• Nenhum resultado encontrado

Sumário: Processo especial de rectificação de registos. Impugnação da decisão de indeferimento liminar.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Sumário: Processo especial de rectificação de registos. Impugnação da decisão de indeferimento liminar."

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

Proc.º R. Co. 15/2009 SJC-CT.

Sumário: Processo especial de rectificação de registos. Impugnação da decisão de indeferimento liminar.

Recorrida: Conservatória do Registo Comercial de ….

I – Relatório

1 – Em 19 de Fevereiro de 2009, a coberto da ap. 29, foi efectuado na

Conservatória do Registo Comercial de … o registo de cessação de funções que o gerente Miguel … exercia na sociedade M… – Distribuição de Vinhos e de Bebidas, Lda., por renúncia.

O pedido de registo foi subscrito pelo referido gerente e instruído com uma carta de renúncia datada de 30 de Outubro de 2008, endereçada à citada sociedade e para a sede indicada na certidão do registo comercial, dela constando que já enviou três cartas (que anexa) para a morada onde a sociedade tem, efectivamente, a sua actividade operacional localizada, mas que foram devolvidas.

O registo peticionado foi efectuado em termos definitivos.

2 – Em 12 de Maio de 2009, Carlos …, invocando a qualidade de interessado, vem

requerer o cancelamento de tal registo, ao abrigo do disposto nos artigos 22.º, n.º 2, e 82.º, n.º 2, do Código do Registo Comercial (CRC), alinhando a motivação que se sintetiza a seguir:

2.1 – O senhor Miguel … em 3 de Outubro de 2008 enviou duas cartas de renúncia

à gerência da sociedade …, uma para a morada de … e a outra para a de …. Cartas estas que foram devolvidas com a indicação de que as mesmas deveriam ser dirigidas ao cuidado do presidente da assembleia geral.

2.2 – Em 30 de Outubro o referido gerente enviou nova carta de renúncia à

gerência da referida sociedade ao cuidado do «Presidente da Assembleia Geral», para a morada que consta do registo comercial, registada e com aviso de recepção, a qual foi devolvida ao remetente, não constando qualquer assinatura no aviso de recepção, pela simples razão de a mesma nunca ter sido recebida pela sociedade M….

2.3 – Ora, é causa de pedir da referida rectificação a inexistência substantiva da

renúncia à gerência uma vez que os requisitos legais para a produção de efeitos da renúncia exigem a emissão da declaração de renúncia por escrito, a recepção desta declaração pela sociedade e o decurso do prazo de oito dias após a recepção, como resulta do disposto no artigo 258.º do CSC.

(2)

2.4 – Por força do disposto no n.º 5 do artigo 260.º do CSC, a referida declaração

deve ser dirigida a outro gerente, ou, se não houver outro gerente, ao órgão de fiscalização da sociedade, ou, não o havendo, a qualquer sócio. Tal equivale a dizer que, no caso em apreço, o renunciante devia ter dirigido a sua carta à sociedade … – Sociedade …, SA., única sócia da sociedade ….

2.5 – Ainda que se concedesse que a carta tinha sido dirigida a pessoa idónea, o

certo é que ela nunca foi recebida pela sociedade pois consta do envelope a menção de «devolvida ao remetente» sendo que também do aviso de recepção não consta qualquer assinatura.

Nestes termos, o interessado, apoiando-se na doutrina firmada nos pareceres do Conselho Técnico constantes dos processos n.ºs 69/96 R.P.4 e R.Co.63/2000, in BRN n.º 5/97 e 5/2001, respectivamente, defende que faltou o requisito receptício da declaração de renúncia pelo que esta não operou quaisquer efeitos.

2.6 – Ora, sendo manifesto que o registo foi indevidamente lavrado e enfermando

de nulidade por ter sido suportado por títulos insuficientes para a prova do facto registado, deve o mesmo ser cancelado nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 82.º, aplicável ex vi do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 22.º do CRC.

3 – Foi proferido despacho de indeferimento do pedido de rectificação, cujos termos

e fundamentos aqui se dão por integralmente reproduzidos e dos quais destacamos, em particular, os seguintes:

3.1 – O requerente não tem legitimidade porquanto alega interesse sem que o

mesmo seja demonstrado ou perceptível, tendo deixado de ser gerente da sociedade em 30 de Março de 2004.

Ora, segundo Catarino Nunes, in Código do Registo Predial de 1967, interessados são todos aqueles que, de algum modo, possam vir a ser afectados com a rectificação, abrangendo o termo afectados também os eventualmente não tenham um prejuízo concreto mas possam ver o seu direito alterado.

3.2 – Tendo o requerente deixado de exercer com anterioridade funções de gerente

e sendo que a sua responsabilidade é circunscrita ao exercício das suas funções – registralmente consignadas ou presumidas – indefere liminarmente o pedido de rectificação.

4 – Do despacho de indeferimento foi interposto o presente recurso hierárquico,

com base em fundamentação idêntica à invocada no pedido de rectificação, que aqui damos por integralmente reproduzida.

(3)

4.1 – De novo, foi especialmente rebatido o entendimento da recorrida no que

concerne à legitimidade do requerente uma vez que ficou claramente demonstrado o interesse deste na rectificação do registo visto que instaurou uma acção contra quatro sociedades comerciais entre as quais figura a sociedade M…, tendo a sua citação sido feita na pessoa do seu legal representante, nos termos do artigo 237.º do Código de Processo Civil.

4.2 – O representante legal da referida sociedade (bem como das restantes Rés na

acção) era o Sr. Miguel … que veio a ser citado em 18 de Fevereiro de 2009 e o aviso de recepção devolvido ao tribunal em 19 de Fevereiro. No dia seguinte ao da citação procedeu ao pedido de registo da cessação de funções de gerente e arguiu esse facto no âmbito do processo judicial.

4.3 – Como o registo se encontra indevidamente lavrado o Autor pediu a suspensão

da instância até à decisão definitiva da rectificação dos registos de renúncia à gerência de todas as sociedades, visto serem manifestamente nulos.

4.4 – No caso de a rectificação não ser efectuada o Autor tem que requerer a

citação edital das Rés, protelando assim a efectivação dos seus direitos.

Finaliza requerendo que seja declarado anulado o despacho de indeferimento, pois o requerente tem legitimidade para peticionar a rectificação do registo com fundamento na sua nulidade, ou, caso assim não se entenda, se rectifique oficiosamente o registo indevidamente lavrado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 82.º do CRC.

5 – Os argumentos expendidos pelo recorrente não foram de molde a convencer a

recorrida que proferiu despacho de sustentação com base nos fundamentos que aqui damos também por integralmente reproduzidos e que, na sua essência, andam em torno da ilegitimidade do requerente.

Contudo, sublinha ainda, a latere, que o registo se encontra correctamente efectuado pois que foi proferida uma declaração de renúncia válida e que a mesma chegou ao seu destinatário (n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil).

Se assim não fosse poderia ser desencadeado oficiosamente o processo de rectificação do referido registo.

II – Saneamento

Expostas as posições em confronto e verificando-se que o processo é o próprio, as partes têm legitimidade e o recurso foi tempestivamente deduzido cumpre, pois, emitir parecer.

(4)

III – Fundamentação

1 – O processo especial de rectificação dos registos encontra-se previsto e regulado

nos artigos 81.º e seguintes do Código do Registo Comercial.

Os registos inexactos e os indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador logo que tenha conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado1, ainda que não inscrito, por força do prescrito no n.º 1 do artigo

82.º do Código do Registo Comercial.

Os registos indevidamente efectuados que enfermem, designadamente, da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 22.º do citado Código podem ser cancelados mediante o consentimento de todos os interessados ou em execução de decisão tomada neste processo, ao abrigo do preceituado no n.º 2 do citado artigo 82.º.

1.1 – Tendo a rectificação de um registo sido desencadeada a pedido de um

interessado, ainda que não inscrito, a decisão de indeferimento liminar que sobre o mesmo recaia pode ser impugnada mediante a interposição de recurso hierárquico para o presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., nos termos previstos nos artigos 101.º e segs., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da comarca da área da circunscrição a que pertence a conservatória, como decorre do estatuído no artigo 88.º, n.º 2, em conjugação com disposto no artigo 92.º do Código do Registo Comercial.

2 – No caso aqui em apreço, o interessado apresentou na Conservatória do Registo Comercial de … o pedido de rectificação do registo de cessação de funções do gerente Miguel, o qual foi liminarmente indeferido por ilegitimidade do requerente.

3 – A sorte deste recurso está, portanto, limitada à apreciação da bondade dos

motivos subjacentes à decisão que conduziu ao referido indeferimento liminar.

Terá (ou não) o ora recorrente legitimidade para desencadear o processo de rectificação do aludido registo de cessação de funções de gerente?

1 Na qualidade de «interessado» tanto pode figurar o conservador (interessado que é na coincidência

entre a realidade substantiva e a realidade registral, já que ele é, segundo sublinha OLIVEIRA ASCENÇÃO, in

Direitos Reais, pág. 381, a entidade primária na orgânica do registo, aparecendo-nos como um «guardião da

legalidade»), como todos aqueles que, titulares inscritos ou não, possam, de algum modo, vir a ser afectados (positiva ou negativamente) com a procedência do pedido.

Por conseguinte, a natureza polissémica do termo «interessado» demanda sempre que se apure em que estatuto, no caso concreto, se encontra investido o interessado já que, mesmo dentro das normas que integram o Código do Registo Comercial, a interpretação a conceder a tal termo pode variar de norma para norma sendo disso prova evidente precisamente o prescrito nos n.ºs 1 e 2 do citado artigo 82.º.

(5)

A resposta, avançamos já, não pode deixar de ser afirmativa.

Com efeito, como decorre do n.º 1 do artigo 82.º do CRC qualquer interessado, ainda que não inscrito, tem legitimidade para formular o pedido de rectificação de registos errados.

No entanto, a lei distingue claramente entre a legitimidade do interessado para apresentar o pedido de rectificação (n.º 1 do artigo 82.º), da legitimidade do

interessado2 que há-de intervir no processo para dar (ou não) consentimento à

rectificação – n.º 2 do citado artigo 82.º.

Na verdade, repetindo o dito mas de outra forma, a legitimidade processual (que consiste em saber a quem é lícito requerer a rectificação) não se confunde com a legitimidade de quem no processo há-de intervir dando o seu assentimento à rectificação (seja ela desencadeada oficiosamente pela Conservatória, seja por qualquer interessado, ainda que não inscrito) para que ela possa triunfar.

O estatuto de interessado para efeitos de apresentação do requerimento para a rectificação de registo reveste, portanto, características diversas do estatuto de interessado que dá (ou não) assentimento à rectificação, ainda que, por vezes, esta qualidade possa coincidir, vale por dizer, o requerente da rectificação do registo pode ser (e sê-lo-á na maioria dos casos) simultaneamente a pessoa com legitimidade para prestar consentimento à rectificação do registo.

3.1 – No que concerne ao indeferimento liminar a lei muito claramente prescreve

que «sempre que o pedido seja manifestamente improcedente o conservador indefere liminarmente o requerido…», o que, no nosso entendimento, equivale a dizer que o legislador pretende que o conservador atente no conteúdo do pedido (na sua substância) sobrepassando, neste momento, as questões meramente formais que a existirem poderão certamente ser superadas no decurso do processo de rectificação.

Parece-nos que o despacho de indeferimento liminar está subordinado à condição de que, pela mera análise do requerimento, seja de concluir pela existência de uma anomalia (de substância) do pedido de tal forma grave que condene inexoravelmente a tentativa do requerente a fracasso certo e seguro.

Ora, sendo o indeferimento liminar de um pedido de tal maneira gravoso só deve ser utilizado em casos extremos, isto é, quando seja manifesto que a satisfação do pedido é de todo inviável.

2 Interessados são, aqui, todos os que possam ser afectados pela rectificação, sendo que do termo

«afectados» tanto se pode extrair o significado de «prejudicados» como o de «beneficiados». Vd., sobre o ponto, o que ensina CATARINO NUNES, in Código do Registo Predial de 1967, pág. 478.

(6)

Por conseguinte, cremos que a existência de dúvida atinente aos elementos definidores da legitimidade do requerente não torna lícito o referido indeferimento, devendo antes proceder-se à promoção das diligências necessárias para a colmatar mediante, designadamente, a exigência de apresentação da prova julgada adequada, o que não aconteceu no caso em apreço3.

4 – Por último, observamos ainda que a recorrida não procedeu ao averbamento da

pendência da rectificação com referência à anotação no Diário do requerimento apresentado pelo agora recorrente ao respectivo registo, pelo que deve agora dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Código do Registo Comercial e efectuar o referido averbamento em conformidade.

IV – Perante o exposto, é entendimento deste Conselho que o presente recurso

hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento liminar do pedido de rectificação do aludido registo de cessação de funções de gerente merece provimento.

Em consonância firmam-se as seguintes

Conclusões

I – A iniciativa para desencadear o processo de rectificação de registos errados ou indevidamente lavrados pode ser tomada por qualquer interessado, ainda que não inscrito, ao abrigo do prescrito no n.º 1 do artigo 82.º do Código do Registo Comercial, competindo ao conservador promover as diligências que, ao caso concreto, se mostrem adequadas.

II – A legitimidade para requerer a rectificação não é confundível com a legitimidade de quem, no processo, há-de intervir para dar o seu consentimento à rectificação pretendida (ainda que possa coincidir) como decorre da análise conjugada dos n.ºs 1 e 2 do artigo 82.º do Código do Registo Comercial.

III – A decisão de indeferimento liminar do pedido de rectificação prevista no n.º 1 do artigo 88.º do citado Código é de tal forma gravosa que só nos casos em que tal pedido se prefigure como manifestamente improcedente poderá ser proferida.

3 O recorrente alega que deu conhecimento à senhora conservadora da existência de acções judiciais

propostas contra a sociedade M…, e outras, cuja citação foi feita ao referido gerente Miguel como representante dessas sociedades, nos termos previstos no artigo 237.º do Código de Processo Civil.

(7)

IV – Consequentemente, as dúvidas atinentes a elementos definidores da legitimidade do requerente não serão de molde a justificar tão drástica medida – indeferimento liminar do pedido – sendo que as mesmas poderão eventualmente ser dissipadas mediante prova carreada posteriormente para os autos.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2010.

Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 27 de Janeiro de 2010. Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora, João Guimarães Gomes Bastos (com declaração de voto em anexo), Luís Manuel Nunes Martins, Carlos Manuel Santana Vidigal, Ana Viriato Sommer Ribeiro, José Ascenso Nunes da Maia.

(8)

P. R. Co. 15/2009 SJC-CT.

Declaração de voto

Concordo com a procedência do recurso.

Não obstante, tenho algumas reservas quanto à fundamentação alinhada no douto parecer e respectivas conclusões.

Brevitatis causa direi o seguinte:

1. Até ao D.L. nº 273/2001, de 13 de Outubro, o procedimento de rectificação de registo tinha uma fase administrativa e uma fase judicial, mas na fase administrativa a rectificação demandava o acordo de todos os interessados (sobre o conceito de interessados na rectificação, que nada tem a ver com a legitimidade para pedir a rectificação, cfr. o Pº C.P. 40/2007 DSJ-CT, onde aliás emiti declaração de voto, e o Pº C.P. 145/2002 DSJ-CT, in BRN nº 8/2003, págs. 23/24).

Com o citado D.L. nº 273/2001 o procedimento de rectificação previsto no capítulo VI do CRCom sofreu profunda reforma, de que destaco a atribuição ao conservador de competência para decidir o pedido de rectificação, ainda que litígio exista (cfr. art. 91º do CRCom e citado Pº C.P. 145/2002 DSJ-CT, mesmo local), e a introdução da figura do “indeferimento liminar” «sempre que o pedido se prefigure como manifestamente improcedente» (cfr. art. 88º, nº 1, do CRCom). Da decisão do conservador cabia recurso para o tribunal de 1ª instância competente na área da circunscrição a que pertencia a conservatória onde pendia o processo (cfr. art. 92º, nº 1, do CRCom).

O D.L. nº 76-A/2006, de 29 de Março, veio introduzir nova e também profunda reforma no procedimento de rectificação de registo, de que destaco a impugnabilidade mediante a interposição de recurso hierárquico ou impugnação judicial quer da decisão de indeferimento liminar quer da decisão final sobre o pedido de rectificação, sendo que ao recurso hierárquico é aplicável subsidiariamente o disposto no CPA (cfr. art.s 88º, nº 2, 92º, nº 1, e 109º-A, todos do CRCom).

O D.L. nº 116/2008, de 4 de Julho, veio introduzir nova alteração no procedimento de rectificação, de que destaco a eliminação do art. 89º e a nova redacção dada ao nº 4 do art. 88º do CRCom.

(9)

2. Se bem ajuízo, o legislador de 2001 veio recuperar para o procedimento de rectificação de registo a figura do “indeferimento liminar” que vigorava no Código de Processo Civil antes da nova epígrafe do art. 474º deste Código (se não erro, introduzida pelo D.L. nº 329-A/95), restringindo-a, porém, à inviabilidade ou inconcludência da pretensão (cfr. citado art. 474º, nº 3, na redacção então vigente). Somente neste caso o conservador podia indeferir liminarmente o pedido de rectificação, e, interposto o recurso e não sendo a decisão reparada, o processo era remetido a tribunal depois de citados para os termos do recurso os interessados não requerentes, correndo então o prazo de 10 dias para a impugnação dos fundamentos do recurso (cfr. art. 88º, nº 4, do CRCom).

Porque razão os interessados não requerentes eram citados para os termos do recurso e não também para “os termos da causa”, como constava do nº 3 do art. 475º do C.P.C. (cfr. Antunes Varela et alli, in Manual de Processo Civil 1985, 2ª ed., págs. 258 e segs.)?

A meu ver, porque se admitia que com a confirmação pelas instâncias judiciais do indeferimento liminar o processo findasse por falta de pagamento dos emolumentos devidos (cfr. art. 89º do CRCom).

3. O legislador de 2006 veio tornar a situação bem mais complexa, ao admitir que a impugnação da decisão de indeferimento liminar e a impugnação da decisão final passassem a seguir a via do recurso hierárquico e a via judicial.

Atente-se, porém, no nº 4 do art. 88º do CRCom: «No caso de a decisão ter sido impugnada judicialmente, o processo é remetido ao tribunal depois de citados os interessados a que se refere o artigo 90º, correndo então o prazo de 10 dias para impugnação dos fundamentos da acção».

E em caso de recurso hierárquico da decisão de indeferimento liminar?

Parece que haveria que notificar os “contra-interessados” nos termos do art. 171º do CPA ex vi do art. 109º-A do CRCom.

Sem pretendermos aqui esboçar sequer a abordagem do relacionamento das vias administrativa e judicial quer na impugnação da decisão de indeferimento liminar quer na impugnação da decisão final a que se refere o art. 91º do CRCom, não será difícil imaginar o “calvário” provocado pelo novo regime.

Sempre se poderia alegar, porém, que ainda aqui haveria uma justificação para o indeferimento liminar, precisamente o art. 89º do CRCom, que previa que o processo fosse declarado findo por falta de pagamento de emolumentos (para o seu prosseguimento).

(10)

4- O legislador de 2008 veio, sobre o ponto que pretendemos realçar, tomar duas medidas.

A primeira foi alterar novamente o nº 4 do art. 88º do CRCom, para dizer o seguinte: «Não sendo a decisão reparada, são notificados os interessados a que se refere o art. 90º para, no prazo de 10 dias, impugnarem os fundamentos do recurso, remetendo-se o processo à entidade competente».

Pese embora a letra da lei (que fala em “recurso”, e não também em impugnação

judicial, e em “entidade competente”, e não também em tribunal), parece que o resultado interpretativo desta norma não pode deixar de ser o de impor a sua aplicação não só ao recurso hierárquico mas também à impugnação judicial.

A segunda medida foi eliminar o art. 89º do CRCom [cfr. art. 34º, b), do D.L. nº 116/2008], que, a meu ver e salvo o devido respeito, era a única (discutível) razão para o indeferimento liminar do pedido de rectificação.

O novo regime processual da rectificação de registos é muito burocrático, porquanto, como se disse, prevê as vias administrativa e judicial de reagir contra a decisão de indeferimento liminar por inviabilidade ou inconcludência da pretensão (para o que terão que ser notificados os interessados não requerentes) e contra a decisão final proferida no procedimento caso este prossiga (na conservatória, para onde baixará) por não ter vingado o indeferimento liminar (o que demandará nova notificação dos interessados não requerentes para deduzirem oposição).

Pela minha parte, só não defendo a não aplicação pura e simples do regime do indeferimento liminar porque o art. 90º, nº 1, do CRCom prevê que a oposição dos interessados não requerentes deve ser acompanhada dos «emolumentos devidos» (sobre que não me vou pronunciar). Ora, perante um pedido de rectificação manifestamente improcedente é natural e compreensível que o conservador se interrogue sobre se deverá sujeitar os “réus” (interessados não requerentes) a «incómodos e despesas» (cfr.

Antunes Varela et alli, ob. cit., pág. 258) e decida o indeferimento liminar.

5- Embora por um caminho algo longo para uma declaração de voto, mas que não fui capaz de encurtar, cheguei ao ponto que pretendia acentuar.

A Senhora Conservadora recorrida, embora tenha indeferido liminarmente o requerido (a petição) por ilegitimidade do “autor” (e para mim é indiscutível que o indeferimento liminar está confinado à inviabilidade ou inconcludência da pretensão, e por isso concordo com a procedência do recurso interposto), no despacho de sustentação suscitou a questão do mérito da pretensão, e, ao que transparece, pronuncia-se abertamente pela regularidade do registo rectificando.

(11)

Sinceramente, não creio que passe pela mente da recorrida a hipótese de novo indeferimento liminar do pedido de rectificação, agora com fundamento na inviabilidade ou inconcludência da pretensão.

Se, na tese da recorrida, a decisão de indeferimento liminar com tal fundamento

ab initio era plausível, e com o recurso hierárquico desta decisão deveria ser dado

cumprimento ao disposto no nº 4 do art. 88º do CRCom antes da remessa do processo para o IRN, I.P., agora o bom senso demandará que o procedimento prossiga com a notificação dos interessados não requerentes, não para os “termos do recurso” mas para deduzirem oposição.

A final, a Senhora Conservadora decidirá pela absolvição da instância (caso entenda faltarem pressupostos processuais, incluindo a legitimidade do “autor”, de conhecimento oficioso ou que sejam alegados pelos opoentes) ou pela absolvição ou “condenação” do pedido, e desta decisão caberá recurso hierárquico ou impugnação judicial.

João Guimarães Gomes Bastos

Referências

Documentos relacionados

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

Neste tipo de situações, os valores da propriedade cuisine da classe Restaurant deixam de ser apenas “valores” sem semântica a apresentar (possivelmente) numa caixa

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

parlamentar em 25 de março de 2009.. O referido artigo,em contraste com a análise da data de votação das contas prestadas registrada nas atas,implica na seguinte situação: a

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

001/2017, que foi definitivamente homologado através do DECRETO nº 6.683 de 12 de junho de 2017, convoca os candidatos constantes no Anexo I do presente, para, no período