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GUERRILHA E REVOLUÇÃO: UM BALANÇO DOS ESTUDOS E DEBATES SOBRE A LUTA ARMADA CONTRA A DITADURA MILITAR NO BRASIL 1

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Academic year: 2021

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GUERRILHA E REVOLUÇÃO: UM BALANÇO DOS ESTUDOS E

DEBATES SOBRE A LUTA ARMADA CONTRA A DITADURA

MILITAR NO BRASIL

1

JEAN RODRIGUES SALES2

Resumen: En ese momento en que se cumplen cincuenta años del golpe civil-militar de 1964, el objetivo de este artículo es presentar un panorama de los estudios y debates existentes en Brasil acerca de la temática de la lucha armada contra la dictadura militar. Lo que se pretende es, a partir de la citación de algunas obras representativas, trazar un itinerario de los estudios y discusiones que marcaron esa área de pesquisa desde mediados de los años 1970 hasta la actualidad.

Palabras Clave: lucha armada, guerra de guerrillas, dictadura militar, historiografía Abstract: On the occasion of the fiftieth anniversary of the 1964 civil-military coup, the aim of this paper is to present an overview of the Brazilian studies and debates on the subject of the armed struggle against the military dictatorship. Based on some representative works, we seek to establish an itinerary of the studies and discussions that have marked this field of research since the mid-1970s to the present day.

Key words: armed struggle, guerrilla, military dictatorship, historiography

Resumo: No momento em que o golpe civil-militar de 1964 completa cinquenta anos, o objetivo deste artigo é apresentar um panorama dos estudos e debates brasileiros sobre a temática da luta armada contra a ditadura militar. A partir de algumas obras representativas, buscou-se traçar um itinerário dos estudos e discussões que marcaram essa área de pesquisa, de meados dos anos 1970 até os dias atuais.

Palavras-chaves: Luta armada, guerrilha, ditadura militar, historiografia.

1 Este texto foi publicado anteriormente no livro: J.R Sales “Guerrilha e revolução: um balanço dos estudos e debates sobre a luta armada contra a ditadura militar no Brasil”, In: Grimaldo Carneiro Zachariadhes (Org) Brasil, 2014. 1964:50 anos depois: a ditadura em debate. Edise, Sergipe, 2015. 2 Professor de História Contemporânea e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). É autor de A Luta armada contra a ditadura militar. A esquerda brasileira e a influência da

revolução cubana, Perseu Abramo, São Paulo, 2007 e organizou o livro Guerrilha e revolução: a luta armada contra a ditadura militar no Brasil, Lamparina, Rio de Janeiro, 2015. Contato:

jeanrodrigues5@yahoo.com.br

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CÓMO CITAR ESTE ARTÍCULO: Sales, Jean (2015) “Guerrilha e revolução: um balanço dos estudos e debates sobre a luta armada contra a ditadura militar no Brasil”. Taller

(Segunda Época). Revista de Sociedad, Cultura y Política en América Latina Vol. 4, N° 5,

pp. 87-109.

Introdução

A temática da luta armada contra a ditadura militar brasileira nos anos 1960 e 1970 constitui um campo importante na área mais ampla das pesquisas sobre o período ditatorial. Particularmente nos últimos anos, o número de trabalhos tem crescido enormemente, ao mesmo tempo em que se destaca a sua diversificação temática, geográfica, teórica e metodológica. Tal crescimento pode ser atribuído tanto a questões sociais quanto a desdobramentos das modificações no campo historiográfico. No que diz respeito ao contexto social, desde o primeiro governo de Luís Inácio da Silva (2002-2006), chegaram ao poder militantes que, em graus variados, tiveram participação na luta armada dos anos 1960 e 1970. O caso emblemático é o da presidenta da República, Dilma Rousseff, que integrou uma das organizações que empunhou armas contra a ditadura militar. Recentemente, o tema gerou polêmicas acerca do pagamento de indenizações pelo Estado a pessoas atingidas pela repressão política durante o regime militar. No mesmo sentido, encontram-se os atuais debates sobre atividades da Comissão Nacional da Verdade a respeito dos crimes praticados na vigência da ditadura militar. Em todos esses casos, a questão da luta armada está diretamente implicada, na medida em que se relaciona com os controversos debates acerca de indenizações a militantes ou punição a torturadores. Por fim, no campo internacional, eventos na América Latina, como a chegada ao poder de governos de esquerda em países como Bolívia, Equador e Uruguai, também atraíram as discussões sobre o papel, o significado e o legado da luta armada nessas sociedades.

Em relação ao campo historiográfico, parece evidente que, até o final dos anos 1980, os historiadores sentiam-se pouco confortáveis para analisar períodos próximos àquele no qual viviam. Alegava-se falta de distanciamento do objeto, necessário para evitar julgamentos parciais. Essa situação explica, em parte, os motivos pelos quais as pesquisas sobre o tema da luta armada foram assumidas nos anos 1980 e meados dos anos 1990 por cientistas sociais, jornalistas e pelos próprios militantes, através de livros de memória. Entretanto, a partir dos anos 2000, com o desenvolvimento teórico no Brasil da “história do tempo presente”3 e o chamado “retorno” da história política4,

3

Sobre a história do tempo presente, ver: Agnès Chauveau e Philippe Tétard Questões para a história do

presente, Edusc, Bauru, 1999; René Rémond Por uma história política, FGV, Rio de Janeiro, 2003;

Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado Usos & abusos de história oral, FGV, Rio de Janeiro, 2006; Gilson Porto Junior História do tempo presente, Edusc, Bauru, 2007.

4

A respeito das discussões sobre o retorno da história política, ver: Pierre Rosanvallon “Por uma história conceitual do político”, em Revista brasileira de História/1995, São Paulo p. 9-22; Ciro Flamarion Cardoso “História e poder: uma nova história política?”, em Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas (orgs) Novos domínio da História, Campus, Rio de Janeiro, 2012 p. 36-54; Sonia Regina de Mendonça e Virgínia Fontes “História e teoria política”, em Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas (orgs) Novos

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fornecendo respaldo acadêmico ao estudo do passado recente, acrescidos do próprio distanciamento temporal, pudemos verificar um crescimento das pesquisas sobre a história recente do Brasil, e que não se restringem à temática da luta armada. No momento em que o golpe civil-militar de 1964 completa cinquenta anos, o objetivo deste artigo é apresentar aos leitores um panorama dos estudos existentes no Brasil sobre a temática da luta armada contra a ditadura militar. É importante observar, no entanto, que não se pretende discutir todos os trabalhos existentes na área. O que se almeja é, a partir de algumas obras representativas, traçar um itinerário de estudos e discussões que marcaram essa área de pesquisa desde meados dos anos 1970. Ressalta-se que a ausência de certas obras não significa que não tenham contribuído para o desenvolvimento dos estudos sobre o tema, mas apenas que não se enquadram nos objetivos do presente texto.

Para percorrer a já longa trajetória de estudos, fiz algumas escolhas. Apresentei livros, teses e dissertações que julguei relevantes para a compreensão de aspectos gerais dos diversos momentos pelos quais passaram a produção sobre o tema, não distinguindo as áreas de história ou ciências sociais, quando tal distinção não era relevante. Mencionei, esporadicamente, livros de memórias, biografias, entrevistas e literatura produzidos sobre e por ex-militantes, mas não aprofundei a discussão sobre esses gêneros de trabalho, pois, por sua profusão e especificidade, mereceriam estudos particulares sobre a história e a memória da luta armada neles presentes. Por fim, ainda que apresente as discussões sobre o tema desde anos 1970, enfatizei a produção mais recente, principalmente a que é fruto de pesquisas acadêmicas.

Espero que esse artigo possa servir para a discussão sobre o tema da luta armada, na ocasião em que se faz um balanço dos 50 anos do golpe de 1964. Ao mesmo tempo, espero que possa auxiliar jovens pesquisadores que queiram iniciar estudos sobre o tema. Acredito que essa discussão seja particularmente relevante na medida em que não há balanços sobre o estado da arte da produção sobre a luta armada e as esquerdas no período ditatorial5. E, muitas vezes, o desconhecimento da produção existente pode levar o pesquisador a incorrer na armadilha de “acreditar que o objeto

História’: o retorno da História política”, em Estudos históricos/1992, Rio de Janeiro p.265-261; René Rémond Por uma história política, FGV, Rio de Janeiro, 2003.

5 Não há propriamente balanços historiográficos sobre o tema, sendo que são possíveis indicações parciais em alguns trabalhos. Marcelo Ridenti organizou uma lista de publicações sobre a luta armada e ditadura (cf Marcelo Ridenti “As esquerdas em armas contra a ditadura: (1964-1974): uma bibliografia, em Cadernos AEL/2001, Campinas.). Carlos Fico também faz apontamentos a respeito do tema no trabalho voltado para o estudo mais amplo da ditadura militar (Cf. Carlos Fico Além do golpe. Versões e

controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar, Record, Rio de Janeiro, 2004). Além disso, há artigos que

comentam algumas obras específicas, mas sem desenvolver uma análise do conjunto da produção, como é o caso do texto de Denise Rollemberg “Esquerdas revolucionárias e luta armada”, em Jorge Ferreira e Lucília Delgado (orgs) O Brasil republicano. O tempo da ditadura, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003. Ver ainda o posfácio da segunda edição do livro de Marcelo Ridenti O fantasma da

revolução brasileira, UNESP, São Paulo, 2010, no qual o autor faz um breve comentário sobre obras

recentes publicadas sobre a luta armada. A visão de diversos autores, a partir de pesquisas monográficas sobre a luta armada, pode ser vista em Jean Rodrigues Sales (org) Guerrilha e revolução: a

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de sua pesquisa, que a estratégia que adotou e o conteúdo que veicula constituem a última palavra sobre a matéria em questão”. 6

Cabe ainda observar que a expressão luta armada contra a ditadura militar é uma denominação consagrada no campo da história. Entretanto, é necessário esclarecer que se trata de um conjunto de ações que, embora tenha feito significativo uso de armas, nem sempre consistiu, propriamente, em combates armados entre esquerdas e militares, como a designação sugere. A luta desencadeada teve característica de luta guerrilheira, seja no campo ou na cidade. Submetida à desproporção entre o número de militantes e os efetivos do Exército, a luta armada se desenvolveu basicamente de duas formas. A primeira, menos usual, foi a tentativa da implantação da guerrilha rural. São os casos da guerrilha do Caparaó (1966-1967) e da guerrilha do Araguaia (1972-1974). O conflito na região do Araguaia é único que poderia efetivamente ser chamado de luta guerrilheira, dadas sua dimensão e sua duração. O segundo tipo de luta, mais comum no período, desenrolou-se a partir de ações urbanas (1968-1972):

assaltos a bancos7 para arrecadação de recursos; justiçamento8 de pessoas ligadas ao regime; expropriação de armamentos e explosivos; propaganda armada contra a ditadura e sequestro de diplomatas estrangeiros a serem trocados por militantes que se encontravam presos e sob tortura.

Este artigo está dividido em três partes. A primeira apresenta discussões e textos precursores da temática da luta armada já nos anos 1970, produção essa marcada pelo debate dos militantes e ex-militantes das organizações da esquerda armada. A segunda parte destaca o início da produção acadêmica sobre a temática ente o final dos anos 1980 e início da década de 1990, ainda numericamente restrita, embora detentora de obras pioneiras e relevantes para o debate atual. A terceira parte discute a produção mais recente nessa área de estudos, destacando a sua variedade temática e teórica.

I – A militância e o início do debate sobre a luta armada

As primeiras produções a respeito da luta armada contra a ditadura militar se iniciaram nos anos 1970 e tiveram como autores os próprios militantes e ex-militantes da esquerda revolucionária. Essas análises aconteceram principalmente através da publicação de livros de entrevistas, obras memorialísticas e da imprensa alternativa ligada às esquerdas, tanto no Brasil quanto no exterior.

Ainda não haviam cessado as lutas da esquerda revolucionária quando surgiram as primeiras reflexões sobre a luta armada. Como exemplo dessas discussões precursoras, é possível citar as publicações da revista Debate: problemas da revolução

brasileira, a partir de 1970, e os livros de entrevistas A esquerda armada no Brasil, de

1972, e Memórias do exílio, de 1976. No que diz respeito à imprensa alternativa, vale

6

Rogerio Forastieri da Silva História da historiografia, Edusc, Bauru, 2001, p.17.

7 Chamados de expropriação pelos grupos de esquerda, para diferenciá-los de assaltos comuns, ressaltando, assim, seu caráter político.

8 Do mesmo modo, a palavra justiçamento ressalta o caráter político da morte de pessoas diretamente ligadas à ditadura ou de militantes que, supostamente, colaboraram com o regime.

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destacar as discussões presentes em dois jornais: Movimento, que circulou entre 1975 e 1981, e Em Tempo, lançado em 1977 e circulando até o início dos anos 19909.

A revista Debate: problemas da revolução brasileira foi a primeira publicação realizada por militantes de origens variadas a se dedicar às discussões sistemáticas sobre a luta armada no Brasil. O periódico foi criado em fevereiro de 1970, durante o exílio na França do ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), João Quartim de Moraes; tinha como objetivo reunir os exilados em torno de um projeto de debate político e posterior criação de um partido de vanguarda10. Inicialmente, a publicação realizou um apoio “crítico” à luta armada, uma vez que, quando começou a circular no exterior, os militantes ainda se debatiam em armas contra os militares no Brasil. Rapidamente, porém, a revista adotou uma avaliação que se tornou comum em diversos veículos e debates sobre a luta armada: as organizações revolucionárias não conseguiram romper o cerco da ditadura, afastando-se da própria sociedade. Nessa perspectiva, tal afastamento teria levado os guerrilheiros ao isolamento, a um militarismo extremo e à derrota.11

Em 1972, foi publicado, também no exterior, o livro A esquerda armada no Brasil, organizado por Antonio Caso. A obra é fruto de entrevistas realizadas com militantes brasileiros exilados em Cuba, em sua maioria, ou que passaram momentaneamente pelo país. Em 1973, o livro ganhou o prêmio Testemunho da Casa de las Américas. O objetivo do livro foi, claramente, homenagear e incentivar a atuação da esquerda armada no Brasil. Nesse sentido, em sua apresentação, afirma o organizador:

Já faz tempo que o povo, os trabalhadores brasileiros, decretaram guerra de morte aos réus inimigos de classe: o imperialismo e a ditadura militar-oligárquica ao seu serviço. Tarde ou cedo, o povo brasileiro alcançará a vitória final e definitiva sobre seus inimigos de classe (inevitável, historicamente prevista), apesar dos retrocessos

9 Não faz parte dos objetivos deste texto tratar da complexidade e da diversidade da imprensa alternativa surgida nos anos 1970, no Brasil e no exterior. Destaco apenas os aspectos relacionados à trajetória das discussões sobre a luta armada. Especificamente sobre este tema, ver Maria Paula Nascimento Araújo A utopia fragmentada, As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970, FGV, Rio de Janeiro, 2000, e Bernardo Kucinski Jornalistas e revolucionários. Nos tempos da imprensa

alternativa, Scritta, São Paulo, 1991.

10 Ainda no final dos anos 1960, e também no princípio dos anos 1970, organizações como o Partido Comunista do Brasil - Ala Vermelha (PC do B-AV) e a Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (ORM-POLOP) faziam discussões críticas sobre a luta armada. Essas discussões, no entanto, eram internas às organizações, por isso, não as consideramos neste tópico. Sobre a Ala Vermelha, ver Maria Adriana Ribeiro Todo comunista tem de ir aonde o povo está. As experiências de inserção política

da Ala vermelha na Baixada Fluminense na década de 1970, dissertação, (mestrado em História) UFRRJ,

Seropédica, 2013; sobre a POLOP, ver Daniel Aarão Reis “Classe operária, partido de quadros e revolução socialista. O itinerário da Política Operária-POLOP (1961-1986)”, em Jorge Ferreira y Daniel Aarão Reis (orgs) Revolução e democracia (1964...), Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007.

11

Sobre a revista DEBATE, ver Denise Rollemberg “DEBATE no exílio em busca da revolução”, em Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis (orgs) História do Marxismo no Brasil. Partidos e movimentos após

os anos 1960, UNICAMP, Campinas, 2007, e Rodrigo Pezzonia Revolução em DEBATE: o grupo DEBATE, o exílio e a luta armada no Brasil (1970-1974), dissertação, (mestrado em sociologia), UNICAMP,

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temporais que possa sofrer o processo revolucionário (também inevitável e dialectalmente previstos). 12

A estrutura do trabalho é uma série de entrevistas que tratam de oposições à ditadura militar entre operários, estudantes e ex-militares cassados após o golpe. Em seguida, há uma descrição, sempre a partir das entrevistas, de diversas ações da guerrilha urbana, como os assaltos a bancos e sequestros de diplomatas. Entre os militantes entrevistados, estão Vladimir Palmeira, Fernando Gabeira, Pedro Lobo, Vera Sílvia Magalhães e o ex-sargento Darcy Rodrigues.

Apesar da narrativa francamente favorável à luta armada, é interessante notar que, na edição portuguesa de 1976, o prefácio escrito por José Ibrahim (que também é um dos entrevistados do livro), apresenta uma visão diferente da experiência guerrilheira, a qual marcaria o debate sobre o assunto em anos posteriores. Segundo Ibraim, o livro “porque não dá uma visão crítica da prática da esquerda brasileira durante aquele período que vai até 1971, acaba por fazer tão-somente a apologia das ações armadas”. Para o militante, a prática da esquerda armada “desligada da realidade objectiva da luta de classes e baseada numa incorreta avaliação da correlação de forças naquele período, levou-a a um isolamento cada vez mais profundo das massas populares”. Por fim, afirma que, mesmo considerando o acerto na decisão da escolha do uso da violência revolucionária para a destruição do poder do Estado,

[...] a esquerda revolucionária brasileira, pelo caminho que seguiu, foi destruída e, com ela, também a sua pseudocondição de alternativa política. Perdemos fisicamente centenas de militantes. Uma boa parte continua nas prisões. Somos muitos os que estamos no exílio.13

Em 1976, fora do Brasil igualmente, foi publicado Memórias do exílio, livro no qual são relatadas as experiências de diversos militantes e personalidades brasileiras, todos exilados na ocasião da publicação. Dada sua visibilidade, mesmo não tendo como foco a luta armada, o livro acabou contribuindo para a discussão sobre o tema. O que transparece, a partir de depoimento de militantes que pegaram em armas contra a ditadura, é uma atmosfera favorável à escolha dessa estratégia combativa pela militância da esquerda revolucionária, ainda que ela tenha acarretado um alto custo pessoal.

No caso da imprensa alternativa que circulou no Brasil, pode-se citar inicialmente o jornal Movimento. Assim como outros veículos do período, este também era editado por militantes de diversas correntes da esquerda, sobretudo do Partido Comunista do Brasil (PC do B). O interesse que este jornal suscita reside no fato de que uma ampla discussão sobre guerrilha do Araguaia ganhou destaque a parir de uma polêmica surgida em suas páginas, descortinando um debate que até então era interno ao PC do B.14

12 Antonio Caso (org) A esquerda armada no Brasil, Moraes Editora, Lisboa, 1976, p.18. 13

Ibid., p. 9-10.

14 Antes da discussão no Movimento, em janeiro de 1979, o Jornal da Tarde, de São Paulo, já havia publicado uma série de reportagens sobre a guerrilha do Araguaia, descrevendo seus eventos. As

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A polêmica se iniciou quando, em abril de 1979, foi publicado o texto que ficou conhecido como Carta de Pomar, no qual o dirigente Pedro Pomar – do PC do B, assassinado pelo Exército em 1976 – expôs suas ideias críticas em relação à guerrilha do Araguaia. A publicação desse texto no jornal Movimento, próximo ao PC do B, mas que não era seu veículo oficial, abriu discussões públicas sobre as divergências internas do partido.15 Pomar afirmou, por exemplo:

Se procurarmos tirar ensinamento da luta do Araguaia que sejam válidos, que nos ajudem a acelerar a preparação e o desencadeamento da luta armada, não devemos voltar ao passado oportunista de direita, de achar que as massas, por si mesmas, espontaneamente, devam, um dia, pegar em armas e se defender da violência reacionária; nem adotar o princípio ‘esquerdista’, blanquista, foquista, de que são os comunistas que devem pegar em armas em lugar das massas.16

A partir desse momento, várias manifestações foram publicadas sobre o assunto. Na edição de agosto, veio a público uma entrevista com o principal dirigente do partido no exterior, João Amazonas, que questionava a publicação de um documento interno do PC do B. Em setembro, foi publicado um depoimento de José Genoino Neto, também ex-participante da guerrilha, de crítica à experiência do Araguaia. Em outubro e novembro, publicaram-se dois textos favoráveis à interpretação positiva da direção do PC do B sobre a guerrilha: o relatório de um dos dirigentes da guerrilha, Ângelo Arroyo; e a versão oficial do partido sobre o evento, intitulada Gloriosa Jornada de

Luta. Além da publicação dessas matérias, chegaram centenas de cartas na Seção dos Leitores opinando sobre a polêmica.17

Outra publicação relevante para o período foi o jornal Em tempo, que aglutinava militantes de diversas organizações de esquerda.18 O periódico discutia vários temas ligados à conjuntura política e aos debates das esquerdas no Brasil e no mundo. O que interessa ressaltar, no entanto, são as matérias publicadas por Marco Aurélio Garcia, entre 1979 e 1980, que ganharam, em seu conjunto, o título de Contribuição à história

da esquerda brasileira. Nas mais de 30 edições da série, o autor percorreu diferentes

aspectos da história das esquerdas no Brasil, focalizando os anos 1960. Iniciou com o impacto do golpe de 1964 no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o surgimento de uma nova esquerda, com grupos como a Ação Popular (AP), a ORM-POLOP e o PC do B, todas elas surgidas antes do golpe de 1964. Em seguida, analisou diversas organizações da esquerda revolucionária e suas ações contra a ditadura militar. Finalizou com uma apresentação da situação das esquerdas no período de distensão política, a partir de 1979.

reportagens, ampliadas por novas pesquisas, foram posteriormente publicadas em livro pelo jornalista Fernando Portela Guerra de guerrilhas no Brasil, Global Editora, São Paulo, 1979.

15

Pedro Pomar “Intervenção no debate sobre o Araguaia”, em Movimento, n. 199, abril de 1979. 16

Fernando Portela Guerra de guerrilhas no Brasil, Global Editora, São Paulo, 1979.

17 Carlos Azevedo Jornal movimento; uma reportagem, Editora manifesto, Belo Horizonte, 2011, p. 248-249.

18 Maria Paula Nascimento Araújo A utopia fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970, FGV, Rio de Janeiro, 2000, p.20.

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A contribuição de Marco Aurélio Garcia é, efetivamente, o primeiro esboço de uma história das esquerdas revolucionárias no Brasil. Ainda que o autor não tivesse tal pretensão, e a publicação tenha se dado em um periódico, com espaço relativamente reduzido, estão lá presentes alguns dos temas e discussões que apareceram em estudos posteriores sobre o tema. São os casos da crise do PCB após o golpe de 1964, da influência da Revolução Cubana, o debate entre as chamadas linhas massistas e

militaristas nas organizações, o distanciamento das esquerdas em relação à sociedade,

entre outros assuntos relevantes.

Por outro lado, talvez pela distância temporal da publicação, ou pela relativa dificuldade de acesso ao material, muitos pesquisadores jovens desconhecem essa contribuição. Entre os diversos assuntos tratados na Contribuição à história da

Esquerda Brasileira, ressalto uma abordagem que se tornou elemento recorrente em

pesquisas posteriores: a análise das divergências entre os grupos da esquerda revolucionária a partir dos temas da caracterização da revolução brasileira, do tipo de

instrumento político que deveria ser utilizado e dos meios de luta adequados à

conjuntura e aos objetivos estratégicos das organizações.

Ainda entre o final dos anos 1970 e os primeiros anos da década seguinte, vale apontar a publicação de livros de memórias de ex-militantes, alguns deles alcançando status de

best-seller, como O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira, publicado em

197919. Em 1977, já havia sido publicado Em câmara lenta, de Renato Tapajós20, livro que motivou a prisão de seu autor. Ele oferece uma reflexão pessoal e profunda sobre a experiência da luta armada e da tortura, enquanto Gabeira apresenta uma visão panorâmica da luta armada, quase impessoal, concentrando-se no sequestro do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Elbrick, em 1969. Mas, ainda que diante de narrativas tão diferentes, a recepção dessas biografias parecia apontar um anseio em setores da sociedade brasileira de discutir a experiência da luta armada vivenciada nas décadas de 1960 e 1970. No entanto, como veremos adiante, a pesquisa acadêmica sobre o tema demorou a se disseminar no país.

Em 1985, foi publicado o livro Imagens da revolução21, que se tornou um importante instrumento de pesquisa sobre a luta armada no Brasil. Organizado por dois ex-militantes, trata-se de uma coletânea de documentos programáticos de diversas organizações da esquerda revolucionária. Tal aspecto deve ser ressaltado, uma vez que, naquele momento, tais materiais não eram facilmente acessados como o são hoje. Além dos documentos, há fichas informativas sobre cada organização e uma introdução na qual se discute o conceito de Nova Esquerda. Particularmente importante é a análise sobre a continuidade e a descontinuidade da plataforma política da esquerda em relação ao seu principal alvo crítico, o PCB. A discussão sobre as características das esquerdas pós-64 foi utilizada por diversos pesquisadores do país, sendo que a noção de Nova Esquerda, lançada nessa publicação, continua sendo aceita por parte importante das pesquisas realizadas sobre a temática.

19 Fernando Gabeira O que é isso, companheiro? Codecri, Rio de Janeiro, 1979. 20

Renato Tapajós Em câmara lenta: romance, Editora Alfa-Omega, São Paulo, 1977.

21 Daniel Aarão Reis Filho Imagens da revolução. Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos (1961-1971), Expressão Popular, São Paulo, 2006.

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Na segunda metade dos anos 1980, destacou-se a publicação de Brasil: Nunca Mais22 e

Perfil dos atingidos.23 Ambos são frutos do importante trabalho da Arquidiocese de São Paulo na coleta e cópia de documentos dos processos militares no decorrer dos anos 1970. A publicação desses textos ganhou grande alcance midiático e social, servindo como divulgação de crítica ao regime militar, mas também como base para estudos acerca da luta armada. Ainda na década de 1980, foram publicados alguns livros na tentativa de debater o período militar e o papel das esquerdas entre os anos 1960 e 1970, com elementos importantes para o estudo sobre a luta armada, como a coletânea de entrevistas de Dênis Moraes24 e o debate promovido com intelectuais como Carlos Nelson Coutinho, Maria Victória Benevides, José Álvaro Moisés, entre outros, publicado com organização de Marco Aurélio Garcia.25

Todas as publicações acima mencionadas podem ser consideradas precursoras da reflexão acadêmica sistemática sobre a luta armada contra a ditadura militar, que só viria a ocorrer a partir dos anos 1990 e início dos anos 2000.

II – O surgimento das pesquisas acadêmicas sobre a luta armada

Apesar das iniciativas nas décadas de 1970 e 1980, a discussão sobre a luta armada demorou a atrair o interesse dos pesquisadores na universidade. É certo que as relações entre motivações político-sociais e interesses acadêmicos constituem um tema que ultrapassa os objetivos deste artigo, mas não seria exagerado afirmar que, no início dos anos 1990, o relacionamento da sociedade brasileira com o seu passado ditatorial assentava-se, ainda mais do que hoje, em práticas que visavam o esquecimento como forma de apaziguar os possíveis conflitos envolvidos na história da ditadura brasileira.26

Entre os temas mais sensíveis da luta armada, estão implicadas discussões sobre violência, tortura, morte e adesão ou oposição ao regime ditatorial, o que poderia explicar o pequeno número de trabalhos publicados a respeito. Além disso, não podemos esquecer que os anos 1970 e 1980 foram marcados pela ascensão de novos atores sociais na cena política nacional, como o sindicalismo e os movimentos urbanos de reivindicações variadas, os quais atraíram importante atenção dos historiadores e cientistas sociais. Por fim, conforme indicado acima, o interesse dos historiadores brasileiros sobre a chamada história do tempo presente não ocorreu antes dos anos 2000, o que talvez seja a explicação, a partir do campo historiográfico, para o pequeno número de estudos realizados por historiadores na década de 1990.

De todo modo, ainda que numericamente pequena, a produção dos anos 1990 foi responsável por clássicos sobre a temática da luta armada, que permanecem como interlocutores importantes nessa área de estudos. São os casos, por exemplo, dos

22

Arquidiocese de São Paulo Brasil: Nunca Mais, Vozes, Petrópolis, 1985. 23

Arquidiocese de São Paulo Brasil: Nunca Mais. Perfil dos atingidos, Vozes, Petrópolis, 1988. 24 Dênis Moraes A esquerda e o golpe de 64, Espaço e Tempo, Rio de Janeiro, 1989.

25

Marco Aurélio Garcia (org) As esquerdas e a democracia, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986.

26 A este respeito, ver as discussões pioneiras feitas por Daniel Aarão Reis Ditadura militar, esquerdas e sociedade, Zahar, Rio de Janeiro, 2000.

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livros de Jacob Gorender27, Daniel Aarão Reis Filho28 e Marcelo Ridenti29. Os três trabalhos têm em comum a proposta de uma análise global da luta armada e da esquerda revolucionária no período ditatorial.

Lançado em 1987, o livro de Jacob Gorender30, ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), faz uma descrição sistemática do surgimento, da atuação e da desintegração dos grupos que pegaram em armas contra a ditadura. Mesmo que não seja uma pesquisa acadêmica, o livro valeu-se do método historiográfico, utilizando documentos escritos variados e depoimentos de ex-militantes, tornando-se rapidamente uma referência nos estudos da área. O autor trata das trajetórias das organizações, de suas influências teóricas e ideológicas, além das ações armadas realizadas. Vê a luta armada criticamente, pois teria sido desencadeada em um momento inadequado, se constituído em “violência retardada”: as esquerdas não se prepararam para pegar nas armas em 1964, quando haveria condições sociais para isso, e o fizeram partir de 1968, quando tais condições haviam desaparecido e a ditadura se fortalecera. Nesse caminho, para ao autor, “a inação é que tornou a derrota inevitável”31. Gorender discute igualmente o sentido da violência utilizada pela ditadura militar e pelas esquerdas, tema que se mantém atual, apontando que estas deveriam admitir que cometeram atos violentos no contexto ditatorial. Por outro lado, enfatiza que isso não significa equalizar a “violência do opressor” e a “violência do oprimido”: “a violência original é a do opressor, porque inexiste opressão sem violência cotidiana incessante. A ditadura militar deu forma extremada à violência do opressor. A violência do oprimido veio como resposta”.32

Ao tratar do sentido da luta armada, Gorender aponta criticamente que as esquerdas – em condições crescentemente desfavoráveis, distanciadas de qualquer base social, amparadas por uma equivocada análise da conjuntura e influenciadas por modelos de revolução e guerrilha internacionais – acabaram por adotar uma concepção de “violência incondicionada”. A partir desse momento, suas ações se traduziram praticamente em “foquismo e terrorismo”, tornando a derrota “inevitável”33. Na edição ampliada do livro, lançada em 1998, o autor complementou sua análise a respeito da luta armada, afirmando que ela teria sido um “protesto armado”: “Objetivamente, a esquerda não tinha condições sequer mínimas para o enfrentamento pelas armas com a ditadura militar. O que conseguiu fazer, em termos concretos, foi protestar com atos de violência, em resposta à violência terrorista institucionalizada pelos generais”.34

27

Jacob Gorender Combate nas trevas, 5 ed, Ática, São Paulo, 1998.

28 Daniel Aarão Reis Filho A revolução faltou ao encontro. Os comunistas no Brasil, Brasiliense, São Paulo, 1990.

29

Uma discussão sobre os três livros pode ser vista em Denise Rollemberg “Esquerdas revolucionárias e luta armada”, em Jorge Ferreira e Lucília Delgado (orgs) O Brasil republicano. O tempo da ditadura, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003 p. 43-90.

30

O livro de Gorender aparece aqui como parte da produção dos anos 1990 para fins analíticos, na medida em que diálogo diretamente com as obras de Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis Filho. 31 Jacob Gorender Combate nas trevas, Ática, São Paulo, 1998, p.286.

32

Ibid., p. 269. 33 Ibid.,1998, p. 286. 34 Ibid., p. 289.

(11)

[97]

O livro de Daniel Aarão Reis Filho – que também participou do movimento de oposição à ditadura militar, tendo atuado no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) – foi a primeira investigação acadêmica de vulto no Brasil a se dedicar ao estudo da luta armada contra a ditadura militar. O livro é fruto de uma pesquisa de doutorado realizada na segunda metade dos anos 1980, publicada em 1990. Daniel Aarão discute variados elementos da história dos comunistas nos anos 1960 e 1970, dos quais destacarei três temas. O primeiro indica que, para o autor, as pesquisas históricas cometeram grande equívoco ao relacionar as ações dos comunistas brasileiros a influências externas, fossem elas russas, cubanas ou chinesas. As constantes referências a essas revoluções nos programas das esquerdas serviriam, assim, como um discurso de legitimação de suas opções ideológicas:

A pesquisa conduziu à rejeição das apreciações correntes de que a teoria e a ação dos comunistas brasileiros não passam de ecos de diretrizes internacionais. Na verdade, as reviravoltas das linhas políticas partem de reflexões e motivações internas. No discurso (das organizações) os modelos internacionais aparecem como fatores decisivos das mudanças. Além das aparências, porém, seriam apenas fontes de argumento de autoridade, assegurando legitimação e coesão.35

Acredito que a tese do autor se justifica plenamente, frente às análises que subordinam a dinâmica das esquerdas brasileiras às “ordens” vindas de fora, deixando de lado ou inferiorizando os aspectos nacionais e as contradições internas das organizações enquanto motivadores de suas atuações. Porém, para além desse tipo de análise, que reduz a história das esquerdas comunistas a suas relações com os centros revolucionários internacionais, parece-me que a hipótese do autor, ao ressaltar estritamente os aspectos de “coesão, segurança e legitimação”, pode levar, em sentido oposto ao da interpretação anterior, à desconsideração de todas as dimensões e implicações que possam assumir as relações dos agrupamentos comunistas entre si e com os centros revolucionários. Desse modo, a meu ver, entender que a história das esquerdas é fruto de questões internas, tanto das organizações quanto do país, não deve implicar na negação da força que as relações internacionais desempenharam nas organizações comunistas36.

Um segundo elemento tratado no livro é a dinâmica interna das organizações comunistas, chamadas de “Estados-Maiores revolucionários”. Essas organizações funcionaram a partir de uma série de mecanismos característicos de partidos comunistas, os quais escapavam da própria realidade imediata do país. Assim, em sua prática, os grupos partiam do pressuposto da inevitabilidade da revolução socialista, da missão revolucionária do proletariado e do papel indispensável do partido de vanguarda. Além disso, haveria, em seu funcionamento, uma estratégia de tensão

35

Daniel Aarão Reis Filho A revolução faltou ao encontro. Os comunistas no Brasil, Brasiliense, São Paulo, 1990, p.17.

36

Sobre as implicações das relações das esquerdas brasileiras com a Revolução Cubana, ver Jean Rodrigues Sales A luta armada contra a ditadura militar. A esquerda brasileira e a influência da

Revolução Cubana, Perseu Abramo, São Paulo, 2007, e Antonio Carlos Barão “A influência da Revolução

Cubana sobre a esquerda brasileira nos anos 60”, em João Quartim de Moraes e Daniel Aarão Reis Filho (orgs) História do Marxismo no Brasil, Editora da UNICAMP, Campinas, 2003.

(12)

[98]

máxima da militância, que deveria estar preparada para o momento em que eclodisse o processo revolucionário.

O terceiro elemento que destacamos, em consonância com os argumentos acima, é o de que, para Daniel Aarão, o afastamento dos grupos da esquerda revolucionária em relação à sociedade advinha da própria característica de funcionamento de vanguarda de tais agrupamentos. Dessa forma, não seria correto atribuir a derrota da luta armada a este isolamento social:

Não se trata, porém, de atribuir a derrota a debilidade de percepção, de concepção ou de formulação, como se os acontecimentos revolucionários pudessem ter tido lugar se outro fosse o “nível” teórico, ou outro fosse o “conhecimento” da realidade. Características intrínsecas predispunham as organizações comunistas num

determinado sentido de ação e de pensamento: elas estavam preparadas, coesas e

mobilizadas, em uma palavra, prontas – mas a revolução faltou ao encontro...37 O livro de Marcelo Ridenti38, por sua vez, dialoga com as duas obras anteriores, mas apresenta inovações importantes. Diferentemente do trabalho de Gorender, o autor não se propõe a fazer a descrição exaustiva da trajetória dos agrupamentos, preferindo ater-se à discussão analítica sobre a luta armada. Em relação ao livro de Daniel Aarão Reis Filho, verifica-se como eixo central a discussão sobre as raízes sociais da esquerda armada, o que em si é uma inovação importante, na medida em que amplia o ângulo puramente político, que até então marcava a análise desse objeto. Além disso, o trabalho se distingue por ser a primeira pesquisa acadêmica relevante de alguém que não participou da luta armada. Podemos destacar que a problemática da inserção social dos grupos de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura militar é o que fundamenta a análise do livro de Ridenti. O autor analisa a tentativa de inserção dos militantes em setores de base da sociedade, em especial entre os subalternos das forças armadas, os trabalhadores manuais (urbanos e rurais) e o setor estudantil.

A conclusão do trabalho foi pioneira, explicando que a derrota dos grupos armados teria se dado pela falta de enraizamento social. De acordo com o autor, estes agrupamentos, isolados socialmente, entraram em uma dinâmica de sobrevivência e autodestruição, à margem da sociedade. Esta abordagem do tema, que hoje parece naturalizada, apresentava, nos anos 1990, uma explicação sistemática, afastando-se das perspectivas personalistas que até então buscavam respostas para a derrota das esquerdas na incapacidade teórica e prática de certos indivíduos, grupos ou partidos. Sobre o sentido da luta guerrilheira, Ridenti a qualifica como o polo mais extremado de resistência ao regime militar. Uma resistência, porém, que não implicava necessariamente a ideia de democracia, mas sim de revolução. A ação dessas esquerdas, no entanto, se deu de forma isolada, distante da sociedade. Esse isolamento, por sua vez, pode estar relacionado a uma “ilusão da permanência

37

Daniel Aarão Reis Filho A revolução faltou ao encontro. Os comunistas no Brasil, Brasiliense, São Paulo, 1990, p.186, grifo no original.

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representativa” de parte da esquerda pós-64. Os grupos de esquerda não conseguiram avaliar adequadamente a mudança de conjuntura política e social com a chegada dos militares ao poder, mudança que teria, por exemplo, acabado com as perspectivas de lutas sociais de massa do período anterior ao golpe.

Outro tema relevante tratado no livro de Ridenti é a relação entre arte e política, que insere a discussão sobre a participação de artistas e intelectuais na luta contra a ditadura militar, com ênfase nos setores que pegaram em armas. Mais do que apontar quais e quantos artistas aderiram às organizações guerrilheiras, o livro analisa a politização desses atores e de suas produções culturais. O autor é feliz em demonstrar que desse ambiente sociocultural radicalizado – incluindo os jovens participantes do movimento estudantil, principais consumidores dessa arte engajada – emergiu grande parte dos militantes que aderiram às organizações guerrilheiras.

Por fim, vale ainda apontar que, no diálogo com as obras publicadas anteriormente, Marcelo Ridenti faz uma crítica contundente à abordagem realizada no livro de Daniel Aarão Reis Filho. Para Ridenti, este autor analisa as organizações comunistas como algo exterior e diferente do movimento da luta de classes, mas não oferece elementos para uma possível compatibilidade entre a dinâmica dos comunistas e a própria dinâmica social. Segundo Ridenti, as organizações não podem sobreviver, “a não ser como grupúsculos”, sem enraizamento social. Teria sido o que ocorreu com a esquerda nos anos 1960, levando as organizações a uma lógica de sobrevivência e autodestruição. Ele afirma também que, sem historicizar os “fatores de coesão”, não seria possível entender a adesão de tantos jovens da “geração libertária” de 1968 às organizações de modelos tão rígidos, como apontado por Reis Filho.

III – Ampliação e diversificação dos estudos sobre a luta armada

No final dos anos 1990, com o crescimento quantitativo dos programas de pós-graduação em história no país, apareceram diversos trabalhos sobre a experiência da luta armada contra a ditadura. Em linhas gerais, podemos apontar como característica dessas pesquisas o fato de serem monográficas e não mais voltadas para a compreensão global da problemática, como suas antecessoras. Além disso, ganhou destaque nas investigações sobre o tema, principalmente nos últimos cinco anos, a utilização dos conceitos “cultura política” e “memória e identidade”, o que, na maioria das vezes, vem acompanhado do uso da história oral39. Em relação às fontes, os estudos recentes foram beneficiados pela abertura paulatina dos acervos de aparatos

39

Para uma introdução à discussão sobre as temáticas da “cultura política”, debates entre memória e identidade e a utilização da história oral, ver: Ciro Flamarion Cardoso “História e poder; uma nova história política?”, em Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas (orgs) Novos domínio da História, Campus, Rio de Janeiro, 2012; Marieta de Moraes Ferreira “História, tempo presente e História oral”, em Revista Topoi/ 2002 p.314-332; Rodrigo Patto Sá Motta “Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia”, en Rodrigo Patto Motta (org) Culturas políticas na História: novos

estudos, Fino Traço editora, Belo Horizonte, 2012; Michael Pollak “Memória, esquecimento e silêncio”,

em Estudos Históricos/1989, Rio de Janeiro, p.3-15; Michael Pollak “Memória e identidade social”, em

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repressivos a partir dos anos 1990. No que diz respeito às temáticas abordadas, observa-se que são extremamente variadas, voltando-se para a compreensão das organizações da esquerda revolucionária, da participação das mulheres, da produção literária e cinematográfica, entre outros assuntos. Assim, vamos indicar alguns conjuntos de trabalhos, sem que isso signifique um levantamento completo das pesquisas realizadas.

Um primeiro grupo de estudos busca compreender o surgimento, as características e a atuação de diversos agrupamentos guerrilheiros. De maneira geral, essas pesquisas destacam os conflitos internos das organizações, bem como suas ações armadas. Ganham destaque igualmente as definições ideológicas e os debates em torno das opções de luta armada, particularmente no que diz respeito ao foquismo e ao maoísmo. Entre os estudos realizados, podemos citar a dissertação de mestrado sobre a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), realizada por Chagas40, e a dissertação sobre o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), de autoria de Della Vechia41. Duas dissertações tratam das Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), de autoria de Botosso42 e Bagatim43. Ambos chamam atenção para a história dessa pequena organização do interior de São Paulo, uma das primeiras dissidências do PCB, que restringiu sua atuação à região onde se localizava, sem maiores contatos com outras organizações. Esses estudos de caso se mostram importantes para se discutir as opções de militantes fora das grandes cidades pelas armas. No mesmo caminho, ainda que não especificamente sobre a VPR, podemos apontar também a pesquisa de Oliveira 44a respeito do que denominou “o grupo (de esquerda) de Osasco”. Este grupo de militantes, formado por estudantes e operários, teve ativa participação na greve de julho de 1968 em Osasco, a qual ganhou destaque nacional e mobilizou forte repressão por parte do governo. Com a perseguição policial, vários desses militantes acabaram entrando na VPR e passando a atuar na clandestinidade. A pesquisa sobre o grupo se destaca por tratar de um tema ainda pouco estudado no país: a relação, ou tentativa de aproximação, de grupos da esquerda revolucionária com movimentos sociais.

Ainda no que diz respeito aos grupos guerrilheiros, temos três dissertações sobre a Ação Libertadora Nacional (ALN), de autoria de Souza45, Lima46 e Mattos47. A primeira

40

Fábio André Gonçalves das Chagas A vanguarda popular revolucionária; dilemas e perspectivas da luta

armada no Brasil (1968-1971), dissertação, (mestrado em História), UNESP, Franca, 2000. 41

Renato da Silva Della Vechia Origem e evolução do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário

(1967-1973), dissertação, (mestrado em Ciência política), UFRGS, Porto Alegre, 2005.

42 Marcelo Botosso A guerrilha ribeirão- pretana: história de uma organização armada revolucionária, dissertação, (mestrado em História), UNESP, Franca, 2001.

43

Alessandra Bagatim Personagens, trajetórias e histórias das Forças Armadas de Libertação Nacional, dissertação, (mestrado em História), UNCIAMP, Campinas, 2006.

44

Sergio Luiz Santos de Oliveira O grupo de esquerda de Osasco. Movimento estudantil, sindicato e

guerrilha, dissertação, (mestrado em História), USP, São Paulo, 2011. 45

Maria Luiza Rodrigues Souza Um estudo das narrativas cinematográficas sobre as ditaduras militares

no Brasil (1964-1985) e na Argentina (1976- 1983), tese (doutorado em Ciências Sociais), UNB, Brasília,

2007.

46 Edileuza Pimenta de Lima ALN - Ação e testemunho da luta armada contra a ditadura, dissertação (mestrado em História), UFRJ, Rio de Janeiro, 2009.

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aborda a história da ALN a partir da cobertura realizada pela grande imprensa no país. A segunda é uma bem-sucedida pesquisa que utiliza como fontes principais os livros de memórias, biografias e literatura de testemunho de ex-militantes da ALN, discutindo uma série de temas relevantes à compressão da história do grupo, que servem também para refletir sobre conjunto da esquerda revolucionária nos anos 1960. O trabalho transita com muita propriedade entre as discussões e relações, às vezes conflituosas, da memória e da história das esquerdas. Já a pesquisa de Mattos faz parte dos estudos sobre a ditadura militar realizados principalmente na Universidade de São Paulo (USP), cuja abordagem é feita a partir do funcionamento do Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS), da Justiça Militar, dos inquéritos e julgamentos realizados durante o regime militar. Nas palavras do autor:

É abordada a atuação dos delegados de polícia responsáveis pelos inquéritos que originaram os processos, assim como a atuação dos procuradores, vinculados ao Ministério Público. Além disto, trata-se do comportamento e das estratégias utilizadas pelos réus e por seus advogados. Finalmente, são apresentados um levantamento quantitativo das decisões judicias e os critérios decisórios dos juízes, enfatizando sua preocupação com a ‘realidade social’ dos réus.48

O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) foi estudado por Silva49, em dissertação sobre a corrente desde as discussões no interior do Partido Comunista Brasileiro (PCB), da dissidência de sua matriz política, atuação no movimento estudantil, até a opção pela luta armada. O trabalho se destaca no que diz respeito à presença dos militantes entre os estudantes, que seria uma base importante para a organização guerrilheira. Já Leite50, ao tratar da história dos Comandos de Libertação Nacional (COLINA), realizou uma importante dissertação sobre organizações revolucionárias. A autora discorre sobre as condições históricas, em diversas instâncias, de surgimento e funcionamento do grupo em Minas Gerais. Discute ainda temas como cultura política e violência a partir do caso da organização pesquisada. O Partido Comunista do Brasil-Ala Vermelha (PCdoB-AV) foi objeto da tese de doutorado de Silva51 e da dissertação de mestrado de Ribeiro52. Silva destaca a origem do grupo a partir de uma cisão no interior do PC do B e o precoce debate sobre a

47 Marco Aurélio V. Leme de Mattos Em nome da segurança nacional; os processos da Justiça Militar contra a Ação Libertadora Nacional (ALN), (1969-1979), dissertação, (mestrado em História), USP, 2002. 48

Marco Aurélio V. Leme de Mattos Em nome da segurança nacional; os processos da Justiça Militar

contra a Ação Libertadora Nacional (ALN), (1969-1979), Dissertação, (mestrado em História), USP, 2002,

p. 5. 49

Isabel Priscila Pimentel da Silva Os filhos rebeldes de um velho camarada: a dissidência comunista da

Guanabara (1964-1969), dissertação, (mestrado em História), UFF, Niterói, 2009. 50

Isabel Cristina Leite Comandos de libertação nacional. Oposição armada à ditadura em Minas Gerais

(1967-1969), UFMG, Belo Horizonte, 2009. 51

Tadeu Antonio Dix Silva Ala vermelha: revolução, autocrítica e repressão judicial no Estado de São

Paulo (1967-1974), tese, (doutorado em História) , USP, São Paulo, 2007. 52

Adriana Maria Ribeiro Todo comunista tem de ir aonde o povo está. As experiências de inserção

política da Ala Vermelha na Baixada Fluminense na década de 1970, dissertação, (mestrado em

(16)

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viabilidade da luta armada. Assim como Mattos53, este também dedica uma parte de sua tese ao processo judicial que envolveu o PCdoB-AV.

Ribeiro54 fez uma instigante pesquisa sobre a atuação da organização em movimentos sociais de bairro e na publicação do Jornal da Baixada, na região da Baixada Fluminense nos anos 1970. O trabalho aponta para um caminho que pode contribuir enormemente para o desenvolvimento de pesquisas sobre a esquerda revolucionária. Vale desatacar sua originalidade na interlocução entre história social e história política, o que enriqueceu a discussões sobre o tema; e a análise da trajetória de militantes da esquerda armada no Brasil no período posterior a 1972, quando a aposta das organizações no potencial da guerrilha havia sido dizimada pela repressão. Nesse sentido, a pesquisa de Ribeiro nos mostra, a partir do caso da Ala Vermelha, a busca dos militantes pela inserção nos movimentos sociais que cresceram no país a partir do final dos anos 1970.

O tema das relações das esquerdas brasileiras com a revolução cubana foi tratado por Rollemberg55 e Sales56. O primeiro trabalho faz uma rica discussão sobre o treinamento de militantes e a formação política da esquerda brasileira em Cuba nos anos 1960 e 1970. Além desses aspectos, problematiza temas como o projeto de “exportação da revolução” e a mística que envolvia este treinamento. O segundo trabalho faz uma discussão sobre a influência da Revolução Cubana no debate político e ideológico das esquerdas brasileiras no decorrer dos anos 1960.

Igualmente no que diz respeito às organizações da esquerda revolucionária, cabe mencionar que são poucos os estudos biográficos ou aqueles que enfatizam a trajetória de militantes. Nesse ponto, podemos citar duas pesquisas sobre Carlos Marighella, realizadas por Silva Júnior57 e Soares58, assim como duas dissertações centradas na trajetória de Carlos Lamarca, de Nogueira59 e Maciel60. Ainda que não se trate de livro acadêmico, vale apontar a importante biografia de Marighella escrita pelo jornalista Mário Magalhães61 e a pioneira biografia sobre Lamarca escrita

53

Marco Aurélio V. Leme de Mattos Em nome da segurança nacional; os processos da Justiça Militar

contra a Ação Libertadora Nacional (ALN), (1969-1979), dissertação, (mestrado em História), USP, 2002. 54 Adriana Maria Ribeiro Todo comunista tem de ir aonde o povo está. As experiências de inserção política da Ala Vermelha na Baixada Fluminense na década de 1970, dissertação, (mestrado em

História), UFRRJ, Seropédica, 2013.

55 Denise Rollemberg O apoio de Cuba à luta armada no Brasil. O treinamento guerrilheiro, Mauad, Rio de Janeiro, 2001.

56

Jean Rodrigues Sales A luta armada contra a ditadura militar. A esquerda brasileira e a influência da

Revolução Cubana, Perseu Abramo, São Paulo, 2007. 57

Edson Teixeira da Silva Junior Carlos: a face oculta de Marighella, dissertação (mestrado em história), Universidade Severino Sombra, Vassouras, 1999.

58

Wagner dos Santos Soares De inimigo público a herói nacional: representações da morte de Carlos

Marighella, dissertação, (mestrado em História), UEM, Maringá, 2012. 59

Jefferson Gomes Nogueira Carlos Lamarca: o militar guerrilheiro (1969-1971), dissertação, (mestrado em História), UFES, Vitória, 2009.

60 A pesquisa de Maciel foi publicada em livro. Wilma Antunes Maciel O capitão Lamarca e a VPR.

Repressão judicial no Brasil, Alameda, São Paulo, 2006.

61 Mário Magalhães Marighella. O guerrilheiro que incendiou o mundo, Companhia das Letras, São Paulo, 2012.

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Emiliano José e Oldeck Miranda62. Temos ainda um trabalho sobre Joaquim Câmara Ferreira, realizada por Silva63, e outro sobre a militante da ALN Jane Vanini, de autoria de Araújo64. Nesse gênero, ver ainda o livro sobre Virgílio Gomes da Silva, que participou do sequestro do embaixador norte-americano e depois foi barbaramente assassinado pelos militares65. No conjunto dos trabalhos, podemos destacar a tentativa descritiva sobre as vidas dos militantes e discussões acerca da memória social construída sobre estes personagens. No caso de Maciel, há também aspectos relacionados ao julgamento de Lamarca e outros membros da VPR na Justiça Militar. Se a temática das biografias de militantes da esquerda revolucionária não ganhou grande espaço na produção acadêmica, as investigações relacionadas à participação das mulheres em diversos âmbitos de oposição ao regime militar têm mostrado uma abordagem fecunda na área. Colaboram para esse crescimento não apenas as questões relacionadas à história da esquerda e da ditadura, mas também o grande desenvolvimento no país de estudos sobre gênero, os quais contam com uma rede consolidada de grupos de pesquisas e publicações66.

Entre outros trabalhos, podemos citar aquele desenvolvido por Adão67, que destaca variados aspectos das discussões sobre gênero e militância política nos anos 1960, e a tese de doutorado de Joffily68, que, a partir de 13 entrevistas, discute temas como o apoio das mulheres a organizações guerrilheiras, suas vivências na luta armada, na clandestinidade, no exílio e na tortura. Já a pesquisa de Nascimento69 é uma contribuição da área da psicologia aos estudos sobre a militância. A autora busca investigar os “aspectos psicossociais, principalmente aqueles relacionados aos processos de identificação, implicados na interconexão entre relações de gênero e campo político na militância de mulheres contra a ditadura militar brasileira, entre os anos de 1964 e 1985, no estado do Espírito Santo”70.

62

Emiliano José e Oldeck Miranda Lamarca, o capitão da guerrilha, São Paulo, Global, 1980.

63 Luiz Henrique de Castro Silva O revolucionário da convicção: Joaquim Câmara Ferreira, o velho Zinho, dissertação, (mestrado em História), UFRJ, Rio de Janeiro, 2007. A pesquisa foi publicada em livro. Cf.

Luiz Henrique de Castro O revolucionário da convicção: Joaquim Câmara Ferreira, o velho Zinho, editora

da UFRJ, Rio de Janeiro, 2010. 64

Maria do Socorro de Souza Araújo Paixões políticas em tempos revolucionários: nos caminhos da

militância, o percurso de Jane Vanini (1964-1974), dissertação, (mestrado em História), UFMT, Cuiabá,

2002. 65

Edileuza Pimenta e EdsonTeixeira Virgilio Gomes da Silva: de retirante a guerrilheiro, São Paulo, Plena Editorial, 2009.

66 Cabe lembrar que nos anos 1990 foram publicados livros pioneiros nessa área, como os de Ana Maria Colling A resistência das mulheres à ditadura militar no Brasil, Rosa dos Tempos, Porto Alegre, 1997; Elizabeth F. Ferreira Mulheres, militância, memória, FGV, Rio de Janeiro, 1996, e o trabalho do jornalista Luiz Maklouf Carvalho Mulheres que foram à luta armada, Globo, São Paulo, 1998.

67

Maria Cecília de Oliveira Adão Militância feminina: contradições e particularidades (1964-1974), dissertação, (mestrado em História), UNESP, Franca, 2002.

68

Olívia Rangel Joffilly Esperança equilibrista: resistência feminina na ditadura militar no Brasil

(1964-1985), PUC-SP, São Paulo, 2005. 69

Ingrid Faria Gianordoli Nascimento Mulheres e militância no Espírito Santo: encontros e confrontos

durante a ditadura militar, tese, (doutorado em psicologia), UFES, Vitória, 2006. 70 Ibid., p.2.

(18)

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As dissertações de mestrado de Bastos71 e Insuela72 abordam relações entre memória e identidade em grupos de mulheres que participaram da luta armada, tanto na trajetória das organizações quanto nas discussões sobre a questão feminina a partir dos anos 1970, no exílio. A tese de Ribeiro73 focaliza atividades de mulheres direta ou indiretamente ligadas à ALN. São discutidas desde a participação na organização e nas ações armadas, até atividades que tiveram grande importância, mas pouca visibilidade, como a retaguarda do movimento. Por sua vez, Rovai74 analisa a presença das mulheres na greve ocorrida em Osasco, em 1968 e, ao mesmo tempo, o silenciamento pelo qual passou esta presença na “memória oral dos homens”.

Há um grupo de pesquisas e publicações que se volta para a compreensão da experiência guerrilheira de maior duração nos país, a Guerrilha do Araguaia. Neste caso, temos trabalhos acadêmicos, como os desenvolvidos por Campos Filho75, Mechi76, Sales77, Galdino78, Nascimento79, Santos80, Sousa81 e Studart82, assim como um interesse de jornalistas, com o pioneiro trabalho de Portela83 e também os de Nossa84, Morais e Silva85 e Gaspari86. Há igualmente o trabalho do ex-dirigente do PC do B, Wladimir Pomar87, que se tornou um clássico a respeito do tema. No caso das

71

Natália de Souza Bastos Elas por elas: trajetória de uma geração de mulheres de esquerda. Brasil-anos

1960-1980, dissertação, (mestrado em História), UFF, Niterói, 2007. 72

Julia Bianchi Reis Insuela Visões das mulheres militantes na luta armada: repressão, imprensa e

(auto)biografias. (Brasil 1968/1971), dissertação, (mestrado em História), UFF, Niterói, 2011. 73 Maria Claudia Badan Ribeiro Experiência de luta na emancipação feminina: mulheres da ANL, tese, (doutorado em História), USP, São Paulo, 2011.

74

Marta Gouveia de Oliveira Rovai Osasco 1968: a greve no feminino e no masculino, tese, (doutorado em História), USP, São Paulo, 2012, p. 4.

75

Romualdo Pessoa Campos Filhos Guerrilha do Araguaia. A esquerda em armas, Editora da UFG, Goiânia, 1997.

76 Patrícia Sposito Mech Os protagonistas do Araguaia: trajetórias, representação e práticas dos camponeses, militantes na guerrilha (1972-1974), tese, (doutorado em História), Pontífice Universidade

Católica, São Paulo, 2012 77

Jean Rodrigues Sales Partido comunista do Brasil - PC do B: propostas teóricas e prática política –

1962-1976, dissertação, (mestrado em História), UNICAMP, Campinas, 2000. 78

Antonio Carlos Galdino O PC do Brasil e o movimento de luta armada nos anos 60, dissertação, (mestrado em Ciências Sociais), UNICAMP, Campinas, 1994.

79 Durbens Martins Nascimento Guerrilha do Araguaia: (1967-1975): ‘paulistas’ e militares na Amazônia, dissertação, (mestrado em planejamento e desenvolvimento), Universidade Federal do Pará, Belém, 2000.

80 Andréa Cristina Santos Ação entre amigos: história e militância do PC do B em Salvador (1965-1973), dissertação, (mestrado em História), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.

81

Deusa Maria de Souza Caminhos cruzados: trajetória e desaparecimento de quatro guerrilheiros

gaúchos no Araguaia, dissertação, (mestrado em História), Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São

Leopoldo, 2006. 82

Hugo Studart A lei da Selva: estratégias, imaginário e discurso dos militares sobre a guerrilha do

Araguaia, Geração Editorial, São Paulo, 2006. 83

Fernando Portela Guerra de guerrilhas no Brasil, Global editora, São Paulo, 1979. 84

Leonencio Nossa Mata! O major Curió e as guerrilhas do Araguaia, Companhia das Letras, São Paulo, 2012.

85 Taís Moraes e Eumano Silva Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha, Geração Editorial, São Paulo, 2005.

86 Elio Gaspari A ditadura escancarada, São Paulo, Companhia das Letras, 2002. 87 Wladimir Pomar Araguaia, o partido e a guerrilha, Global, São Paulo, 1980.

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pesquisas acadêmicas, vale destacar o recente trabalho de Mechi88, o qual, para além da história a partir das fontes do PC do B, procurou entender o significado da inserção da guerrilha em meio às disputas de terra e diversos problemas dos camponeses do Araguaia, bem como as consequências do conflito. Antes disso, Sales89 havia tratado a guerrilha como ponto final de um projeto político e ideológico do PC do B, gestado nas condições históricas específicas dos anos 1960.

Dois temas sobre a luta armada têm recebido um grande número de pesquisas: os que trabalham com as narrativas literárias e biográficas de ex-militantes e aqueles sobre as produções audiovisuais sobre a guerrilha. Estes estudos são particularmente ricos nas discussões sobre fronteiras e dilemas das narrativas histórica e literária, bem como acerca da construção da memória social sobre a ditadura. Nesse conjunto de pesquisas, Ribeiro90 analisou a narrativa de Carlos Eugênio Paz; Maués91 discutiu o livro de Renato Tapajós, e Silva92 abordou livros de Fernando Gabeira, Renato Tapajós, Alfredo Sirkis e Reinaldo Guarany. O objetivo de Silva foi realizar um “estudo das trajetórias políticas e pessoais, (visando o balanço das experiências e as motivações pessoais e/ou políticas para escrever sobre elas) baseado na análise narrativa dos depoimentos concedidos e de pesquisa realizada em arquivos, jornais revistas e dossiês dos aparelhos repressivos e informativos do Estado à época (DEOPS)”.93

Os estudos que analisam filmes, séries e telenovelas sobre o tema da luta armada têm alcançado grande número de pesquisadores. As abordagens provêm da história, das ciências sociais, da comunicação social, entre outras. O tema principal dessa produção é a construção da memória sobre os “anos de chumbo” e da própria memória social brasileira sobre a luta armada, o período ditatorial, a tortura, a anistia, o exílio, a abertura política, enfim, todo o complexo processo histórico entre os anos 1960 e 1980.

É interessante notar que o filme mais estudado neste conjunto de pesquisas é O que é

isso, companheiro?, de Bruno Barreto, lançado em 1997 e baseado no livro homônimo

de Fernando Gabeira. Essa opção se deve, em grande medida, à reação crítica ao retrato da luta armada no filme de Barreto, além da polêmica humanização do torturador em contraste com as caricatas figuras dos militantes. Essas e outras

88

Patrícia Sposito Mechi Os protagonistas do Araguaia: trajetórias, representação e práticas dos

camponeses, militantes e militares na guerrilha (1972-1974), tese, (doutorado em História), Pontifícia

Universidade Católica, São Paulo, 2012. 89

Jean Rodrigues Sales Partido Comunista do Brasil - PC do B: propostas teóricas e prática política –

1962-1976, dissertação, (mestrado em História), UNICAMP, Campinas, 2000. 90

Maria Claudia Badan Ribeiro Memória, história e sociedade: a contribuição da narrativa de Carlos

Eugênio Paz, dissertação, (mestrado em sociologia), UNCAMP, Campinas, 2005. 91

Eloísa Aragão Maués Em câmera lenta, de Renato Tapajós: a história do livro, experiência histórica da

repressão e narrativa literária, dissertação, (mestrado em História), USP, São Paulo, 2008.

92 Mário Augusto Medeiros da Silva Prelúdios e noturnos. Ficção, revisões e trajetórias de um projeto político. Dissertação, (mestrado em Sociologia), UNICAMP, Campinas, 2006.

93 Mário Augusto Medeiros da Silva Prelúdios e noturnos. Ficção, revisões e trajetórias de um projeto político. Dissertação, (mestrado em Sociologia), UNICAMP, Campinas, 2006 p. 3.

Referências

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