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"Segurança pública não é só polícia!": segurança e participação social em relação ao policiamento comunitário na cidade de Aracaju

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Academic year: 2021

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DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

GLEISE DA ROCHA PASSOS

“SEGURANÇA PÚBLICA NÃO É SÓ POLÍCIA!” -

SEGURANÇA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM RELAÇÃO AO

POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NA CIDADE DE

ARACAJU

SALVADOR/BA

2011

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GLEISE DA ROCHA PASSOS

“SEGURANÇA PÚBLICA NÃO É SÓ POLÍCIA!” -

SEGURANÇA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM RELAÇÃO AO

POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NA CIDADE DE

ARACAJU

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA, como pré-requisito para o título de Doutora em Ciências Sociais.

Área de Concentração: Sociologia

Linha de Pesquisa: Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos

Orientadora: Prof.ª Dr.a Ruthy Nadia Laniado

SALVADOR/BA

2011

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P289s

Passos, Gleise da Rocha

“Segurança pública não é só polícia!” : segurança e participação social em relação ao policiamento comunitário na cidade de Aracaju / Gleise da Rocha Passos. – Salvador, 2011.

236 f. : il.

Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais, Pró-Reitoria de Ensino de Pós-Graduação, Universidade Federal da Bahia, 2011.

Orientadora: Profª. Drª. Ruthy Nadia Laniado.

1. Segurança pública - Aracaju. 2. Policiamento comunitário – Participação social. 3. Democracia. I. Título.

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GLEISE DA ROCHA PASSOS

“SEGURANÇA PÚBLICA NÃO É SÓ POLÍCIA!”: DEMANDAS POR SEGURANÇA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ATUAÇÃO DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NA

CIDADE DE ARACAJU

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA, à título de Doutorado em Sociologia.

Aprovado pela comissão examinadora em

______/______/______

_______________________________________________

Prof.ª Dr.a Ruthy Nadia Laniado – Orientadora

Universidade Federal da Bahia

_______________________________________________

Prof. Dr. Paulo Sérgio da Costa Neves

Universidade Federal de Sergipe

_______________________________________________

Prof. Dr. José Antônio Gomes de Pinho

Universidade Federal da Bahia

_______________________________________________

Prof.ª Dr.a Ivone Freire Costa

Universidade Federal da Bahia

_______________________________________________

Prof.ª Dr.a Patrícia Lessa Santos Costa

(5)

A minha mãe, pelo exemplo de vida. Ao meu pai, pelo incentivo aos estudos. Ao meu esposo, por seu amor e cumplicidade.

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AGRADECIMENTOS

Tenho plena convicção de que a presente Tese não foi construída apenas por minhas mãos. É fruto de um conjunto de colaboradores que estão nas entrelinhas do meu texto. Colaboradores sem os quais eu não teria conseguido começar nem concluir esse trabalho.

Agradeço aos meus familiares e amigos que suportaram minhas ausências e se solidarizaram nos momentos de dor e angústia durante a “gestação” dessa Tese.

À Prof.ª Dr.a Ruthy Nadia Laniado, por colaborar com meu crescimento acadêmico através de suas orientações e sugestões e, sobretudo, pelas experiências conjuntas, em especial no Estágio Docente, onde pude me enriquecer e usufruir de sua grande competência intelectual.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) por proporcionar, através de bolsa de pesquisa, minha permanência no Doutorado e o desenvolvimento do estudo ora apresentado.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA com os quais tive a oportunidade de crescer na minha formação acadêmica.

Ao Prof. Dr. Paulo Sérgio da Costa Neves, o primeiro a descobrir meu potencial acadêmico, antes que eu mesma percebesse isso, e o maior incentivador da minha carreira. Ao meu eterno mestre, minha profunda gratidão pelo apoio ao longo desses anos, pelas conversas, pela dedicação. Agradecer-te nunca será suficiente.

Aos meus colegas da UFBA, em particular à Rubenilda Sodré, meu “anjo da guarda”, uma grande amiga cujo apoio foi fundamental para minha continuidade no curso.

Aos amigos da RENAESP (Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública) em Sergipe, Joelina Menezes, Denise Leal, Marcos Souza, Jonaza e Evanilson.

À amiga Karla Patrícia que desde a graduação compartilha comigo os dilemas de pesquisar o universo policial e permanece como uma grande interlocutora.

A todos os entrevistados pela disposição em colaborar com a pesquisa e, principalmente, pela importância que deram a ela.

Agradeço ainda ao Major Bispo, a Dona Edvan e a todos os conselheiros que seguem lutando pelo policiamento comunitário.

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Tal como a bela palavra ‘democracia’, em princípio ninguém é contra ‘policiamento comunitário’. O que se observa, contudo, é que ele se converteu em um conceito coringa para denominar experiências diametralmente opostas, o que acaba ocultando diferenças importantes e gerando um movimento sem contornos definidos.

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RESUMO

O aumento da criminalidade nas últimas décadas provocou respostas que, em geral, tenderam a duas direções opostas no que se refere às políticas públicas de segurança - de um lado, endurecimento, de outro, abertura à participação comunitária. A preocupação em controlar a violência tem levado tanto ao reforço da punitividade como recurso do Estado Punitivo, quanto à tentativas de aproximação da polícia com a população, a exemplo do policiamento comunitário. Na América Latina, frente à crise de legitimidade que as polícias passaram com a transição do autoritarismo à democracia, o modelo comunitário de policiamento foi usado como uma tentativa de recuperar prestígio. No Brasil, o policiamento comunitário surge como a grande sugestão de alternativa ao policiamento tradicional. Também chamado de “Polícia Cidadã”, aposta na integração com a comunidade e na prevenção como solução para os problemas de segurança. Incorpora, portanto, uma nova dinâmica de reciprocidade e corresponsabilidade entre sociedade e polícia, valorizando uma atuação pautada em valores democráticos. Dentro e fora do Brasil, o policiamento comunitário foi proposto e louvado como a solução tanto para os problemas de segurança quanto para as dificuldades de integração entre polícia e sociedade, entretanto, importa saber até onde a implantação desse policiamento resultou em solução e, de fato, conseguiu distinguir-se do policiamento tradicional. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo principal analisar a estruturação do policiamento comunitário na cidade de Aracaju iniciado em 1996 e caracterizar o perfil das demandas por segurança assim como a participação social na implementação dessa política pública, relacionando esses elementos à redução da violência. Para tanto, a metodologia da pesquisa consistiu num estudo de caso sobre o policiamento comunitário na cidade de Aracaju, entre os anos de 2007 e 2010, integrando o uso de técnicas qualitativas e quantitativas, a saber: pesquisa documental e de arquivo; análise de fontes estatísticas; pesquisa bibliográfica com apoio teórico na Sociologia Política; entrevistas semiestruturadas com membros da população dos bairros escolhidos e gestores públicos envolvidos com o policiamento comunitário no estado; observação participante em reuniões dos Conselhos de Segurança dos bairros estudados e em outros eventos relacionados à segurança pública.

Palavras-chave: Democracia; Participação Social; Policiamento Comunitário; Segurança Pública.

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ABSTRACT

The criminality increase in the last decades caused answers that, in general, tended to two opposite directions regarding to the public policies of safety – on one hand, hardening, on the other, opening to the common use participation. The worry in controlling the violence has been carrying to punishment reinforcement as Punitive State resource as well as the police approach attempts with the population, like the Community policing. In Latin America, faced with the legitimacy crisis that the polices passed through with the authoritarianism transition to the democracy, the community model of policing was used as an attempt to recover prestige. In Brazil, the community policing arises as the great optional suggestion to the traditional policing. Also called “Citizen Police”, it bets on integration with the community and in the prevention as solution for the safety problems. It incorporates, therefore, a reciprocity and co-responsibility new dynamics between society and police, giving credit to an action ruled in democratic values. Inside and outside Brazil, the community policing was proposed and praised as the solution to safety problems as well as integration difficulties between police and society, however, it matters to know up to certain point the implantation of this policing resulted in solution and, in fact, managed to distinguish itself from the traditional policing. In this sense, the present study had as main goal to analyze the structuring of the community policing in the city of Aracaju initiated in 1996 and to characterize the demands profile for safety as well as the social participation in the implementation of this public policies, relating these elements to the violence reduction. For that, the research methodology consisted in a study of case on the community policing in the city of Aracaju, between the years 2007 and 2010, integrating the use of qualitative and quantitative techniques, namely: Documental and file research; Analysis of statistical sources; Bibliographical research with theoretical support in the Political Sociology; semi structured interviews with population members of the chosen districts and public managers involved with the community policing in the state; And involved observation in meetings of the safety council of the studied districts and in other events related to public safety.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AMABA – Associação de Moradores do Bairro América AMBLUZ – Associação de Moradores do Luzia

BPCom – Batalhão de Polícia Comunitária CEAC – Centro de Estatística e Análise Criminal Cia – Companhia

CIOSP – Centro Integrado de Operações de Segurança Pública de Sergipe CONSEB – Conselho de Segurança do Bairro América

CONSECOMBLA – Conselho de Segurança Comunitária do Bairro Lamarão CONSEC/ZE – Conselho Comunitário de Segurança da Zona de Expansão CONSEG – Conselho Comunitário de Segurança

CPMC – Comando do Policiamento Militar da Capital

FECONSEG-SE – Federação dos Conselhos Comunitários de Segurança de Sergipe GISP – Gestão Integrada em Segurança Pública

PAC – Posto de Atendimento ao Cidadão PB – Ponto-base

PM – Polícia Militar

PMSE – Polícia Militar de Sergipe

SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública SSP – Secretaria de Segurança Pública

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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO ...13

CAPITULO 2: VIOLÊNCIA E POLICIAMENTO NA SOCIEDADE MODERNA .... 29

2.1 O controle da violência e o policiamento moderno ... 29

2.2 Violência na modernidade recente: do Estado-providência ao Estado penal ... 48

CAPÍTULO 3: A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL DEMOCRÁTICO: CONTRADIÇÕES E TENDÊNCIAS ... 56

3.1 As contradições do Brasil democrático no âmbito da segurança pública ... 59

3.2. O duplo movimento da segurança pública: a segurança pela repressão e a segurança pela participação social ... 64

CAPÍTULO 4: “SEGURANÇA PÚBLICA, DEVER DO ESTADO, DIREITO E RESPONSABILIDADE DE TODOS” ... 72

4.1 Ordem Pública e Políticas Públicas de Segurança ... 72

4.2. Segurança Pública como “responsabilidade de todos” ... 75

4.3 Políticas públicas de segurança no Brasil nas duas últimas décadas ... 79

CAPÍTULO 5: O POLICIAMENTO COMUNITÁRIO EM SERGIPE ... 85

5.1 O policiamento comunitário e seus elementos fundamentais ... 87

5.1.1 Prevenção do crime baseada na comunidade ... 88

5.1.2 Cooperação entre polícia e sociedade ... 90

5.2. A Segurança Pública em Sergipe e a estruturação da Polícia Cidadã ... 93

CAPÍTULO 6: A ATUAÇÃO DA POLÍCIA CIDADÃ NA “CIDADE DA QUALIDADE DE VIDA” ... 109

6.1 Gestão e ações do policiamento comunitário na cidade de Aracaju ... 116

6.1.1 O pioneirismo do Bairro América ... 125

6.1.2 Bairro Lamarão: o policiamento na periferia da cidade ... 134

6.1.3 Bairros Grageru e Luzia: o policiamento nos bairros de classe média ... 137

6.1.4 O policiamento na Atalaia, um bairro turístico ... 143

6.1.5 O policiamento frente à expansão da cidade: o bairro Jardins e a Zona de Expansão.. 147

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CAPÍTULO 7: DEMANDAS POR SEGURANÇA E POR PARTICIPAÇÃO: DESAFIOS DA “INTERAÇÃO POLÍCIAL-CIDADÃO” NO POLICIAMENTO

COMUNITÁRIO ... 159

7.1 “Segurança pública não é só polícia!”: significados da segurança pública na “Cidade da Qualidade de Vida” ... 160

7.2 Os Conselhos Comunitários de Segurança e a participação comunitária ... 166

7.3 “Interação policial-cidadão” e seus desafios no policiamento comunitário ... 175

7.4 Conclusões parciais ... 179

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 183

REFERÊNCIAS ... 192

APÊNDICES

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CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO

A segurança pública tornou-se um tema importante nas sociedades contemporâneas ao mesmo tempo em que essas são hoje sociedades de risco, nas quais a polícia converteu-se em um recurso importante para a segurança. Ela figura-se, portanto, como uma questão relevante para a condição de vida frente à vulnerabilidade tanto individual quanto coletiva. Por isso essa tese é relevante para compreender a forma como a segurança no espaço público tem sido vivenciada nos dias atuais.

O risco e a insegurança tornaram-se elementos definidores da modernidade. Estão relacionados não apenas à criminalidade, mas aos mais diversos aspectos da vida social, tais como o modo de organização da economia e da produção, a forma de organização social, a coexistência de várias modalidades de instituições etc.

A insegurança apresenta-se, assim, como uma marca estruturante dos tempos modernos, podendo se manifestar de várias formas: criminalidade, medo de perder o emprego, riscos ambientais e tecnológicos, guerras. Do que decorre então essa insegurança? Para alguns, ela é fruto dos efeitos da globalização (GIDDENS, 2000; BAUMAN, 2003), para outros ela resulta da transição de uma sociedade mais inclusiva para uma muito excludente em consequência de novos arranjos na ordem política e econômica da modernidade recente (WACQUANT, 2001; YOUNG, 2002). Ademais, essas estruturas da insegurança na modernidade estão totalmente imbricadas entre si.

A globalização suscitou uma ordem mundial cheia de ansiedades e profundas divisões, que afetou não apenas as esferas macro da vida social, mas influenciou também os aspectos íntimos da vida cotidiana. Nessa perspectiva, a insegurança resulta dos efeitos não previstos da forma atual da globalização. Essa teve fortes efeitos também sobre a ação estatal. Hoje na dimensão global o Estado tem perdido forças de poder de ação e tem tido sérias dificuldades para assumir as suas funções clássicas, a exemplo de manter o monopólio da violência e de seu funcionamento (WIEVIORKA, 1997; BAUMAN, 2007). Isso não significa que o Estado esteja declinando ou sendo suprimido, muito pelo contrário, ele tem buscado uma legitimação alternativa para a sua autoridade: a proteção pessoal de seus cidadãos (BAUMAN, 2007).

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Ao diminuir sua presença nas áreas econômica e social, o Estado precisou endurecer seu papel nas questões de segurança, agora centrada principalmente numa dimensão criminal (WACQUANT, 2001). A conversão de um Estado providente para um Estado punitivo1 trouxe como efeitos o aumento da exclusão social, a criminalização da pobreza e a adoção de uma penalidade neoliberal2. A criminalização da miséria tornou-se o complemento da insegurança salarial e social generalizadas, em outras palavras, do enfraquecimento da proteção social. Na modernidade recente a insegurança ganhou a particularidade de ser fruto da falta de proteção social e das injustiças sociais provocadas, sobretudo, pelas políticas econômicas e os ajustes neoliberais que prevaleceram nos países periféricos e capitalistas avançados nas últimas décadas, dentre os quais, a flexibilização do trabalho assalariado e a contenção dos gastos públicos (YOUNG, 2002).

O aumento da criminalidade, principalmente nas últimas três décadas, provocou respostas à disseminação da violência em duas direções opostas no que se refere às políticas públicas de segurança: de um lado, houve o endurecimento da ação dos poderes públicos; de outro, a abertura à participação comunitária na efetivação da segurança pública. A preocupação em controlar a violência acabou levando tanto à tendência do reforço da punitividade como recurso do Estado penal quanto aos esforços de aproximação da polícia com a população. Em decorrência, a questão da segurança pública precisa ser encarada em seu duplo movimento: aumento da punitividade, por um lado, maior aproximação da população com as polícias nas questões de segurança, por outro.

Como reflexo dessa segunda tendência, o policiamento comunitário se insere na perspectiva de uma resposta despenalizadora diante do aumento da violência. As altas taxas de criminalidade e a ineficiência do Estado no controle do crime trouxeram à tona a discussão sobre a necessidade de reformar as polícias para garantir a segurança individual e coletiva. No Brasil, a grande sugestão nesse aspecto foi o policiamento comunitário, também chamado de “Polícia Cidadã”.

Os programas de policiamento comunitário foram implantados em diversos estados a partir da redemocratização, consagrada pela Carta de 1988, período que coincidiu com a

1 A categoria Estado punitivo/Estado penal utilizada nesse trabalho foi apropriada de Wacquant (2001). 2

Segundo Wacquant (2001), a adoção de uma política neoliberal pelo Estado produziu também uma penalidade neoliberal, entendida como pena criminal, mas também como uma série de atitudes, instituições e discursos ligados à pena.

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introdução de políticas neoliberais e um crescimento da violência nunca antes visto. Dos anos 1980 a 1990, a taxa de homicídios passou de 11,68 por 100.000 habitantes para 22,20, respectivamente (PERALVA, 2000). A violência intensificou-se também sob a forma dos conflitos de terra entre produtores rurais e trabalhadores pobres sem terra. Na maioria dos casos, a violência nessas disputas foi reforçada pela intervenção da própria polícia. Um dos conflitos mais conhecidos foi o massacre de Eldorado dos Carajás no sul do Pará, em 17 de abril de 1996, quando dezenove “sem-terra” foram fuzilados por policiais militares. A violência aumentou ainda em relação às crianças, por exemplo, de 1986 a 1996 foram registrados no Rio de Janeiro 6.033 assassinatos de crianças que viviam nas ruas. Duas chacinas que tiveram grande repercussão foram a da Candelária, nas quais sete crianças de rua foram assassinadas a tiros por policiais militares em 23 de julho de 1993, e a chacina da favela de Vigário Geral, em que vinte e uma pessoas foram mortas por policiais militares encapuzados em 29 de julho do mesmo ano (PEDROSO,1999).

Como se vê nos exemplos citados, a polícia está presente como violadora dos direitos humanos e geradora de insegurança. Ainda que se tente argumentar o fato desses crimes terem sido cometidos por “maus policiais” de dentro da corporação, o fato é que o envolvimento de policiais nesses crimes mostra quão graves são o despreparo e a arbitrariedade presentes na instituição, isso sem falar da impunidade que marca o tratamento dado aos policiais infratores (PINHEIRO,1998).

Sergipe não está de forma alguma fora do preocupante aumento da violência que ocorreu a partir dos anos 1980 no país como um todo, embora o estado sempre tenha sido marcado por uma espécie de mito da tranquilidade3. Capital do menor estado do país, a cidade de Aracaju é constantemente apresentada em campanhas publicitárias voltadas para o turismo como cidade muito tranquila, livre da violência que grassa em outras paragens. Após o ano de 2005, o mito da tranquilidade foi reforçado pelo slogan de que Aracaju é a “Cidade da Qualidade de Vida”. Isto porque uma pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas em 27 de outubro de 2005 apontou Aracaju como a melhor capital em qualidade de vida dentre as cidades das regiões Norte e Nordeste do país e como a 12ª melhor cidade para viver, de acordo com o índice de satisfação de seus habitantes. Foram avaliadas todas as 26 capitais de unidades da federação e a cidade de Brasília, no Distrito Federal. O estudo da instituição supracitada denominado “Índice de Condições de Vida (ICV)” utilizou dados da Pesquisa de

3

Isto é, uma ideia de que por ser um estado pequeno também a violência se expressaria em pequenas proporções; o que não tem sido comprovado pelas pesquisas sobre esta questão nas últimas décadas.

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Orçamento Familiar (POF 2002 / 2003) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em uma amostra de 48.470 domicílios. Essa pesquisa contém informações sobre a satisfação das pessoas em relação a 12 quesitos, dentre eles: a oferta de serviços públicos, alimentação, moradia, renda e problemas com a violência. Nessa avaliação, Aracaju alcançou 8,62% acima da média nacional, só perdendo para cidades do Sul e Sudeste do país. Cidades nordestinas como Salvador e Natal obtiveram, respectivamente, índices de 1,09% e 0,65% acima da média nacional. Brasília (113,52%), Vitória (62,74%) e Curitiba (42,48%) foram as três capitais brasileiras com melhor qualidade de vida4.

Além disso, no mesmo ano, uma grande emissora nacional de televisão, a Rede Globo, exibiu em rede nacional um programa exclusivo sobre a qualidade de vida em Aracaju, no qual colocava a cidade no topo do ranking das capitais mais saudáveis do país, segundo pesquisa que a própria emissora encomendou ao Ministério da Saúde. Após ouvir 54 mil pessoas nas 26 capitais e no Distrito Federal, a pesquisa mostrou que Natal é a capital brasileira com menor número de fumantes, Goiânia é onde mais se come hortaliças no país, Vitória é a cidade do exercício físico e as mulheres da capital do Tocantins estão com as menores taxas de excesso de peso. Os homens da capital catarinense são os menos sedentários. Mas foi em Aracaju que a soma de todos os "bons comportamentos" alcançou a pontuação mais alta5.

Contraditoriamente à divulgação de tranquilidade, as estatísticas mostram um aumento preocupante dos índices de violência no estado e na capital, especialmente dos homicídios. Esses são apenas um dos indicadores de violência numa sociedade, mas revelam seu perfil em seu grau mais elevado (BELLI, 2004).

Em 1980, Sergipe teve um coeficiente de mortalidade por homicídio (por 100 mil habitantes) entre jovens de 15 a 24 anos de 8,4, índice maior do que estados como Bahia (4,2), Piauí (3,2), Maranhão (2,7) e Mato Grosso (2,0). Dezenove anos mais tarde, esse coeficiente aumentou para 30,1, levando o estado a ocupar a 14ª posição no ranking de violência juvenil. Na cidade de Aracaju o coeficiente de violência juvenil passou de 13,3 em 1980 para 39,9 em 1999, a posição de 18ª capital mais violenta para os jovens (POCHMANN, 2002).

4

Disponível em: <http://www.fgv.brfgvprojetosarq>. Acesso em 31 out 2010.

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Tabela 1- Coeficiente de mortalidade por homicídios entre jovens de 15 a 24 anos

1980 1999

Capitais de Estados

Coeficiente Classificação Coeficiente Classificação

Aracaju 13,3 17 39,9 18 Belém 22,5 10 26,8 20 Belo Horizonte 24,1 9 45,4 15 Boa Vista 20,8 12 114,0 5 Brasília 16,5 15 69,3 10 Campo Grande 7,5 22 59,1 13 Cuiabá 2,1 26 107,4 7 Curitiba 7,7 21 41,4 17 Florianópolis 2,2 25 19,6 22 Fortaleza 25,5 7 34,8 19 Goiânia 12,8 18 43,8 16 João Pessoa 19,8 13 64,9 11 Macapá 17,8 14 117,5 4 Maceió 25,4 8 61,1 12 Manaus 33,7 3 73,6 9 Natal 28,9 5 12,6 27 Palmas 0,0 27 17,1 24 Porto Alegre 7,0 23 58,1 14 Porto Velho 39,8 2 73,9 8 Recife 22,4 11 142,2 2 Rio Branco 27,8 6 19,0 23 Rio de Janeiro 58,7 1 113,6 6 Salvador 2,6 24 17,0 25 São Luís 9,9 20 14,4 26 São Paulo 31,7 4 134,9 3 Teresina 11,0 19 25,4 21 Vitória 15,7 16 187,0 1 Fonte: POCHMANN, 2002.

O "Mapa da Violência 2010 - Anatomia dos Homicídios no Brasil", baseado em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, entre os anos de 1997 e 2007, mostra uma queda de homicídios nas capitais e um aumento no interior. No período analisado, morreram no Brasil 512 mil pessoas vítimas de homicídio. O número desses casos passou de 40.507 em 1997 para 47.707 em 2007, equivalendo a 131 vítimas por dia. Todas as regiões, exceto o Sudeste, apresentaram crescimento no volume de homicídios superior à média nacional de 17,8%: Norte (97,9%), Nordeste (76,5%), Sul (62,9%), Centro-Oeste (33,8%). Na região Nordeste, a pesquisa indicou que Sergipe está entre os estados que ostentam os mais elevados índices de crescimento: 176,8%. A taxa de homicídios subiu de

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11,5 para 25,9 nesse mesmo período (elevação de 125,6%), fazendo com que o estado subisse de 21o colocado no ranking de homicídios em 1997 para 13o em 2007 (WAISELFISZ, 2010)6.

Tabela 2- Número de Homicídios na População Total por UF e Região. Brasil, 1997/2007

Fonte: WAISELFISZ, 2010.

Nas capitais brasileiras a taxa de homicídio caiu de 45,7 para 36,6, em 100.000 habitantes, no período analisado, mas aumentou nos municípios do interior dos estados,

6 A taxa de homicídios é obtida dividindo-se o número de homicídios por 100 mil habitantes.

UF/Região 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 ∆% Acre 100 109 51 108 122 151 135 115 125 155 133 33,0 Amapá 137 163 193 155 184 181 190 173 196 203 171 24,8 Amazonas 467 536 527 557 483 512 561 523 598 697 711 52,2 Pará 746 769 637 806 955 1.186 1.383 1.522 1.926 2.073 2.204 195,4 Rondônia 357 489 434 466 565 606 559 562 552 589 435 21,8 Roraima 90 132 154 128 107 121 106 83 94 110 116 28,9 Tocantins 121 136 148 179 223 180 225 205 202 236 224 85,1 NORTE 2.018 2.334 2.144 2.399 2.639 2.937 3.159 3.183 3.693 4.063 3.994 97,9 Alagoas 642 585 552 724 836 989 1.041 1.034 1.211 1.617 1.839 186,4 Bahia 1.975 1.251 890 1.223 1.579 1.735 2.155 2.255 2.823 3.278 3.614 83,0 Ceará 1.021 941 1.108 1.229 1.298 1.443 1.560 1.576 1.692 1.793 1.936 89,6 Maranhão 320 266 251 344 536 576 762 696 903 925 1.092 241,3 Paraíba 491 454 404 519 490 608 620 659 740 819 861 75,4 Pernambuco 3.710 4.428 4.200 4.276 4.697 4.431 4.512 4.173 4.307 4.478 4.560 22,9 Piauí 153 141 131 234 279 315 316 347 386 437 406 165,4 Rio Grande do Norte 237 223 226 251 316 301 409 342 408 450 594 150,6 Sergipe 190 176 338 416 532 549 473 464 492 597 526 176,8 NORDESTE 8.739 8.465 8.100 9.216 10.563 10.947 11.848 11.546 12.962 14.394 15.428 76,5 Espírito Santo 1.426 1.692 1.543 1.449 1.472 1.639 1.640 1.630 1.600 1.774 1.885 32,2 Minas Gerais 1.307 1.471 1.546 2.056 2.344 2.977 3.822 4.241 4.208 4.155 4.103 213,9 Rio de Janeiro 7.966 7.570 7.249 7.337 7.352 8.321 7.840 7.391 7.098 7.122 6.313 -20,8 São Paulo 12.552 14.001 15.810 15.631 15.745 14.494 13.903 11.216 8.727 8.166 6.234 -50,3 SUDESTE 23.251 24.734 26.148 26.473 26.913 27.431 27.205 24.478 21.633 21.217 18.535 -20,3 Paraná 1.586 1.633 1.698 1.766 2.039 2.226 2.525 2.813 2.981 3.095 3.112 96,2 Rio Grande do Sul 1.633 1.514 1.523 1.662 1.848 1.906 1.900 1.963 2.015 1.964 2.174 33,1 Santa Catarina 415 399 381 423 460 572 653 632 616 656 632 52,3 SUL 3.634 3.546 3.602 3.851 4.347 4.704 5.078 5.408 5.612 5.715 5.918 62,9 Distrito Federal 668 720 723 770 774 744 856 815 745 769 815 22,0 Goiás 695 636 800 1.011 1.102 1.275 1.259 1.427 1.398 1.410 1.426 105,2 Mato Grosso 767 846 825 996 986 963 929 867 907 899 892 16,3 Mato Grosso do Sul 735 669 572 644 619 694 709 650 628 678 699 -4,9 CENTRO-OESTE 2.865 2.871 2.920 3.421 3.481 3.676 3.753 3.759 3.678 3.756 3.834 33,8 BRASIL 40.507 41.950 42.914 45.360 47.943 49.695 51.043 48.374 47.578 49.145 47.707 17,8

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passando de 13,5 em 1997 para 18,5, em 2007. As exceções com relação às capitais foram Maceió e Florianópolis (capitais cujo número de homicídios mais que triplicou), Belo Horizonte, Curitiba, São Luís, Teresina, João Pessoa e Aracaju (capitais em que o número foi maior que o dobro). Na década pesquisada Aracaju passou de 84 homicídios a 199, o que significou um aumento de 136,9%. A taxa de homicídios subiu de 19,3 para 38,9 nesse mesmo período (elevação de 101,2%), fazendo com que o estado subisse de 23o colocado no

ranking de homicídios em 1997 para 11o em 2007.

O “Mapa da Violência” aponta também para o aumento da taxa de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos. No caso de Sergipe, essa taxa nessa faixa etária subiu de 21,8 para 50,0 (elevação de 129,8%), fazendo o estado passar de 20o colocado no ranking de homicídios juvenis em 1997 para 11o em 2007.

A implantação do modelo comunitário de policiamento em Sergipe em 1996 tomou como bairro-piloto justamente um bairro popular de Aracaju conhecido por seus altos índices de violência, o Bairro América. Ele foi por muito tempo chamado de “Bairro de Cão” por causa da grande violência que afetava a comunidade. Entretanto, dois anos após a implantação da “Polícia Cidadã” chegou a comemorar, em 30 de julho de 1998, “500 dias sem homicídio”. Essa comemoração tornou-se, aliás, o maior slogan para justificar o sucesso da implantação do policiamento comunitário no bairro e a importância da sua permanência.

Aracaju comporta ainda vários bairros e conjuntos habitacionais que são famosos pela violência gritante e desvelada. A partir de 1996 o novo modelo de policiamento estendeu-se por outros bairros e atualmente tem-se tentado interiorizar essa política pública, embora as tentativas ainda sejam muito limitadas. Diante da realidade de insegurança pública existente em todo o país a Polícia Cidadã surgiu como a panaceia para solucionar os muitos problemas de segurança, principalmente nos bairros pobres. O contexto da redemocratização, com as propostas de reformulação das polícias e a exigência social de uma atuação da polícia com uma postura voltada à defesa e promoção dos direitos humanos e um controle mais eficaz da violência, favoreceu a difusão do novo modelo de policiamento pelas diversas regiões do país.

Embora existam vários tipos de programas de policiamento comunitário, alguns elementos podem ser tomados como comuns na sua natureza: uma nova definição do papel da polícia; enfoque na prevenção e solução de problemas mais do que no policiamento direcionado ao incidente (ampliando o que seria considerado “trabalho da polícia”);

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reciprocidade mais intensa entre polícia e comunidade; descentralização de comando e dos serviços policiais; reconhecimento de que a sociedade contribui ao executar um papel crítico nas soluções dos problemas que a afetam (GREENE, 2002; ROSENBAUM, 2002). Aqui o policiamento torna-se significativo para a sociedade nas ações que levam em conta o mundo ao seu redor (SKOLNICK e BAYLEY, 2002). Nessa perspectiva, essa nova modalidade de política pública incorpora uma nova dinâmica de reciprocidade e corresponsabilidade entre sociedade e polícia, valorizando uma atuação pautada em valores democráticos neste quesito (participação, transparência, prevenção, pacificação, laços e interações).

Dentro e fora do Brasil, o policiamento comunitário foi proposto e louvado como a solução tanto dos problemas de segurança quanto das dificuldades de integração entre polícia e sociedade (BAYLEY, 2001; SKOLNICK e BAYLEY, 2002; MONJARDET, 2003). Mas, até onde a implantação do policiamento comunitário resultou em solução? Ele, de fato, conseguiu distinguir-se do policiamento tradicional? Qual a lógica de segurança pública que tem pautado as ações de policiamento comunitário? O que significa buscar enfrentar por meio de políticas públicas de segurança, como a Polícia Cidadã, a vulnerabilidade da condição atual de vida do cidadão? Acrescenta-se ainda: O que significam as demandas correntes por segurança e por participação social nos mecanismos de gestão da segurança pública num contexto de democracia? Será que a sociedade pode influenciar as políticas de segurança? Até onde essa influência pode alcançar?

Alguns pressupostos podem ser colocados na tentativa de responder a essas questões.

Primeiro, parte-se do pressuposto de que as demandas por participação social nas políticas de segurança refletem uma nova perspectiva de como a sociedade se relaciona com o Estado e como ela encara o problema da segurança pública. Isso vai muito além do caráter meramente jurídico ou normativo, pois tem a ver com uma profunda ressignificação da visão que a sociedade tem sobre a segurança, ou seja, como um direito a ser garantido e uma condição importante de sobrevivência.

Nessa mesma lógica, outra premissa é a de que a demanda da população pelo seu direito de viver bem (viver em segurança)7 é sustentada por uma reivindicação pelo

7

No bojo das discussões sobre a justiça nas sociedades contemporâneas, questões como o viver bem (quer seja pela via do reconhecimento das diferenças que confrontam os estigmas sociais, quer seja pela possibilidade de desenvolver suas potencialidades) foram incorporadas aos discursos sobre a justiça.

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reconhecimento da sua cidadania (direito a ter direitos). Porém, no tocante ao significado da segurança para os diversos grupos da sociedade brasileira, há uma distinção relevante: como reconhecimento social pelos setores populares, como distinção social pelos ricos. Em outras palavras, enquanto os pobres evocam o direito à segurança como respeito à sua dignidade e condição de cidadania, as classes média e alta querem, além do respeito à dignidade, o cumprimento dos deveres e obrigações do Estado como moeda de troca pelo pagamento dos impostos e a garantia de seu status (com a “contenção” de possíveis perturbadores).

Um último pressuposto é o de que, não obstante sua proposta de inovação em termos de atuação policial e reciprocidade com a sociedade, a forma como o policiamento está estruturado e é desenvolvido na cidade de Aracaju reforça uma perspectiva tradicional de segurança pública, tanto em termos das ações levadas a efeito com ênfase na repressão quanto da relação com a comunidade (a comunidade como mero auxiliar, e não como parceiro).

Diante do exposto, entende-se que a segurança não pode ser pensada apenas como uma questão técnica, mas, sobretudo, como uma questão de condição de vida do indivíduo e da própria sociedade. Portanto, compreender a atuação do policiamento comunitário e as demandas da população por segurança só tem sentido se a segurança for além da pura ação de policiar, visto que o policiamento comunitário também tem essa premissa.

Assim, a presente tese teve como objetivo principal analisar a estruturação do policiamento comunitário na cidade de Aracaju iniciado em 1996 e caracterizar as demandas por segurança assim como a participação social na implementação dessa política pública, relacionando esses elementos à redução da violência (uma dimensão essencial da vida democrática, da justiça social e da cidadania).

A partir desse objetivo buscou-se investigar, através de um estudo comparativo em sete bairros de Aracaju com diferentes níveis sócio-econômicos e padrões urbanos, as características das estratégias de policiamento comunitário (elaboração, implementação e monitoramento das ações); analisar como os gestores públicos percebem a gestão da segurança no policiamento comunitário; entender como a população dos bairros selecionados expressa o significado social da segurança pública, ressaltando os fundamentos de sua demanda por segurança, e como percebe a alteração na qualidade de vida (redução/aumento de violência) após a implantação do policiamento comunitário; compreender como se caracterizam as demandas por segurança, considerando a participação social no

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policiamento comunitário e a relação da população dessas localidades com a polícia nesses bairros.

Escolhas Metodológicas e Justificativas

Para atingir os objetivos elencados, a metodologia da pesquisa consistiu num estudo de caso sobre o policiamento comunitário na cidade de Aracaju, capital de Sergipe, entre os anos de 2007 e 2010, integrando o uso de técnicas qualitativas e quantitativas.

Como objeto de pesquisa, o policiamento comunitário foi abordado aqui no âmbito da sociologia política. O presente estudo pretende contribuir para o entendimento das mudanças relativas à participação dos cidadãos na gestão da coisa pública, sobretudo no tocante às implicações sobre a gestão pública a nível local.

Sergipe é o menor estado do país e foi o primeiro da região Nordeste a implantar o programa de Polícia Cidadã. Por ser um estado menor, pode ser melhor observado devido justamente devido a sua menor complexidade em comparação a outros grandes estados como São Paulo e Rio de Janeiro. Como observou um dos clássicos da Sociologia, Émile Durkheim, o pesquisador social precisa levar em conta a morfologia social, isto é, o fato de que as sociedades se diferenciam entre si. Para ele, essa diferenciação entre os tipos sociais varia de acordo com o grau de composição e integração dos seus elementos estruturais, ou seja, segundo com a complexidade da estrutura social (DURKHEIM, 1984; DURKHEIM, 1999).

Tradicionalmente os estudos sobre segurança pública acabaram se voltando para os grandes centros urbanos e a reflexão sobre as problemáticas locais nesse sentido foi ficando em segundo plano. Porém, como o dinamismo próprio do objeto sociológico exige a necessidade de novos olhares e a pesquisa científica consiste sempre numa nova maneira de olhar o mundo (GOLDENBERG, 1999), torna-se interessante observar as reinterpretações locais de políticas implantadas em âmbito nacional, uma vez que,

Por mais que sejam condicionadas pelas tendências do sistema econômico mundial e dependentes do governo central, as decisões políticas, econômico-sociais e culturais de âmbito nacional sempre sofrem reinterpretações no âmbito local, tornando cada caso uma vivência específica (DANTAS, 2004, p.11).

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Como já dito, nem sempre os estudos sobre segurança pública conseguiram alcançar as especificidades locais. Neste sentido, a pesquisa aduziu um conhecimento que permitirá trabalhos comparativos sobre as políticas públicas nacionais de segurança.

O recorte temporal da pesquisa, de 2007 a 2010, foi escolhido por se tratar do período da primeira administração estadual de um partido de esquerda em Sergipe, o PT (Partido dos Trabalhadores), desde as eleições diretas no país. O intuito é perceber como o policiamento comunitário - que é uma política pública desenvolvida em nível estadual – caracterizou-se na primeira gestão do governador Marcelo Déda (2007-2010), visto que um governo de esquerda tenderia a utilizar o aparato policial de forma mais democrática e que o referido político sempre se apresentou como um opositor aos grupos políticos tradicionais e sua forma de gestão pública implantaria um modo de administrar fundamentado na democracia, especialmente pela conduta ética e pela abertura à participação popular.

Em Sergipe, desde a transição política até meados do ano 2000, os grupos oposicionistas não tinham conseguido constituir um bloco alternativo para conquistar a hegemonia, conseguindo apenas o controle da prefeitura de Aracaju a partir de 1985 e a formação de uma coalizão em 1994 que propiciou renovação no quadro da representação federal. O Executivo Estadual permaneceu controlado por grupos conservadores, oriundos em boa parte da ARENA8. Entre 1985 e 2006, depois de um pequeno período com o PDS (Partido Democrático Social)9, de 1983 a 1985, apenas dois partidos se revezaram no poder: o PFL10 (Partido da Frente Liberal), que governou de 1985 a 1994 e, depois, de 2003 a 2006, e o PSDB11 (Partido da Social Democracia Brasileira), que governou de1995 a 2002.

Não obstante professarem o liberalismo, esses grupos pouco alteraram a estrutura clientelista que dominava a administração do Executivo Estadual. Apesar da ampliação da cidadania, envolvendo os direitos civis, políticos e sociais, a força da herança patrimonialista emperrou a prática dos princípios republicanos da impessoalidade e do exercício das decisões públicas acima de privilégios (DANTAS, 2004).

8

A Ditadura Militar (1964-1985) estabeleceu o bipartidarismo, criando a ARENA (Aliança Renovada Nacional), partido do governo, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido da oposição.

9 O PDS foi o partido sucessor da ARENA.

10 O PFL surgiu em 1984 de uma dissidência do extinto partido PDS. 11

O PSDB foi fundado em 1988 por políticos que saíram do PMDB (partido que reunia grande quantidade de políticos que integravam o MDB na época do governo militar).

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Em 1998, Marcelo Déda ficou em 1º lugar na eleição para deputado federal. Em 2000, foi eleito prefeito de Aracaju, na terceira vez em que concorreu à prefeitura da cidade. Com essa vitória, o PT12 ganhou mais importância no estado e seus militantes passaram a se integrar à máquina administrativa. Além disso, essa vitória representou um ganho para o processo democrático em Sergipe por renovar o quadro político eletivo e integrar à política um grupo divergente, relativamente marginalizado. Em 2006, Déda foi eleito governador do Estado.

No que diz respeito aos procedimentos metodológicos para a coleta dos dados que ajudem a alcançar os objetivos propostos pela pesquisa, foram escolhidos procedimentos de Documentação Indireta e Direta.

Como procedimentos de Documentação Indireta, temos: (i) pesquisas de fontes

primárias: a) pesquisa documental e de arquivos (arquivo da Polícia Militar de Sergipe e

arquivos de entidades diversas nacionais e internacionais que pesquisam o tema ou que militam no tema; dados em estatutos dos Conselhos de Segurança dos bairros estudados; pesquisa na imprensa local e nacional); (b) fontes estatísticas (dados censitários, dados do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública de Sergipe e estatísticas policiais locais e nacionais); e (ii) pesquisa de fontes secundárias: (a) pesquisa bibliográfica, com apoio teórico na Sociologia Política - Violência e Segurança Pública, Estado e Sociedade, Democracia e Cidadania, dentre outros - e (b) análise de estudos de caso já realizados sobre policiamento comunitário no Brasil e exterior.

Os procedimentos metodológicos de Documentação Direta consistiram em: (i)

entrevistas semiestruturadas, sendo 7 entrevistas com membros da população dos sete bairros

escolhidos (moradores, membros dos Conselhos Comunitários de Segurança, presidentes de associações civis, representantes de igrejas, diretores de escolas, pessoas que trabalham ou atuam no bairro), 10 entrevistas com gestores públicos (comandantes de Postos de Atendimento ao Cidadão e de Companhias de Policiamento Comunitário, Coordenadoria Estadual de Polícia Comunitária, políticos, dentre outros) e 1 entrevista com a Presidente da FECONSEG-SE (Federação dos Conselhos Comunitários de Segurança de Sergipe), com um total de 60 entrevistas (APÊNDICE A); e (ii) Observação participante em reuniões dos Conselhos de Segurança dos bairros estudados e outros eventos relacionados à segurança pública, tais como fóruns, conferências e assembleias.

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Dos procedimentos acima expostos, a entrevista e a observação participante compreenderam aspectos da metodologia que mais contribuíram como fonte original de investigação para elaboração desta tese.

Na pesquisa sociológica surgem problemas na implantação dos métodos que derivam do contexto social, no qual qualquer operação de pesquisa tem lugar. Assim, os próprios aspectos sociológicos e interacionais do método precisam ser submetidos à revisão analítica (BECKER, 1997).

Como se sabe, a técnica da entrevista define-se por uma interação social na qual o entrevistador deseja obter informações do entrevistado e, assim como outros instrumentos de captação de dados, submete-se às regras que buscam a objetividade. O viés, na entrevista, encontra-se em fatores internos e externos ao observador (no roteiro, no entrevistado e na interação entrevistador-entrevistado). Acerca do viés do informante ou entrevistado, o pesquisador precisa avaliar se as informações correspondem à realidade objetiva e deve considerar que as informações têm relações com o estado emocional, o comportamento, as concepções e os valores do informante. Também os paradoxos nas informações e o fato de que na entrevista o informante transmite sentimentos ou ações relacionadas ao passado devem ser levados em conta (HAGUETTE,1987; GOLDENBERG, 1999).

A “contaminação” dos dados por parte do informante pode ainda ocorrer nas seguintes situações: quando ele acha que suas respostas podem influenciar numa situação futura; quando a presença de outras pessoas na entrevista ou algumas características (sexo, idade, etc.) do pesquisador o inibem; quando há o desejo de concordar com o pesquisador, se ele perceber os posicionamentos deste; quando situações sucedidas no intervalo das entrevistas alteram seu comportamento; ou com relação ao conhecimento do assunto e a habilidade de relatar os fatos (HAGUETTE,1987).

Enquanto técnica, a entrevista exige mais disponibilidade do pesquisador, a comparação das respostas é mais difícil e se efetiva uma dependência do entrevistador com relação à vontade e disposição do entrevistado. Por outro lado, a entrevista tem vantagens, tais como: obter informações de pessoas que não sabem ler; verificar as possíveis contradições entre o que diz o entrevistado e como diz; revelar as emoções; aprofundar o assunto e estabelecer uma relação pesquisador-pesquisado da qual podem surgir novos dados. Através

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da comparação entre as entrevistas pode-se ainda descobrir lacunas ou omissões tanto do pesquisador quanto do informante (GOLDENBERG, 1999).

Os métodos observacionais são técnicas que auxiliam o pesquisador na coleta de dados sem que ele precise fazer perguntas diretas ao(s) observado(s) como no caso de uma entrevista, por exemplo. A observação participante, por não dispor de um meio de direcionamento da observação, é uma das técnicas qualitativas de coleta de dados menos estruturadas. O pesquisador pode combinar esse método com outras técnicas a fim de aprofundar o conhecimento da realidade pesquisada. Além disso, os dados primários produzidos por entrevistas e observação participante devem ser contrastados com dados de outras fontes para avaliar a riqueza ou validade das informações (PHILLIPS, 1974).

Cada método de pesquisa possui vantagens e limitações, mas quando submetidos ao rigor científico, contribuem igualmente para a produção científica. Também o próprio cientista social é dotado de valores que interferem na escolha e no desenvolvimento do tema estudado, mas através da consciência de suas preferências e valores, o pesquisador deve se esforçar para buscar o máximo possível de objetividade (WEBER, 1997).

O estudo aqui pretendido tem também como justificativa a intenção de aprofundar estudos no campo da segurança pública que venho desenvolvendo há cerca de dez anos13.

Na verdade, essa trajetória teve início com uma pesquisa sobre direitos humanos em 2000, quando houve o convite para integrar a pesquisa “Sociedade Civil e Embates Simbólicos em Torno dos Direitos Humanos nos Anos 90 em Sergipe”14, enquanto bolsista vinculada ao PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica). Essa pesquisa buscava averiguar repercussões de ações de organizações estatais e não-estatais defensoras dos direitos humanos na sociedade sergipana, referentes tanto aos seus efeitos práticos quanto às mudanças nas discussões públicas em torno dos direitos humanos. Minha função na equipe era basicamente realizar observação participante no curso “A Polícia Como Protetora dos Direitos Humanos” promovido para policiais civis por uma parceria entre a Comissão de

13 Aceitando a sugestão dada numa das orientações de tratar da relação entre a escolha do objeto dessa pesquisa e minha trajetória intelectual, nesse momento o texto passa a ser escrito em primeira pessoa.

14

Desenvolvida pelo Prof. Dr. Paulo Sérgio da Costa Neves no biênio 2000-2002, esta pesquisa se inseriu numa gama de estudos desenvolvidos por pesquisadores do Grupo de Estudos sobre Exclusão, Cidadania e Direitos Humanos (GEPEC) da Universidade Federal de Sergipe.

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Direitos Humanos da Universidade Federal de Sergipe (CDH/UFS) e a Secretaria de Segurança Pública do Estado, entre os anos de 1999 e 2001.

Sempre que começava a acompanhar uma nova turma, explicava aos alunos que não estava ali como “vigia” da instituição nem como instrutora da Comissão, mas como uma pesquisadora que pretendia observar as discussões surgidas no curso, principalmente sobre direitos humanos, para fins de pesquisa. Para não inibir os policiais, optei por não usar gravador. Desse modo, os registros escritos constituíram a melhor maneira de apreender mais concretamente os debates e também o “não-falado” (o ambiente, as situações, os gestos, etc.).

No início, percebia certo receio por parte dos alunos pelo fato de eu estar escrevendo; porém após algumas aulas muitos destes faziam questão que eu anotasse suas questões e reivindicações. Era como se eu passasse de fiscal da Corregedoria de Polícia à representante da classe policial que iria solicitar melhorias junto ao governo. Notei que muitos se sentiam valorizados por alguém querer saber a opinião deles, por isso consegui muitos dados, principalmente extra-classe.

Claro que nem todos deixaram de estar receosos com minha presença, mas ao final de cada curso sentia que os policiais se posicionavam mais tranquilos a meu respeito. O contrário também aconteceu. Não posso negar que também entrei no campo de estudo apreensiva. Acredito que menos por ser a minha primeira experiência como pesquisadora e mais pelas pré-concepções e rótulos que eu tinha com relação à polícia. Mas, se o curso possibilitou aos policiais um novo contato com membros de uma entidade defensora de direitos humanos, favoreceu-me com uma nova visão da polícia. Comecei, então, a interessar-me pelo universo policial.

A partir dessa experiência resolvi tomar o curso como objeto de estudo da minha monografia de conclusão do Bacharelado em Ciências Sociais. Em “Embates e interações entre polícia e direitos humanos: um estudo de caso sobre curso de direitos humanos para policiais” (2003) pretendi analisar as concepções dos policiais e dos instrutores sobre direitos humanos, investigar os discursos dos policiais sobre as expectativas quanto às repercussões que poderiam ser ocasionadas pelo curso e apreender quais contribuições significativas foram provocadas por essa esfera pública de discussão para a construção de uma “cultura” de direito entre os policiais.

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O tema dos direitos humanos e, depois, da interação polícia-sociedade enfocados pelo curso, levou-me a outro campo: o policiamento comunitário (também chamado de “Polícia Cidadã”). A ênfase dada ao fato dessa “nova polícia” ser uma polícia mais respeitadora dos direitos dos cidadãos e também mais próxima à população, levou-me a elaborar um projeto de Mestrado em Sociologia que, posteriormente, originou a dissertação “Vinho velho em garrafas novas”?: dilemas e implicações do policiamento comunitário num bairro de Aracaju-SE” (2005). Esse estudo debruçou-se sobre a implantação do policiamento comunitário no bairro América, um bairro popular com forte histórico de violência, que serviu de projeto para essa política.

Agora, na Tese de Doutorado, minha pretensão é ampliar essa análise, partindo de outras experiências de implantação do policiamento comunitário em Sergipe, enfatizando a perspectiva de uma política pública que incorpora uma nova dinâmica de participação e cor-responsabilidade entre sociedade e polícia no controle da violência e da criminalidade. Indo mais além, busco aprofundar o próprio significado que a segurança pública e o policiamento ganharam no novo contexto democrático e percebê-los refletidos no campo micro das experiências aqui analisadas.

A Tese proposta está composta por seis capítulos, além da Introdução (Capítulo 1) e das Considerações Finais. O Capítulo 2 trata do risco e da insegurança como elementos constitutivos da sociedade moderna e do modo como o controle da violência tem se caracterizado nessa mesma sociedade. O Capítulo 3 versa sobre a transição democrática no Brasil, enfatizando as contradições que marcaram esse período e a nova tendência de abertura à participação comunitária no campo das políticas públicas de segurança. No Capítulo 4, entra em questão a discussão sobre a segurança pública como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, tratando-a na nova perspectiva da responsabilidade compartida, cujo pano de fundo é a nova relação entre Estado e sociedade civil no contexto da democracia participativa, e as políticas públicas de segurança no país nas duas últimas décadas. O Capítulo 5 aborda os elementos fundamentais do policiamento comunitário e trata da sua implantação no Brasil e em Sergipe. O Capítulo 6 descreve e analisa a atuação do policiamento comunitário na cidade de Aracaju, a partir das especificidades dos bairros selecionados. Por fim, o Capítulo 7 trata das demandas da população dessas localidades sobre segurança pública a partir do seu significado de segurança pública, da participação comunitária e da interação entre a polícia e a comunidade.

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CAPITULO 2

VIOLÊNCIA E POLICIAMENTO NA SOCIEDADE MODERNA

A modernidade, entendida enquanto um estilo de vida ou organização social que emergiu na Europa a partir do século XVII e que, posteriormente, influenciou o mundo15, trouxe, ao contrário do que muitos acreditaram, novos riscos e incertezas (GIDDENS,1991). Geradora de imprevisibilidade, também a violência tornou-se, na sociedade moderna, motivo da busca pelo controle e pela proteção. É nessa perspectiva que o Estado ganha destaque como detentor do monopólio da violência e como elemento central do processo de “pacificação” da sociedade (ELIAS, 1993; WEBER, 1999). Da mesma forma, a polícia aparece como instrumento responsável pela manutenção da ordem pública.

Nesse sentido, este capítulo tratará do risco e da insegurança como elementos constitutivos da sociedade moderna que fomentam a violência e do modo como a contrapartida do Estado na proteção e repressão tem se caracterizado no desenvolvimento de diversas instituições da esfera pública. Para tanto, convém abordar a questão do controle da violência e a relação com o Estado, enfatizando as funções e o desenvolvimento da polícia moderna (especialização e profissionalização), bem como a relação entre violência e exclusão social na modernidade recente, entendendo que a insegurança que gera violência nesse contexto é fruto das injustiças sociais.

2.1 O controle da violência e o policiamento moderno

A sociedade moderna tornou-se, como denominou o sociólogo alemão Ulrich Beck, uma “sociedade de riscos” (GIDDENS, 2000; BAUMAN,2003). Esses riscos podem ser ambientais, tecnológicos, sociais, financeiros, dentre outros. A concepção iluminista de que o maior desenvolvimento da ciência e da tecnologia tornaria o mundo mais estável e seguro não se cumpriu, por isso “em vez de estar cada vez mais sob nosso comando, parece um mundo em descontrole” (GIDDENS,2000, p.14). Até mesmo a ciência e a tecnologia, envolvidas nas tentativas de combater os riscos com os quais nos deparamos, contribuíram para criá-los. O mundo tem se deparado com situações de risco nunca antes vividas, riscos ligados, sobretudo,

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Segundo Giddens (1991) uma das consequências da modernidade é a globalização da vida social, um processo de desenvolvimento desigual que introduz novas formas de interdependência mundial. Quando falamos de modernidade estamos nos referindo às transformações surgidas no Ocidente, dentre as quais se destacam a constituição e o desenvolvimento do Estado-nação, os aparelhos de Estado e o sistema de produção capitalista.

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à globalização – processo cada vez mais descentralizado e que afeta não apenas o sistema financeiro mundial ou esferas macro da vida social (o trabalho, a política etc.), mas influencia também aspectos íntimos da vida cotidiana (a família, por exemplo). Além disso, os novos riscos e as incertezas trazidos pela modernidade afetam a todos, não importa se indivíduos privilegiados ou carentes.

Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2003), a insegurança atinge a todos, visto que estamos imersos “num mundo fluido e imprevisível de desregulamentação, flexibilidade, competitividade e incerteza” (p.129), no qual a sociedade “parece perturbadoramente de mãos vazias” (p.101). Conforme o autor, se a sociedade não satisfaz o desejo de um “lugar seguro” é por ter negado abertamente uma das mais vitais de suas promessas: a segurança.

As consequências da modernidade hoje estão mais radicalizadas e universalizadas (GIDDENS, 1999). Essa radicalização da modernidade é, ao mesmo tempo, significativa e perturbadora. A modernidade envolve transformações bem mais profundas que as mudanças que ocorreram em períodos precedentes e o próprio ritmo dessas mudanças na condição moderna são de uma rapidez extrema. Além disso, algumas formas sociais modernas, tais como o Estado-nação e a completa transformação de produtos e do trabalho assalariado em mercadoria, são inéditas em comparação com períodos históricos anteriores. O caráter da modernidade engloba ainda outros elementos, a saber: a segurança e o perigo, a confiança e o risco.

A modernidade é um fenômeno contraditório. Por um lado, ela criou oportunidades para uma existência segura e gratificante jamais tidas no sistema pré-moderno; mas, apresenta um “lado sombrio”, marcado em boa parte pela ameaça do confronto nuclear e pela realidade do conflito militar (GIDDENS, 1991). A sociologia clássica não chegou a prever o potencial destrutivo do desenvolvimento das forças produtivas em relação ao meio ambiente nem tampouco a ascensão de totalitarismos ou a industrialização da guerra.

Giddens (1991) acredita que muitos dos novos riscos e incertezas que nos afetam agora estão estreitamente ligados à globalização e seus efeitos. Ela foi influenciada, sobretudo, pela evolução dos sistemas de comunicação e facilitou a intercomunicação rápida e imediata, a qual nem sempre está sob o controle estrito do Estado (MILANI e LANIADO, 2007).

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Nas relações internacionais contemporâneas, o fortalecimento de antigas religiões, os fluxos culturais, as ideologias e as redes de comunicação ganharam destaque. A ordem mundial atualmente se caracteriza basicamente pelos processos de globalização, pela aceleração do desenvolvimento de atores e relações internacionais e pela dimensão reticular (formação de redes) de suas formas de organização. Sobre a forma como os atores, organizações e movimentos se organizam e se posicionam no nível do sistema mundial, as redes têm sido a forma de organização dos transnacionalismos por excelência (MILANI e LANIADO, 2006):

As redes transnacionais seriam formas de organização social de baixa institucionalidade que associam indivíduos e grupos em um raio de intercâmbios e obrigações recíprocas, cujas dinâmicas visam a desenvolver e consolidar ações coletivas nas esferas sociais, políticas e econômicas em escala transnacional (p.493).

De acordo com Milani e Laniado (2006), o grande desafio teórico hoje no estudo das relações internacionais é justamente “considerar a política mundial como o conjunto das relações sociais que atravessam as fronteiras do nacional e que se estabelecem entre as diversas sociedades” (p.481). Até então, os discursos predominantes na teoria das relações internacionais trataram a política internacional como fruto das relações entre diferentes comunidades autônomas, organizadas sob a forma de Estados Nacionais, que visam impor o poder soberano umas sobre as outras. Agora, os autores propõem um novo sentido da internacionalização admitindo-se a existência e a influência de atores na política internacional que não estão restritos aos Estados Nacionais.

O ambiente e as regras internacionais modificam-se graças à diversificação dos centros de poder, à emergência de uma agenda política (em alguns aspectos) mais descentralizada e menos hierarquizada, criando, assim, as condições de atuação dos novos atores mundiais, especialmente multilaterais e não-estatais, que interagem por meio de redes transnacionais (MILANI e LANIADO, 2006, p.480-481).

A globalização não pode ser pensada como um fenômeno exclusivamente econômico; ela é também política, tecnológica e cultural (GIDDENS, 2000). A globalização não é somente uma disputa por mercados e oportunidades de crescimento econômico. Tem evoluído, por exemplo, também em direção a lutas políticas e sociais por imposição de valores culturais e preferências individuais. Nesse sentido, os movimentos sociais

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transnacionais expressam uma nova forma de organização social em escala mundial (MILANI e LANIADO, 2007).

Sendo assim, a globalização não é um processo singular, mas um conjunto complexo de processos que operam de modo contraditório e antagônico. Ela aumenta oportunidades e, ao mesmo tempo, produz ou reproduz desigualdades sociais e econômicas entre e dentro dos países (MILANI e LANIADO, 2007). À análise sistêmica da globalização devem ser incorporadas as dimensões das relações de poder (por exemplo, entre as diferentes nações) e dos conflitos (por exemplo, entre Estados e setores sociais) que nela estão envolvidos. Essas duas dimensões, o poder e o conflito, permitem reavaliar os aspectos qualitativos e expansivos da globalização, sobretudo no que diz respeito às desigualdades sociais que ela produz: a globalização é um fenômeno que expande oportunidades devido às inovações tecnológicas, mas que também impõe diferenciações de acesso a recursos por diferentes culturas (MILANI e LANIADO, 2006).

O fato é que as mudanças que a globalização tem suscitado estão criando uma ordem global que não é firme nem segura, mas cheia de ansiedades e profundas divisões. Assim sendo, a concepção de risco explica algumas das características mais elementares do mundo em que vivemos agora. A percepção do risco estabeleceu-se entre os séculos XVI e XVII cunhada pelos exploradores ocidentais ao partirem para ousadas descobertas pelo Novo Mundo. Assim, originalmente, o termo “risco” teve uma orientação espacial. Somente mais tarde o termo ganhou uma orientação temporal ao ser usado em transações bancárias e de investimento para designar o cálculo das consequências prováveis dessas operações. Depois, o termo ganhou uma conotação ampliada ao designar uma gama de outras situações de incerteza.

A palavra “risco” só passou a ser amplamente utilizada em sociedades voltadas para o futuro; nesse caso, um território a ser conquistado ou colonizado. O conceito de risco pressupõe, então, uma sociedade que busca intensamente romper com seu passado. Essa é uma característica fundamental da sociedade moderna. Destarte, o risco é a mola propulsora de uma sociedade propensa à mudança, que deseja determinar o seu próprio futuro ao invés de confiá-lo à religião, tradição ou natureza. Então, a ideia de risco sempre esteve ligada à modernidade, porém, ganhou atualmente uma importância nova e peculiar (GIDDENS, 2000).

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Giddens (2000) distingue dois tipos de risco: o risco externo e o risco fabricado. O primeiro equivale ao risco experimentado como vindo de fora, da tradição ou da natureza; já o segundo designa o risco gerado pelo impacto do nosso conhecimento sobre o mundo, por exemplo, o aquecimento global. Da sociedade tradicional até o presente momento da sociedade industrial, o que inquietava os homens eram os riscos externos (más colheitas, a fome, as enchentes etc.). Mais recentemente, passou-se a se inquietar com o que foi feito com a natureza, ou seja, com os riscos fabricados. Mas o “risco fabricado” tem se expandido para além da natureza e penetrado outras áreas da vida, tais como o casamento e a família.

Duas ou três gerações atrás, as pessoas, quando se casavam, sabiam o que estavam fazendo [...] Ali onde os modos tradicionais de se fazer as coisas estão se dissolvendo, porém, quando as pessoas se casam ou estabelecem relacionamentos, há um sentido importante no fato de que elas não sabem o que estão fazendo, tamanha a mudança sofrida pelas instituições do casamento e da família (GIDDENS, 2000, p.38).

Na sociedade contemporânea não tem sido fácil lidar com o risco, pois na maioria das situações de “risco fabricado” a própria existência de um risco é posta em dúvida. Torna-se rotina, então, o paradoxo de saber quando estamos de fato sendo alarmistas ou não diante de um possível risco. Giddens (2000) não acredita que nossa época seja mais arriscada que as épocas anteriores, e sim que vivemos num mundo onde os riscos e perigos criados por nós mesmos são tão, ou mais, ameaçadores quanto os que vêm de fora (os riscos externos). Sendo assim, segue o fato de que estamos envolvidos num “problema de administração do risco”. Problema este que, com a propagação do “risco fabricado”, compete aos governos que precisam colaborar entre si, uma vez que os novos riscos já se dão para além das fronteiras nacionais.

De modo semelhante, Bauman (2007) atenta que as possíveis soluções para a insegurança que experimentamos hoje devem levar em conta a dimensão global que ela própria atingiu. Diz ele:

Num planeta negativamente globalizado, a segurança não pode ser obtida, muito menos assegurada, dentro de um único país ou de um grupo selecionado de países - não apenas por seus próprios meios nem independentemente do que acontece no resto do mundo (BAUMAN, 2007, p.13-14).

Referências

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