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A GRAMATICALIZAÇÃO DE ENTÃO

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A GRAMATICALIZAÇÃO DE ENTÃO

Márcia de Freitas SANTOS (PG - UEM)

ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA:

SANTOS, Márcia de Freitas. A gramaticalização de Então. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 1731-1739.

1. INTRODUÇÃO

O advérbio então tem despertado a atenção de vários estudiosos, entre eles Pezatti (2001), Sapata (2005) e Risso (1996). O interesse justifica-se pela fluidez com que essa forma lingüística se apresenta, ora como advérbio, ora como conjunção conclusiva, e, em algumas situações, que não são poucas, o falante emprega essa forma simplesmente para intensificar ou dar seqüência a sua argumentação.

Retomando alguns clássicos, percebe-se que a categoria dos advérbios sempre despertou curiosidade. Em Mattoso Camara Jr. (1976: 123), encontramos algumas considerações sob o ponto de vista funcional e, de acordo com o autor, o advérbio é utilizado para enunciações em seqüência, isto é, funciona como operador discursivo. Acrescenta o autor que alguns fixaram-se até, no estado atual da língua, como ‘conjunções coordenativas’; outros têm uma distribuição nítida como tais e como advérbios; outros enfim ficam a cavaleiro das duas funções, ou seja, uma das principais características das formas adverbiais é sua versatilidade.

Said Ali (1964: 223) critica a característica de então (correlato de quando), classificando-o como advérbio de reforço, que costuma deixar a oração principal para juntar-se com a partícula da oração secundária. Segundo ele, essa construção empregada com liberalismo por vários autores quinhentistas assemelha-se ao idioma latino. Provavelmente, Said Ali repudiava o aspecto de oralidade que o elemento então conferia ao texto escrito.

Carone (1997) faz um estudo bastante detalhado sobre as conjunções e acrescenta que marcadores como: além disso, apesar disso, em vez disso, pelo contrário, ao contrário, ao mesmo tempo, desse modo, assim, então, aliás, por serem termos híbridos, ou seja, por possuírem a natureza do advérbio e a natureza da conjunção, comportam-se como elementos coesivos e exprimem circunstâncias. Seu valor coesivo advém de seu caráter anafórico, explícito ou implícito. Essas formas estão a caminho de cristalizar-se ou gramaticalizar-se como conjunções.

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Com relação ao processo de gramaticalização de então, Pezatti (2001) investiga se o advérbio já concluiu sua trajetória de gramaticalização. Tomando como parâmetro a prototipicidade do item logo, considerada uma conjunção conclusiva por excelência por:

a) não apresentar mobilidade no interior da sentença que inicia; b) não poder ser precedido de outra conjunção, como a aditiva;

c) poder coordenar termos, como as demais conjunções coordenativas (e, ou e mas);

d) não aceitar focalizadores, como advérbios de inclusão e exclusão, hedges e clivagem

a autora estabelece que então, enquanto conjunção, deveria acompanhar o comportamento sintático do modelo. As conclusões sobre a investigação demonstraram que o advérbio então ainda não concluiu seu processo de gramaticalização e, que mesmo como operador discursivo, ainda conserva seu valor temporal e anafórico circunstancial. Vale ressaltar que as amostragens de pesquisa utilizadas pela autora foram as entrevistas do Projeto Nurc, com informantes adultos cultos de cinco capitais.

Partindo da pesquisa feita por Pezatti (2001), o objetivo deste trabalho é de investigarmos em dois textos medievais em prosa do século XV, Orto do Esposo (doravante OE) e Demanda do Santo Graal (doravante DSG), o comportamento sintático-semântico do advérbio então, a fim de detectarmos se nesses documentos já havia indícios do início da trajetória de gramaticalização do advérbio então como conjunção conclusiva. Para tanto, valemo-nos dos pressupostos teóricos do Funcionalismo, pois os estudos sobre a gramaticalização estão intimamente associados a uma visão funcional da linguagem, na medida que se acredita que as pressões de uso da língua em situações reais de interação motivam a criação ou desenvolvimento de formas gramaticais ao longo do tempo.

2. FUNCIONALISMO E GRAMATICALIZAÇÃO

A noção de gramaticalização, em termos gerais, não é uma descoberta recente. Sua origem remete aos estudos da gramática dos gregos e às análises dos comparatistas do século XIX. Atualmente, esse termo retornou à Lingüística, só que agora relacionado a aspectos cognitivos e conversacionais. (Martelotta et al., 2003). Com a emergência do paradigma da gramaticalização no contexto da teoria funcionalista, houve o resgate da importância dos estudos diacrônicos, renegados por certas correntes estruturalistas mais extremadas, para a compreensão de muitos fenômenos lingüísticos.

Segundo Castilho, gramaticalização é “o trajeto empreendido por um item lexical, ao longo do qual ele muda de categoria sintática (= recategorização), recebe propriedades funcionais na sentença, sofre alterações morfológicas, fonológicas e semânticas, deixa de ser uma forma livre, estágio em que pode até mesmo desaparecer, como conseqüência de uma cristalização extrema” (CASTILHO, s/d:7). O processo da gramaticalização pode ocorrer devido às necessidades de comunicação, não satisfeitas pelas formas lingüísticas disponíveis no sistema lingüístico.

O estudo da gramaticalização segundo Hopper & Traugott (1993:2 apud NEVES, 1997:118) pode ser feito sob uma perspectiva “histórica” ou uma perspectiva “mais sincrônica”. Na primeira, estudam-se as origens e as mudanças que afetem as formas gramaticais, na segunda perspectiva, o fenômeno é estudado “do ponto de vista

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de padrões fluidos do uso lingüísticos. Entretanto, alguns autores como Votre et al. (1999) apontam para a importância da interação e da interdependência entre sincronia e diacronia na compreensão do processo de gramaticalização. Segundo os autores, a gramaticalização deve ser estudada como um processo pancrônico, ou seja, aliar investigação histórica dos fatos lingüísticos à descrição interpretativa sincrônica. Nas palavras dos autores

estudar a mudança lingüística - intrínseca à gramaticalização – envolve a pesquisa e a comparação de estágios lingüísticos distintos, utilizando modelos ou teorias desenvolvidos nas pesquisas sincrônicas. Por outro lado, esses modelos podem ser testados a partir de dados históricos, e só podem ser considerados completos se permitirem a incorporação da mudança na gramática. A combinação de informação sincrônica e diacrônica, no que se caracteriza como uma abordagem pancrônica do estudo da língua, fornece uma descrição mais densa, com possibilidade de explicação mais completa do fenômeno sob investigação. (Votre et al., 1999)

Para os autores, a lingüística funcional é essencialmente pancrônica, pois os princípios que a norteiam podem ser aplicados quer aos padrões fluidos do uso da língua que podem ser observados num corte sincrônico, quer aos processos de mudança que se depreendem na trajetória diacrônica.

3. O ITEM ENTOM EM PESQUISAS RECENTES

A função de uma forma lingüística só pode ser explicada se considerarmos o porquê de ela ter adquirido tal função ao longo do tempo. Dessa forma, é imprescindível que recorramos ao passado para entendermos o presente. Entretanto antes de analisarmos os textos medievais, citaremos autores que, mais recentemente, apresentam ou vêm apresentando aspectos diferenciados desse item, tanto em dados da língua escrita (em sincronias distintas), quanto em dados da língua falada.

Entre os trabalhos mais recentes sobre o assunto, está o de Mattos e Silva (1989). Nesse trabalho, a autora estuda a estrutura da obra em prosa, Diálogos de São Gregório (doravante DSG), texto de cunho religioso pertencente ao século XIII, e classifica o conjunto dos elementos ora, entom, ja, ainda como temporais dêiticos, porque indicam posições no eixo temporal a partir de um momento específico que se refere ao emissor e ao presente (1989: 258). No caso específico de entom, a autora constata que,

Enton se opõe a ora por reportar-se ao não-presente, quer passado quer futuro, sendo assim um substituto do sintagma nominal noutro momento, isto é, não neste momento. Na maioria de suas ocorrências enton funciona sintaticamente como “adicionador” de enunciados, muitas vezes precedido de e, referindo-se a factos do passado que estão sendo narrados. Nesses contextos se pode dizer que basicamente equivale ao sintagma nominal naquele momento; momento esse referente ao facto enquanto narrado. (1989: 260)

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Ou seja, nas 95 ocorrências documentadas pela autora, o temporal dêitico enton, bem como as duas ocorrências da variante entanto, mantiveram-se fieis a sua natureza adverbial. De acordo com a autora algumas vezes o enton se desloca para o fim do enunciado. (1989: 260), comprovando desta forma, uma das características dos advérbios: a mobilidade.

Enton disse San Gregório

E don Pedro seu clerigo disse enton

Neves, partindo de pressupostos funcionalistas, enquadra o item então entre os advérbios e esclarece que se trata de um advérbio periférico no discurso, incidindo sobre todo o enunciado (já modalizado).

Então, mãe, como é que foi a reunião em Palácio? (NEVES, 2000: 235).

Para a autora, advérbios como ontem, hoje, amanhã e respectivos compostos são advérbios que se referem a um momento ou período determinado da enunciação ou de outro ponto do enunciado (fóricos) (2000: 265). Outros advérbios como agora, hoje, atualmente, recentemente, anteriormente, antes, depois, logo, então exprimem um tempo não-cronológico com o calendário.

Sapata observa o funcionamento textual de então no texto escrito, contrapondo-o aos outros articuladores considerados conclusivos (por isso, portanto, pois e logo). Segundo ela, no texto escrito, então também mantém suas características anafórico-seqüenciais e, o funcionamento conclusivo apresenta-se mais em textos informais escritos com ancoragem na oralidade (2005:125).

Especificamente sobre o operador então, foi possível notar algumas particularidades em seu funcionamento argumentativo-enunciativo que antes da análise não se previa, como o fato de tal operador, em algumas ocorrências, ao mesmo tempo em que sustentava um ato de fala argumentivo-conclusivo, também se apresentar em outros atos de fala, como o imperativo e interrogativo, apresentando assim, na análise polifônica, dois enunciadores – um que concluía e outro que ora interrogava ora ordenava - num único enunciado aparentemente somente conclusivo. Este funcionamento impedia então de ser substituído pelo protótipo conclusivo logo, mesmo apresentando semelhante funcionamento. (2005: 125)

Percebe-se que, a partir de pesquisas mais recentes, seja com dados de língua escrita, seja com dados de língua falada, a perspectiva de análise do item então se amplia, deixando de ser compreendido apenas como um advérbio de tempo e passando a ser concebido como uma “quase”conjunção conclusiva, fato ainda não assente entre os lingüistas contemporâneos, a exemplo de Neves.

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Dados de língua falada vêm apontando para aquilo que Mattoso Câmara já mencionava e, como vimos acima, o emprego desse item como operador argumentativo se mostra bastante recorrente.

A partir do levantamento acima, colocamos aqui duas questões básicas. É possível que textos de fases anteriores da língua portuguesa já revelassem o emprego do item então como conjunção conclusiva e como operador argumentativo, ainda que se trate de textos da modalidade escrita? É possível afirmar a partir de que momento, de quais documentos se pode começar a entender que o item então passa a apresentar traços que o farão desempenhar funções distintas em fases posteriores até atingir a fase atual?

Para tentarmos responder a essa questão, efetuamos um levantamento das ocorrências de entom nos dois textos medievais (OE e DSG). O resumo dos resultados do levantamento encontram-se na tabela abaixo:

VARIANTES

OBRA ENTON

ENTAM ENTANTO TOTAL CONJUNÇÃO

OE 56 0 0 56 9

DSG 545 323 3 871 8

Analisando a tabela acima, observa-se que a incidência do item entom foi bastante significativa. No texto OE tivemos 56 ocorrências da forma entom e nem uma das variantes entam e entanto De acordo com a nossa leitura dos dados, consideramos que, das 56 ocorrências, 9 apresentam indícios de um processo de gramaticalização do advérbio em conjunção conclusiva. Com relação ao texto DSG, verificou-se que, das 871 ocorrências, 545 foram de entom, 323 de entam, e, 3 de entanto Nota-se que na DSG ocorreram apenas 8 casos de entom com características conclusivas.

Vale observar ainda, que no corpus, objeto de nossa análise, as formas entam (323 ocorrências) e entanto (3 ocorrências) ocorreram paralelamente a entom. Essas formas podem ser consideradas variantes livres, pois não apresentam nenhum vestígio de condicionamento morfossintático para que ocorra uma ou outra forma. Em todos as ocorrências a forma entom e suas variantes tiveram o mesmo comportamento.

4. ENTOM EM TEXTOS DO SÉCULO XV: UM EXERCÍCIO DE ANÁLISE

Neste trabalho procuramos abordar a gramaticalização do item lingüístico então em textos do português arcaico. O corpus utilizado constituiu-se de duas obras medievais, OE e DSG, datadas do século XV e retiradas do CIPM Corpus Informatizado do Português Medieval.

Na análise do OE e da DSG, pudemos notar que as conclusões a que chegou Mattos e Silva nos DSG podem ser aplicadas nesta investigação, pois a grande maioria das ocorrências de entom (871 no OE e 56 na DSG) comporta-se tal como foram descritas pela autora, ou seja, ainda conservam seu caráter adverbial temporal. Entretanto os dados demonstram que, em algumas ocorrências (9 no OE e 8 na DSG) o comportamento sintático-semântico do advérbio entom e suas variantes assemelhou-se parcialmente à função conclusiva. Esse fato revela que nos Diálogos de São Gregório,

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texto datado no século XII, ainda não havia indícios de gramaticalização do advérbio em conjunção.

A partir desses dados, passaremos à análise das 17 ocorrências que demonstram indícios de que o advérbio entom pode ter iniciado sua trajetória de gramaticalização já no século XV.

4.1 Ocorrências de entom no OE

(1)...., porque, quando leemos pellas escripturas de Deus, entom fala Deus a nos, e aprendemos as cousas uerdadeyras,...

(2) Quen quiser sempre seer com Deus, deue ameude orar e ameude leer, porque, quando oramos, emtom falamos con Deus, e, quando leemos, entom fala Deus connosco.

(3) Qual foy o cobiiçoso que fosse contenpto aa sua uõõtade? Porque, quando tem gannhado aquello que deseia, entom deseia auer mais.

(4) E, posto que o louuor seia dado ao homem por obra dreita e boa que faça, muyto milhor lhe seria non lhe seer dado aquelle louuor, onde diz Sam Gregorio que, quando o homen demanda o louuor dos homẽẽs transitorio, entom a cousa que he digna de galardom perdurauil, he uendida por uil preço.

(5) As bugias, quando he a luna noua, som alegres, e, quando he mea e uelha, entom som tristes.

6) A molher, quando esta soo, entom cuida maas cousas.

(7) E poren mais me praz estar enno jnferno que morar con ella, entom sumyo-se e foy-sse e achou hũ fisico desesperado. ..

(8) E, quando tapamos os riios da fonte, entom fazemos leuantar as aguas pera cima.

(9) Quando o homen se asenhora e vence as suas deleitaçõões e constrange a sua natura, auorrecendo os viços do corpo que ençujam o homen, e busca as deleitaçõões da alma, aprendendo as ciencias de Deus, e entende os seus segredos, entom som abertos os olhos da alma ...

Tendo em vista os traços que compõem a prototipicidade do item logo (como conjunção conclusiva) estabelecidos por Pezatti (2001), podemos notar que, nas ocorrências de (1) a (9), o item entom apresenta alguns traços que o fazem semelhante ao protótipo logo, dentre os quais está a relação causa/conseqüência que direciona a argumentação para um fim. Observa-se que, em todas essas ocorrências, a segunda oração indica a conclusão da argumentação e pode ser substituída pela conjunção logo, apresentando-se, na maioria das vezes, em uma posição fixa. Entretanto podemos notar que o valor temporal ainda se mantém devido ao uso da conjunção temporal “quando”, fato mencionado por Said Ali (1966). O elemento lingüístico “quando” concede aos enunciados um caráter narrativo atemporal, fazendo que se perca, em parte, a relação conclusiva. Em (7), o elemento coesivo entom une um estado de coisas a uma reação; nota-se que, nesse contexto, entom não tem uma forte característica conclusiva nem

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temporal, apesar de “entom sumyo-se” descrever a conclusão do estado de coisas apresentado na oração anterior Provavelmente nesse caso, a relação causa-conseqüência ancorada no “porém” exerceu um maior encadeamento argumentativo, enfraquecendo o “advérbio/conjunção”.

4.2 Ocorrências de entom na DSG

(1) E el filhou sua lança e pensou que se o podesse matar que comeria dele e na qual guisa quer que seja, por matar fame. Entom lhe lançou sua lança e firiu-o em guisa que o matou logo. (2) ...se vós matardes dom Galvam – o que nom pode seer tam ligeiramente ca, eu bem cuido que é melhor cavaleiro ca vós – entom conviria que vos combatêsseis com migo, que som tam folgado que me nom podiríades durar nẽhũa cousa que vos logo nom matasse.

(3) outro dia, quando viram a luz, foram mui ledos ca bem cuidavam que toda via mais se achariam de boas aventuras de dia ca de noite. Entom entraram em seu caminho assi como ante. (4) E se vós podedes sacá-la da bainha sem dano, entom podedes seer seguro que vós sodes aquel de que vos falo.

(5) Ora nom vos cal ende, disse Paramades, ca, se Deus vos leva a Camaalot, entom o poderedes preçar e louvar

(6) Senhor, disse Gaeriet, vaamos buscar aventuras como ante fazíamos e andemos ũũ ano ou dous. E quando soubermos que peça de nossos companheiros som na corte, entom podemos ir

sem culpa.

(7) Entam alçou a espada e feriu-se polo peito, de guisa que pareceu o ferro da outra parte, e disse que mais querria assi morrer ca outra vez prender desonra per ũũ cavaleiro soo. Entam caio em terra morto.

(8) E depois que houver feito assi, e que houver em minha campanha tam alto guiador como o Salvador do mundo, entam poderei seguramente cavalgar e buscar a todalas partes as aventuras do Santo Graal.

Na DSG também encontramos vestígios do processo de gramaticalização de entom. Em (1) e (2), percebe-se uma característica mais adverbial, apesar de entom aceitar a substituição por logo. O caráter adverbial pode advir do advérbio temporal

logo em (1), que se encontra no final da sentença e pode ser substituído por “rápido”;

em (2), pode ser substituído por “breve”. Em (3), apesar da expressão temporal “outro dia, quando” encadear a narração dos fatos, o item entom, nessa ocorrência, não assume a função de um autêntico advérbio. Nota-se que é possível substituí-lo por logo, entretanto o juntivo entom não se apresenta com os traços conclusivos bem definidos.

Em (4), a relação conclusiva se direciona mais para o protótipo logo. Os estados de coisas narrados mantêm uma dependência com a conclusão da segunda sentença. Isso pode confirmar que se iniciava uma mudança da função semântica de entom. Em (5), diferentemente do par opositivo ora: entom, descrito por Mattos e Silva (1984) como “neste momento” e “noutro momento”, o exemplo demonstra que o item ora se comporta como operador argumentativo, enquanto o item entom se assemelha a um conclusivo. Em (6), a conjunção temporal “quando” toma por escopo toda a sentença,

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conferindo-lhe caráter temporal, isso faz que os traços conclusivos de entom sejam atenuados, mas, mesmo assim, percebe-se que há indícios de uma gramaticalização.

Em (7), temos dois casos de entom com polissemia de funções. O primeiro caso, variante de entom, Entam alçou a espada, pode ser claramente substituído por “naquele momento”, demonstrando sua natureza adverbial. No segundo, Entam caio em terra morto, apresenta-se como temporal e conclusivo, demonstrando que a trajetória de gramaticalização já iniciava-se. Diferentemente dos outros exemplos, em (8) o valor conclusivo é mais expressivo, comportando-se mais de acordo com o protótipo logo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pôde perceber, o trabalho realizado por Pezatti apontou que, no português falado culto do Brasil, o advérbio então ainda não concluiu sua trajetória de gramaticalização. No intuito de averiguar quando se iniciou o processo de gramaticalização do advérbio entom, realizamos esse levantamento. Partimos do levantamento realizado por Mattos e Silva, nos DSG, no qual a autora descreve o comportamento de entom como um temporal dêitico.

No nosso levantamento pudemos concluir que, das 56 ocorrências de entom no OE e das 871 ocorrências na DSG, apenas 17 (1,8%) do total das ocorrências apresentaram um pequeno indício de mudança funcional. As outras ocorrências comportaram-se exatamente como no levantamento de Mattos e Silva. Talvez seja precipitado afirmar que a gramaticalização de entom em conjunção conclusiva pode ter se iniciado no século XV, ou XII, pois no caso da DSG, houve uma primeira versão e, posteriormente, uma segunda. É difícil precisar os períodos, principalmente porque o nosso objeto de análise são documentos arcaicos que podem ter suas datas e conteúdo alterados pelo punho do copista. O importante é constatar que as mudanças ocorridas na língua não são recentes, elas têm história, e, o ideal seria investigarmos: quais as motivações que levam o falante a adotar, em um dado momento, uma outra forma lingüística. Com certeza a resposta para essa pergunta só poderá ser encontrada no passado.

REFERÊNCIAS

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