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Profecia em defesa da Vida
Círculos Bíblicos sobre o Livro de Miqueias
Lema: Amar o amor e caminhar
humildemente com Deus (Mq 6,8)
Mercedes Lopes
São Leopoldo/RS
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Série: A Palavra na Vida – Nº 339 – 2016
Título: Profecia em defesa da Vida: Círculos Bíblicos sobre o Livro de Miqueias
Lema: Amar o amor e caminhar humildemente com Deus (Mq 6,8)
Autora: Mercedes Lopes
Revisão ortográfica: Isaque Gomes Correa Capa: Artur Nunes
Editoração: Rafael Tarcísio Forneck ISBN: 978-85-7733-253-3
Mercedes Lopes é brasileira e participa do CEBI desde 1980. É licenciada
em Teologia e Bíblia pela UBL da Costa Rica, diplomada em Espiritualidade pela PUC de Madri, mestra e doutora em Ciências da Religião pela UMESP, na área de literatura e religião no mundo bíblico. É assessora do CEBI e da CRB (RJ). Acompanha comunidades de base, grupos de mulheres e de fé e política. Assessora grupos de leigos e da VRC no Brasil e em demais países da América Latina.
Sumário
Introdução ... 5
Uma visão geral do livro de Miqueias ... 7
1. Quem é Miqueias? ... 7
2. Época em que viveu ... 8
3. Lenta formação do livro de Miqueias ... 8
4. Organização do livro ... 9
5. Temas principais de Miqueias ... 9
6. Denúncias e anúncios intercalados ... 10
1º Círculo Bíblico “Deus caminha sobre o dorso da terra” (Mq 1,3) ... 12
2º Círculo Bíblico “Acabou-se a paciência do Senhor?” (Mq 2,7b) ... 17
3º Círculo Bíblico “Estou cheio da força do espírito de Javé, do direito e da fortaleza” (Mq 3,8) ... 23
4º Círculo Bíblico “Reunirei as ovelhas estropiadas, ajuntarei as dispersas” (Mq 4,6) 28 5º Círculo Bíblico “Vocês serão como a chuva sobre a grama verde” (Mq 5,6b) ... 33
6º Círculo Bíblico
“Praticar o direito, amar o amor, caminhar com Deus” (Mq 6,8) ... 38
7º Círculo Bíblico
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Introdução
Diante do contexto do mundo atual, com massacres e guerras que obrigam milhares de pessoas a deixarem seus territórios de origem e mi-grarem para outros países em busca de vida, fica evidente a atualidade da profecia de Miqueias, que diz: “Eles forjarão de suas espadas arados, e de suas lanças podadeiras. Uma nação não levantará a espada contra outra nação e não se prepararão mais para a guerra” (Mq 4,3b).
As ferramentas agrícolas (arados e podadeiras) expressam a ex-periência camponesa, simples e harmoniosa que está por trás da profecia desse livro. O texto carrega um sonho de relações laboriosas e serenas: “Cada qual se sentará debaixo de sua vinha e de sua figueira e ninguém o inquietará” (Mq 4,4). Algum tempo depois de Miqueias, o profeta Zacarias acrescenta que este sonho é também relacional, quer dizer, o bem-viver não é individualista. Por isso, acrescenta que o sonho de um tempo novo de paz e harmonia supõe a abertura para outras pessoas; necessita-se criar espaços para comida conjunta, sem pressa, nem medo: “Naquele dia, uns convidarão os outros debaixo da parreira e da figueira” (Zc 3,10).
Mas este não é somente um sonho de paz. É também proposta de uma postura nova diante da vida. Essa postura nova é que vai transformar a realidade a partir de pequenas ações praticadas em conjunto, no dia a dia da vida. Miqueias deixa isso bem claro quando anuncia o que realmente nos fará felizes: “Praticar o direito; amar a misericórdia e caminhar humil-demente com Deus” (Mq 6,8). É isso que Deus espera de nós, seus filhos e filhas.
Esta frase de Miqueias é uma proposta incrivelmente atual, impor-tante, necessária para a vida da humanidade, para a humanização da
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dade. Os desastres naturais demonstram que o planeta Terra já não suporta mais a relação exploradora, ambiciosa, inconsciente e destruidora da socie-dade atual, consumista e globalizada.
Para a sobrevivência da Terra e de todos os seres vivos, é necessária uma grande mudança no estilo de vida de cada pessoa e da humanidade. Uma nova cultura que já está em andamento é vivenciada por pequenos grupos que buscam um estilo de vida simples, com relação cuidadosa e harmoniosa entre as pessoas e com a natureza.
Nesse sentido, o livro de Miqueias oferece uma espiritualidade que possibilita o despojamento necessário para superar o consumismo e o indi-vidualismo da cultura do mercado global. Ele apresenta uma visão de Deus presente na sua criação, caminhando com seu povo em busca de “terra, pão e moradia”.
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Uma visão geral do livro de Miqueias
1. Quem é Miqueias?
Miqueias nasceu em Morasti-Gat, uma aldeia que ficava a cerca de 40 quilômetros de Jerusalém. Em seu tempo, a Assíria cresceu e tornou-se um grande império que ameaçava não somente o reino de Israel, mas a todos os pequenos reinos da região. Sob o domínio de Teglat-Falasar III, que reinou de 745 a 727 a.C., o reino do Norte foi invadido pelo império assírio e teve que lhe pagar tributos que, por sua vez, eram cobrados dos camponeses.
Miqueias deve ter presenciado muitas injustiças praticadas pelos governantes e também viu ou ouviu falar sobre guerras e massacres das tropas assírias contra Israel (1,8-9). Conheceu de perto as consequências de massacres e destruições realizadas pelos assírios em Jerusalém (4,9-14). Vivendo no meio do povo do campo, via como os trabalhadores e traba-lhadoras rurais sofriam as consequências da opressão e exploração não somente estrangeira, mas dos próprios governantes de Israel e de Judá.
Miqueias abraçou a causa camponesa. Denunciou as terríveis injus-tiças impostas aos pobres da terra pelos governantes, apoiados por falsos profetas. Falando em nome de Javé, Miqueias anima a esperança do pes-soal da roça e denuncia a exploração das cidades sobre o campo, a falta de percepção da realidade, a indiferença dos responsáveis pela administração civil e religiosa e as falsas esperanças estimuladas pelos profetas da elite exploradora e preconceituosa.
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2. Época em que viveu
Já no início do livro de Miqueias (Mq 1,1), encontramos a menção de três épocas diferentes: “Palavra de Javé dirigida a Miqueias de Morasti, no tempo em que Joatão (740-736 a.C.), Acaz (736-716 a.C.) e Ezequias (716-687 a.C.) eram reis de Judá” (Mq 1,1). Esta deve ser a época em que viveu o profeta Miqueias. Se somamos o tempo de cada rei, temos como resultado 53 anos de uma história muito dolorosa e tensa. São mencionadas ainda neste único versículo (1,1) duas capitais de dois reinos diferentes: Samaria, capital do reino do Norte = Israel; e Jerusalém, capital do reino do Sul = Judá. As duas cidades sofriam a opressão do império assírio e, por sua vez, oprimiam o seu próprio povo, sobretudo os camponeses, que eram os pobres da terra (Mq 3,9-12). Arrancavam deles os tributos exigidos pelo império assírio.
Miqueias (1,2-7) descreve a destruição de Samaria pelo exército as-sírio, em 722 a.C., fazendo ecoar o grito de dor do povo chacinado (1,8-16). Uns vinte anos mais tarde, parece que uma segunda mão trabalhou o texto, acrescentando detalhes e expressões de terror (4,9-14) sobre a invasão de Judá por Senaqueribe, em 701 a.C. Mas há também a possibilidade de que o próprio Miqueias tenha escrito este segundo texto, pois existem autores que afirmam ter ele atuado justamente entre 725 e 701 a.C., durante o rei-nado de Ezequias.
3. Lenta formação do livro de Miqueias
No entanto, descobrimos que o processo de formação do livro de Mi-queias foi ainda mais demorado do que sua missão de profeta. Ele contém palavras do profeta Miqueias e acréscimos posteriores, redigidos por seus se-guidores ou por discípulos e discípulas de Isaías, pois há muita relação entre Miqueias e Isaías. Para perceber um pouco melhor essa ligação, podemos ler e comparar os seguintes textos: Mq 1,8 e Is 20,24; Mq 2,2 e Is 5,8.
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Além disso, no livro de Miqueias podemos encontrar alguns textos que lembram claramente o período do pós-exílio (2,12-13; 7,8-20). Isso faz pensar na possibilidade de que muitas pessoas tenham se identificado com a profecia de Miqueias. Ao sentirem também em seus corpos a agonia do povo pobre a partir das situações dolorosas em que viviam, foram comple-tando o texto de Miqueias, denunciando as injustiças e anunciado um novo tempo de justiça, solidariedade e paz.
4. Organização do livro
Capítulos 1-3 Estes três capítulos seriam de Miqueias, o profeta de Morasti, exceto Is 2,12-13 que é claramente um texto do pós-exílio. Capítulos 4-5 O tema destes dois capítulos é estranho ao pensamento de
Miqueias. Descreve a vinda a Sião de pagãos convertidos, acontecimentos que datam do pós-exílio. (Cf. Is 45,14) Capítulos 6-7 Nesta parte final, Miqueias continua as ameaças, voltando ao
tema do processo que Javé vai abrir contra o seu povo. Quer arrancar do seu meio os falsos apoios humanos e o poderio bélico que sustentam a corrupção. No capítulo 7, ele ajuda a perceber que a injustiça é universal e termina falando de esperança (Is 7,8-26).
5. Temas principais de Miqueias
Miqueias é um livro vibrante, pois traz a visão de um camponês que compartilhou profundas experiências de Deus e que viveu muito atento à realidade da sua época. É um trabalhador da roça, um sábio, um homem de Deus que profetiza no campo e na cidade.
O livro de Miqueias tem semelhanças com o de Amós, que era tam-bém um profeta do campo e foi profetizar no reino do Norte, um pouco
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antes de Miqueias (786-746 a.C.). Usando com muita criatividade símbo-los e metáforas, ele fala sobre suas experiências de Deus e da sua visão da realidade, denunciando aos governantes e aos falsos profetas pelos crimes realizados tanto na Samaria como em Jerusalém. Com audácia e clareza, Miqueias mostra as consequências desses delitos na vida do povo.
6. Denúncias e anúncios intercalados
Miqueias alterna denúncias de idolatria, corrupção, violência e rou-bo com anúncios de salvação, libertação e mudanças. Dessa forma, faz críticas muito fortes sem levar o povo à desesperança.
Segue um pequeno exemplo desta interessante e sábia didática do livro de Miqueias:
Ameaça: “Escutem povos todos! Prestem atenção ó terra e tudo o que a
povoa! Do seu templo santo o Senhor Javé seja testemunha contra vocês” (1,2).
Anúncio: “Eu reunirei você todo, ó Jacó; recolherei o que sobrou de você,
ó Israel!” (2,12-13).
Denúncia: “Escutem bem, chefes de Jacó, governantes de Israel! Por
aca-so, não é obrigação de vocês apreciar e realizar o direito?” (3,1). Vocês constroem Sião com sangue e Jerusalém com perversidade” (3,10).
Anúncio: “Mas, você, Belém de Éfrata, tão pequena entre as principais
cidades de Judá! É de você que sairá para mim aquele que há de ser o chefe de Israel!” (5,2).
Denúncia irônica: “Será que milhares de carneiros ou a oferta de rios de
azeite agradarão a Javé? Ou devo sacrificar o meu filho mais velho para pagar pelos meus erros, sacrificar o fruto das minhas entranhas para cobrir o meu pecado?” (6,7).