

Ao entrarem na cadeia alimentar, essas substâncias tendem a se acumular nos indivíduos de maior nível trófico, como os humanos, justamente por serem degradadas muito lentamente. Assim, podem não ser metabolizadas ou até se transformarem em compostos ainda mais tóxicos. Isso ocorre porque os PEs tendem a ser altamente lipofílicos, o que faz com que se depositem no tecido adiposo, levando à sua bioacumulação (DIAMANTI-KANDARAKIS et al, 2009). Sendo assim, quantidades significativas de PEs podem estar presentes em carnes, peixes, ovos e derivados do leite. Essa contaminação alimentar pode ser justificada pelo uso de hormônios na criação de animais, apesar dessa prática ser proibida em diversos países (BILA e DEZOTTI, 2007).

Os hormônios em geral são secretados na forma conjugada, porém foi demonstrado por estudos que os mesmos podem ser desconjugados pela enzima β-glucuronidase, produzida pela bactéria Escherichia coli (CORDEIRO, 2009 apud D’ASCENZO et al, 2003). A maneira como esses compostos ocorrem no ambiente é alvo de preocupação, uma vez que a associação de dois ou mais compostos pode apresentar um efeito sinérgico (RAIMUNDO, 2007).

3.2. Perturbadores endócrinos na água

A ocorrência dos PEs nos corpos hídricos pode advir de diversas fontes de descarga de água contaminada ou não-tratada, sejam pontuais ou não. Entre as pontuais destacam-se o esgoto sanitário in natura, efluentes de estações de tratamento de esgoto, efluentes industriais e agropecuários e coletores de aterros sanitários. As fontes não pontuais abrangem o

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escoamento agrícola, chuvas, drenagem de tanques sépticos, lavagem de rodovias e infiltração de aterros sanitários (PERES, 2011). Despejos de tratamento de esgoto podem muitas vezes carregar essas substâncias, uma vez que não foram projetados para tratar boa parte delas. Assim, podem inclusive ser encontradas em águas superficiais, que são muitas vezes utilizadas como suprimento de água potável por populações de baixa renda (PETROVIC et al, 2003).

Considerando que somente entre 40 a 50 substâncias químicas estão incluídas nos parâmetros de potabilidade da água na maioria dos países e no Brasil, a presença de PEs na água, no solo e no ar representa uma importante fonte de contaminação da cadeia alimentar, não contemplada nas avaliações feitas pelos órgãos de controle de qualidade (FONTENELE et al, 2010).

O primeiro estudo indicando a presença de hormônio humano em água foi feito em 1965 e mostrou que os esteroides não foram completamente eliminados durante o processo de tratamento de esgoto (GEROLIN, 2008). Estima-se que, no Brasil, apenas cerca de 50% do esgoto doméstico seja coletado e 20% seja tratado, ou seja, os 30% restantes de esgoto não-tratado são despejados in natura nos mananciais (PERES, 2011).Segundo Silva (2009), ainda não há dados sobre avaliações de estrogenicidade feitas em efluentes em Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) no Brasil. Dessa forma, o constante desenvolvimento de novos compostos implica na sua inserção no meio ambiente sem que sejam feitos testes ecotoxicológicos.

Estudos comprovaram que alguns PEs não são completamente removidos nas Estações de Tratamento de Água (ETA), podendo estar presentes na água potável, impondo um sério risco à saúde humana (GHISELLI, 2006; GEROLIN, 2008). Um estudo pioneiro realizado em Paris e periferia, buscando avaliar a estrogenicidade de rios da região e a contribuição das Estações de Tratamento de Efluentes, encontrou alíquotas de hormônios naturais e sintéticos em todas as amostras analisadas, inclusive em efluentes tratados (CARGOUËT et al, 2004). Isso reforça a necessidade de inserção dos PEs no estabelecimento de padrões de qualidade na água, bem como de metodologias eficazes de remoção desses componentes nas ETA.

Alguns hormônios estrogênicos são naturalmente secretados por homens e mulheres, aqueles em quantidade diárias menores. Autores salientam que mulheres em menstruação secretam quantidade significativas de 17β-estradiol, estrona e estriol diariamente, sendo que esses valores aumentam quase 100 vezes na gestação (BILA E DEZOTTI, 2011). O 17β-estradiol é considerado o estrógeno natural mais potente, seguido de seus metabólitos estrona e estriol. O 17α-etnilestradiol é um derivado sintético do 17b-estradiol, utilizado como

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princípio ativo de pílulas anticoncepcional e para reposição hormonal (CEBALLOS, 2009). A determinação da concentração desses estrogênios em amostras de água foi objeto de muitos estudos em diversas regiões do mundo. Os dados referenciados estão sumarizados na tabela 2.

Tabela 2. Concentração de 17β-estradiol e 17α-etnilestradiol em diferentes matrizes aquáticas de diversos países (CORDEIRO, 2009, modificado).

Região Matriz aquática 17β-estradiol (ng/L) 17α-etnilestradiol (ng/L) Referências Países Baixos Superficial Superficial Afluente ETE Efluente ETE < 0,3-5,5 < 0,8 - 1,0 17 - 150 < 0.8 <0,1 - 4,3 <0,3 - 0,4 <0,3 - 5,9 <0,3 - 2,6 Belfroid et al (1999) Vethaak et al (2005) EUA Subterrânea Potável Subterrânea Superficial Afluente ETE Efluente ETE Afluente ETE Efluente ETE n.d - 45 2,6 13 - 80 < 0,7 - 1,7 n.d - 161,6 n.d - 5,4 * * * * * * n.d - 1,2 n.d - 0,6 <0,7 - 14,4 <0,7 - 4,1 Swartz et al (2006) Nghiem et al (2004) Wicks et al (2004) Kolodziej e Sedlak (2007) Robert et al (2007) Drewes et al (2005) Alemanha Potável 0,2 - 2,1 0,15 - 0,5 Kuch e Ballschimiter

(2001) Itália Afluente ETE

Efluente ETE Afluente ETE Efluente ETE Superficial 4,0 - 25 0,3 - 3,5 11 1,6 2 - 6 0,4 - 13 n.d - 1,7 * * n.d - 1 Baronti et al (2000) D’Ascenzo et al (2003) Lagana et al (2004)

Japão Superficial 0,6 - 1,0 * Isobe et al (2003)

Áustria Subterrânea n.d - 0,79 n.d - 0,94 Hohenblum et al (2004) Afluente ETE Efluente ETE 35 - 125 n.d - 30 3 - 70 n.d - 5 Clara et al (2005) Canadá Afluente ETE

Efluente ETE Afluente ETE Efluente ETE 2,4 - 26 0,2 - 14,7 0 - 11 0 - 158 * * * * Servos et al (2005) Fernandez et al (2007) Austrália Afluente ETE

Efluente ETE 22 0,95 * * Braga et al (2005) China Superficial 1,6 - 15,5 5,7 - 30,8 Shen et al (2001) República Checa Superficial n.d - 3,8 n.d - 4,6 Morteani et al (2006) França Superficial Afluente ETE Efluente ETE * * * 1,1 - 2,9 4,9 - 7,1 2,7 - 4,5 Cargouët et al (2004)

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No Brasil, a investigação da presença de PEs na água vem crescendo na última década. As pesquisas envolvem principalmente a detecção de estrogênios em rios, mananciais, ETAs e ETEs, e buscam testar metodologias eficazes de remoção desses componentes na água. A tabela 3 concentra as informações acerca das pesquisas realizadas em diversas regiões brasileiras.

Tabela 3. Concentração de 17β-estradiol e 17α-etnilestradiol em diferentes matrizes aquáticas brasileiras (CORDEIRO, 2009, modificado).

Região Matriz aquática 17β-estradiol (ng/L) 17α-etnilestradiol (ng/L) Referências

Campinas Afluente ETE Efluente ETE Superficial Potável Bruta Tratada 6700 5600 1900 - 6000 2100 - 2600 5,67** 0,92** 5800 500 1200 - 3500 1600 - 1900 444** 275** Ghiselli (2006) Gerolin (2008) Sumaré, SP Bruta Tratada 6,393** 1,31** 798** 472** Gerolin (2008) Araraquara SP

Efluente ETE 31 * Araújo (2006)

Córrego Rico, SP Superficial 8,6 - 30,6 * Lopes (2007) Campo Grande, MS Potável Superficial Efluente ETE 6,8 >6,5 * >6,25 >25 Souza (2008) Bacia do Rio Atibaia, SP Superficial 106 - 6806 * Raimundo (2007) UGRHI - 13 Afluente ETE Efluente ETE 84 - 5960 n.d - 822 n.d - 484±15 n.d - 192±3 Moura (2009) Rio de Janeiro Esgoto doméstico * 21 Ternes et al (1999) Belo Horizonte Bruta Filtradaa 1,5 - 36 0,44** 44 - 1918 1,24** Moreira et al (2009) ** média das coletas; * não foi analisado; n.d. (não disponível); a (apenas pré-clorada).

De acordo com Cordeiro (2009), as quantidades elevadas de PEs encontradas no Brasil, em comparação com alguns outros países, se devem às altas temperaturas, que causariam maior ocorrência de estrógenos livres.

Até mesmo em uma pesquisa feita com sete tipos diferentes de água pura destinada à análises laboratoriais, entre as quais água mili-Q, água destinada à HPLC, água para diálise e água bidestilada, foram encontradas moléculas orgânicas capazes de interferir na interpretação

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de resultados em ensaios biológicos usados para a detecção de PEs. O autor salienta que a contaminação da água pode estar relacionada aos materiais dos equipamentos de purificação de água, como materiais plásticos usados para membranas, resinas e pipetas. O ensaio in vivo foi realizado com a utilização de uma cepa de Saccharomyces cerevisae (SANFILIPPO et al, 2010).

Juntamente com os compostos mostrados na tabela 01, Raimundo (2007) encontrou em maior frequência, nas amostras analisadas, cafeína, dibutilftalato e bisfenol A. As maiores concentrações foram determinadas em regiões com alta densidade populacional e durante os períodos de estiagem. Silva (2009) utilizou como bioindicadores de estrogenicidade na água da Represa Guarapiranga, que abastece boa parte da região da grande São Paulo, e na ETE de Barueri, machos da espécie Cyprinus carpio, não tendo encontrado indícios significativos de estrogenicidade.

A análise da tabela 2 evidencia que o tratamento convencional adotado pelas ETEs não é eficiente na remoção deste tipo de compostos. Sabendo disso, algumas pesquisas no Brasil buscam avaliar técnicas de remoção de PEs, destacando-se a técnica de remoção por carvão ativado em pó (CAP), que apresentou resultados positivos para E2 (VERAS, 2006). Peres (2011), também utilizou o CAP para remoção de NP, E2 e EE2 na água de abastecimento público da região de Campinas, encontrando resultados satisfatórios. Processos oxidativos e ozonização são tecnologias pertinentes para a oxidação dessas substâncias. As principais ferramentas de remoção de compostos nas ETEs envolvem: adsorção em sólidos suspensos, associação dos compostos com ácidos graxos e óleos, biodegradação aeróbica ou anaeróbica, degradação química por processos de hidrólise ou nitrificação, volatilização, cloração, filtração, utilização de membranas de nanofiltração e osmose reversa (BILA e DEZOTTI, 2007; GHISELLI, 2007).

O instrumento legal que estabelece os padrões de qualidade da água para abastecimento público é a Portaria 2.914/2011 do Ministério da Saúde, que revogou a Portaria 518/2004. Nela são estabelecidos os procedimentos e responsabilidade relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Nos parâmetros que estabelecem a potabilidade para substâncias químicas que representam risco à saúde estão contempladas substâncias inorgânicas, como arsênio, cianeto, chumbo, cobre e mercúrio; e orgânicas, como acrilamida, benzopireno e estireno. Agrotóxicos como Aldrin e Dieldrin, Atrazina, DDT, Endossulfan, Glifosato e Endrin e alguns desinfetantes também têm seus valores elucidados (BRASIL, 2011). Como a maioria dos PEs não é contemplada,

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incluindo os hormônios, os mesmos não são analisados nas ETAs de rotina (CORDEIRO, 2009).

Paralelamente à Portaria 2.914/2011, a Resolução CONAMA 357, de 17 de março de 2005, é responsável pela classificação dos corpos d’água superficiais em função de seus usos previstos, bem como estabelece condições e padrões de efluentes. Os corpos d’água são classificados em água doce, salina e salobra, tendo a primeira 4 subclasses e as outras 3. São estabelecidos valores máximos para diversas substâncias químicas, orgânicas e inorgânicas, algas e microrganismos, e padronizadas propriedades físicas para a água. São contempladas algumas substâncias com potencial de desequilíbrio do sistema endócrino, principalmente agrotóxicos e solventes orgânicos (CEBALLOS et al, 2009). A norma ressalta que a saúde e o bem-estar humanos, bem como o equilíbrio ecológico aquático, não devem ser afetados pela deterioração da qualidade das águas (BRASIL, 2005).

Em seu trabalho, Balinucci e Paz (2011) selecionaram os 20 PEs com efeitos mais nocivos à saúde humana. Após consultar a legislação nacional e as informações da OMS (tabela 4), verificaram que os seguintes compostos não têm uso autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e nem registro aceito pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA: Aldrin, DDT, Endrin, Heptacloro e Lindano.Os compostos Kepone, Mirex, Dicofol, Nonilfenol, Alquilfenol, Bisfenol-A, Dioxina, Ftalatos e Furanos. A Portaria 2.914 do Ministério da Saúde (2011) e a OMS não indicam valores máximos permitidos (VMPs) para Bifenilas Policloradas (PCBs) e Toxafeno. A OMS não possui recomendações para Hexaclorobenzeno,Endossulfan e Heptacloro.

Tabela 4. Valores Máximos Permitidos - VMPs para alguns perturbadores endócrinos segundo a legislação nacional e a OMS (BALINUCCI E PAZ, 2011).

Composto Resolução CONAMA 357/2005 Portaria 518/2004 OMS/2004

Aldrin(1) C1: 0,005; C3: 0,03 0,03 0,03 Endrin C1: 0,004; C3: 0,2 0,6 0,6 DDT C1: 0,002; C3:1,0 2 1 PCBs C1 e C3: 0,001 - - Clordano C1: 0,04; C3:0,3 0,2 0,2 Endossulfan C1: 0,056; C3:0,22 20 - Heptacloro C1: 0,01; C3:0,03 0,03 - Lindano C1: 0,02; C3:2 2 2 Toxafeno C1: 0,01; C3:0,21 - -

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Hexacloro- Benzeno

C1: 0,0065 1 -

Atrazina C1 e C3: 2 2 2

(1) aldrin + dieldrin; C1: Classe 1; C3: Classe 3

A manutenção das normas da Environment Protection Agency (EPA) e das diretrizes da OMS como referências acaba por gerar alguns impasses, como: necessidade de atualização da lista e VMPs das substâncias; evolução do número de parâmetros de potabilidade e atualização quanto à questões emergentes, como a ocorrência e remoção dos PEs (PROSAB5, 2009).

É importante ressaltar que dentro desses instrumentos legais existentes, nenhum deles estabelece valores limitantes com foco especificamente no potencial estrogênico dessas substâncias, mas na sua toxicidade (SILVA, 2009), lembrando que esses compostos também não são adequadamente contemplados na legislação de outros países (PERES, 2011). Por outro lado, tanto a Resolução Conama 357/2005 quanto a Portaria 2.914/2011 do Ministério da Saúde abrem precedentes para a inclusão de contaminantes ou interações entre substâncias não contempladas, desde que possam comprometer o uso da água para os fins previstos ou causar riscos à saúde humana, a depender de condições específicas locais ou mediante fundamentação técnica (CEBALLOS et al, 2009).

3.3 Perturbadores endócrinos e saúde pública

Hormônios são mensageiros químicos que coordenam o funcionamento de todo o organismo (GHISELLI e JARDIM, 2007). A produção de hormônios é feita por um conjunto de glândulas que integram o sistema endócrino, sejam elas: hipotálamo, hipófise, tireoide, paratireoide, timo, adrenal, pâncreas, ovários e testículos. A integração entre os sistemas endócrino e nervoso permite que a hipófise seja estimulada a exercer certo controle sobre as demais glândulas, sendo o hipotálamo o mediador entre esses sistemas (VERAS, 2006).

Estímulos externos e internos promovem a comunicação entre o hipotálamo e a hipófise, que estimula, por meio da liberação de hormônios tróficos, as demais glândulas endócrinas a produzirem ou liberarem seus hormônios na corrente sanguínea. Uma vez liberados, a interação entre os hormônios e os receptores celulares faz com que a transdução da mensagem recebida desencadeie o efeito hormonal. O controle do sistema endócrino é feito por meio do mecanismo de feedback, que determina a interrupção da produção hormonal pela glândula, contribuindo para a manutenção da homeostase no organismo (VERAS, 2006).

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Distúrbios no sistema endócrino ocorrem quando PEs interagem com os receptores hormonais, modificando a sua resposta natural, o que pode implicar em uma nova resposta hormonal, desencadeada por interferências na síntese, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação de hormônios naturais. Os efeitos na saúde podem ser consequência da ação agonista ou antagonista dos PEs nos sítios de ação hormonal (GHISELLI e JARDIM, 2007).

A absorção de PEs, seja por via oral, nasal ou cutânea, gera interferência nos mecanismos de autorregulação hormonal. Essa interferência, entretanto, é dependente de vários fatores, uma vez que a distribuição dos diferentes tipos de receptores endócrinos (ER-α e ER-β) varia de acordo com o tecido. A maior parte dos ER-α encontra-se nas mamas e útero, enquanto os ER-β encontram-se principalmente nos ossos e sistema cardiovascular. Enquanto as isoflavonas e os fitoesteróides têm mais afinidade para o ER-β, o estradiol tem afinidade por ambos os receptores (FONTENELE et all, 2009).

As consequências da exposição aos PEs, sejam conhecidos ou não, estão atreladas às particularidades no metabolismo e à composição corporal de cada indivíduo, que irão interferir na meia-vida, biodisponibilidade e degradação desses componentes. De acordo com Diamanti-kandarakis (2009), a suscetibilidade aos PEs tem relação com polimorfismos genéticos e está mais ligada à exposição crônica a pequenas doses dessas substâncias.

A comprovação acerca dos agravos à saúde pública e ao meio ambiente decorrentes da exposição a essas substâncias é fundamentada na produção científica recente, que descreve certos tipos de cânceres do trato reprodutivo e de mama, redução da fertilidade, defeitos congênitos, entre outros (GUIMARÃES, 2005), e chegam até mesmo a sugerir uma relação com os crescentes casos de obesidade em todo o mundo (SILVA, 2009 apud RAISER, 2006), bem como diabetes mellitus e deficiências no metabolismo de glicose (DIAMANTI-KANDARAKIS et al, 2009). Newbold e colaboradores (2008) sugerem que alguns dos alvos dos PE sejam a diferenciação dos adipócitos e os mecanismos relacionados à manutenção da homeostase corporal.

Os sistemas reprodutor, nervoso e imunológico são os principais alvos dos interferentes endócrinos (FONTENELE et al, 2009) e, apesar da dificuldade de se estabelecer nexo de causalidade entre a exposição e as complicações clínicas, são muitos os estudos que descrevem anormalidades endócrinas advindas dessa exposição (FONTENELE et al, 2009; GUIMARÃES, 2005; NILSSON, 2000; CORDEIRO, 2009; DIAMANTI-KANDARAKISet al, 2009). Os principais efeitos deletérios descritos para algumas substâncias estão apresentados na tabela 5.

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Tabela 5. Efeitos observados em humanos por exposição crônica, infantil ou fetal aos PEs. Substâncias Efeitos possivelmente relacionados e referências

Atrazina Redução na qualidade do esperma (SWAN, 2003)

Ascarel (PCB) Baixa imunidade e aumento de doenças infecciosas (PENTEADO; VAZ, 2001); acumula-se no leite materno (WHO, 2001); endometriose (SANTAMARTA, 2001); peso e QI inferior por exposição fetal (BAIRD, 2002); acumula-se nos tecidos do feto (NOGUEIRA et al, 1987); filhos de mães que ingeriram óleo contaminado com PCB tiveram o tamanho do pênis reduzido quando na puberdade (COLBORN et al, 2002)

Benzo(a)antraceno Benzo(a)pireno

Danos aos oócitos; alteram a ação de linfócitos; são mutagênicos (PATNAIK, 2002)

Bisfenol-A Câncer no trato reprodutivo e anormalidades fetais (MILLIGAN et al, 1998); Substitui a recepção do estrogênio. Diminui a ovulação; aumento de secreção da prolactina (WOZNIAK et al, 2005)

Carbamatos e organofosforados

Alterações na espermatogênese (YOUSEF et al, 1995) Compostos

polibrominados

Menarca e pubarca precoces (BLANCK et al, 2000)

DDT Infertilidade, alterações nas células de Sertoli, criptorquidia, hipospádia, puberdade precoce (SIKKA e WANG, 2008)

Endosulfan Baixo peso e estatura; alterações do desenvolvimento da genitália e redução da genitália masculina (MCLEAN et al, 2009)

Fitoestrógenos Anormalidades no sistema reprodutivo, glândulas mamárias, hipotálamo e hipófise (TAILMANN et al, 2002; ZUNG et al,1998)

Ftalato Intervenção no desenvolvimento mamário; talarca precoce (RAIS-BAHRAMI et al, 2004; COLÓN et al, 2000); Redução na qualidade do esperma; teratogênico; demasculinização e feminilização (MCGINN, 2004)

PCBs Atraso puberal e diminuição do volume testicular em meninos e retardo no surgimento das mamas em meninas (NEBESIO e PESCOVITZ, 2005; LEMMEN et al, 2004)

Cádmio Câncer de próstata (CARDOSO & CHASIN, 2001); Concentra-se no pâncreas, testículos, tireóide e glândulas salivares (DELLA ROSA & GOMES, 1988); Acumula-se no leite materno (WHO, 2001); Atrofia testicular; redução no volume do esperma, tumores em testículos (PATNAIK, 2002)

Chumbo Redução na qualidade e quantidade de esperma (MOREIRA & MOREIRA, 2004); Hipotireoidismo decorrente de alterações funcionais da hipófise (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001); Acumula-se no leite materno (WHO, 2001); Atrofia testicular; redução da quantidade do esperma (PATNAIK, 2002); Aborto espontâneo (MENDES, 1997); Acumula-se na tireóide, adrenais, pituitária, testículos e ovários (TEVES, 2001); Passa pela placenta entre a 12ª e 14ª semanas, pode atingir o cérebro do feto; aumento significativo na taxa de abortos, natimortos, prematuros,diminuição no crescimento pós-natal e aumento de

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malformações (PERES et al, 2001) Compostos pirimidínicos

(Metirimol,Etirimol, Ciprodinil)

Inibem a produção de hormônios esteroides (COLBORN et al, 2002)

Dibenzo-p-dioxinas policloradas

Dibenzofuranos policlorados

Acumulam-se no leite materno (WHO, 2001); Alteração nas glândulas cebáceas (como cloroacne), supressão das funções imunológicas (PATNAIK, 2002); Redução do no de espermatozóides (COLBORN et al, 2002); Neoplasia de tireóide (DAMSTRA et al, 2002); Disfunção neurofisiológica bilateral nos lobos frontais do cérebro; acumula-se na tireóide (SANTOS, 2004)

Dissulfeto de carbono Disruptor no balanço hormonal entre o cérebro, glândula pituitária e ovários, levando a distúrbios menstruais (BATSTONE, 2001)

Estireno Teratogênico (LARINI, 1997) Aborto espontâneo; filhos de mulheres expostas ao estireno têm peso inferior (MENDES, 1997)

Manganês Causa danos ao DNA dos linfócitos; Mal de Parkinson (MARTINS e ; LIMA, 2001); Impotência (BOWLER & CONE, 2001); Concentra-se na tireóide, pituitária, suprarenais e pâncreas (TEVES, 2001)

Mercúrio Ciclo menstrual irregular, menos ovulações, teratogênico (CARDOSO, 2002); Acumula-se no leite materno (WHO, 2001); Acumula-se no pâncreas, testículose próstata (TEVES, 2001); Atravessa a barreira placentária e hematoencefálica, na forma de metilmercúrio (AZEVEDO e ; CHASIN, 2003); Aborto espontâneo, natimortos, Síndrome de Paralisia Cerebral, danos ao cerebelo em filhos de mães que consumiram peixes com metilmercúrio (AZEVEDO, 2003)

Pentaclorofenol (PCF) Glândulas sudoríparas, cloroacne, porfiria cutânea tardia, pápulas, pústulas (VIEIRA et al, 1981); Concentra-se nas adrenais; hepatomegalia; aumento de atividade da aril-hidrocarboneto hidroxilase (AHH), resultando em mutagenicidade e carcinogenicidade irreversíveis (LARINI, 1999); Anemia aplástica, citopenia, agranulocitose, cloroacne, disruptor endócrino (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001) Soldagem Espermatozóides com formato anormal (BATSTONE, 2001) Fonte: GUIMARÃES (2005), modificado; LARA et al (2011), modificado; ALVES et al (2007), modificado.

Diversos estudos ligam a presença de PEs em águas com anormalidades no sistema reprodutivo e no desenvolvimento de animais. Foram observadas alterações fisiológicas e histológicas tanto em animais silvestres quanto de laboratório, sejam elas: alterações nos níveis de vitelogenina (VTG) no plasma sanguíneo de peixes, feminização de peixes e pássaros machos, disfunções da tireóide em pássaros, indução ao hemafroditismo, inibição no

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desenvolvimento das gônadas e declínio na reprodução. Ressalta-se que altos níveis de VTG no plasma sanguíneo de peixes são indicadores da presença de PEs na água (SILVA, 2009; PERES, 2011; BILA e DEZOTTI, 2007; CORDEIRO, 2009).

A contaminação de lagos e rios com dejetos vindos de indústrias, esgotos e agricultura levanta a hipótese de problemas no desenvolvimento e reprodução de espécies aquáticas, principalmente nas de maiores níveis tróficos, o que acabou por estender a preocupação quanto aos efeitos deletérios que os mesmos poderiam causar aos seres humanos. Muitas dessas complicações podem advir da ocorrência de adição entre hormônios endógenos e contaminantes ambientais, o que explica o fato de pequenas doses de PEs, ao serem adicionados a locais com níveis significantes de hormônios esteróides, provocarem um grande impacto ambiental (MARKEY, 2003).

Devido às propriedades físico-químicas de alguns PEs, estes podem não ser corretamente removidos nas estações de tratamento, comprometendo a água potável utilizada por algumas populações (GHISELLI, 2007). Sendo assim, a exposição aos organismos aquáticos torna-se inevitável, ressaltando que em muitos desses animais a maior parte do ciclo reprodutivo ocorre fora do corpo das fêmeas (BILA E DEZOTTI, 2007). Consequentemente, podem surgir deficiências e anomalias nos organismos expostos e seus descendentes, bem como naqueles que os consumirem, devido à biomagnificação dos PEs lipofílicos ao longo da cadeia alimentar. Como exemplo, Swan et al. (2007) mostraram que a administração de alguns hormônios em gado, bem como praguicidas, foram responsáveis pela redução de espermatozóides em homens nascidos de mulheres que ingeriram grande quantidade de carne vermelha na gestação.

É sabido que os embriões são mais suscetíveis aos efeitos dos PE dos indivíduos adultos. Entretanto, muitas vezes o impacto dos PEs sobre algumas espécies de seres vivos somente é observado após exposição prolongada, mesmo em baixas quantidades (GHISELLI, 2007). De acordo com o IPCS (2002), nos casos em que acontece exposição ocupacional, a interrupção da exposição pode reverter os sintomas, mas estes podem se tornar irreversíveis se a ocorrência for durante a gestação ou nos primeiros anos de vida.

É importante enfatizar que o uso indiscriminado de pesticidas e agrotóxicos coloca em risco, principalmente, a saúde dos trabalhadores rurais, muitas vezes por falta de informação, capacitação e proteção. A associação da exposição a pesticidas com alterações endócrinas mostrou a ocorrência de infertilidade, câncer de testículo, câncer de mama, câncer de próstata e de ovário (GUIMARÃES, 2005).

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Por outro lado, muitos pesquisadores salientam a dificuldade em se estabelecer nexo causal entre a exposição aos PEs e seus efeitos. Segundo Silva (2009), alguns trabalhos tentando correlacionar alterações na saúde humana com PEs não chegaram a resultados conclusivos. Alguns autores até rejeitam as hipóteses de que substâncias sintéticas ou hormônios ambientais estejam realmente causando impactos à saúde humana (SILVA, 2009 apud GREIM, 2004).

O fato das normas existentes não especificarem os efeitos hormonais adversos ou mesmo os indicadores analíticos seguros para os PEs promove uma falsa sensação de proteção por parte das agências reguladoras. Adicionalmente, a falta de consenso entre essas organizações, aliada à carência de incentivos por parte da legislação brasileira para o aperfeiçoamento de pesquisas na área não favorece o conhecimento da toxicidades dessas substâncias pela população brasileira. É de suma importância e urgência a elaboração de políticas que estabeleçam padrões de qualidade aos perturbadores endócrinos, sem o qual não é possível mensurar o risco que essas substâncias representam à população (WAISSMAN, 2002).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas duas décadas cresceram a preocupação e os debates acerca dos possíveis efeitos deletérios que a exposição a agentes químicos capazes de interferir no funcionamento natural do sistema endócrino poderiam causar aos humanos, animais e ao meio ambiente. Seriam eles capazes de ameaçar nossa fertilidade, desenvolvimento e sobrevivência?

Apesar do grande aumento no número de pesquisas, estudos ainda falham em demonstrar a relação de causalidade existente entre um baixo nível de exposição aos PEs e suas consequências associadas. A exposição capaz de causar efeitos adversos não é detectável ao tempo em que as manifestações clínicas tornam-se evidentes, motivo pelo qual os PE em que se consegue estabelecer nexo causal são aqueles considerados mais persistentes. Além disso, as limitações e o alto custo dos recursos atualmente existentes para monitoramento e eliminação dos PEs tornam ineficaz o estabelecimento dessa relação.

Há diversas lacunas presentes nas legislações brasileiras vigentes quanto ao estabelecimento de padrões de qualidade e segurança referentes à presença de PEs na água, o que compromete o entendimento do risco que essas substâncias representam à população e ao meio ambiente. Sendo assim, faz-se necessária a normatização desses valores, inclusive para fins de monitoramento criminal, o incentivo a políticas de saneamento ambiental e o

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desenvolvimento de mecanismos capazes de avaliar com precisão e sensibilidade os possíveis impactos, a curto e longo prazo, relacionados à contaminação e exposição aos perturbadores endócrinos.

REFERÊNCIAS

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