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Transposição Didática do Pós-Estruturalismo a partir da prática de pesquisa: o uso da triangulação na Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe

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Academic year: 2021

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12º Encontro da ABCP 19 a 23 de outubro de 2020

Evento online

Área Temática: 04. Ensino e Pesquisa em Ciência Política e Relações Internacionais

Transposição Didática do Pós-Estruturalismo a partir da prática de pesquisa:

o uso da triangulação na Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe

Bianca de Freitas Linhares Universidade Federal de Pelotas

Daniel de Mendonça Universidade Federal de Pelotas

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Resumo: O objetivo central deste artigo é compartilhar nossa experiência de transposição didática do viés teórico Pós-Estruturalista, especificamente a Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe. Partimos da nossa vivência e interação com discentes de graduação e de pós-graduação em atividades em um Grupo de Pesquisa, onde as atividades estão circunscritas a uma pesquisa principal sobre ideologia de partidos políticos brasileiros. A transposição didática da Teoria do Discurso se faz com trabalhos sobre partidos específicos, quando empregada a triangulação para alcançar a análise pós-estruturalista. Técnicas como análise de discurso, análise de conteúdo qualitativo e quantitativo, bem como composição de um índice estatístico são fundamentais para o sucesso dessa transposição. Como exemplo de nossa experiência trazemos um estudo sobre o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) na Câmara dos Deputados em 2013.

Palavras-chave: Transposição Didática; Triangulação; Pós-Estruturalismo; Teoria do Discurso; Ideologia.

Abstract: The central aim of this article is to share our experience of didactic transposition of post-structuralist theoretical bias, specifically Laclau and Mouffe's Discourse Theory. We start from our experience and interaction with undergraduate and graduate students in activities in a Research Group, where the activities are circumscribed to the main research on the ideology of Brazilian political parties. The didactic transposition of Discourse Theory is done with works on specific parties, when triangulation is used to achieve post-structuralist analysis. Techniques such as discourse analysis, qualitative and quantitative content analysis, as well as the composition of a statistical index are fundamental to the success of this transposition. As an example of our experience we bring a study on the Brazilian Democratic Movement Party (PMDB) in the Chamber of Deputies in 2013.

Keywords: Didactic Transposition; Triangulation; Post-Structuralism; Discourse Theory; Ideology.

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3 Introdução

Os estudos Pós-Estruturalistas têm ganhado espaço paulatinamente e se apresentado com mais constância no cenário acadêmico brasileiro, em diversas áreas do conhecimento. O número de artigos publicados, dissertações e teses defendidas nos últimos anos, que têm sua base nesta perspectiva, confirma essa afirmação1. Entretanto, ao mesmo tempo em que

determinadas teorias da perspectiva Pós-Estruturalista têm alcançado mais espaço, como a Teoria Queer2, outras continuam encontrando certos entraves para se consolidar no campo

acadêmico brasileiro, como a Teoria do Discurso.

Sabe-se que são características fundamentais gerais da ciência a sua abertura a modificações e a sua forma de construção do conhecimento (BABBIE, 2003; LAKATOS e MARCONI, 1991); nesse sentido, a perspectiva Pós-Estruturalista indaga o lugar da “verdade final” dentro da própria ciência. De toda maneira, o campo científico decide o que é aceitável em termos teóricos e metodológicos, indicando espaços que podem/devem e que não podem/não devem ser ocupados. Em outros termos, a flexibilidade para modificações ou aceitação de novas formas de compreensão dos fenômenos é limitada e só pode ser ampliada com o tempo e com os esforços de cientistas que buscam tal espaço.

De acordo com Aguilar e Gonçalves (2017, p. 38), “Os questionamentos da perspectiva pós-estruturalista em relação ao que é visto como “certo e verdadeiro” pressupõe um repensar sobre a forma como se dá a construção do conhecimento científico, seus métodos e técnicas e sua eficácia na sociedade”. O Pós-Estruturalismo, como reação ao Estruturalismo, indaga as “verdades fundamentadas”, as verdades que são assim aceitas e não mais questionadas.

O Pós-Estruturalismo foi formado a partir de compreensões advindas dos campos da psicanálise, da linguística e do marxismo (BRANDÃO, 2012). Esse conjunto interpretativo coloca a corrente Pós-Estruturalista como, supostamente, de mais difícil alcance no campo da Ciência Política. Tanto que, de maneira geral, os trabalhos teóricos têm sido os representantes por excelência dessa corrente. Essa (falsa) percepção acaba por ser um desestímulo à entrada de pesquisadores em formação neste campo específico.

No intuito de atenuar essa visão, o Grupo de Pesquisa Ideologia e Análise de Discurso (GP IdAD), no qual atuamos como líderes, tem desenvolvido pesquisas relacionadas ao Pós-Estruturalismo e, mais especificamente, à Teoria do Discurso (TD) de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (Laclau e Mouffe, 2015). O desenvolvimento qualificado de trabalhos de

1 Uma busca do termo “Pós-Estruturalismo” no Catálogo de Teses e Dissertação da Capes reportou 5748 entradas

para o ano de 2013, número que cresce constantemente até o último dado anual completo, 2018, em que consta o total de 7954 trabalhos defendidos em diversas áreas do conhecimento (CAPES, 2020).

2 A Teoria Queer, abordada por diversas áreas, trata da questão de gênero, da orientação sexual e da identidade

sexual como construções sociais. Eve Kosofsky Sedgwick, David Halperin, Judith Butler e Michael Warner são expoentes da Teoria Queer (MISKOLCI, 2009).

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pesquisadores/as em formação, tanto em nível de graduação quanto em nível de pós-graduação, nos incitou a propor o presente trabalho. O intuito é compartilhar nossa experiência com a bem-sucedida transposição didática, realizada no GP, de elementos teóricos refinados do Pós-Estruturalismo e, especificamente, da TD, de maneira a facilitar a compreensão de pesquisadores/as iniciantes.

A transposição didática de elementos teóricos fundamentais para a vertente, tais como ideologia, discurso, hegemonia, é alcançada a partir da prática de pesquisa, na aplicação de técnicas de análise de dados em relação constante com a teoria em si. Para elucidar como realizamos a transposição didática do Pós-Estruturalismo e da TD, trazemos para este artigo um exemplo de nossas pesquisas. Utilizaremos como objeto de análise o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e a ação dos seus parlamentares na Câmara dos Deputados no ano de 2013.

O objetivo central deste paper é compartilhar nossa experiência sobre a transposição didática do viés teórico Pós-Estruturalista, mais especificamente a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, de maneira com que o mesmo seja mais facilmente acessado por pesquisadores/as em formação.

Para além deste, outros objetivos que nos guiam são:

- Trazer como exemplo elucidador da transposição didática a indicação da ideologia manifestada pelos Deputados Federais do PMDB no ano de 2013;

- Especificar as possibilidades do uso de ferramentas analíticas para alcançar a análise de discurso Pós-Estruturalista, tais como a análise de discurso, a análise de conteúdo qualitativa; a análise de conteúdo quantitativa e o uso de índice estatístico;

- Contribuir com a área de Ciência Política e Relações Internacionais no que diz respeito ao emprego da triangulação como oportunidade de aperfeiçoamento e aprofundamento das pesquisas.

A fim de atingir os objetivos propostos, o paper está dividido em cinco partes, além desta introdução e da conclusão. Primeiramente apresentamos as ideias balizadoras do Pós-Estruturalismo e da TDde Laclau e Mouffe, seção essencial para a compreensão das decisões acerca das metodologias empregadas nas pesquisas do GP IdAD. A seguir abordamos a Transposição Didática, o que é e como a utilizamos. Na sequência apresentamos conceitualmente a Triangulação, bem como as ferramentas utilizadas para atingirmos os objetivos da pesquisa central do GP IdAD. A partir disso, trazemos a metodologia empregada nos estudos de ideologia de partidos políticos brasileiros do GP IdAD. Finalmente, apresentamos um dos resultados de nossas pesquisas, a título de exemplo, a classificação ideológica do PMDB para o ano de 2013.

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5 Pós-Estruturalismo e Teoria do Discurso

Para deslindar a TD de Laclau e Mouffe, e seus conceitos utilizados em nossa pesquisa, optamos por um caminho diverso dos que são usualmente apresentados em artigos. Via de regra, produções acadêmicas dedicam uma seção exclusivamente ao marco teórico utilizado. No nosso caso, escolhemos descrever a pesquisa que guia nosso GP entrelaçando as principais ideias e conceitos que permeiam o nosso estudo. Essa decisão tem como intuito assegurar a completa compreensão da pesquisa e, também, da base teórica aplicada a ela. Com isso, iniciemos por um conceito que aparece no título da pesquisa principal do GP, “Ideologia e Partidos Políticos no Brasil: uma nova metodologia de classificação”, ideologia.

Esta pesquisa surgiu com uma indagação acerca das coligações partidárias realizadas a partir das eleições brasileiras de 2002, em diferentes níveis administrativos. A aliança de agremiações que, a princípio, defendiam ideologias, digamos, distintas, levantaram questões sobre esse comportamento. Como podem unirem-se partidos com ideologias distintas? Ou, com o aperfeiçoamento da democracia no país (até há pouco tempo), há/havia diferenças relevantes entre ideologias de direita e esquerda? Não concordamos com Daniel Bell sobre O Fim da Ideologia (1980) e assumimos uma perspectiva em que a ideologia permanece e, mais do que isso, atua no nível inconsciente dos sujeitos. Muitos autores partem do legado de Althusser para abordarem o conceito. É esse sentido que entendemos a ideologia como prática e que a ideologia atua por meio e para o sujeito3 (ALTHUSSER, 1980). Laclau, embora

substitua em algum momento a categoria ideologia por discurso, não descarta a primeira, mas a reinterpreta:

Lo ideológico consistiría en aquellas formas discursivas a través de las cuales la sociedad trata de instituirse a sí misma sobre la base del cierre, de la fijación del sentido, del no reconocimiento del juego infinito de las diferencias. Lo ideológico sería la voluntad de “totalidad” de todo discurso totalizante. Y en la medida en que lo social es imposible sin una cierta fijación de sentido, sin un discurso del cierre, lo ideológico debe ser visto como constitutivo de lo social (LACLAU, 1993, p. 106).

Assim, entendemos ideologia como uma forma de ordenação de mundo que atravessa os sujeitos os quais, embora não percebam, estão submetidos a essa estrutura de sentidos que reproduzem.

As indagações levantadas no parágrafo anterior tornam oportuno abordarmos, mesmo en passant, o Pós-Estruturalismo. Diferentemente do Estruturalismo, que defende haver uma essência para as estruturas, o Pós-Estruturalismo apresenta a ideia de não essencialismo delas. Ou seja, as estruturas existem, mas não são definidas a priori, não há um fundamento,

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um centro. Elas estão ligadas à contingência4, à precariedade5, à indeterminação6 e ao

paradoxo7 (MENDONÇA, 2009). Como não há um centro8, não podemos partir de uma noção

dada (por pesquisadores/as, jornalistas ou auto definição) de que o partido “X” é de direita ou de esquerda. Considerando, ainda, contingência, precariedade e indeterminação, nossa metodologia de classificação aponta o quanto o partido atuou como de esquerda e como de direita em um determinado período.

Para chegar a essa descoberta, consideramos necessário começar por uma questão bem anterior: o que é ser de direita e de esquerda para o campo político? Se, partindo do Pós-Estruturalismo, nada é dado, entendemos que “direita” e “esquerda” não têm um fundamento. Com isso, suas significações podem sofrer variações no tempo-espaço. No nosso entendimento, partir de compreensões acadêmicas desses significantes nos diz menos do que entender tais ideias a partir dos próprios sujeitos que formam esse campo discursivo. “O campo discursivo, segundo Laclau, é um campo ontológico, ou seja, um espaço de reflexão do ser enquanto ser” (MENDONÇA, 2009, p. 166-167). Como foi sistematizado por Pinto (2006), há diversas formas discursivas onde os discursos se organizam, sendo uma delas o discurso político. Esse espaço, como outros, detém uma linguagem específica e é onde, mais que em qualquer outro, se busca a imposição de verdades, “o discurso político tem lados, é um discurso de visões de mundo” (PINTO, 2006, p. 92).

Partimos, então, da análise discursiva de pronunciamentos de deputados federais (de 2003 a 2013) buscando a compreensão sobre o que eles consideram ser direita e esquerda. Importante, aqui, indicar uma diferença crucial para quem adentra os estudos de TD: pronunciamento/fala e discurso. Discurso, para Laclau, tem natureza material, sendo considerados discursos não apenas palavras, mas ações e tudo o que possa ser significado. A lógica do discurso permeia a sociedade. O que falamos, como falamos, o que fazemos, a forma como nos comportamos, o que vestimos, tudo é discurso. Assim, pronunciamento é uma das possibilidades de discurso. Discurso é ação e uma forma de exercer poder. Nas palavras de Laclau e Mouffe, discurso é “A totalidade estruturada resultante d[a] prática articulatória” (2015, p. 178). A articulação é uma prática em que elementos se articulam em torno de um ponto nodal, na qual esses elementos se tornam elementos-momentos (LACLAU e MOUFFE, 2015). Transpondo para a etapa da pesquisa, tomamos pronunciamentos para

4 Contexto sócio-histórico específico. “Pensar a partir da contingência impede-nos de tomarmos as relações sociais

para além de injunções contextualizadas” (MENDONÇA, 2009, p. 156).

5 “[M]esmo que um discurso consiga fazer-se contingentemente hegemônico, esse não o será para todo o sempre,

como um “fimda história” (MENDONÇA, 2009, p. 157).

6 A determinação de identidades e sujeitos dependem de relações de poder. Portanto, não são naturais ou dadas.

São construídas e sua manutenção não é eterna, fixa, imóvel, determinada (DERRIDA, 1995).

7 De acordo com Laclau (2011), um discurso enfrenta, paradoxalmente, a seguinte situação: ele é ameaçado por

Outro discurso, o qual não permite a expansão dos seus sentidos, ao mesmo tempo em que esse discurso só existe pela presença do Outro discurso.

8 No sentido derridiano de “verdade”, “regras invariáveis”, exercendo o papel de “fundamento estrutural

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entender discursivamente quais elementos se articulam em torno das ideias de direita e de esquerda (pontos nodais).

A análise discursiva dos pronunciamentos nos mostrou a existência de várias temáticas (que denominamos subáreas), que foram agrupadas em três grandes áreas (Economia, Estado e Social), defendidas pelos sujeitos do campo político a partir de polos antagônicos. O antagonismo, de forma absolutamente simplificada, pode ser entendido como a relação entre inimigos. Contudo, os estudos de Laclau aprofundam esse entendimento. “O antagonismo como negação de uma ordem dada é, simplesmente, o limite dessa ordem, e não o momento de uma totalidade mais ampla em relação à qual os polos do antagonismo constituiriam casos parciais diferenciais – isto é, objetivos” (LACLAU e MOUFFE, 2015, p. 204). Em outros termos, um determinado discurso A tenta ordenar, organizar o mundo a partir de suas significações; mas Outro discurso, B, nega essas significações e as limitam. O discurso antagonizado (A) é um discurso constituído em seu interior, enquanto o Outro discurso (B, antagônico) pode ser entendido como o exterior constitutivo do próprio discurso antagonizado (LACLAU, 1996). Nesse sentido, “a presença do “Outro” me impede de ser plenamente eu mesmo” (LACLAU e MOUFFE, 2015, p. 202). É e esse embate que percebemos no antagonismo apresentado entre os parlamentares em torno de direita e de esquerda. Os pronunciamentos indicam defesas em relação a um polo enquanto apresentam argumentos deslegitimando o outro.

Esses posicionamentos têm um objetivo: a busca da hegemonia do polo defendido. A hegemonia é a busca de ordem, mesmo contingente e precária. De acordo com Laclau e Mouffe (2015), para compreender o conceito de hegemonia é necessário lançar mão das ideias de prática articulatória e (prática articulatória no) antagonismo – ambas citadas anteriormente. A articulação, em outros termos, é uma prática onde os elementos são reordenados, recompostos, formando uma unidade contingente, uma compreensão de mundo (o resultado dessa prática é o discurso). As práticas articulatórias antagonísticas são as práticas articulatórias que realizam um embate em torno de uma significação de mundo. “O conceito de hegemonia emergirá precisamente em um contexto dominado pela experiência de fragmentação e pela indeterminação das articulações entre diferentes lutas e posições de sujeito” (LACLAU e MOUFFE, 2015, p. 65).

A hegemonia, como uma relação, pode ser entendida como a representação que uma identidade assume por ser um discurso centralizador, que congrega vários elementos que estavam dispersos no campo da discursividade. No caso da nossa pesquisa, o embate se dá entre os parlamentares, que defendem direita e esquerda. Os sujeitos dos discursos da direita e da esquerda buscam uma ordem hegemônica que os represente: há unicidade em defesa

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de elementos que significam cada identidade. Nessas significações, a lógica da equivalência9

(que une os que são de esquerda e os que são de direita) aponta também para o que essas identidades não são, para o que se opõe a elas, sendo que esse oposto não apresenta positividade (do ponto de vista daquele que diz deter “a verdade”). A hegemonia buscada é pela prevalência de uma dessas significações de mundo – esquerda ou direita. “Qualquer discurso se constitui como tentativa de dominar o campo da discursividade, de deter o fluxo das diferenças, de constituir um centro” (LACLAU e MOUFFE, 2015, p. 187).

Após entendermos o que é direita e esquerda para o campo político (e verificarmos elementos que orbitam em torno dessas ideias) e realizada a sistematização dos pronunciamentos (o que será detalhado na seção “Metodologia”), passamos à verificação de outros materiais com o objetivo de realizar a classificação ideológica das agremiações, a partir do que o próprio campo político define ser esse espectro. Como indicamos anteriormente, de acordo com Laclau e Mouffe (2015), discurso é materialidade, é prática, sendo significativa toda ação. O destaque que fizemos anteriormente, de que tudo é discurso (posto conter significação), deve ser aqui retomado para a compreensão da escolha desses novos materiais. Por nossa base teórica, todas as ações dos parlamentares são compreendidas como manifestações da(s) ideologia(s) da(s) qual(is) eles são sujeitos. Portanto, atos como propostas de emenda à Constituição, medidas provisórias, resultados de votações, propostas de políticas públicas, projetos de lei, são ações que explicitam preferências e, no limite, ideologia. Estes documentos nos fornecem subsídios para serem explorados à luz da sistematização dos pronunciamentos.

Para cada partido analisado em nossa pesquisa, em um determinado espaço de tempo, é definido um corpo discursivo. De acordo com Pinto (2006), o corpo discursivo é o material de análise – este deve ter unidade para ser estudado como um fenômeno específico e, ao mesmo tempo, exprimir a pluralidade de discursos presentes. Aqui também é extremamente importante a definição temporal, uma vez que os discursos são contingentes e precários. Segundo Pinto (2006), mesmo que estejamos analisando um mesmo “discurso referência” (no nosso caso, direita e esquerda, discursos que atravessam os séculos) corpos discursivos vão variar conforme a época e o local devido às condições em que esses discursos são dados. Conforme a autora, o discurso pode ser o mesmo, com iguais personagens, mas o sentido muda conforme a época e o local. No exemplo deste artigo, nosso corpus discursivo,

9 A lógica da equivalência e a lógica da diferença são lógicas de articulação e, portanto, do discurso. A lógica da

equivalência evidencia uma relação em que elementos (diferenças não articuladas), na medida em que cancelam parcialmente suas diferenças, passam representar “algo idêntico, subjacente a elas” (LACLAU e MOUFFE, 2015, p. 205). A lógica da diferença, por sua vez, mantém as diferenças ao exprimir o que há de único nas identidades, aumentando, portanto, as possibilidades de significações. Tais conceitos são relevantes, pois, “quanto mais instáveis as relações sociais, menos exitoso será qualquer sistema definido de diferenças e os pontos de antagonismo proliferarão. Esta proliferação tornará mais difícil a construção de qualquer centralidade e, consequentemente, o estabelecimento de cadeias unificadas de equivalência” (LACLAU e MOUFFE, 2015, p. 209).

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para o último passo desta análise, refere-se aos Projetos de Lei (PLs) apresentados pelo PMDB em 2013 na Câmara dos Deputados.

A metodologia de classificação ideológica que propomos permite que verifiquemos não se um partido é de direita ou de esquerda, mas o quanto ele se comporta à direita e à esquerda em um período (assim como os temas defendidos). Nesse sentido, nossa investigação mostra que as agremiações não podem ser essencializadas como, via de regra, o são. Um partido “X” não pode ser classificado em um ponto ideológico e, por conta desta primeira classificação, ali permanecer, haja vista a contingência e a precariedade. Não há uma regra que fixe o partido “X” como de direita ou de esquerda, dado que até mesmo as significações de direita e de esquerda estão, constantemente, em disputa.

Transposição Didática

Muitas vezes o/a docente que atua em nível de graduação e/ou de pós-graduação inicia suas atividades sem estar, necessariamente, familiarizado/a com questões didáticas. A ênfase em licenciatura não é um determinante para que esses/as profissionais atuem em seus postos docentes. Com isso, as instituições de ensino superior contam com muitos pesquisadores que precisam tornar-se docentes e isso ocorre durante a própria introdução à atividade. As dificuldades para encontrar o caminho de uma boa didática logo se apresentam. Mas essa questão didática não fica limitada à prática em sala de aula. O mesmo ocorre com os/as profissionais que atuam na formação de novos/as pesquisadores/as, especialmente os/as bolsistas de iniciação científica. Como fazer chegar aos/às discentes, de forma clara e objetiva, aquilo que queremos tratar em nossas pesquisas? Se a preocupação é não apenas realizar a pesquisa, mas também auxiliar na formação desses/as discentes enquanto cientistas, o cuidado didático precisa se fazer presente.

Em geral, as decisões sobre as atividades dos/as bolsistas em nossas pesquisas são realizadas com base no cronograma de pesquisa. Não há preocupação, mesmo en passant, quanto à didática dessas tarefas – talvez isso apareça de forma um tanto intuitiva. Se pensarmos nas áreas de conhecimento, é possível que a prática de pesquisa nas áreas hard apresente uma didática mais óbvia, dado que os/as discentes tratam com objetos de pesquisa ou menos abstratos ou que trazem resultados mais imediatos do que aqueles que temos nas áreas soft10.

De acordo com Chevallard (2013), a relação didática é uma relação ternária, na qual são envolvidos aquele que ensina, aquele que aprende e o saber a ser ensinado11. Essa

10 Alves (1987), em uma construção detalhada, mostra que, na realidade, pela complexidade dos objetos de

pesquisa, as áreas consideradas hard é que devem ser encaradas como soft.

11 Em uma análise perspicaz, Leite (2004, p. 51) esclarece que “Chevallard utiliza os termos “enseignant” e

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relação precisa ser mais bem explicada pois, embora pareça uma relação direta, a teoria didática mostra sua complexidade. Para haver uma relação didática é necessário que haja a intenção de ensinar, de um lado, e a intenção de aprender, de outro, acerca de um objeto passível de ser ensinado. Esse objeto passível de ser ensinado, o objeto de ensino, é um conteúdo de saber (CHEVALLARD, 1991 apud LEITE, 2004). Em geral, as relações de aprendizagem são realizadas com a finalidade do uso prático. Uma pessoa aprende como cozinhar para, de fato, fazê-lo. Entre as duas pontas dessa relação ternária há um caminho a ser percorrido e que é definido por quem ensina. Quem ensina a cozinhar precisa decidir como esse conhecimento que ele/a detém vai ser ensinado e que esse ato seja aprendido. Nas palavras de Chevallard: “A transição do conhecimento considerado como uma ferramenta a ser posto em prática, para o conhecimento como algo a ser ensinado e aprendido, é precisamente o que eu tenho chamado de transposição didática do conhecimento” (2013, p. 9, destaques no original).

Perante tais ideia, o trabalho do/a pesquisador/a, e do/a pesquisador/a teórico/a especialmente, fica em um limbo? Se, conforme Chevallard (2013), os corpos de conhecimento são concebidos para serem usados na prática, como podemos tratar a relação ensino-aprendizagem entre docentes pesquisadores e bolsistas de iniciação científica, por exemplo? É compreensível que trabalhos acadêmicos que se utilizem substancialmente de teorias (cujo embasamento são fenômenos) sejam mais difíceis de serem “ensinados” do que trabalhos que tratem de fatos (embasamento em dados empíricos). Chevallard acode a essas questões ao indicar que o conhecimento acadêmico é, também ele, um conhecimento a ser usado, “tanto para a produção de novos conhecimentos como para organização do conhecimento recém-produzido em um conjunto teórico coerente” (CHEVALLARD, 2013, p. 12, destaques no original).

O fazer ciência em atividades como as de grupos de pesquisa, ou em tarefas de iniciação científica, é o lugar por excelência de transposição didática. Nessas atividades é que os/as docentes, detentores do saber nesta relação, buscam, por meio de diferentes técnicas, mostrar aos/às discentes como fazer pesquisa e, por exemplo, como trazer ao mundo real a manifestação de conceitos, como trilhar o caminho do mundo das ideias ao mundo da prática e vice-versa. “Não se trata da transmissão pura e simples de saberes científicos, mas da seleção de determinados resultados científicos adequados à geração de aprendizagem, que não se esgota na aquisição de dados e informações” (VADEMARIM, 1998, s.p.). Na nossa vivência, especificamente, temos buscado contemplar no GP uma compreensão acurada da

didática, que se aplicaria não apenas ao contexto escolar, mas a qualquer situação didática, isto é, qualquer situação de estudo [...]”.

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teoria de que nos utilizamos e, quando é o caso, da sua relação com a empiria12. A

transposição didática que buscamos realizar é uma tarefa análoga à construção de uma ponte: uma via que permite ligar pontos que, antes dessa construção, não teriam qualquer possibilidade de se vincular.

Justamente por partir da perspectiva Pós-Estruturalista, a busca pela classificação do partido em foco não segue os parâmetros usuais. Nossa transposição didática do Pós-Estruturalismo já se caracteriza no início da pesquisa, pois quando buscamos a classificação ideológica de um objeto de análise já admitimos que essa classificação não pode ser fundamentada, final, definitiva. Novamente, nossa classificação não vai estabelecer se o partido é de direita ou de esquerda, mas buscamos o quanto o partido se comporta à esquerda e à direita do espectro ideológico em um determinado período.

Outro ponto relevante a ser indicado, sobre a nossa transposição didática realizada junto aos/às nossos/as alunos/as, diz respeito à construção da metodologia da pesquisa principal do GP, a qual será utilizada no exemplo a ser demonstrado. Esses elementos estão mais detalhados na parte da Metodologia. Entretanto, para dispor nosso argumento, retomamos aqui algumas informações. Com base no Pós-Estruturalismo e na TD, de Laclau, construímos uma metodologia de classificação dos partidos políticos brasileiros que advoga a necessidade de verificar o que os próprios sujeitos do campo políticos falam e/ou fazem, diferentemente de outras metodologias. O importante não são somente as percepções desses sujeitos, que podem ser mascaradas, por exemplo, em uma entrevista a pesquisadores/as. Tampouco o autoposicionamento em uma escala de ideologia, em que os extremos apontam pensamentos divergentes e que o entrevistado se vê na obrigação de se alocar conforme “dizem” o que o partido é – de direita, de esquerda ou de centro13. Nossa metodologia

considera o que o campo político emana tanto em suas falas quanto em seus atos. Assim, não somente pronunciamentos dos sujeitos políticos, mas também as ações (tais como as proposituras de leis) são fundamentais para alcançar uma análise discursiva na perspectiva Pós-Estruturalista.

A transposição didática se completa com o uso da triangulação na análise de dados levantados. São diferentes os componentes de técnicas de análise de dados empregados: análise de discurso, análise de conteúdo quantitativa e qualitativa, e análise estatística por meio da composição de um índice – este último como item que permite comparações entre partidos. Nos deteremos nesses pontos na próxima seção.

12 Em nosso GP desenvolvem-se, além da pesquisa principal da qual esse paper é um exemplo, pesquisas

teóricas. Para acessá-las, verificar as abas “Pesquisas” e “Produtos” do site do GP IdAD (https://wp.ufpel.edu.br/idad/).

13 Muitos trabalhos no campo da Ciência Política, até hoje, embora com adaptações, remetem à classificação de

Limongi e Figueiredo (1995), a qual relaciona ideologicamente os partidos com base em votações nominais da Câmara dos Deputados entre 1989 e 1994.

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12 Triangulação e Métodos mistos

O ensino da metodologia nos cursos de formação em Ciências Sociais normalmente se dá a partir do paradigma positivista e dos paradigmas construtivista e interpretativista. Não raro a oferta de disciplinas de metodologia é realizada separadamente, a partir dos enfoques quantitativo e qualitativo. Essa forma seccionada do ensino dos métodos e das técnicas de pesquisa na área, embora bem-vinda em termos didáticos (pois permite bom aprofundamento de seu conteúdo), tem a sua porção negativa – a introjeção de uma segregação quase definitiva entre os enfoques e a consequente necessidade de escolha de um em detrimento do outro nas pesquisas. Esse quadro se manteve durante muito tempo nas Ciências Sociais, e quase uma guerra de posições era verificada entre os pesquisadores tidos como “quantitativistas” ou “qualitativistas”, cada qual defendendo ou a generalização ou a profundidade dos seus estudos.

Sabemos que as duas abordagens possuem virtudes e limites. Os/as pesquisadores/as com mais experiência dirão aos/às discentes para escolherem aquela que melhor auxiliará a alcançar seus objetivos de pesquisa. Mas, e se a escolha de uma abordagem não for suficiente para alcançar o intuito? É possível apanhar as virtudes de ambas para dar conta da proposta de trabalho? Essa possibilidade de integração tem sido chamada de triangulação, métodos mistos, multimétodos, métodos múltiplos14.

De acordo com Santos et al. (2017), foi nos anos 1960 que surgiram as primeiras propostas de integração das metodologias qualitativa e quantitativa15; em 1970 o termo

“triangulação” apareceu; em 1980 se verificou crescimento de pesquisas com essa abordagem; no final da década de 1990 uma literatura específica passa a ser desenvolvida. A triangulação passa a fazer parte das possibilidades de pesquisa do/a cientista social e, por conseguinte, do/a cientista político/a. Inicialmente, tida como uma “possibilidade de combinação” de métodos quantitativos e qualitativos, a triangulação pode ser mais complexa do que parece.

A triangulação16, expressão que tem sido mais utilizada na literatura (Duarte, 2009),

fundamentalmente propõe a superação do uso de método único. Embora essa ideia seja

14 Essas abordagens se referem à mesma proposta de trabalhar com as metodologias quantitativa e qualitativa.

Embora retenham a mesma ideia principal, são compreendidas diferentemente por pesquisadores como Gerring e Thomas (2011 apud OLIVEIRA, 2015), Brewer e Hunter (1989 apud DUARTE, 2009) e Creswell e Clark (2011 apud PARANHOS et al., 2016) – que tratam da abordagem multimétodo/métodos múltiplos; Tashakkori e Teddlie (1998 apud DUARTE, 2009) – que apresentam diferenças entre métodos mistos e modelos mistos; Janesick (1994 apud DUARTE, 2009) – que aborda a triangulação interdisciplinar.

15 A ideia de integração de métodos foi publicada pela primeira vez em 1959, por Donald T. Campbell e Donald W.

Fiske no artigo “Convergent and discriminant validation by the multitraitmultimethod matrix”, no periódico Psychological Bulletin.

16 “O termo triangulação foi emprestado às Ciências Sociais do campo da navegação e estratégia militar, com seu

significado originado na trigonometria, que usa pontos de referência múltiplos para localizar a posição exata de um objeto: dados princípios básicos de geometria, múltiplos pontos permitem alcançar uma maior precisão na localização” (OLIVEIRA, 2015, p. 138).

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basilar, o conceito é elástico e pode ser entendido como prática de validação da pesquisa (os métodos mostrariam, ou não, a convergência dos resultados) ou como a possibilidade de compreender os fenômenos de forma mais completa. Inicialmente, o conceito de triangulação pode se aplicar à coleta de dados, às teorias que suportam a pesquisa, aos investigadores que estão envolvidos na pesquisa, à metodologia (OLIVEIRA, 2015; PARANHOS et al., 2016; GOMES et al., 2005; DENZIN, 1989 apud DUARTE, 2009). É na aplicação à metodologia que a triangulação nos é cara e, mesmo assim, verificamos uma variedade de entendimentos sobre a ideia17.

Para nossa pesquisa o entendimento da triangulação é o de integração/complementariedade de métodos e técnicas de análise “como forma de desenvolvimento, no sentido de utilizar sequencialmente os métodos para que o recurso ao método inicial informe a utilização do segundo método” (GREENE et al., 1989 apud DUARTE, 2009, p. 14). Já que alguns autores defendem que não é possível uma real integração entre diferentes métodos (GOLDIM 2000, apud Gomes et al., 2005), esta ideia é mais bem apresentada na compreensão dos métodos mistos. De acordo com Duarte (2009), é na triangulação metodológica que utilizamos vários métodos para tratar determinado problema de pesquisa. Pode-se dizer que a triangulação intermétodos de Denzin (1978) é a proposta original do que se compreende por métodos mistos.

Os métodos mistos são aplicados especificamente na metodologia de um estudo, quando os enfoques quantitativo e qualitativo são aplicados na coleta e/ou na análise dos dados (TASHAKKORI e TEDDLIE, 1998 apud Duarte, 2019)18. De acordo com Small, há “duas

principais abordagens de integração de métodos. Uma que combina dados quantitativos e qualitativos (mixed data-collection studies) e outra que combina técnicas quantitativas e qualitativas (mixed data-analysis studies)” (2011 apud Paranhos et al., 2016, p. 389-390). Pode-se dizer que nossa pesquisa é do tipo mixed data-analysis, pois a coleta dos dados é puramente qualitativa, enquanto aplicamos diferentes técnicas de análise dos dados levantados. Nosso desenho de pesquisa é sequencial19, ou seja, uma fase só é iniciada com

a conclusão da anterior (DUARTE, 2009). Sobre o nível de análise, na segunda e terceira partes do quarto passo da pesquisa há a conversão de dados qualitativos em quantitativos,

17 Para Denzin (1989 apud DUARTE, 2009), há a triangulação intramétodos (uso do mesmo método em diferentes

tempos da pesquisa) e intermétodos (em um mesmo objeto se aplicam diferentes métodos). Para Kelle (2005 apud OLIVEIRA, 2015) a triangulação pode ser compreendida como validação mútua (um método corrobora o outro suprindo a fraqueza de um com a potencialidade do outro); complementariedade (um ângulo do fenômeno é explicado a partir de diferentes métodos) ou amplitude(diferentes ângulos do fenômeno estudados com diferentes métodos). Para Flick (2005a e 2005b apud DUARTE, 2009), é uma maneira de associar diferentes métodos qualitativos.

18 Já os modelos mistos, para os autores, são expressos quando as duas abordagens se integram nas diferentes

partes da pesquisa, desde a apreensão conceitual até as inferências do estudo.

19 Em contrapartida, há o desenho simultâneo, no qual as análises dos dados são realizadas concomitantemente

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14

sendo essa uma variação da análise de cruzamento de técnicas20 (PARANHOS et al., 2016).

Consideramos uma variação pois o estudo tem, fundamentalmente, abordagem integrativa (PARANHOS et al., 2016), ou seja, utilizamos diferentes técnicas para analisar o mesmo banco/conjunto de dados, mas, para isso, dados são transformados e, ao mesmo tempo, os resultados das diferentes fases se complementam. Nesse sentido, em nossa pesquisa não há sobreposição de uma ou outra abordagem, pois uma sem a outra não consegue a consistência e profundidade esperadas – há integração dos dados (SANTOS et al., 2017). Antes de apresentarmos a metodologia empregada na pesquisa, discorreremos, a seguir, sobre as técnicas utilizadas em suas diversas fases.

- Análise do Discurso: A análise de discurso pode ser compreendida como uma técnica

qualitativa de análise de materiais, mas não pode ser resumida a isso. De acordo com Caragnato e Mutti (2006, p. 680), a análise de discurso “é uma disciplina de interpretação fundada pela intersecção de epistemologias distintas pertencentes a áreas da linguística, do materialismo histórico e da psicanálise”. Para as autoras, a análise de discurso busca o sentido produzido pelo material a ser analisado (que pode ser um texto, uma imagem, uma ação), sendo que esse sentido é produzido por meio da conjunção de ideologia, história e linguagem. Conforme Brandão (2012, p. 11), o discurso é uma instância da linguagem que se localiza fora da dualidade saussureana (signo/significado), “é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente nem natural, por isso lugar privilegiado de manifestação da ideologia”. Diferentemente da análise de conteúdo, não se busca o número de vezes que uma palavra aparece no material ou se uma categoria está presente ou não: busca-se entender o que e qual o efeito do que está sendo dito. “O importante é captar a marca linguística e relacioná-la com o contexto sócio-histórico” (CARAGNATO e MUTTI, 2006, p. 682).

- Análise de conteúdo: A análise de conteúdo é uma técnica de análise de dados que objetiva

a compreensão da mensagem do sujeito por meio do seu conteúdo manifesto (CARAGNATO e MUTTI, 2006; FRANCO, 2012). Para realizar a análise de conteúdo, segundo Franco (2012), é preciso integrar desde a teoria até a interpretação final dos dados por meio dos seguintes passos: selecionar dados para a análise, explicitar categorias de conteúdo e unidades de registro, comparar categorias e classes de inferências (que podem ser) advindas dos dados. A análise de conteúdo pode ser qualitativa ou quantitativa. A análise de conteúdo quantitativa, como o próprio nome indica, mostra o número de vezes que uma determinada palavra se mostrou ao longo das unidades de análise, não sendo objetivo verificar o seu sentido, apenas

20 Conforme Paranhos et al. (2016, p. 397), essa é uma “nova tendência: a utilização cruzada de um tipo de técnica

para analisar os dados de outra natureza. Por exemplo, utilizar um modelo multivariado para explicar a variação da quantidade de termos captados por uma análise de discurso e/ou as transcrições de entrevistas em profundidade”.

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15

a sua contagem (CARAGNATO e MUTTI, 2006). Já a análise de conteúdo qualitativa trabalha com categorias, as quais são buscadas em trechos dos materiais a serem analisados. Essas categorias apresentam características de conteúdo e buscam as significações expressas pelo emissor da mensagem (CARAGNATO e MUTTI, 2006).

- Análise quantitativa: Os processos de mensuração se prestam a objetivos como

categorizar, ordenar e avaliar variáveis. O objetivo de um índice é medir e comparar a magnitude de um fenômeno (ANDER-EGG, 1979). Tomando a presente pesquisa, os resultados da análise de conteúdo quantitativa são utilizados na composição do cálculo de um índice estatístico que nos permite tanto categorizar quando avaliar a ideologia do partido em foco. A amplitude do índice manteve o que o campo político nos mostrou: quatro pontos (esquerda conservadora, esquerda libera, direita liberal e direita conservadora). Sobre a atribuição de scores, temos um índice ponderado: a definição de pesos segue uma ideia inicial de escalonamento Likert21, no qual cada “item pode ser ponderado de maneira uniforme”

(BABBIE, 2003, p. 233); porém nosso índice é uma resposta à contagem simples seguido da média, em que cada caso é contabilizado em um ponto do espectro indo de 1 (esquerda conservadora) a 4 (direita conservadora).

Metodologia

Para a transposição didática da TD de Laclau e Mouffe, circunscrita no Pós-Estruturalismo, junto aos/às discentes que fazem parte do nosso GP (muitos em estágio de iniciação científica), nos utilizamos de atividades práticas. A metodologia empregada ao longo da pesquisa principal, e que é aplicada no estudo do partido destacado para esse paper, está especificada a seguir.

Lembramos que a metodologia utilizada, pela própria natureza teórica da pesquisa, considera como discurso tudo aquilo que o campo político emana em suas falas e atos. Nesse sentido, a transposição também ocorre no próprio entendimento de que discurso não é apenas o relativo ao que é dito. Os pronunciamentos realizados pelos Deputados Federais na Câmara são fundamentais no processo de compreensão discursiva, mas não dão conta do conceito laclauniano de discurso. Já os atos são os comportamentos e ações verificadas como aspectos tangíveis desses sujeitos – nesse caso, os PLs.

Para captar essa multiplicidade de decorrências, empregamos metodologicamente técnicas de pesquisa qualitativas e quantitativas. No total são quatro passos para chegar à ideologia do partido em foco. Todos buscam compreender os diversos olhares ou vieses sobre as temáticas defendidas no campo político e organizá-los de maneira que a pesquisa atinja

21 Nosso índice não utiliza o método de medição “escalonamento Likert”, embora absorva sua lógica, porque não

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seu objetivo – buscar as ideologias dos partidos políticos em determinado momento a partir da TD de Laclau e Mouffe.

O primeiro passo foi a busca dos pronunciamentos dos deputados da Câmara Federal, de todos os partidos políticos, no período de 2003 a 2014. Claramente, não são todos os pronunciamentos desse intervalo de tempo que foram analisados. Para uma seleção, partimos do que chamamos de palavras detonadoras, usualmente utilizadas pelo campo político: socialismo, direita, esquerda, liberal, neoliberal, comunista, fascista, ideologia, socialista, conservador, progressista, democracia, comunismo, capitalismo e capitalista. Pronunciamentos em que figuraram essas palavras foram acessados.

O segundo passo foi a análise desses pronunciamentos. A técnica de análise de discurso foi utilizada para desvelar a disputa do campo políticos sobre as “verdades” expressas nas palavras detonadoras. Trechos dos pronunciamentos permitiram compreender os significados dados pelo campo, que apresentaram intensa disputa sobre essas palavras e outras que se mostraram relevantes. Dessa técnica ficou evidenciado um continuum ideológico emanado pelos próprios parlamentares e em torno do qual gravita um conjunto de áreas e temas relevantes para o campo político. Os resultados desta análise discursiva foram, então, sistematizados.

Assim, o terceiro passo foi a organização do nosso Quadro de Sentidos Ideológicos22,

a partir das áreas e temas captados nos pronunciamentos (2003-2014). As grandes áreas são Economia, Estado e Social, cada uma agrupando um conjunto de temas relativos à área. A análise de discurso dos pronunciamentos nos mostrou, ainda, que o campo discursivo político organiza seu entendimento em torno de quatro nuances ideológicos: esquerda conservadora, esquerda liberal, direita liberal e direita conservadora (portanto, dois extremos claros e dois um tanto menos rígidos). No Quadro de Sentidos Ideológicos cada área e tema podem ser compreendidos a partir desses pontos do continuum. A partir dessa sistematização, seguimos ao passo que nos leva à classificação ideológica do partido.

No quarto passo, dividido em três fases, analisamos ações como discurso, nos atendo às análises de conteúdo (quali e quantitativa) e análise estatística. Como exemplo da transposição didática, buscamos a classificação ideológica do PMDB optando por analisar os Projetos de Lei (PLs) propostos pelos representantes da legenda. Para o ano de 2013 os deputados apresentaram 302 PLs, dos quais estão disponíveis no site da Câmara 283 (CÂMARA, 2018). Formam o corpus dicursivo desta análise somente PLs que apresentaram autoria exclusiva de pemedebistas, o que soma 252 PLs.

Com esses dados coletados, partimos para primeira fase do quarto passo, que diz respeito à análise de conteúdo qualitativa dos PLs. Com a leitura integral dos PLs

verificou-22 O Quadro de Sentidos Ideológicos pode ser acessado em:

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17

se se há características (área, tema) do documento analisado que poderiam ser alocados no Quadro de Sentidos Ideológicos. Em caso positivo foram registradas a área, o tema e o ponto do espectro ideológico a que se refere cada trecho destacado do documento. Essa tarefa foi realizada em todos os PLs do PMDB no Software NVivo. Assim, cada área/subárea/ponto do espectro é representada por um nó no projeto.

Na segunda fase do quarto passo trazemos a técnica de análise de conteúdo quantitativa: com a classificação e destaques dos trechos concluída, buscamos quais são e a quantidade de vezes em que se repetem as características ideológicas, bem como a área e o tema abordado em cada documento. Importante salientar que um mesmo documento pode enumerar mais de uma área/tema e, mesmo, ponto do espectro ideológico. Essa técnica já nos permite indicar a área/tema proeminente daquele espaço de tempo que a legenda defende, mas principalmente, o quanto o partido se encontra à direita ou à esquerda do continuum ideológico. Podemos ver, aqui, materializado um dos principais pontos do Pós-Estruturalismo e da TD: não existe um fundamento. Por mais que pesquisas apontem que um partido é de direita ou de esquerda (uma ideia essencialista), nossa pesquisa mostra que uma agremiação não pode ser classificada definitivamente, pois se nesse momento ela pode se comportar mais de uma forma do que de outra, e em outro momento isso pode mudar devido à contingência e à precariedade.

Na terceira fase do quarto passo da pesquisa apresentamos uma variação da análise de cruzamento de técnicas. Nos utilizamos de dados advindos das técnicas de análise de conteúdo para elaborar um índice ideológico. Fazemos isso com base em uma fórmula23 a

partir do somatório de registros em cada ponto do espectro ideológico. O índice vai indicar para cada área – Economia, Estado e Social – a atuação do PMDB na linha contínua entre os quatro pontos ideológicos. Portanto, o índice é calculado para cada área, podendo-se aplicar a fórmula para um índice geral (o que faz sentido em uma análise comparativa com outros partidos). Assim, são consideradas variáveis cada ponto do continuum ideológico (transformados em variáveis tipo dummy) e o índice explicita o quanto o partido atua à direita e à esquerda em cada área no ano de 2013.

Em cada passo da investigação os/as discentes participantes do GP tomam contato com a prática de pesquisa nas modalidades indicadas. Nos diferentes passos da metodologia ficam especificados os tratamentos de dados e suas motivações de maneira a se compreender como pode ser realizada uma pesquisa Pós-Estruturalista com base na TD de Laclau e Mouffe.

23 I = [Σ

n (Σxi ai)]/ n ; onde: Σxi é o somatório da enésima variável observada; ai é o peso da enésima variável; Σn é

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18 Exemplo de um partido

A aplicação da metodologia apresentada requer a análise de práticas discursivas. A submissão de PLs, como dito anteriormente, é considerada como tal. Nesse sentido, o exemplo de análise da ideologia de um partido específico precisa partir do quarto passo metodológico, cujo objetivo é a classificação em si. Os passos anteriores, como pode-se perceber, formam a base para o quarto passo.

O intervalo de tempo em que foi produzido o material que será o parâmetro para a classificação, aqui os PLs, deve estar contido no período abarcado pelo Quadro de Sentidos Ideológicos. Isso porque o quadro é um produto que externa o que é defendido pelo campo político em um determinado momento. Fora desse tempo, a análise não faz sentido.

A análise dos PLs apresentados pelo PMDB no ano de 2013 mostrou que nossos passos anteriores oferecem uma boa sustentação para a posterior classificação. A leitura integral dos 252 PLs, buscando localizá-lo no quadro de Sentidos Ideológicos, nos trouxe a alocação desse material, mas para algumas unidades de análise isso não foi possível. São aquelas em que as unidades do corpus discursivo são consideradas “Não Classificáveis” ou com “Sentido Hegemônico”. Na primeira situação (por exemplo, instituição de um novo feriado) a análise é interrompida nesta fase, não sendo possível conferir área, subárea ou ponto no continuum ideológico. A segunda situação nos permitiria realizar a classificação por área e tema, mas não no espectro ideológico, pois unidades de análise classificadas como de Sentido Hegemônico apresentam sentidos defendidos igualmente por direita(s) e esquerda(s). Com isso, a classificação se restringe a 165 PLs.

Com essas informações, passamos aos resultados da análise dos PLs do PMDB para o ano de 2013. Iniciamos com a apresentação da ideologia do PMDB em cada área, a seguir indicamos as principais subáreas defendidas por meio dos PLs. Por fim, mostramos as inclinações ideológicas gerais do PMDB e o índice ideológico.

Gráfico 1 – Ideologia na área Social - PMDB 2013 (%)

n=67

Fonte: Elaboração própria com base na classificação de PLs a partir do Quadro de Sentidos Ideológicos.

Gráfico 2 – Ideologia na área Estado - PMDB 2013 (%)

n=55

Fonte: Elaboração própria com base na classificação de PLs a partir do Quadro de Sentidos Ideológicos.

Gráfico 3 – Ideologia na área Economia - PMDB 2013 (%)

n=43

Fonte: Elaboração própria com base na classificação de PLs a partir do

Quadro de Sentidos Ideológicos.

Os gráficos 1, 2 e 3 nos mostram que os PLs demonstram inclinações ideológicas específicas em cada área. Na área Social (gráfico 1) prevalece fortemente PLs com orientação

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19

à esquerda liberal, mas não deixam de aparecer projetos à direita (tanto liberal quanto conservadora). Essa área apresenta maior percentagem de um só ponto do espectro (81% dos PLs estão na esquerda liberal), mas também é a única em que há mais de dois pontos do espectro representados (só não aparecem PLs à esquerda conservadora). Já no gráfico 2, da área Estado, predomina a direita liberal (55% dos PLs) e aparece a esquerda liberal. Na área Economia (gráfico 3) volta a sobressair a esquerda liberal (72% dos PLs) e se apresenta, também, a direita liberal.

Ao mesmo tempo em que classificamos ideologicamente os PLs em áreas, o fazemos nas subáreas. As próximas imagens buscam elucidar, em uma tentativa didática, as subáreas que constantes nos PLs, bem como a inclinação ideológica que sua defesa confere.

Imagem 1 – Social: subáreas e recorrência de PLs do PMDB em 2013

Fonte: Elaboração própria com base na classificação de PLs a partir do Quadro de Sentidos Ideológicos.

Imagem 2 – Estado: subáreas e recorrência de PLs do PMDB em 2013

Fonte: Elaboração própria com base na classificação de PLs a partir do Quadro de Sentidos Ideológicos.

Imagem 3 – Economia: subáreas e recorrência de PLs do PMDB em 2013

Fonte: Elaboração própria com base na classificação de PLs a partir do Quadro de Sentidos Ideológicos.

As imagens 1, 2 e 3 acima mostram as subáreas defendidas nos PLs, bem como as temáticas específicas que orbitam em sua volta. Nota-se, pelo eixo horizontal, que subáreas e temáticas estão alocadas conforme se apresentam ideologicamente. O tamanho da fonte,

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20

nessas imagens, também apresenta significado: quanto maior, a subárea e temática foram citadas com mais frequência nos PLs.

A área Social (imagem 1), conforme citado anteriormente, é a única que traz PLs no âmbito da direita conservadora. Isso está representado por linhas que levam as temáticas classificadas como direita conservadora mais para a direita do quadrante. As subáreas citadas24 nos PLs do PMDB em 2013 foram Relações de Emprego (43% de 67 PLs), Inclusão

Social (15%), Cidadania (13%), Meio Ambiente (12%), Mulheres (8%), Educação (6%) e Infância e Juventude (3%). Importante salientar que apenas a percentagem apresentada não auxilia na caracterização ideológica da agremiação. Vê-se a importância da combinação entre análise de conteúdo qualitativa e quantitativa, presente nas imagens. A imagem 1 possibilita a compreensão da própria classificação ideológica realizada. Grande parte das temáticas tratadas pelos PLs são abordadas em defesa de um ponto de vista da esquerda, enquanto poucos elementos são verificados na direita e, menos ainda, na direita conservadora. Todas as subáreas tende à esquerda, como fica claro na imagem 1.

A imagem 2 se refere à área Estado. São subáreas que figuram nos PLs do PMDB em 2013: Tributação (45% de 55 PLs), Segurança (27%), Reforma Política (15%), Importação e Exportação (7%) e Administração Pública (6%). A maioria dos PLs se concentra na direita liberal, conforme se explicita no gráfico 2. Verificamos que temáticas relativas à Tributação, à Importação e Exportação, à Administração Pública apresentam defesas à direita e à esquerda. Já a subárea Reforma Política exprime temáticas voltadas estritamente à esquerda, enquanto Segurança apresenta temática somente à direita. Em uma visualização mais ampla, Segurança é a subárea que se encontra mais à direita, mas Tributação, Exportação e Importação seguem essa tendência. Administração Pública tende levemente à esquerda. A disposição dos elementos na imagem 2 mostram a prevalência da atuação da legenda nesta área levemente à direita.

A área Economia (imagem 3), que recebe menos submissões de PLs no ano em foco, apresenta PLs nas subáreas Relações de Consumo (53% de 43 PLs), Geração de Emprego e Renda (21%), Desenvolvimento Regional (14%) e Desenvolvimento Econômico (12%). Esta área é classificada na esquerda liberal, conforme o gráfico 3. A subárea Desenvolvimento Regional traz temáticas voltadas unicamente à esquerda, enquanto as demais mostram defesas à direita e à esquerda. Em visualização geral, a subárea Consumidor encontra-se levemente à esquerda, assim como Desenvolvimento Regional e Desenvolvimento Econômico. A subárea Geração de Emprego e Renda situa-se mais à direita. A imagem 3 permite uma compreensão mais acurada do gráfico 3.

24 Outras subáreas compõem as áreas que formam o Quadro de Sentidos Ideológicos. Verificar nota de rodapé

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21

Os dados anteriores demonstram que, nem mesmo considerando uma área específica, podemos dizer que o partido É de direita ou de esquerda. Na melhor hipótese, ele ESTÁ mais à direita ou à esquerda dependendo do que é tratado e quando isso acontece. Lembramos que esses achados se aplicam ao PMDB em 2013.

Partindo dessas descobertas, e com o intuito de sistematizá-las, formulamos um índice (mais detalhes sobre sua fórmula estão na nota de rodapé n. 23). Esse índice é aplicado para cada área e tem o objetivo de localizar, em um continuum ideológico, onde o partido se encontra considerando as áreas Social, Economia e Estado. Esses resultados constam na imagem 4, a seguir.

Imagem 4 – Distribuição de ISOC, IECO e IEST

Fonte: Elaboração própria com base na classificação de PLs a partir do Quadro de Sentidos Ideológicos.

A imagem 4 localiza a atuação do PMDB em 2013 em um continuum ideológico, que vai de esquerda conservadora (EC) à direita conservadora (DC), passando pela esquerda liberal (EL) e direita liberal (DL). Cada índice é composto pelos PLs específicos de sua área e variam de 1 (totalmente EC) até 4 (completamente DC). Os índices apresentados pela sigla indicam que o partido atua fundamentalmente entre esquerda liberal e direita liberal. Os índices de Social e de Economia ficam mais próximo à EL, enquanto o índice de Estado está mais próximo da DL.

Não estimulamos partir para uma análise geral do PMDB, pois consideramos delicado tal tentativa, dada a possibilidade de se pensar que estamos propondo uma categorização ideológica definitiva. Nosso intuito, ao mostrar cálculos gerais, é estimular comparações entre partidos. Nesse sentido, é fundamental ter claro que a comparação é realizada em um período específico, que considera aqueles sujeitos naquele espaço-tempo. Realizadas essas ressalvas, trazemos o gráfico 4.

Gráfico 4 – Disposição de PLs do PMDB no continuum ideológico - 2013 (%)

n=165

Fonte: Elaboração própria com base na classificação de PLs a partir do Quadro de Sentidos Ideológicos.

ISOC = 2,24 IECO = 2,28 IEST = 2,54

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Os dados do gráfico acima mostram como e quanto atuou ideologicamente o PMDB no ano de 2013. A sigla agiu mais à esquerda, apresentando 67% de PLs ligados à esquerda liberal. No entanto, não deixou de apresentar PLs ligados à direita – 32% de direita liberal e 2% de direita conservadora. O cálculo do índice ideológico geral do PMDB ficou em 2,35, ou seja, mais perto da esquerda liberal, mas a caminho da direita liberal.

Esses dados corroboram nosso posicionamento não essencialista, onde não podemos realizar uma classificação ideológica definitiva. Nossa metodologia mostra a importância das nuances apresentadas para se entender outros comportamentos do campo político, como a participação em chapas eleitorais que, antes de serem caracterizadas como estranhas, podem ser perfeitamente compreensíveis e razoáveis.

Resultados

Nosso Grupo de Pesquisa tem se debruçado em classificações ideológicas de diferentes partidos em temporalidades diferentes. Em todos esses trabalhos percebemos que nossa atuação, que busca a transposição didática mais refinada, tem facilitado a compreensão dos embasamentos teóricos da TD e do Pós-Estruturalismo como um todo. Nesse sentido, apontamos como fundamental a abertura das pesquisas à triangulação. Para nossas investigações, trabalhar com diferentes técnicas e analisar os resultados conjuntamente tem permitido achados que não seriam possíveis sem essa perspectiva.

Percebemos como fundamental esclarecer, de forma minuciosa, as diferenças entre TD e as técnicas de análise de discurso e de análise de conteúdo (qualitativa e quantitativa). O treinamento de pesquisa precisa considerar esse aprofundamento para uma bem-sucedida transposição didática. Assim, como esclarecem Caragnato e Mutti (2006), enquanto as técnicas de análise conteúdo quantitativa e qualitativa se diferenciam quanto à maneira com que tratam o conteúdo analisado, a técnica de análise de discurso busca uma interpretação. A análise de conteúdo quantitativa busca o número de vezes que uma característica se repete no texto; a análise de conteúdo qualitativa procura a presença/ausência desta característica; já a análise de discurso trabalha com o sentido emanado e não com o conteúdo (idem).

Na pesquisa sobre o PMDB, os resultados indicam o quanto o partido se encontra mais para um lado do espectro ideológico, a partir da compreensão dos PLs apresentados pelos representantes da sigla na Câmara dos Deputados, sempre partindo do que o campo político entende ser o espectro esquerda-direita. Esse exemplo apresentado permitiu melhor expor a transposição didática a qual tem facilitado a compreensão de nossos/as discentes acerca de conceitos Pós-Estruturalistas.

Ao utilizar as técnicas trianguladas conseguimos trabalhar empiricamente com a TD laclauniana. A formação discursiva (regras de funcionamento do discurso) do campo político

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é compreendida a partir da metodologia, bem como ideologia, hegemonia, entre outros conceitos. Como discurso, para Laclau, não fica restrito às falas, a triangulação nos permite chegar a uma compreensão empírica da TD de maneira plena. Esperamos, com esse trabalho, ter contribuído com a área de Ciência Política e Relações Internacionais no que diz respeito ao emprego desta estratégia de pesquisa para deslindar os meandros da Teoria do Discurso.

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Referências

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