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A incompatibilidade entre a execução antecipada da pena e o sistema constitucional de garantias

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

CÉSAR AUGUSTO SCHMITT SOUSA

A INCOMPATIBILIDADE ENTRE A EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA E O SISTEMA CONSTITUCIONAL DE GARANTIAS

Santa Rosa (RS) 2017

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CÉSAR AUGUSTO SCHMITT SOUSA

A INCOMPATIBILIDADE ENTRE A EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA E O SISTEMA CONSTITUCIONAL DE GARANTIAS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Patrícia Borges Moura

Santa Rosa (RS) 2017

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Este trabalho é dedicado a minha mãe Lina Helena Michalski e ao meu pai Júlio César Schmitt Sousa, pelo incentivo e apoio que sempre me proporcionaram na busca de meus objetivos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço inicialmente aos meus pais que sempre foram grandes incentivadores e apoiadores neste meu caminhar.

Aos meus amigos de graduação com os quais pude compartilhar as angústias e alegrias vivenciadas desde o meu ingresso nesta Universidade.

Também agradeço a minha orientadora Patrícia Borges Moura pelas valiosas contribuições para o desenvolvimento deste trabalho.

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“A liberdade, Sancho, é um dos dons mais preciosos, que aos homens deram os céus: não se lhe podem igualar os tesouros que há na terra, nem os que o mar encobre; pela liberdade, da mesma forma que pela honra, se deve arriscar a vida, e, pelo contrário, o cativeiro é o maior mal que pode acudir aos homens.”

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RESUMO

O presente trabalho monográfico aborda o tema da incompatibilidade entre a execução antecipada da pena e o sistema brasileiro constitucional de garantias. Nesse sentido, buscou-se responder a questão problema sobre a (in) constitucionalidade da decisão do Supremo Tribunal Federal, no HC n. 126.292 de fevereiro de 2016, que admitiu a execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Para tanto, partiu-se da hipótese de que o pronunciamento do STF, autorizando a execução da pena após a condenação proferida/confirmada em grau de apelação, pelos Tribunais de segunda instância, viola a literalidade do disposto no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal, que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.” Isso porque o dispositivo anteriormente mencionado é claro ao apontar que somente é possível aferir a culpa de qualquer investigado, acusado, ou réu e, por conseguinte, executar a sua pena, quando houver o esgotamento de todas as vias recursais (ordinárias ou extraordinárias) disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro. Caso isso não seja observado, estar-se-ia diante de uma grave violação dos direitos e garantias individuais consagrados na Constituição Brasileira de 1988. Assim, para confirmar ou refutar esta hipótese, este estudo teve como objetivo analisar a invalidade constitucional da possibilidade de execução antecipada da pena. Foi, assim, realizada uma pesquisa do tipo exploratória, utilizando no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas, como doutrinas, legislação, disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, por meio do método de abordagem hipotético-dedutivo.

Palavras-chave: Execução antecipada da pena. Inconstitucionalidade. Presunção de Inocência.

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ABSTRACT

This monograph paper addresses the issue of incompatibility between early execution of the sentence and the constitutional system of guarantees. In this sense, it was tried to answer the problem question about the unconstitutionality of the decision of the Federal Supreme Court, in HC n. 126,292 of February 2016, which admitted the execution of the sentence before the final sentence of the condemnatory criminal sentence. Therefore it starts from the hypothesis that the decision of the STF authorizing the execution of the sentence after the sentence imposed/confirmed on appeal by the Court violates the literalness of the provisions of art. 5th, item LVII of the Federal Constitution, which provides that "no one shall be held guilty until the final judgment is passed." This is because the aforementioned provision is clear in pointing out that it is only possible to ascertain the guilt of any investigated, accused, or defendant and, consequently, to execute their sentence when all available remedies (ordinary or extraordinary) are exhausted In the Brazilian legal system. If not observed, we will face a serious violation of individual rights and guarantees Consecrated in the 1988 Brazilian Constitution. Thus, to confirm or refute this hypothesis, this study aimed to analyze the constitutional invalidity of the possibility of early execution of the sentence. An exploratory research was carried out, using in its outline the collection of data in bibliographic sources, such as doctrines, legislation, available in physical media and in the computer network, through the hypothetico-deductive approach.

Keywords: Early execution of sentence. Unconstitutionality. Penitentiary system. Presumption of Innocence.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 08

1 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELA ÓTICA DO SISTEMA ACUSATÓRIO DE GARANTIAS ... 11 1.1 As características dos sistemas processuais penais na contemporaneidade ... 13 1.2 O modelo constitucional do sistema processual penal e a função limitadora das garantias constitucionais ... 21 1.3 A garantia constitucional da presunção de inocência ... 23

2 A INCOMPATIBILIDADE ENTRE A EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA E O SISTEMA CONSTITUCIONAL DE GARANTIAS ... 29 2.1 A função social da pena: a ideia de controle social ... 29 2.2 A execução provisória da pena com base na decisão do STF no Habeas corpus n. 126.292/2016: da abordagem teórica à aplicabilidade prática ... 36 2.3 O estado inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro e as razões para a análise constitucional da execução antecipada da pena na justiça penal brasileira ... 50

CONCLUSÃO ... 61

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho consiste em uma abordagem sob o viés constitucional da decisão do Supremo Tribunal Federal no HC nº 126.292/2016, confirmada posteriormente a partir do julgamento liminar das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC´s) nº 43 e 44, em que a Corte autorizou a execução antecipada da pena privativa de liberdade após a condenação proferida/confirmada nos julgamentos de recursos apreciados pelos Tribunais Estaduais, bem como pelos Tribunais Regionais Federais.

Este julgamento proferido pela Corte Superior, na medida em que possui efeito erga omnes, implica a realização de incontáveis prisões, em caráter de execução de pena, embasadas em títulos judiciais provisórios, pois que autorizadas antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Nesse ponto, é interessante fazer uma reflexão. Se o ordenamento jurídico pátrio permitisse essa atuação do Poder Judiciário com vistas a autorizar a execução provisória da pena e, como querem alguns, “reprimir a criminalidade e acabar com a impunidade no Brasil”, não haveria maiores discussões se essa temática tivesse respaldo na Constituição Federal e na Lei.

Mas o caso ora analisado é outro. As razões que sustentam a possibilidade de execução antecipada da pena (e que servirá como parâmetro obrigatório de fundamentação para todos os juízes brasileiros) está calcada em flagrante violação à Carta Maior da República Federativa do Brasil. Basta analisar o comando constitucional do art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal, para perceber que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal

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condenatória.

E esse princípio (da presunção de inocência), que é, inclusive, cláusula pétrea, está diretamente vinculado ao sistema acusatório de garantias, que tem como postulado maior o devido processo legal e a proteção de que nenhum acusado da prática de um crime terá sua pena executada antes de aferir o seu grau exato de culpabilidade.

Neste contexto, enquanto a legislação pátria permitir instrumentos para rever decisões judiciais errôneas, arbitrárias ou desproporcionais, através dos recursos Especial e Extraordinário com o objetivo de combater ilegalidades porventura proferidas pelos Tribunais Estaduais e Regionais Federais, não pode o Poder Judiciário executar qualquer tipo de pena sem antes haver um pronunciamento definitivo, imutável.

Considerando este aspecto, desenvolveu-se o presente trabalho monográfico sobre o tema da incompatibilidade entre a execução antecipada da pena e o sistema constitucional de garantias, como objetivo analisar a (in) validade constitucional da possibilidade de execução antecipada da pena no processo penal pátrio.

Especificamente, objetivou-se abordar as características dos sistemas processuais penais na contemporaneidade, de modo a compreender o sistema processual penal adotado pela Constituição Federal de 1988 e a sua função limitadora das garantias constitucionais, com ênfase na aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência. Considerou-se, também, a função social da pena sob a ótica de controle social, bem como a análise e discussão a respeito de duas decisões recentes proferidas pelo STF que ora reconhece a calamidade do sistema prisional brasileiro e posteriormente autoriza que mais pessoas ingressem no cárcere sem que haja a formação definitiva de sua culpa.

Para tanto, realizou-se uma pesquisa do tipo exploratória, utilizando no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas, como doutrinas, legislação, disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, por meio do método de abordagem hipotético-dedutivo.

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O resultado dessa pesquisa apresenta-se em dois capítulos. No primeiro capítulo, aborda-se a presunção de inocência pela ótica do sistema acusatório de garantias, apresentando as características dos sistemas processuais penais na contemporaneidade, bem como sistema processual penal adotado pela CF\88 e a sua função limitadora das garantias constitucionais, com ênfase ao princípio da presunção de inocência.

No segundo capítulo, trata-se a respeito da incompatibilidade entre a execução antecipada da pena e o sistema constitucional de garantias. Primeiramente, apresenta-se uma breve explanação sobre a função social da pena, abordando as duas teorias genéricas da pena, a citar a teoria absoluta ou retributiva, voltada à justiça com foco na punição; ou a teoria relativa ou preventiva, que se refere à pena com finalidade preventiva e socialmente útil. Ainda, neste capítulo, é tratada a questão da execução provisória da pena com base na decisão do STF no HC n. 126.292/2016 e nas ADC‟s nº 43 e 44 e na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, analisando desde a abordagem teórica até a sua aplicabilidade prática.

Finaliza-se este capítulo com a temática da inconstitucionalidade da execução antecipada da pena privativa de liberdade sob o viés constitucional, uma vez que a literalidade do art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal, expressa que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.”

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1 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELA ÓTICA DO SISTEMA ACUSATÓRIO DE GARANTIAS

O princípio da presunção de inocência, tema central que envolve o presente estudo, somente tem razão de existir em países que respeitam os direitos e garantias individuais.

Dentro desse contexto (de respeito ou não de garantias) é necessário compreender, antes de tudo, a importância da definição de um sistema processual, e a sua identificação, segundo a opção feita pela Constituição Brasileira de 1988.

O conceito de sistema processual, segundo Paulo Rangel (2011, p. 49) pode ser compreendido da seguinte maneira:

[…] sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto. O Estado deve tornar efetiva a ordem normativa penal, assegurando a aplicação de suas regras e de seus preceitos básicos, e esta aplicação somente poderá ser feita através do processo, que deve se revestir, em princípio, de duas formas: a inquisitiva e acusatória.

Dessa forma, constata-se que o Estado, ao se utilizar do jus puniendi (lastreado na premissa de que esse poder/dever somente pode ser exercido através de um processo), tem a opção de fazer com que esse instrumento necessário para a aplicação da pena possa ocorrer de duas maneiras: ora se utilizando dos ditames do sistema inquisitivo, ora se valendo do sistema acusatório, a depender do modelo adotado por cada país.

Essa dicotomia clássica dos sistemas processuais penais, apresentada pela divisão entre sistema inquisitivo e acusatório, segundo Aury Lopes Júnior (2005, p. 155) pode ser compreendida a partir do “[…] reflexo da resposta do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época.”

Nesse sentido, Rangel (2011) faz uma rápida distinção entre os sistemas processuais, indispensável para a compreensão do assunto. Para o mencionado autor, em um Estado Democrático de Direito, o sistema acusatório é a garantia do

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cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. De outra parte, quando se verifica a supressão de direitos e garantias individuais, tal como ocorre em um Estado totalitário, o sistema inquisitivo encontra sua guarida.

A escolha desses sistemas processuais, segundo Gilberto Thums (2006), decorre do sistema político fundado na própria Constituição. Dessa forma, os Estados autoritários adotam modelos inquisitoriais, enquanto Estados de Direito compatibilizam-se melhor com o modelo acusatório, também designado garantista.

Assim, a opção constitucional por um ou por outro sistema processual é que traçará as diretrizes de respeito (ou não) aos direitos e garantias individuais, bem como indicará o “modo de ser” da persecução penal. Ou seja, como se desenvolve a atividade estatal persecutória, desde a fase preliminar, de investigação, até a execução penal, ante a notícia da possível prática delitiva.

Para que se possa ter uma visão panorâmica do surgimento dos sistemas processuais, é válido anotar a lição de Lopes Júnior (2005, p. 156):

Cronologicamente, em linhas gerais, o sistema acusatório predominou até meados do século XII, sendo posteriormente substituído, gradativamente, pelo modelo inquisitório que prevaleceu com plenitude ate o final século XVIII (em alguns países, ate parte do século XIX), momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos […].

É de se entender, portanto, que a ideia de que se estabeleçam regras ou procedimentos para a persecução penal é antiga, embora sua sistematização tenha sido realizada apenas no século XIX, a partir da reunião de características que possam identificar, entre os três modelos existentes na contemporaneidade, qual o adotado em cada país (THUMS, 2006).

Assim, desde a Antiguidade Clássica é possível reconhecer um modo de ser para apuração de ilícitos penais. Adotado inicialmente pelos gregos e romanos na sua forma acusatória, na qual os particulares é que eram responsáveis por realizar a acusação e, posteriormente, substituído pela igreja católica, que passou a utilizar do sistema inquisitivo, onde as funções de acusar, defender e julgar eram exercidas por uma única pessoa.

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Dessa forma, o primeiro modelo de processo adotado foi o acusatório. Após, o processo migrou-se para o sistema inquisitório que perdurou por vários séculos e, com o surgimento do Estado Democrático de Direito, retomou-se o modelo acusatório (THUMS, 2006).

Nesse ponto, é interessante destacar que nem o acusatório nem o inquisitório guardam as suas características originais, razão pela qual não se pode definir um sistema levando em consideração seus traços ontológicos (THUMS, 2006).

Com efeito, não se pode deixar de mencionar a existência de um terceiro sistema processual, chamado de sistema misto, que pode ser conceituado a partir da união dos sistemas acusatório ou inquisitivo, ou seja, apresenta similitudes de ambos sistemas processuais clássicos.

Apresentados os três modelos processuais existentes, passar-se-á a analisar, de forma individualizada, as características dos sistemas acusatório, inquisitivo e misto. A seguir, demonstraremos qual o modelo adotado pela República Federativa do Brasil.

1.1 As características dos sistemas processuais penais na contemporaneidade

O sistema acusatório remonta à Antiguidade Greco Romana, prevalecendo até o século XII. Nessa época, a população participava do exercício da acusação, eis que vigorava o sistema da ação popular para os crimes graves, e acusação privada para os delitos menos graves, em harmonia com os princípios do Direito Civil (LOPES JÚNIOR, 2005).

Note-se que, desde a Antiguidade, já se tinha a noção de que era necessário fazer uma distinção entre as tarefas que competia a cada um dos personagens na trama processual. Assim, uma das principais características desse sistema é que o magistrado não produz provas, nem defende o réu, tal como ocorre no sistema inquisitivo.

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Nesse ponto, o sistema acusatório é a antítese do sistema inquisitório, pois está baseado na nítida separação entre as funções de acusar, defender e julgar. Uma característica importante a assegurar, juntamente com o modo de gestão da prova, a imparcialidade do julgador.

Diferentemente do que ocorria no passado, nos dias atuais, a acusação dos crimes de ação penal pública é exercida por um órgão de Estado, chamado Ministério Público.

O fato de a acusação partir de um órgão estatal não deturpa a essência, em hipótese alguma, do sistema acusatório.

Nesse contexto, o autor Gordon Moreno (apud THUMS, 2006, p. 233) ressalta que “a presença de um órgão oficial como titular da ação pública não desnatura o sistema acusatório, porque o modelo antigo do acusador particular é inviável nos atuais Estados Democráticos de Direito.”

No Brasil, essa tarefa (de promover a acusação) nas ações penais de natureza pública cabe exclusivamente ao legitimado constitucionalmente para tanto, ou seja, ao Ministério Público (art. 129, I, da Constituição Federal1).

Assim, a presença de um órgão acusador preestabelecido significa um grande avanço para o sistema acusatório na medida em que não há mais dúvidas a respeito de quem, dentro dos sujeitos processuais, realizará a acusação.

Com isso, durante o curso do processo no sistema acusatório, o responsável pela acusação (Ministério Público) é quem tem o ônus de provar as alegações a respeito da ocorrência de uma infração penal, e de quem tenha sido seu autor. Ao réu somente há a exigência de provar fatos que visem afastar a sua culpa.

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Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

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Nesse ponto, o juiz deve ser o destinatário da produção probatória realizada pelas partes, evitando-se que saia em busca da prova, tanto como investigador, quanto como acusador, a fim de se preservar sua imparcialidade. Caso isso ocorra, faz com que haja um desrespeito à paridade de armas (entre acusação e defesa) e compromete severamente a imparcialidade do julgador, uma vez que ele é quem está procurando elementos que visem à condenação do acusado (LOPES JÚNIOR, 2016).

Sobre a temática, Lopes Júnior (2005, p. 160) menciona que:

O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente a atual estrutura social e politica do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. Também conduz a uma maior tranquilidade social, pois evita-se eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz "apaixonado" pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação.

Como características do modelo acusatório, Julio Maier (apud THUMS, 2006, p. 233) aponta as seguintes:

1) exercício da jurisdição por um órgão estatal – juiz ou tribunal – como árbitro entre as partes em litígio, a quem incube decidir sobre o embate travado entre acusador e acusado; 2) persecução penal a cargo de uma instituição estatal, o acusador; 3) acusado, colocado em posição de igualdade com o acusador, dotado de direitos e garantias fundamentais; 4) procedimento ou rito processual, constituído pelo debate público, oral e contínuo e contraditório; 5) valoração da prova baseada no sistema na íntima convicção, sem vinculação à prova legal, […]; 6) sentença colegiada proferida por maioria de votos.

Como se pode perceber, a grande marca do sistema acusatório contemporâneo é que este modelo tem como postulado maior o respeito aos direitos e garantias individuais de cada cidadão.

Ou seja, qualquer pessoa que venha a ser acusada da prática de um crime, deve ter a tranquilidade de que será julgada por um juiz com competência previamente estabelecida (princípio do juiz natural) e que essa acusação que lhe é

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feita advém de um órgão distinto daquele que irá proferir a decisão (Ministério Público).

Além disso, durante o processo, serão respeitados os princípios da presunção de inocência (o órgão acusador é o responsável em realizar a prova da culpa) e do devido processo legal, regido pelo contraditório e pela ampla defesa.

Nesse sentido, Giovani Conso (apud THUMS, 2006, p. 237), estabelece que o modelo acusatório (por ser garantista na medida em que possui como princípio basilar a presunção de inocência) consiste em permitir a liberdade do acusado durante todo o processo, até que sobrevenha uma sentença condenatória transitada em julgado.

Assim, a escolha do sistema acusatório significa também a proteção dos direitos fundamentais, dentre eles a liberdade, do arbítrio do poder punitivo do Estado. É dizer: a prisão pena somente será executada após o trânsito em julgado, em respeito ao postulado do devido processo legal e da presunção de não culpabilidade.

Essa é a razão de ser do sistema. Sobre o assunto, complementa Rangel (2011, p. 25) que “é o sistema acusatório a base para tratar o acusado com mais dignidade e respeito à sua liberdade de locomoção.”

Thums (2006, p. 240, grifo do autor) explica com detalhes essas características peculiares do sistema acusatório:

No sistema acusatório o órgão que produz a acusação tem o ônus de provar a imputação que faz ao réu, sem presunções, mas com provas substanciais sobre a ocorrência de um fato e de sua autoria. Não pode debitar ao juiz a busca de provas para sustentar a acusação, porquanto esse procedimento desnatura o sistema. Ao réu incube provar sua alegação, caso constitua fato positivo para exculpação, desclassificação para outro crime menos grave, causa de diminuição de pena, negativa de autoria etc. O réu não precisa prova fato negativo, isto é, se a acusação não possuir provas para incriminação, a consequência é a absolvição. Se a prova for insuficiente para convencer o juiz sobre a culpa do acusado, vale o princípio do favor rei, ou seja, o juiz deve absolver e não diligenciar na obtenção de novas provas, sob a alegação de buscar a verdade material. O juiz deve manter-se equidistante das partes para conservar sua imparcialidade. A busca de

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provas de ofício retira a imparcialidade do julgador e o aproxima da figura do inquisidor.

Assim, não restam dúvidas de que a postura de um juiz persecutório é típica do sistema inquisitivo, pois no sistema acusatório há divisão de funções e, ao juiz, cabe somente realizar o julgamento de acordo com as provas produzidas. Se não existem provas suficientes, trazidas sobretudo pela parte acusadora ao processo, a absolvição é a medida que se impõe.

Em resumo, o sistema acusatório pode ser compreendido da seguinte forma: o autor faz a acusação, assumindo todo o ônus probatório, o réu se defende utilizando de todos os meios e recursos inerentes a sua defesa e o juiz, terceiro imparcial, é que decidirá a respeito da condenação ou absolvição do acusado, com a observância do cotejo probatório produzido sob o manto do contraditório judicial (RANGEL, 2011).

Após definidas as características principais do sistema acusatório, analisar-se-ão algumas características do sistema inquisitivo.

O sistema inquisitivo ou inquisitório foi o modelo adotado pela Igreja Católica a partir do século XVI (LOPES JÚNIOR, 2005).

Segundo o doutrinador Thums (2006), o sistema inquisitório é típico dos estados nacionais de monarquia absolutista e do Direito Canônico, porque é apropriado para combater os opositores ou infiéis, como o poder feudal e a heresia, respectivamente.

O processualista Rangel (2011, p. 49) esclarece, também, a origem desse sistema:

O sistema inquisitivo surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações europeias dos séculos XVI, XVII e XVII. O sistema inquisitivo surgiu após o acusatório privado, com sustento na afirmativa de que não se poderia deixar que a defesa social dependesse da boa vontade dos particulares, já que eram estes que iniciavam a persecução penal. O cerne de tal sistema era a reivindicação que o estado fazia para si do poder de

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reprimir a prática dos delitos, não sendo mais admissível que tal repressão fosse encomendada ou delegada por particulares.

Como visto, o primeiro sistema processual utilizado foi o acusatório. Entretanto, esse sistema no império romano apresentava outra roupagem do que aquela que se apresenta nos dias atuais, pois a acusação de um determinado crime dependia da iniciativa dos particulares, já que estes eram os responsáveis pela persecução penal.

Nessa esteira, o sistema acusatório começa a perder espaço quando surge a necessidade de a Igreja Católica começar a combater as religiões não-cristãs, tornando-se necessário criar um sistema com maior eficácia, autoritário e intolerante. Nesse contexto, o sistema inquisitório se mostrou mais útil para os interesses do cleroa partir do século XVI (THUMS, 2006).

A grande marca do sistema inquisitório é o desrespeito pelas garantias individuais com o objetivo de punir, a qualquer custo, aqueles que contrariarem os interesses de um determinado grupo que está no poder. Antes dos regimes totalitários, essa prática era realizada pela igreja contra os hereges, sendo legítimo o cometimento de atrocidades (como, por exemplo, a admissão da confissão obtida através de tortura) contra aqueles que não concordassem com as ideias cristãs.

Para conseguir a punição, o sistema inquisitório mascara o que hoje se conhece por devido processo legal. Isso porque, conforme doutrina Rangel (2011, p. 50), podem ser estabelecidas algumas características próprias do sistema inquisitivo, a saber:

a) as três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só pessoa, iniciando o juiz, ex officio, a acusação, quebrando, assim, sua imparcialidade;

b) o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo;

c) não há o contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto do processo e não sujeito de direitos, não lhe conferindo nenhuma garantia;

d) o sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal […] e, consequentemente, a confissão é a rainha das provas.

Lopes Júnior (2016) destaca que a principal característica desse sistema é que uma única pessoa, o juiz, é quem investiga, acusa e depois julga o acusado. Nesse

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cenário, como não poderia deixar de ser, o procedimento é escrito, secreto e não contraditório. A apreciação da prova deveria observar o sistema legal de valoração, ou seja, cada prova tinha uma determinada importância, sendo a confissão do acusado nesse período chamada “rainha das provas”.

Nesse período, surge a “famigerada verdade real” que, na vã esperança de descobrir a verdade sobre os fatos supostamente ocorridos, fez com que os inquisidores se utilizassem dela para cometer inúmeras atrocidades, como, por exemplo, a admissão da tortura como meio legítimo de prova.

Sobre o assunto, preleciona Lopes Júnior (2005, p. 166):

Uma vez obtida a confissão, a inquisidor não necessita de mais nada, pois a confissão é a rainha das provas (sistema de hierarquia de provas). Sem dúvida, tudo se encaixa pra bem servir ao sistema. A confissão era a prova máxima, suficiente para a condenação e, no sistema de prova tarifada, nenhuma prova valia mais que a confissão. O inquisidor EYMERICH fala da total inutilidade da defesa, pois, se o acusado confirmava a acusação, não havia necessidade de advogado. Ademais, a função do advogado era fazer com que o acusado confessasse logo e se arrependesse do erro, para que a pena fosse imediatamente aplicada e iniciada a execução.

Sendo a confissão a prova mais importante e suficiente para obter um decreto condenatório, a busca por outros meios de prova torna-se uma tarefa deixada para o segundo plano, pois dispensada a análise de outros elementos que corroborem as alegações do acusado (forma utilizada no modelo acusatório).

Nessa ordem de ideias, o sistema inquisitivo tem como característica central a mitigação dos direitos e garantias individuais, em favor de um pretenso interesse coletivo de ver o acusado punido. É justificada a pretensão punitiva estatal com lastro na necessidade de não serem outorgadas excessivas garantias fundamentais (TÁVORA; ALENCAR, 2016).

De se destacar que, no Século XVII, o jus puniendi era monopólio do príncipe ou da Igreja, em que o crime era conceituado como uma ofensa contra o soberano que personificava a punição como medida de vingança. Além disso, nesta época, a execução da pena não exigia a formação completa de culpa, bastando para a consideração de sua admissão a presença de indícios (VARALDA, 2007).

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Thums (2006, p. 203), ao tratar do direito à defesa no sistema inquisitivo, esclarece que:

[…] o direito à defesa não é típico do sistema inquisitório e por isso a dialética não encontra espaço, já que a concepção do sistema é de que o acusado, que se presume culpado, não merece defesa e, quando se tratar de acusado inocente, o inquisidor descobre a verdade para absolvê-lo.

Por fim, vale registrar a lição de Lopes Júnior (2005, p. 168), o qual faz a seguinte afirmação: “o sistema inquisitório foi desacreditado - principalmente - por incidir em um erro psicológico: crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar, acusar, defender e julgar.”

Após analisados os sistemas processuais clássicos, passar-se-á a fazer breves considerações sobre o sistema misto.

O sistema misto, adotado em países como França e Espanha, não possui apenas características distintas daquelas estudadas nos sistemas anteriores. Pelo contrário, pressupõe uma fusão entre as principais características dos sistemas inquisitivo e acusatório.

Por essa razão é que Thums (2006, p. 231) afirma que “o sistema misto certamente não é um sistema, mas um amontoado de regras”, pois apresenta tanto elementos tanto do sistema acusatório quanto do inquisitivo.

Segundo Rangel (2011, p. 54):

O sistema misto tem fortes influências do sistema acusatório privado de Roma e do posterior sistema inquisitivo desenvolvido a partir do Direito canônico e da formação dos Estados nacionais sob o regime da monarquia absolutista. Procurou-se com ele temperar a impunidade que estava reinando no sistema acusatório, em que nem sempre o cidadão levava ao conhecimento do Estado a prática da infração penal, fosse por desinteresse ou por falta de estrutura mínima e necessária para suportar as despesas inerentes àquela atividade; ou, quando levava, em alguns casos, fazia-o movido por um espírito de mera vingança. Nesse caso, continuava nas mãos do Estado a persecução penal, porém feita na fase anterior a ação penal e levada à cabo pelo Estado-juiz. As investigações criminais eram feitas pelos magistrados com sérios comprometimentos de sua imparcialidade, porém a acusação passava a ser feita, agora, pelo Estado-administração: o Ministério Público.

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O sistema misto ou acusatório formal tem como característica a instrução preliminar, secreta, escrita e dirigida pelo juiz, com o objetivo de colher as provas, e por uma fase contraditória em que se dá o julgamento, admitindo-se o exercício da ampla defesa e de todos os direitos dela decorrentes.

O sistema misto ora se aproxima do sistema acusatório, ao atender às garantias do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência e da publicidade, e, de outra parte, estabelece fortes poderes instrutórios nas mãos do juiz na gestão da prova ex officio, aproximando-se do modelo inquisitório.

Por essa razão é que parte da doutrina (minoritária) entende que o sistema processual adotado pelo Brasil é o misto, pois apresenta características inquisitivas na fase do inquérito judicial, e passa a ter traços acusatórios depois de recebida a denúncia (início do processo judicial).

Contudo, conforme se verá na sequência, a doutrina majoritária tem entendido que, em que pese não haver disposição expressa em seu texto, a Constituição Federal de 1988 adotou o sistema acusatório.

1.2 O modelo constitucional do sistema processual penal e a função limitadora das garantias constitucionais

O sistema processual adotado no Brasil, pela Constituição Federal de 1988, segundo a doutrina majoritária, é o sistema acusatório de garantias.

A doutrina de Rangel (2011, p. 53) explica que:

Hodiernamente, no direito pátrio, vige o sistema acusatório (cf. art. 129, I, da CRFB), pois a função de acusar foi entregue, privativamente, a um órgão distinto: o Ministério Público, e, em casos excepcionais, ao particular. Não temos a figura do juiz instrutor, pois a fase preliminar e informativa que temos antes da propositura da ação penal é a do inquérito policial e este é presidido pela autoridade policial. Durante o inquérito policial, […], o sigilo e a inquisitividade imperam, porém, uma vez instaurada a ação penal, o processo torna-se público, contraditório e são asseguradas aos acusados todas as garantias constitucionais.

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Em que pese não haver uma disposição expressa sobre a adoção desse modelo, a Constituição estabelece, em várias passagens do seu texto, que o sistema adotado pelo Brasil é o acusatório, identificável em razão do conjunto de garantias aos direitos fundamentais, sobretudo do acusado, tais como o contraditório, a ampla defesa, o dever de motivação das decisões judiciais, a inadmissibilidade das provas ilícitas, a presunção de inocência, entre outras.

Nesse contexto, ensina Távora e Alencar (2016, p. 57):

O sistema acusatório é o adotado no Brasil, de acordo com o plasmado na Constituição Federal de 1988. Com efeito, ao estabelecer como função privativa do Ministério Público a promoção da ação penal (art. 129, I, CF/88), a Carta Magna deixou nítida preferência por esse modelo que tem como características fundamentais a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a personagens distintos. Os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade regem todo o processo; o órgão julgador é dotado de imparcialidade; o sistema de apreciação de provas é o do livre convencimento motivado. Nota-se que o que efetivamente diferencia o sistema inquisitorial do acusatório é a posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova, não sendo mais o juiz, por excelência, o seu gestor.

No mesmo sentido, Lopes Júnior (2016) entende que a Constituição Federal de 1988 adotou o modelo acusatório. Isso porque, segundo o autor, a acusação incube ao Ministério Público (art. 129, I), exigindo, portanto, a separação de acusar e julgar e, principalmente, porque a Carta da República define regras do devido processo legal (art. 5º), especialmente na garantia do juiz natural e também impõe o respeito ao contraditório.

É interessante destacar, conforme adverte Thums (2006), que não existe consenso na doutrina processual penal a respeito de qual seria o status constitucional do sistema acusatório adotado no Brasil, já que existe apenas um sistema de garantias, mas não há referência expressa ao princípio acusatório.

Nesse contexto, adverte Távora e Alencar (2016) que o Brasil não adotou o sistema acusatório puro, e sim o ortodoxo, pois o magistrado não é um espectador estático na persecução, tendo, ainda, que excepcionalmente, iniciativa probatória.

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Como dito, o sistema acusatório tem como objetivo principal o respeito a um conjunto de garantias estabelecidas pela Constituição Federal. Por essa razão, no tópico seguir tratar-se-á sobre o princípio da presunção de inocência, sustentáculo do Estado Democrático de Direito e do sistema de garantias.

1.3 A garantia constitucional da presunção de inocência

Após compreendida a existência dos sistemas processuais penais, e identificado o modelo pelo qual o atual texto constitucional brasileiro fez a opção, analisar-se-ão alguns elementos sobre o princípio basilar da presunção de inocência, aspecto de fundamental relevância para compreender o objetivo do presente trabalho.

Inicialmente, destaque-se que o princípio da presunção de inocência surgiu para assegurar a qualquer acusado as garantias da ampla defesa, em combate ao princípio da culpabilidade defendido pela inquisição (VARALDA, 2007).

Rangel (2011, p. 24) explica a origem do surgimento do princípio da presunção de inocência, fazendo menção à Era do Iluminismo:

O princípio da presunção de inocência tem seu marco principal no fim do século XVII, em pleno Iluminismo, quando, na Europa Continental, surgiu a necessidade de se insurgir contra o sistema processual penal inquisitório, de base romano-canônica, que vigia desde o século XII. Nesse período e sistema o acusado era desprovido de qualquer garantia. Surgiu a necessidade de se proteger o cidadão do arbítrio do Estado que, a qualquer preço, queria sua condenação, presumindo-o, como regra, culpado. Com a eclosão da Revolução Francesa, nasce o diploma marco dos direitos e garantias fundamentais do homem: a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, de 1789. Neste, fica consignado em ser art. 9º, que: Todo homem é considerado inocente, até o momento em que, reconhecido como culpado, se julgar indispensável a sua prisão: todo o rigor desnecessário, empregado para efetuar, deve ser severamente reprimido pela lei.

Corroborando esse entendimento, explica Maurício Zanoid de Moraes (2010) que a mudança da perspectiva inquisitorial tem origem no princípio da presunção de inocência.

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Nesse sentido, destaca o referido autor (2010) que o procedimento passou a ser não apenas uma sequência de atos para demonstrar aquilo que o inquiridor já tinha em sua mente como certo desde o início da inquirição. Partindo-se da concepção de inocência, a persecução deveria ser uma efetiva “persecução”, isto é, uma investigação cognitiva na busca dos mais confiáveis meios de prova para evidenciar os fatos no processo. Da mesma forma, o termo “investigar” não mais significa “confirmar” aquilo que antes já tinha como certo ou conveniente para o julgador. “Cognição” não significa mais “desígnio político ou religioso” a ser realizado pelo processo. Por fim, como um novo “processo” não se aceitaria mais o sigilo ao imputado, a ausência de defesa e de contraditório, passou-se a assegurar o respeito às integridades física, moral e religiosa do investigado-acusado, a imparcialidade do juiz e o direito ao recurso.

Nessa esteira, segundo Thums (2006), o efeito do princípio da presunção de inocência não se limita apenas em garantia de liberdade e de verdade, mas significa uma garantia de segurança de que o Estado vai prestar a jurisdição através de um processo com amplas garantias.

O princípio da presunção de inocência, consoante destacado, remonta à Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (RANGEL, 2011).

Conforme o doutrinador Moraes (2010), na declaração francesa, com o objetivo de fixar preceitos fundamentais ao cidadão e invioláveis pelo Estado, foi inserida, pela primeira vez, a concepção de “presunção de inocência”. Em vernáculo, o artigo 9º, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, retrata que todo homem deve ser presumido inocente até que tenha sido declarado culpado; se julgar-se indispensável detê-lo, todo o rigor que não seja necessário para prendê-lo, deverá ser severamente reprimido pela lei.

Com isso, resta claro o propósito trazido pelos revolucionários no sentido de afastar a presunção de culpa estabelecida até então pelo sistema inquisitorial e passar a prescrever, na forma de garantia, a presunção de inocência para todos os acusados da prática de um crime.

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Séculos mais tarde, em 10.12.1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a denominada Declaração Universal dos Direitos do Homem, e, em seu art. XI foi colocado o princípio da presunção de inocência, com a seguinte redação:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no que lhe tenham asseguradas todas garantias necessárias à sua defesa (BATISTI, 2009, p.33).

Referido autor (2009) faz uma crítica quanto à Declaração Universal da Assembleia Geral da ONU, sustentando que a presunção de inocência foi misturada com o devido processo legal, o que talvez possa explicar a dificuldade de traçar um conceito sobre o que é presunção de inocência.

Pode-se mencionar, ainda, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, o qual trata o princípio da presunção de inocência no seu art. 14, n. 2, da seguinte forma: “Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.” Ressalte-se que o referido Pacto, inclusive, foi promulgado no Brasil por meio do Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992.

Por fim, a Convenção Americana de Direitos Humanos - o Pacto São José da Costa Rica - o qual foi aderido pelo Brasil pelo Decreto 678, de 06 de setembro de 1992, prescreve, em seu art. 8º que “Toda pessoa acusada de um delito tem direito que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.”

Nesse contexto, Marchi Júnior e Pinto (2008, p. 85) observam que a Convenção faz menção à presunção de inocência, “enquanto não comprovada a culpa do acusado”, diferentemente da redação dada ao art. 5º, LVII, da CF/88, que consagra a necessidade do trânsito em julgado da condenação para o reconhecimento da culpa. Apesar disso, no meio doutrinário e jurisprudencial, o princípio da presunção de inocência é utilizado como sinônimo do princípio da presunção de não culpabilidade.

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Sobre o tema, cabe mencionar o posicionamento adotado por Lima (apud MARCHI JÚNIOR; PINTO, 2008, p. 89), segundo o qual a “Convenção Americana de Direitos Humanos não exige o trânsito em julgado, mas, sim, a comprovação da culpa para ser afastada a dita presunção de inocência.” Para esse autor, por meio de uma análise sistemática, entende-se que restaria comprovada a culpa após o exercício do duplo grau de jurisdição. No entanto, esse entendimento é diferente do expresso na Constituição Federal de 1988, onde claramente está definido que se exige o trânsito em julgado da condenação para o afastamento da presunção de não culpabilidade.

A diferença acerca do momento da verificação da culpa, acima exposta, resulta da existência de dois sistemas mundiais para se afastar a presunção de inocência e, consequentemente, possibilitar a imediata execução da pena: a) o sistema do trânsito em julgado final; e b) o sistema do duplo grau de jurisdição.

Sobre estes dois sistemas, Luiz Flávio Gomes (2016, s. p.) explica que:

No primeiro sistema, somente depois de esgotados „todos os recursos‟ (ordinários e extraordinários) é que a pena pode ser executada (salvo o caso de prisão preventiva, que ocorreria teoricamente em situações excepcionalíssimas). No segundo sistema a execução da pena exige dois julgamentos condenatórios feitos normalmente pelas instâncias ordinárias (1º e 2º graus). Nele há uma análise dupla dos fatos, das provas e do direito, leia-se, condenação imposta por uma instância e confirmada por outra.

A quase totalidade dos países ocidentais segue o segundo sistema (duplo grau). A minoria, incluindo-se a Constituição brasileira (art. 5º, inc. LVII), segue o primeiro (do trânsito em julgado). O direito internacional deixa que cada país regule o tema da sua maneira.

Com base no texto constitucional brasileiro, fica clara a adoção do sistema do trânsito em julgado final, mormente porque o Pacto São José da Costa Rica, conforme entendimento predominante, foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro com status supralegal.

Desse modo, entende-se que este princípio reconhece “um estado transitório de não-culpabilidade, na medida em que referido status processual permanece enquanto não houver o trânsito em julgado de uma sentença condenatória” (BONFIM, 2009, p. 45), garantindo a preservação do princípio da dignidade da

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pessoa humana, no sentido de preservar a liberdade do indivíduo ao qual se imputa autoria de delito.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o sistema processual penal brasileiro então vigente, que data de 1941, iniciou um lento processo de adequação das suas normas ao texto constitucional, como resultado de construções doutrinárias e jurisprudenciais.

Isso porque, no âmbito constitucional, o princípio da presunção de inocência foi insculpido no art. 5º, inciso LVII, da CF\88 com a seguinte redação: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.”

Com efeito, cumpre mencionar que o princípio da presunção de inocência é reconhecido tanto no âmbito interno quanto internacional (inclusive vários diplomas foram incorporados em nosso ordenamento), demonstrando, assim, a grande relevância que representa para a República Federativa do Brasil.

Como se pode notar, o princípio da presunção de inocência surgiu para assegurar a garantia de todo e qualquer acusado da prática de crime o direito de ser tratado como inocente durante todo o processo criminal. Não foi por outra razão que esse princípio está expresso em vários diplomas internacionais.

Lopes Júnior e Gustavo Henrique Badaró (2016) explicam que a presunção de inocência possui dois vieses, ora se apresenta como regra de julgamento, ora se reveste como regra de tratamento do acusado ao longo do processo.

Como regra de julgamento, o juiz, ao se deparar na sentença que não existem provas suficientes que demonstre, de forma inequívoca, o cometimento de um determinado crime pelo acusado, deverá absolvê-lo pelo princípio do in dubio pro reo, sendo, portanto, essa absolvição decorrência do princípio da presunção de inocência.

De outra banda, a presunção de inocência também pode ser compreendida como uma regra de tratamento, ou seja, manifesta-se ao longo do processo criminal.

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Segundo Lopes Júnior e Badaró (2016), são manifestações claras desta regra de tratamento a vedação de prisões processuais automáticas e obrigatórias e a impossibilidade de execução provisória ou antecipada de sanção penal. Esse é raciocínio do art. 5º, inciso, LVII, da CF\88.

Dessa forma, a Constituição, ao estabelecer que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” não deixa margens para dúvidas de que o acusado deve ser tratado como inocente (ou, pelo menos, não culpado) até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Nesse ponto, faz-se necessária uma observação. Em que pese vários diplomas internacionais fazerem referência ao princípio da presunção de inocência, nenhum deles é tão claro como a Constituição da República Federativa do Brasil.

Isso por uma razão muito simples. A Constituição brasileira de 1988 estabelece um marco temporal final de aplicabilidade da presunção de inocência. Há a explicitação de que o acusado é presumidamente inocente “até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (LOPES JÚNIOR; BADARÓ, 2016, p. 11).

Assim, o princípio da presunção de inocência, insculpido no art. 5º, inciso LVII da Carta da República, por tutelar o direito fundamental a liberdade (até que sobrevenha sentença com trânsito em julgado, é claro) deve ser interpretado de forma restritiva, vale dizer, nos exatos termos em que se encontra estabelecido no texto constitucional.

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2 A INCOMPATIBILIDADE ENTRE A EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA E O SISTEMA CONSTITUCIONAL DE GARANTIAS

Neste capítulo, inicialmente, apresentar-se-á uma breve explanação sobre a função social da pena, tratando das duas teorias genéricas da pena; seja no sentido de justiça com foco na punição: teoria absoluta ou retributiva; ou na punição com a finalidade preventiva e socialmente útil: teoria relativa ou também chamada de preventiva. Em seguida, abordar-se-á a questão da execução provisória da pena com base na decisão do Supremo Tribunal Federal no HC n. 126.292/2016, levando-se em consideração desde a abordagem teórica até a aplicabilidade prática.

Na terceira parte deste capítulo, tratar-se-á especificamente da inconstitucionalidade da execução antecipada, com fundamento no postulado constitucional expresso no art. 5º, inciso LVII, da CF\88, segundo o qual ninguém deva ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Após, abordar-se-á o reconhecimento por parte do STF do chamado Estado de Coisas Inconstitucionais do sistema penitenciário brasileiro.

2.1 A função social da pena: a ideia de controle social

A função social da pena deve ser de caráter recuperador, sem a exposição do indivíduo, garantindo assim que a sua imagem seja preservada no anseio de recuperação do delinquente. Sendo a pena normatizada pelo Estado, esta passa a ter um fim social e adequada ao delito. A pena assume o fim de retribuição, “[...] a culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena” (BITENCOURT, 2003, p. 68).

No mesmo sentido, Gimbert Ordieg, citado por Bitencourt (2003, p. 65), “[...] entende que a pena constitui um recurso elementar com que conta o Estado, e ao qual recorre, quando necessário, para tornar possível a convivência em sociedade.”

Com efeito, a evolução da pena fez com que diversas teorias surgissem, conforme cada momento histórico. Dentre essas teorias, citam-se a absolutista ou retributiva e preventivas da pena, tratadas na sequência deste estudo.

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Antes de adentrar na análise destas teorias, Shecaira e Corrêa Júnior (2002, p. 125) tecem comentários com relação ao direito de punir, que deve ser analisado antes mesmo da própria finalidade da pena.

Observe-se que, quando um sujeito através de uma conduta delitiva, infringe uma norma penal, surge para o Estado o direito de aplicar a punição prevista na norma objetiva. É o jus puniendi, ou no entender de José Frederico Marques “o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou uma lesão jurídica”. Para Bustos Ramírez e Hernán Malarée, direito penal subjetivo ou jus puniendi é uma decisão de política criminal plasmada em uma norma que declara punível um fato e autoriza a perseguição de seu autor, ou seja, é a expressão do poder único e exclusivo do Estado para exercer a violência legítima.

Os referidos autores complementam que o Estado tem o dever de aplicar a sanção, ou seja, o jus puniendi não pode ser encarado como simples faculdade ou poder, e sim como uma obrigação oriunda da própria organização e dos fins do Estado, sendo, portanto, o direito de punir caracterizado como um direito público subjetivo do Estado (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002).

Nesse ponto, complementa Lopes Júnior (2016) que, em se tratando de processo penal, o Ministério Público ou o querelante é quem exerce a pretensão acusatória, isto é, o poder de proceder contra alguém, cabendo ao juiz, se acolher a acusação, presidir a instrução criminal com vistas a verificar a concretização ou não da pretensão punitiva. Por isso, somente se criam condições de possibilidade de concretizar o poder de penar do Estado, quando o acusador tiver êxito na comprovação da hipótese acusatória. Dessa forma, conclui-se que o poder de punir é condicionado ao exercício da acusação.

Ademais, Shecaira e Corrêa Júnior (2002, p. 126) ensinam que as limitações impostas ao poder punitivo do Estado visam a impedir o despotismo do poder público e evitar atrocidades. Com isso, é o direito objetivo que deve consagrar normas e princípios que coloquem o indivíduo como medida do poder punitivo.

Segundo Shecaira e Corrêa Júnior (2002), várias foram as justificativas dadas no decorrer da história para fundamentar e legitimar a repressão da delinquência mediante a ação do Estado. Dessa forma, surgiram duas teorias genéricas que

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resumem a tentativa de legitimar a intervenção penal, seja como fundamento na “justiça” da punição (teoria absoluta ou retributiva), seja atribuindo a punição uma finalidade socialmente útil (teoria relativa ou preventiva)

Para a teoria absolutista ou retributiva, as características presentes se confundiam entre si, pois a religião, o direito e a política eram baseadas no Direito divino da época, em que o poder do soberano era concedido por Deus. Porém, o Estado absolutista ficou conhecido como o de transição entre a sociedade da baixa Idade Média e a sociedade liberal, ocorrendo um aumento da burguesia e do capital fazendo o Estado protegesse todo esse acúmulo do capital. Nesse sentido, “[...] a pena não podia ter senão as mesmas características e constituir um meio a mais para realizar o objetivo capitalista” (JESCHECK apud BITENCOURT, 2003, p. 67).

Sobre a função da pena nesta teoria, Ramirez e Malarée (apud BITENCOURT, 2003, p. 68) explicam que esta passou a ser considerada como

[…] a retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos homens e consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida. À expiação sucede a retribuição, a razão Divina é substituída pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens.

Nesse sentido, afirma Bitencourt (2003) que a fundamentação ideológica das teorias absolutas da pena baseia-se no reconhecimento do Estado como guardião da justiça terrena e como conjunto de ideias morais, na fé, na capacidade do homem para se auto determinar e na ideia de que a missão do Estado perante os cidadãos deve limitar-se à proteção da liberdade individual.

Dentre os pensadores e defensores das teses absolutistas ou retributivas, destacam-se Kant e Hegel e, consoante destacado por Bitencourt (2003), são os principais representantes da teoria absoluta da pena. Na teoria de Kant, a fundamentação é de ordem ética, e em Hegel de ordem jurídica.

As ideias de Kant revelam que quem não cumpre as disposições legais deve ter a pena aplicada porque houve infringência à lei, com o objetivo de realizar a justiça em razão de que a aplicação da pena deriva da simples violação da lei, como

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assevera Bitencourt (2003, p. 62):

De acordo com as reflexões kantianas, quem não cumpre as disposições legais não é digno do direito da cidadania. Nesses termos, é obrigação do soberano castigar “impiedosamente” aquele que transgrediu a lei. Kant entendia que a lei como um imperativo categórico, isto é, como aquele mandamento que “representasse uma ação em si mesma, sem referência a nenhum outro fim, como objetivamente necessária.”

Para Kant (apud BITENCOURT, 2003, p. 70), o Direito é o conjunto de condições através das quais o arbítrio de um, pode concordar com o arbítrio do outro, seguindo uma lei universal ou geral. Deduz-se que o princípio universal do Direito “[...] é justa toda a ação que por si, não é um obstáculo à conformidade da liberdade de arbítrio de todos com a liberdade de cada um segundo as leis universais.”

A tese usada por Hegel é o contrário da Kantiana, pois para ele a pena deve retribuir ao delinquente o crime praticado, e, de acordo com Bitencourt (2003, p. 72), esta tese pode ser resumida na conhecida frase de Hegel: “[...] a pena é a negação da negação do Direito.”

Dessa feita, observa-se a diferenciação entre Kant e Hegel. Este último, na sua fundamentação, encontra sua justificação na necessidade de restabelecer a vigência da “vontade geral”, simbolizada na ordem jurídica e que foi negada pela vontade do delinquente. Com isso, ter-se-á de negar esta negação através do castigo penal para que surja de novo a afirmação da vontade geral.

Neste contexto, ensina Hegel (apud BITENCOURT, 2003) que a pena é uma maneira de compensar o delito que tenha sido cometido como forma de recuperar o equilíbrio perdido. Em sentido diverso, de acordo com a teoria preventiva, através da pena busca-se a prevenção da prática do crime, ou seja, procura-se inibir a possibilidade da prática de novos fatos delituosos e não retribuir o fato delitivo.

Assim, de acordo com a teoria retributiva, quando o delinquente pratica um injusto penal, este estará aceitando a vontade geral, no caso, a punição. Esse indivíduo nega um direito da relação do mesmo com a sociedade. Bitencourt (2003,

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p. 74) cita Carrara, o qual escreveu que “[...] o fim primário da pena é o restabelecimento da ordem externa da sociedade.”

Shecaira e Corrêa Júnior (2002, p. 131) apontam que a teoria retribucionista deixou uma importante contribuição pois somente dentro dos limites da justa retribuição é a sanção penal se justifica. Sendo assim, a principal concepção retributiva é a ideia de medição da pena, o que se pode chamar de princípio da proporcionalidade.

Segundo Aníbal Bruno (2009, p. 45), o Direito Penal é um produto histórico, que deriva de longa evolução de instituições penais e contem em si mesmo, em potencial, elementos de transformações futuras:

E como fenômeno historicamente condicionado, incorporado a uma extensa tradição, a forma assume em um momento determinado só pode ser entendida, no seu sentido geral e em cada uma das suas instituições, quando posta em referência com seus antecedentes históricos.

Nesse sentido, com o surgimento do Sistema Humanitário do Direito Penal, iniciou-se a reforma das leis e da administração da justiça penal, através de seu maior mentor, Marquês de Beccaria, que, influenciado pelos pensamentos de Rousseau e Montesquieu publicou a Obra “Dos Delitos e das Penas”, um verdadeiro marco na história penal (DAVID, 2003).

David (2003, p. 1-2, grifo nosso) menciona que dentre todo o contexto da obra do Marquês de Beccaria, destacam-se os seguintes pontos:

A privação de uma parcela da liberdade e dos direitos, pelo cidadão, em favor de uma sociedade harmônica, contudo sem abrir mão do seu principal bem, sua vida (direito não cedido); a fixação de penas somente através de leis claras, conhecidas, as quais deveriam ser respeitadas por todos os cidadãos; admissão de todas as provas possíveis para uma correta apuração da verdade; a eliminação de penas de confisco e infamantes, garantindo assim que a pena não passe da pessoa do infrator; garantia de procedimentos dignos à descoberta da verdade; e, a mais importante, que a

pena deveria ser utilizada como profilaxia social, não só para intimidar a sociedade, assim como recuperar o delinquente.

A função preventiva da pena consolida-se nas ameaças que eram feitas como fator de motivação para que não voltassem a delinquir. Assim, o medo era a ordem

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imperativa. Nesse contexto, a prevenção de delitos é descrita por Beccaria (2002, p. 131) como:

Quereis prevenir delitos? Fazei com que as leis sejam claras simples e que toda a força da nação se concentre em defendê-las e nenhuma parte dela seja empregada para destruí-la. Fazei com que as leis favoreçam menos as classes dos homens do que os próprios homens. Fazei com que os homens a temam, e temam só a elas.

De acordo com Shecaira e Corrêa Júnior (2002), a pena, como teoria da prevenção geral em seu sentido negativo, deve produzir intimidação sobre as pessoas, atemorizando os possíveis infratores a fim de que estes não cometam quaisquer delitos.

Os referidos autores (2002, p. 132) ainda mencionam que essa prevenção geral pode ter também um sentido positivo ou de integração:

Não pela gravidade da pena como fim de intimidação – o que implicaria um dever moral de graduá-la ao máximo -, mas como resultado de eficaz atuação da justiça e da consciência que a sociedade passará a ter sobre a realidade. A norma deve ser, pois, estimulada em seu cumprimento, sendo esse um processo de formação do povo, com possibilidades de assimilar os valores básicos da sociedade.

As penas têm uma ligação direta com os movimentos políticos e evolutivos do Estado, pois de natureza vingativa consistiu a forma legalizada. Com a evolução da sociedade, foram banidas as penas cruéis e desumanas. Sendo “a ideia de retribuição da sociedade ao delinquente - dos clássicos - seria substituída, então pelos positivistas, pela ideia de defesa da sociedade contra os perigos” (BOSCHI, 2004, p.108). Porém, modernamente, o direito de punir passou a ser visto como uma forma de manutenção do poder por parte do Estado.

Destarte, Vera Regina Pereira de Andrade (2012) entende que o aumento significativo da violência e da criminalidade redundou na necessidade de que a pena assumisse uma função punitiva, representando a forma de a sociedade garantir que aquele que pratica o delito será punido. Com isso, a pena passou a assumir o papel de segregação, punição e castigo, neutralizando e isolando o apenado da convivência em comum, afastando-se da ideia de prevenção especial positiva, com objetivo na ressocialização, e aproximando-se da prevenção especial negativa,

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através da neutralização.

Sobre este aspecto, Andrade (2012, p. 348) declara que:

A prisão está nua: ela não busca mais discursos legitimadores como o da ressocialização, reabilitação, reinserção, readaptação ou reintegração social (as chamadas ideologias ‗res„), mas declara agora o que sempre foi sua função real: a neutralização dos criminosos entre paredes, o controle social seletivo e reprodutor do status quo social. As instituições fechadas realizam a passagem da dor ao horror.

Ideia esta que é comprovada ao se observar a realidade do sistema prisional, em que não se encontra, de fato, nada que lembre ou remeta ao ideal ressocializador voltado a recuperação do preso e possível reinserção deste à sociedade.

Ao contrário, o que se evidencia são os índices expressivos de reincidência, indicando que a pena de prisão desde há muito tempo não está cumprindo seu papel de recuperar o apenado, para então devolvê-lo à sociedade. Com isso, representa somente uma maneira de isola-lo, neutralizá-lo, e assim castiga-lo pelo crime cometido.

Apesar disso, o discurso teórico continua sendo no sentido da pena sendo utilizada para a reprovação conjugada com a prevenção social, de forma a fazer com que o delinquente não volte a cometer crimes.

Neste sentido, a pena de prisão assumiria uma nova finalidade, entendendo que não basta castigar o indivíduo, mas para que a pena cumpra seu papel de controle social. Andrade (2012, p. 352) afirma que:

Mas ainda que a prisão instrumentalizasse as promessas humanistas garantidoras da Lei de Execuções Penais, o ideal ressocializar não se bastaria com a prisão, já que não é possível – “ressocializar” sujeitos – “através” da prisão, até porque, o objeto de problematização e ressocialização é a própria sociedade que produz a prisão como seu espelho. O que é possível é mitigar a violência da prisão e favorecer a recepção dos presos na sociedade, - “apesar” da prisão e – “contra” a prisão.

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O sistema prisional brasileiro é marcado pelo que Andrade (2012) denomina de “eficácia invertida”, já que existe uma nítida contradição estrutural entre as funções declaradas ou prometidas que o sistema não realiza, mas que subsistem com uma eficácia simbólica; e funções reais que instrumentaliza sem que sejam declaradas.

O confinamento prisional é um problema de graves proporções e implica em consequências danosas para todos os envolvidos, tanto presos, familiares, e a sociedade como um todo, de forma que não mais representa uma resposta legítima a situações-problema da atualidade.

Assim, levando em conta a real situação das penitenciárias do Brasil na atualidade, no próximo item discutir-se-á objetivamente a questão da execução provisória da pena, considerando a decisão do STF no Habeas corpus n. 126.292/2016.

2.2 A execução provisória da pena com base na decisão do STF no Habeas corpus n

º

126.292/2016: da abordagem teórica à aplicabilidade prática

Na quarta feira do dia 17 de fevereiro de 2016, ao analisar o Habeas Corpus n. 126.292, os ministros do Supremo Tribunal Federal, por maioria, entenderam que é possível a execução antecipada da pena privativa de liberdade após a confirmação da sentença em segunda instância, sem que com essa interpretação houvesse ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência.

Com isso, a Corte deixou de lado o entendimento que prevaleceu desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, referendado, posteriormente, no ano de 2009, quando então julgou o HC n. 84078, vedando a execução da pena sem que antes houvesse o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Considerando a importância dessa decisão do STF neste HC nº 126.292/2016, em que sete dos onze ministros do STF votaram pela modificação da jurisprudência do Tribunal que prevalecia desde o ano de 2009 - no sentido de que o princípio da presunção da inocência não impede a execução de pena confirmada em segunda

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