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Êxito ou revés? O dilema das cooperativas que prosperam

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

RAQUEL DUAIBS ZIEGLER

ÊXITO OU REVÉS? O DILEMA DAS COOPERATIVAS QUE PROSPERAM

CAMPINAS

2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos

Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 29/03/2016,

considerou a candidata Raquel Duaibs Ziegler aprovada.

Profa. Dra. Marcia de Paula Leite

Profa. Dra. Angela Maria Carneiro Araújo

Prof. Dr. Marcio Pochmann

Profa. Dra. Lorena Holzmann

Prof. Dr. Fabio Jose Bechara Sanchez

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no

processo de vida acadêmica da aluna.

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parte da vida do autor. Precisamente neste caso, a tese foi o centro da minha vida profissional

(e em muitas ocasiões da minha vida pessoal também) por pelo menos sete anos, pois além de

todo o período de desenvolvimento e construção, houve o período de preparação e de

enfrentamento de todo o processo seletivo. Enfim, um belo ciclo que se encerra, e que merece

um momento para que eu possa expressar a minha gratidão a todos aqueles que de algum modo

foram muito importantes para que eu, com grande satisfação, pudesse finalizar esse longo

processo.

Em primeiro lugar deixo registrada aqui a minha eterna gratidão à Profa. Dra. Marcia

Leite, que desde o início se interessou em me orientar, me apoiou ao longo de todo esse período

e, principalmente, acreditou e investiu em mim, antes mesmo de eu ser oficialmente sua

orientanda. Como grande sábia que é, me tranquilizou nos momentos difíceis e contribuiu de

forma generosa para que eu chegasse até aqui.

Falando em generosidade, tenho muito o que agradecer ao meu amado marido Arthur,

que acompanhou grande parte deste trabalho e que contribuiu com muita paciência, muita

espera, muitos sorrisos, muito carinho e muitos mimos.

Aproveito também para agradecer a minha família pela paciência, amor e compreensão

nos momentos de ausência: minha mãe Celia, meu irmão Daniel, minhas queridas avós

Albertina e Julieta, meus padrinhos Cirene e Amadeu, minha Tia Líria e os primos Ana Paula

e Bruno. Também não posso deixar de mencionar e agradecer ao meu pai José Marcos, à

Cláudia, ao Renanzinho, à Marina e ao Camillo, que sempre foram muito atenciosos e amorosos

comigo. Devo um agradecimento especial à Ligia e ao Ismael, que em um momento de dúvidas

e incertezas me apoiaram e me impulsionaram a seguir com os planos de pesquisa na Itália.

Incluo ainda nesse grupo aqueles que são a minha família do coração: à Paty, minha

amiga querida que acompanha todo o meu desenvolvimento desde a infância; ao Fê, que hoje

é um grande exemplo para mim, o qual tenho muito orgulho de chamar de Prof. Dr. Fernando

Balieiro e que sempre me apoia e auxilia nos momentos difíceis; a querida Marcela, que me

ajudou a obter o foco em todos esses sete anos; a Natália Silveira, a Ana Paula Mondadore e a

minha inestimável amiga Ligia Damas, que apesar de distantes, sempre estiveram por perto.

Agradeço ainda as amigas Juliana Oliveira e Adriana Capuano, que são dois grandes exemplos

de mulheres fortes e de profissionais da sociologia nas quais sempre tento me inspirar.

Já que estou falando de exemplos, não posso deixar de mencionar aquele que teve papel

decisivo para eu chegar até aqui: o Prof. Dr. Jacob Carlos Lima. Com muita paciência e

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Prof. Dr. Leonardo Altieri, que me co-orientou por seis meses durante o meu período de estágio

de pesquisa na Itália.

Agradeço ainda aos Professores Dra. Ângela Araújo, Dr. Marcio Pochmann, Dra.

Lorena Holzmann, Dr. Fábio Sanchez, Dr. Jacob Carlos Lima, Dra. Bárbara Castro e Dr. José

Dari Krein por terem aceitado tão gentilmente participar da defesa da minha tese.

Aproveito para ressaltar que tenho uma gratidão profunda com todos aqueles que foram

entrevistados para esta pesquisa: Stefano Pedini, Roberta Trovarelli, Danilo Salerno, Simone

Mattioli, Marzia Montebugnoli, Rita Linzarini, Sergio Prati e todos os cooperados e

trabalhadores do grupo Limci. Aprendi muito com cada um deles, e estou certa de que esse

aprendizado vai me acompanhar por muito tempo ao longo da minha carreira. Faço um

agradecimento especial para Elisabetta Marchetti, Sandra Pareschi e Nilson Tadashi Oda, que

realmente fizeram a diferença no meu trabalho.

Agradeço também a todo o apoio e suporte dos funcionários e colegas do IFCH, em

especial à Maria Rita, ao Reginaldo e à Beatriz. E por fim, mas não menos importante, agradeço

a todo o financiamento oferecido pela Capes e, especialmente, pela Fapesp, que me concedeu

bolsa de doutorado no Brasil e bolsa de estágio de pesquisa no exterior durante o período em

que estive na Itália. Sem o investimento dessas duas agências, essa pesquisa não teria sido

possível.

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cooperativas italianas, que é definida pela estratégia de criar empresas em outros países,

situação que vem se difundindo sistematicamente. A nossa análise mostrou que esse processo

vem ocorrendo de forma pontual desde a década de 1960, mas ganhou força após a crise

econômica que eclodiu em 2008, quando os cooperados e as agências de fomento cooperativo

perceberam que os empreendimentos que haviam se internacionalizado anteriormente

conseguiam superar a crise mais facilmente do que aqueles que ainda concentravam o seu foco

apenas nos mercados italianos. A grande questão está no fato de que apenas a empresa matriz

é uma cooperativa, e as demais empresas do grupo constituem-se como sociedades de capital

aberto. Nesse contexto, as filiais se tornam um corpo estranho ao universo cooperativo e acabam

por dissolver os princípios solidários e democráticos que predominam sobre os associados, pois

minimiza as convicções cooperativas e intensifica a divisão entre capital e trabalho, além de

admitir claramente um amplo beneficiamento da exploração do trabalho assalariado. Como um

modelo exemplar desse processo de internacionalização produtiva, elegemos uma cooperativa

de produção industrial para o nosso estudo de caso, que em 2016 possui 77 empreendimentos

distribuídos em 29 países, sendo que apenas a fábrica matriz é uma cooperativa.

Palavras-chave: cooperativas, internacionalização produtiva, cooperativismo italiano,

economia social.

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defined by the strategy of starting companies in other countries, a situation that have been

disseminating systematically. Our analysis showed that this process has been taking place

sporadically since the 1960s, but gained momentum after the economic crisis that erupted in

2008, when cooperative workers and cooperative development agencies noticed enterprises that

had previously internationalized could overcome crises more easily than those who have

focused only on the Italian market. The issue is that only the headquarter is a cooperative, and

the other group companies are constituted as publicly traded corporations. In this context, the

branches become a foreign body to the cooperative universe and eventually dissolve the

solidarity and democratic principles thay that prevail on cooperative members because it

minimizes cooperative convictions and intensifies the division between capital and labor,

clearly admiting ample exploitation of wage labor. As an exemplary model of this productive

internationalization process, we elected an industrial production cooperative for our case study,

which in 2016 has 77 projects spread over 29 countries, with only the parent company idem as

a cooperative.

(9)

Prólogo: as três descobertas ... 10

Introdução ... 14

1. Um pouco de história: a economia italiana e a Emilia-Romagna ... 20

1.1. Breve contextualização sobre a economia italiana ... 20

1.2. A Emilia-Romagna ... 25

2. Os distritos industriais ... 29

2.1. Os sindicatos e sua relação com os distritos industriais ... 36

3. A gênese do conceito de economia social ... 39

4. A história das cooperativas na Europa e na Itália ... 45

4.1. As primeiras experiências cooperativas ... 45

4.2. O florescimento do cooperativismo italiano ... 50

4.3. As sociedades cooperativas italianas no século XX ... 55

4.4. A questão identitária e as transformações do movimento cooperativo ... 61

4.5. A relação entre os sindicatos e as cooperativas ... 67

4.6. O cooperativismo em Imola ... 68

5. Tese sobre a degeneração das cooperativas ... 73

6. O processo de internacionalização das PMI e das cooperativas ... 79

6.1. A internacionalização das PMI ... 81

6.2. A internacionalização das cooperativas ... 86

6.3. A legislação italiana e a internacionalização produtiva ... 101

7. As empresas que lançam as cooperativas no exterior ... 106

7.1. Indaco ... 106

7.2. Coopermondo ... 107

7.3. Innovacoop ... 108

7.4. Nexus Emilia-Romagna ... 111

8. Reflexões e perspectivas sobre o cooperativismo e a internacionalização ... 115

9. A Limci como um estudo de caso ... 129

9.1. Os negócios do grupo Limci ... 157

9.2. O cooperativismo do mutualismo ... 158

9.3. Limci do Brasil: sindicato X manutenção do emprego ... 162

Considerações finais ... 169

Bibliografia ... 174

(10)

Prólogo: as três descobertas

Ao entrar no doutorado, lembro-me de ter claramente o meu projeto de pesquisa na

cabeça: estava empolgada para estudar as fábricas recuperadas italianas, fazer um estudo

comparativo destas fábricas recuperadas presentes na região do ABC Paulista em São Paulo e

descobrir o que os trabalhadores dessas fábricas italianas tinham para ensinar às cooperativas

do Brasil. A escolha da Itália se deu por que além de o país ser um grande símbolo do

cooperativismo mundial, os sindicalistas da CGIL e da CISL tem laços bastante estreitos com

os sindicalistas da CUT no Brasil e ajudaram de maneira decisória nos primeiros projetos

cooperativos desenvolvidos pelos sindicalistas brasileiros.

Durante os primeiros semestres do curso foquei a minha pesquisa no caso brasileiro, não

apenas porque eu ainda estava aprendendo e me adaptando ao idioma italiano, mas também

porque o acesso a livros e artigos italianos aqui no Brasil é muito restrito, comparado à

facilidade que o livre acesso a todas as bibliotecas da Itália nos proporciona quando estamos lá

presencialmente. Com toda a base teórica do contexto brasileiro bem fundamentada, fui realizar

o estágio de pesquisa em Bologna. Mas, após muitas conversas com professores, sindicalistas,

cooperadores e pesquisadores, fiz a minha primeira grande descoberta: a recuperação de

fábricas pelos próprios trabalhadores não se constitui ainda como um fenômeno na Itália. Elas

começaram a surgir lentamente após a crise econômica de 2008, que atingiu gravemente o país.

E mesmo assim, ninguém ainda se interessou em realizar um estudo sobre o tema, sendo que

apenas os jornais locais se importaram em lançar algumas notas sobre o assunto. Após várias

pesquisas, encontrei o Prof. Aldo Marchetti, pesquisador de Milano especializado no

movimento de fábricas recuperadas argentinas, que me confirmou não existir nada científico

registrado sobre o assunto na Itália. Ainda que naquele momento ele estivesse começando a se

dedicar a este tema, não havia nenhum estudo concluído.

Eu tinha a opção de enfrentar o desafio de reunir os recortes de jornais que havia

encontrado e de correr o país atrás das poucas fábricas recuperadas de que eu tinha notícia

(cerca de 7 ou 8 empreendimentos) mas, após muita reflexão e diálogos com a Profª. Marcia e

com o Profº Leonardo, meu coorientador na Itália, achamos que a empiria da pesquisa poderia

ficar comprometida, por não haver nenhum fundamento científico anterior. E eu também pensei

muito sobre não conhecer a realidade do país tão bem como eu conheço a realidade brasileira,

fator que poderia dificultar algumas análises sem um embasamento teórico consubstanciado

como pano de fundo. Contudo, em meio a este grande dilema, eu estava começando a conhecer

a realidade da Limci, uma cooperativa que sindicalistas brasileiros conhecedores da realidade

italiana já haviam comentado comigo. Fundada por nove mecânicos em 1919, atualmente a

(11)

Limci é líder mundial na fabricação de máquinas que produzem cerâmicas. À primeira vista, o

que me chamou a atenção foi o fato de ser uma cooperativa com porte de grande empresa, de

ser um ícone da cidade de Imola, onde todos os cidadãos a conhecem e a respeitam e, também,

por ser uma cooperativa extremamente exitosa. Fiquei impressionada porque estava finalmente

conhecendo um exemplo de cooperativa de produção industrial que realmente deu certo.

Em um segundo momento, após começar a adentrar este universo e conhecer um

pouquinho mais sobre a cooperativa, fiz minha segunda grande descoberta na Itália: a Limci é

uma cooperativa de sucesso presente em muitos países com inúmeras filiais. Contudo, a

cooperativa só existe na matriz, a Limci Imola. Todas as demais empresas do grupo, até mesmo

aquela Limci que fica a 1km de distância da empresa matriz, são empresas de capital aberto. E

foi aí que eu fiquei com um nó na garganta e um aperto no coração: como uma cooperativa,

estando ela vinculada aos princípios da economia solidária ou da economia social, pode abrir

diversas empresas ao redor do mundo e começar a agir como uma multinacional, de modo a

não oferecer a possibilidade de tornarem-se sócios todos os seus empregados? E foi nesse

momento que eu vi o quão importante seria conhecer melhor essa cooperativa.

Ao contar a minha descoberta para a professora Marcia, tivemos a oportunidade de

escolher qual caminho seguir: persistir na pesquisa que já estava com a parte brasileira

consolidada ou começar do zero um novo tema. A escolha foi guiada não apenas pela

empolgação e pelo desejo de me aprofundar em uma investigação extremamente instigante,

mas também pelo fácil acesso a uma sólida base teórica disponibilizada nas bibliotecas da

Emilia-Romagna. Após alguns dias de muita ansiedade e reflexão, a decisão foi tomada, e

confesso que não foi fácil nem indolor: toda a pesquisa que já tinha feito no Brasil e os três

primeiros anos do doutorado ficaram para trás, e eu teria que iniciar o novo tema já no período

final do doutorado. Optei pelo caminho mais difícil e menos cômodo, pois começar uma

pesquisa sobre um assunto desconhecido e ter pouco tempo para concluí-la não é uma tarefa

nada confortável. E foi por isso mesmo que valorizei tanto produzir uma reconstituição, mesmo

que de maneira breve, do contexto histórico e econômico da Itália, bem como resgatar a história

do cooperativismo italiano e europeu.

Mas logo eu percebi que estava no caminho certo: a cada nova descoberta, a cada nova

leitura e a cada nova entrevista eu ficava completamente extasiada. Eu vivi intensamente esse

momento: nunca me diverti e me entusiasmei tanto com uma pesquisa. E um bom exemplo para

explicar esses sentimentos foi o caso da entrevista “clandestina” com uma trabalhadora. Como

fui proibida pela diretoria da Limci de entrevistar os trabalhadores, consegui fazer uma

entrevista secreta com uma trabalhadora da empresa. E ela só poderia me conceder a entrevista

(12)

em um domingo, que foi um dia em que os metroviários do país decidiram fazer greve nacional.

Eu não me importei, fui para Imola de ônibus, com a maior determinação. Quando acabou a

entrevista, já não havia mais ônibus para voltar para Bologna, e também não havia trem. Passei

a madrugada toda acordada na estação de trem, esperando a greve acabar para voltar para casa.

Estava cansada, com muito sono, com frio, mas extremamente feliz, porque tinha conseguido

uma entrevista com uma trabalhadora, e tudo o que eu estava passando valia a pena, porque no

fim, foi a única entrevista com um trabalhador de Imola que eu consegui mesmo. Outro exemplo

interessante foi o caso do diretor de uma das empresas que negociou a concessão de uma

entrevista comigo em troca de eu conversar com a filha dele e conscientizá-la do quão

importante é estudar o idioma italiano – coisa que fiz com muito prazer, pois me encantei com

essa língua e aprendê-la foi um belo privilégio que só me foi possível graças ao doutorado.

Eu me lembro que passei muitas noites sem conseguir dormir porque estava empolgada

demais com o caso Limci e a adrenalina no meu corpo se recusava a abaixar. Lembro também

de ligar várias vezes para o Brasil para conversar com a professora Marcia (naquela época,

liguei mais para ela do que para a minha própria mãe) e contar sobre as minhas grandes novas

descobertas e sobre o meu inconformismo com tudo o que eu havia descoberto. Lembro ainda,

com muito carinho, da professora Marcia sempre dizer que eu precisava me acalmar e tomar

um chazinho de maracujá para conseguir dormir e domar a ansiedade naquelas noites em que

eu sentia uma grande euforia com a pesquisa. Sei que muitos cientistas sociais desaprovariam

esse entusiasmo que senti na época pelas descobertas sobre o meu objeto de estudo, mas hoje,

ao final de cinco anos de doutorado, posso afirmar com convicção que aquele momento de

euforia foi o mais importante em todo o meu doutorado, e ele foi imprescindível para me

impulsionar a fazer o meu melhor na discussão bibliográfica e na análise dos dados da tese.

Ao voltar para o Brasil, preparei o texto para o exame de qualificação. Foi uma discussão

extremamente profícua, e os professores da banca (além da professora Marcia, os professores

Jacob Lima e Angela Araújo também estavam presentes) me ajudaram bastante a encaminhar

a tese e a refletir sobre o que eu já havia escrito. Todavia, após finalizar boa parte das minhas

leituras (eu trouxe uma mala cheia de livros e cópias de textos da Itália para terminar a revisão

bibliográfica aqui no Brasil), veio a minha terceira e última descoberta, que no fim

configurou-se como a mais importante de todas: a Limci não deveria configurou-ser o objeto central da pesquisa pois

ela não é um caso isolado, mas faz parte de um grande movimento que vem cada vez mais

ganhando fôlego e sendo incentivado por agências de fomento cooperativo, empresas privadas

e governos. Dessa forma, dei uma última guinada no enredo da tese, e acredito que seu resultado

final reflete todo o percurso que caminhamos até aqui.

(13)

A razão deste prólogo é explicar o caminho que percorremos até chegar a este produto

final: uma tese que surgiu quase no fim do curso de doutorado, com um tema que não poderia

ser ignorado. Ela foi construída por etapas dirigidas por descobertas e aprendizados. Por isso

houve diversas escolhas e renúncias, e certos elementos não puderam ser aproveitados como,

por exemplo, algumas das preciosas orientações acolhidas durante o exame de qualificação.

Mas isso não ocorreu por indisciplina ou por falta de tempo (embora eu reconheça que o tempo

foi um dos meus principais obstáculos). Ocorreu porque as descobertas nos levaram para um

caminho desconhecido, e que, conforme analisávamos a bibliografia e as entrevistas realizadas,

fomos construindo o objeto e organizando a tese ao redor dele.

O resultado que aqui temos é fruto de um golpe de sorte (sim, foi sorte, porque eu

poderia ter passado toda a minha estadia na Itália sem ter olhado para o fenômeno da

internacionalização produtiva) que passou sobre nós e que agarramos com muito empenho e

dedicação. Volto a dizer que a tese foi produzida com muito entusiasmo, muita empolgação e

muita paixão por esse tema. E espero, sinceramente, que ela ajude, a partir de agora, a suscitar

questões e debates em torno do cooperativismo, dos princípios levantados pelas bandeiras da

economia social, da autogestão e da internacionalização produtiva.

(14)

Introdução

A cooperativa é reconhecidamente uma empresa com um papel peculiar no interior do

sistema capitalista. O elemento característico que a distingue das demais empresas é a proposta

da propriedade coletiva dos trabalhadores, que, em teoria, é gerida sob a égide de princípios

como a solidariedade, a democracia, a igualdade, o mutualismo e a coletividade. Apesar de uma

grande parcela daqueles que estão envolvidos com o tema (incluindo aqui pesquisadores,

associados e instituições) interpretar que a cooperativa tem como premissa primordial

beneficiar os seus próprios associados, espera-se que ela vá muito além, contribuindo para

melhorar o seu entorno e a sua comunidade, e espera-se ainda que ela tenha a incumbência de

promover o acesso dos trabalhadores ao emprego e à distribuição igualitária dos resultados que

são frutos do trabalho coletivo no interior da cooperativa. Pelo menos, em teoria, esses são

alguns dos princípios que a Aliança Cooperativa Internacional defende em âmbito mundial.

Entretanto, quase sempre a prática destoa da teoria. Ao observar a dinâmica de

crescimento das cooperativas na Itália – onde o sistema cooperativo é um dos mais

desenvolvidos do mundo – pudemos verificar que quanto mais as cooperativas se expandem,

mais elas se aproximam das características de uma empresa capitalista comum e se distanciam

dos propósitos cooperativos. E nos últimos anos muitas delas têm aderido à internacionalização

produtiva, que é uma estratégia empresarial comum entre as pequenas e médias empresas dos

distritos industriais. Contudo, por meio dessa prática, as cooperativas crescem, criam filiais em

outros países e aumentam o número de funcionários sem, no entanto, expandir sua base social

de acordo com o próprio crescimento.

A escolha da Itália se deu pelo fato de que o país possui uma longa tradição no

cooperativismo, tendo sua primeira experiência cooperativa registrada em 1806, com a criação

de uma cooperativa de produção de produtos derivados do leite na cidade de Osoppo. Outro

fator que foi decisivo para que optássemos pelo país são as parcerias e o diálogo estreito entre

a CGIL – Confederazione Generale Italiana del Lavoro,

1

a Unisol Brasil

2

e o Sindicato dos

Metalúrgicos do ABC. Durante a pesquisa de mestrado,

3

constatamos que o apoio deste

Sindicato foi imprescindível para o florescimento de diversas cooperativas na região do ABC

1 Confederação Geral Italiana do Trabalho. Fundada em 1906, é a principal confederação sindical da Itália. 2 A Unisol – Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários, foi criada pelo Sindicato dos Metalúrgicos

do ABC em 2000 e incorporada pela CUT – Central Única dos Trabalhadores, em 2004. Sua principal função é assessorar e articular cooperativas e empreendimentos solidários.

3 A dissertação de mestrado intitulada Movimento sindical e fábricas cooperativas: experiências no ABC Paulista,

orientada pelo Prof. Dr. Jacob Carlos Lima na Universidade Federal de São Carlos, teve por objetivo investigar a motivação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em apoiar e estimular a criação de cooperativas de produção que surgiram a partir de 1996, com o grande movimento de falências na região do ABC Paulista.

(15)

Paulista por meio da recuperação de fábricas em situação de falência. Sua ação foi inspirada

essencialmente pelo movimento cooperativo italiano, que proporcionou ao Sindicato uma

grande troca de experiências, ideias e informações. De acordo com Buonfiglio (2004) o

sindicalismo italiano, em especial a CGIL, exerce sobre a CUT

4

uma importante influência,

especialmente no que concerne ao apoio ao cooperativismo.

Todo este contexto foi substancial para nos estimular a conhecer de maneira

aprofundada a realidade do cooperativismo italiano, de forma a verificar as possíveis

contribuições que a Itália ainda poderia proporcionar para o movimento cooperativo brasileiro.

No decorrer do doutorado, tivemos a oportunidade de realizar um estágio de pesquisa

na Università di Bologna, localizada na cidade de Bologna, na Itália, por um período de seis

meses, que ocorreu entre 30/10/2013 e 29/04/2014, a fim de coletar os dados necessários para

avançar no desenvolvimento da tese. A nossa escolha por essa universidade, que é a mais antiga

do mundo ocidental (criada em 1088), não ocorreu de forma aleatória: ela está presente na

região que concentra a maior parte das cooperativas da Itália, a Emilia-Romagna. Estar próximo

do nosso campo de pesquisa e ter acesso a professores experientes no tema nos impulsionou

para essa decisão.

O professor que nos recebeu e acolheu a pesquisa em Bologna, Dr. Leonardo Altieri,

possui laços estreitos com a cidade de São Bernardo e inúmeros contatos com sindicalistas

italianos e brasileiros, devido ao papel que desempenha no “Comitato Sao Bernardo”, um

comitê católico da região de Imola fundado em 1989 com o intuito de financiar projetos sociais

em São Bernardo do Campo, no Brasil. Desta forma, a nossa pesquisa foi bastante facilitada

pelos contatos que o professor nos forneceu no decorrer do estágio.

Em seguida o nosso foco foi direcionado para o conhecimento da bibliografia italiana

sobre o cooperativismo. A região de Bologna possui um sistema bibliotecário excepcional, e

tivemos o privilégio de nos beneficiar com a possibilidade de realizar pesquisas bibliográficas

em 195 bibliotecas que somam juntas 4.295.952 volumes.

5

Nossas consultas foram realizadas

por intermédio de um sistema de pesquisa unificado denominado Sebina Open Library, que

pode ser consultado através do site http://sol.unibo.it/SebinaOpac/SebinaYOU.do#.

6

Com todo

o acervo da região de Bologna à nossa disposição, debruçamo-nos nas pesquisas sobre a história

do cooperativismo italiano.

4 A Central Única dos Trabalhadores (CUT) é a maior central sindical brasileira, fundada em agosto de 1983. 5 Dados de abril de 2014, período em que encerramos nossas pesquisas nas bibliotecas.

(16)

Pelo que pudemos observar durante nossas entrevistas com o sindicato da Federazione

Impiegati Operai Metallurgici coligado à Confederazione Generale Italiana del Lavoro

(FIOM/CGIL) e da Federazione Italiana Metalmeccanici coligado à Confederazione Italiana

Sindacato Lavoratori (FIM/CISL) que representam os trabalhadores da cooperativa que

pesquisamos em Imola, os cooperados recebem a mesma atenção que os trabalhadores

contratados recebem do sindicato, e podemos dizer que a nossa impressão é de que os sindicatos

estavam sempre presentes no cotidiano da fábrica. Contudo, identificamos que não existe uma

atenção especial voltada para as necessidades específicas dos cooperados, e os sindicalistas que

entrevistamos relataram que há uma grande dificuldade em lidar com os trabalhadores

associados, por eles serem ao mesmo tempo trabalhadores e donos do próprio negócio, já que

muitas vezes eles próprios não conseguem distinguir as diferenças entre seus papéis.

No decorrer das pesquisas, descobrimos um caso interessante: o caso da Limci,

7

uma

cooperativa fundada em 1919 por nove mecânicos e que em 2016 está presente em 26 países

(inclusive no Brasil) por meio de 77 empresas próprias ou em sociedades. A Limci possui uma

forte presença mundial nos negócios da fabricação de máquinas que produzem cerâmicas e

alimentos, e que realizam o processo completo de envasamento de bebidas e recipientes. Além

disso, possui uma empresa específica que controla os serviços administrativos do próprio grupo

e outra que se ocupa do setor de expedição e logística na gestão do transporte internacional,

sendo esta última uma empresa que não trabalha exclusivamente para o grupo Limci, e possui

clientes em diversas partes do mundo. Com uma forte presença internacional, o grupo garante

90% do seu faturamento proveniente das atividades de exportação.

A grande questão da cooperativa Limci é que ela seria um caso de sucesso se não fosse

o “detalhe” de que apenas a empresa matriz é uma cooperativa, e todas as demais 76 unidades

são empresas de sociedade anônima que pertencem e que são exploradas pelo grupo Limci. Por

outro lado, seria um caso típico de sucesso de uma empresa de sociedade anônima ou limitada

se a matriz não tivesse se desenvolvido sob o véu do cooperativismo e não fizesse uso de todas

as perspectivas que envolvem as premissas cooperativistas, entre as quais se incluem união,

solidariedade, coletividade e autonomia entre os trabalhadores envolvidos. Em sua tese de

doutorado, Mondadore (2013) investigou no Complexo Cooperativo Mondragon, localizado na

região do país Basco na Espanha, este mesmo fenômeno que encontramos na Itália: uma

7 Limci – Lavoratori dell’Industria Metalmeccanica Cooperativa di Imola (Trabalhadores da Indústria

Metalmecânica Cooperativa de Imola), é o nome fictício que utilizaremos para tratar da cooperativa que pesquisamos em Imola. Todas as informações e dados da empresa são verdadeiros e corretos, apenas o nome da empresa foi alterado com o objetivo de preservar a sua identidade.

(17)

cooperativa que foi fundada sob os princípios sociais do cooperativismo e que, com o passar do

tempo, se transformou em um complexo multinacional no qual apenas a matriz ou a minoria de

seus empreendimentos se configura como cooperativas.

Ao nos aprofundarmos mais sobre o assunto, descobrimos que não raro ocorre a

internacionalização das cooperativas. Existem dois tipos de internacionalização: a comercial e

a produtiva. Enquanto a primeira ocorre sob a forma de importação e/ou exportação de

produtos, a segunda é a responsável pela emergência de filiais das cooperativas ao redor do

mundo, de forma a baratear os custos com matéria-prima e com mão de obra, tornando a

empresa ainda mais competitiva no mercado global. O processo de internacionalização da

produção das cooperativas tem se tornado muito comum no território italiano e está se

difundindo cada vez mais e de maneira veloz. Portanto, esse fenômeno não é um caso isolado

do grupo Limci ou do Complexo Cooperativo Mondragon, mas é uma tendência que vem

tomando fôlego nos últimos anos, especialmente após a crise econômica de 2008. Tendo essa

experiência em vista, constatamos que é um caso que pode iniciar reflexões sobre os rumos que

as cooperativas tomam quando prosperam, seja no Brasil, na Itália ou em qualquer parte do

mundo. Desse modo, o tema pode contribuir para a análise do comportamento daquelas

cooperativas que são vistas como “exitosas”.

Mas porque exatamente a internacionalização das cooperativas italianas chama tanto a

atenção? Em primeiro lugar, porque a Itália é um dos países onde a experiência cooperativa

mais tem se desenvolvido e, de acordo com nossas pesquisas, possivelmente essas tendências

deverão se difundir para o resto do mundo. Em segundo lugar, porque a dinâmica de

internacionalização, da maneira como é realizada, coloca em contradição os princípios

cooperativos. O histórico de internacionalização produtiva das cooperativas que conhecemos

na Itália aponta que ela geralmente é praticada de um modo no qual apenas a matriz se configura

como uma cooperativa, e as demais filiais que pertencem a essa cooperativa funcionam como

empresas privadas comuns que, por meio de seus lucros adquiridos em outros países (ou até

mesmo em outras regiões italianas), subsidiam a existência da cooperativa e de seus poucos

sócios.

8

A grande questão é que o ideal cooperativo e solidário se dissolve nesse processo, pois

minimiza os princípios cooperativos e intensifica a divisão entre capital e trabalho, além de

admitir claramente um amplo beneficiamento da exploração do trabalho assalariado.

8Geralmente essas cooperativas possuem poucos sócios em comparação com o número total de funcionários. O Grupo Limci, por exemplo, em 2014 possuía 389 associados para um total de 4.000 trabalhadores. Isso significa que menos de 10% dos trabalhadores do Grupo são sócios. Entretanto, de acordo com a entrevista concedida pela sindicalista Marzia, do Sindicato dos Metalúrgicos da CISL, a Limci é uma das empresas da região de Imola que mais incorpora associados em sua base social.

(18)

Mondadore (2013) já havia verificado esse mesmo fenômeno em sua tese de doutorado sobre o

processo de internacionalização produtiva do Complexo Cooperativo Mondragon, e um dos

resultados mais importantes de nossa pesquisa é a revelação de que esse processo não se

restringe a Mondragon. Ao contrário, ele se encontra já avançado na realidade europeia.

Esse achado de pesquisa nos leva a defender a tese de que a internacionalização da

produção cooperativa, da maneira como vem sendo realizada, é uma consequência do processo

de degeneração das cooperativas e que acaba por soterrar os princípios do cooperativismo. Isso

significa que, de um modo geral, quando as cooperativas se internacionalizam, é porque elas já

se degeneraram em um momento anterior, abrindo mão dos princípios fundamentais da

economia social.

Por outro lado, esse fenômeno gera um grande paradoxo: considerando que há um

contexto de crise econômica, as empresas/cooperativas decidem abrir seus mercados no exterior

com o intuito de sobreviver à crise, crescer e/ou aumentar seus lucros. Porém, essa situação de

buscar mão de obra em fontes internacionais contribui para que o desemprego cresça e, com

isso, a Itália permaneça em situação de crise, já que o movimento contrário (de empresas do

exterior entrando no território italiano) não tem se verificado na mesma intensidade. Essa

dinâmica, que geralmente tende a acentuar a exploração do trabalho nos países que abrem as

portas para a internacionalização, pode comprometer a autonomia e o desenvolvimento

econômico italiano, conforme veremos adiante no depoimento do sindicalista da CGIL de

Imola, que deixou clara essa situação de que o ingresso das fábricas nacionais em outros países

compromete o desenvolvimento econômico e social da Itália.

Evidentemente a tese não trata de como o movimento cooperativo deve enfrentar esses

obstáculos. O foco do presente estudo é demonstrar como esse processo de degenerescência

está ocorrendo e como ele está se contrapondo a todos os princípios estruturantes do

cooperativismo que estão sendo ignorados em benefício da lucratividade. Tendo isso em vista,

apresentamos os capítulos que compõem a pesquisa, que estão divididos de forma a

contextualizar o histórico do cooperativismo italiano antes de abordarmos propriamente o tema

da internacionalização.

No primeiro capítulo colocamos o leitor a par do contexto econômico italiano,

informação fundamental para entender a realidade do país e como as cooperativas e os distritos

industriais, que são parte importantíssima da engrenagem que move a economia, se encaixam

na história da produção italiana. Também neste capítulo abordamos a Emilia-Romagna,

principal região que abriga as cooperativas e os distritos industriais da Itália. O segundo capítulo

é dedicado aos distritos industriais, pois é no interior deles que a maioria das cooperativas da

(19)

região estão localizadas. O capítulo contempla ainda a relação dos sindicatos com os distritos,

que trouxeram novas questões para serem debatidas no interior desses arranjos produtivos

locais. O terceiro capítulo traz a história da economia social, movimento bastante presente na

realidade europeia. Esse capítulo se apoia na história do movimento cooperativo para ilustrar

de forma breve as primeiras linhas que foram esboçadas pelo movimento e suas respectivas

posições políticas. No quarto capítulo entramos de fato no tema do cooperativismo,

apresentando como esse movimento se propagou pela Europa e pela Itália: as primeiras

manifestações do cooperativismo em diversos países projetaram uma noção de como ele foi

desenvolvido e de como foi concebido no contexto italiano. O seu desenvolvimento levou a

uma série de consequências, e no quinto capítulo tratamos de uma delas: a degeneração das

cooperativas. O tema da degenerescência começa a ser debatido logo no início do século XX,

mas vem tendo desdobramentos e reconfigurações até a atualidade. Já no sexto capítulo

discutimos a questão da internacionalização das cooperativas, no qual verificamos que essa

prática é uma das principais portas de entrada para o processo de degeneração na atualidade.

Esse capítulo ainda contempla as principais leis italianas que favorecem e facilitam esse

processo de internacionalização. No decorrer da pesquisa constatamos que o governo italiano é

um dos principais responsáveis por estimular esse processo, mas não é o único: as instituições

que representam o movimento cooperativo também se agarraram na oportunidade de

internacionalizar a produção, e o sétimo capítulo discute um pouco sobre o trabalho dessas

instituições, que na maioria das vezes criaram empresas específicas com o propósito único de

alçar os empreendimentos cooperativos ao exterior. O Oitavo capítulo se constitui como um

espaço para a reflexão das perspectivas lançadas durante nossas entrevistas de campo com os

mais diversos tipos de atores sociais presentes no universo cooperativo: os sócios, os

sindicalistas, os trabalhadores e também os presidentes das empresas que atuam no processo de

internacionalização produtiva. Trata-se de um rico debate que nos remete ao raciocínio das

pequenas questões que compõem o conjunto da problemática central da tese, ou seja, a

internacionalização produtiva. Dedicamos o nono capítulo ao estudo de caso de uma

cooperativa da cidade de Imola, que elegemos para aprofundar a pesquisa sobre o seu processo

de internacionalização. A escolha se fez devido à grande representatividade que esse

empreendimento tem no contexto da internacionalização produtiva das cooperativas italianas.

Por fim, o último capítulo traz uma síntese geral do problema acompanhado de nossas

considerações finais.

(20)

1. Um pouco de história: a economia italiana e a Emilia-Romagna

Para compreender o contexto em que as cooperativas italianas se encontram hoje é

fundamental entender um pouco sobre como a economia do país se desenvolveu ao longo das

últimas décadas. Também se faz necessário conhecer algumas informações sobre a

Emilia-Romagna, região símbolo do cooperativismo no país. Por isso, este capítulo é dedicado a uma

pequena explanação histórica, para que o leitor se familiarize com o cenário italiano.

1.1. Breve contextualização sobre a economia italiana

A história da economia italiana registra altos e baixos, com maior ênfase nos períodos

de crise do que nos de prosperidade. De acordo com Bianchi (2013), a Itália se tornou um país

extremamente pobre após a sua unificação – que ocorreu em 1861 – e entre 1875 e 1915 cerca

de 14 milhões deixaram suas terras em busca de uma condição de vida mais favorável em países

distantes. No ano de 1915, o país ingressou na Primeira Guerra Mundial por meio do Pacto de

Londres, um tratado secreto que formou uma base aliada composta por Itália, França,

Grã-Bretanha e Império Russo. Ao final da guerra, em 1918, esse bloco saiu como vencedor dos

confrontos contra o bloco liderado pela Alemanha, e a Itália se beneficiou com a conquista de

alguns territórios, entre eles as regiões de Trentino-Alto Adige e Venezia Giulia. Contudo, as

consequências econômicas e sociais para o país foram duríssimas, pois como a Itália tinha sua

economia baseada na agricultura e perdeu grande parcela de sua força de trabalho durante a

guerra, esse cenário provocou a ruína de muitas famílias que não tinham mais condições de

trabalhar a terra e se sustentar.

A situação econômica negativa era generalizada, e uma das diversas consequências foi

a escassez de matérias-primas no âmbito da produção. Além disso, os cofres do Estado

encontravam-se praticamente vazios, considerando que naquele período a lira havia sido

bastante desvalorizada. A fragilidade socioeconômica na qual a Itália se encontrava levantou

rumores de uma possível revolução comunista, assim como tinha ocorrido na Rússia em 1917.

Diante do descontentamento de todas as classes sociais, Benito Mussolini fundou na cidade de

Milano em março de 1919 um movimento que pregava a vontade de transformar, se preciso

com métodos revolucionários, a vida italiana. O movimento, conhecido como fascismo,

denominava-se como uma terceira via, que seria alternativa ao capitalismo e ao comunismo.

Em 1920 o movimento se consolidou como partido político, criando o Partido Nacional

Fascista. Com a “marcha sobre Roma” em 1922, os fascistas pressionaram o Rei Vittorio

Emanuele III a nomear Mussolini como Primeiro Ministro da Itália. Ao conquistar o poder, ele

(21)

conseguiu articular as políticas nacionais até que implementou em definitivo sua ditadura

totalitarista, que teve fim apenas em 1945.

Em setembro de 1939 iniciou-se a Segunda Guerra Mundial, impulsionada por dois

blocos hegemônicos: de um lado Alemanha, Itália e Japão, e de outro França, Reino Unido,

Estados Unidos e União Soviética. Os confrontos cessaram em setembro de 1945, e o bloco

liderado pelos Estados Unidos saiu como o vencedor da Guerra. Além de ter sido derrotada nos

confrontos, a Itália teve como principais consequências o declínio de Mussolini no poder, que

foi capturado e executado pelos combatentes partigianos

9

que lutavam contra o fascismo; as

diversas cidades que foram reduzidas a escombros devido aos bombardeios; as inúmeras regiões

que foram ocupadas por tropas americanas; e, de acordo com Martino (2005), o alto número de

italianos mortos durante a Guerra, que se estima em torno de 415.000, entre militares e civis.

Todos esses elementos contribuíram para que o caos se instaurasse no país, mas,

surpreendentemente, logo após a queda de Mussolini a Itália retomou sua recuperação e seu

desenvolvimento.

A indústria italiana atingiu o limiar dos anos 1950 com uma estrutura que era orientada

em grande medida pelo desenvolvimento de atividades que antecederam o período bélico. Esse

contexto foi se alterando após a Segunda Guerra Mundial, que estimulou o progresso e

beneficiou a situação econômica do país. A Itália do pós-guerra não era um país

subdesenvolvido, mas continha zonas amplamente subdesenvolvidas e outras completamente

por desenvolver-se, que funcionavam sob economias rurais e artesanais. Contudo, na cena

internacional, o país era visto com todas as características de um país industrializado, contendo

indícios de alta industrialização, como elevado volume de atividades financeiras, boa estrutura

do mercado de crédito, organização sindical e grandes conflitos operários, ainda que esses

fossem duramente reprimidos. Os governos do período seguinte ao pós-guerra foram forçados

a alcançar um grau maior de abertura econômica, seja pelo fato de haver exigências de blocos

políticos aliados que requeriam tal abertura, seja porque perceberam que o aumento da

exportação se mostrava como a única saída para o renascimento da economia do país. Devido

a tais exigências, foi necessário um ajuste que alavancasse um rápido desenvolvimento da

indústria: para que ela fosse competitiva, seria fundamental colocar em prática a recuperação

das plantas produtivas, além de fomentar uma abundante oferta de mão de obra a baixo custo.

9 Os partigianos eram pessoas civis que se tornaram combatentes armados sem pertencer a nenhum exército oficial,

mas que lutavam pelo movimento de resistência contra o Pacto Tripartite durante a Segunda Guerra Mundial, assinado inicialmente por Alemanha, Itália e Japão.

(22)

O período em que a Itália vivenciou o seu “milagre econômico” foi marcado

especialmente entre 1955 e 1963, com taxas inéditas de crescimento econômico sustentadas

pela expansão industrial, as quais variaram entre 6% e 8% ao ano, e pelo aumento da renda per

capita de 5,6% entre 1948 e 1962. Em pouco tempo, a economia se transformou e modificou o

país, de forma a deixar as tradições agrícolas em segundo plano para se consolidar enquanto

uma potência econômica e industrial. Como consequência direta desse fenômeno, a produção

de aço, de automóveis e de produtos têxteis e alimentares foi impulsionada, favorecendo as

taxas de investimento e o consumo das famílias. A situação econômica positiva beneficiou

inclusive os mais pobres, como os camponeses e os operários. O nível de desemprego conseguiu

decrescer de maneira expressiva, especialmente durante o decênio de 1960. Entre 1951 e 1981

os salários triplicaram, fomentando o mercado interno e movimentando ainda mais a economia

(BERTONHA, 2005), embora o período de maior crescimento econômico tenha se encerrado

no final dos anos 60.

O desenvolvimento dos anos 50 foi possibilitado pela oferta de trabalho completamente

elástica, situação peculiar à Itália, que não necessariamente era encontrada nos países vizinhos.

Contudo, esse quadro teve o seu fim próximo e, no final dos anos 60, eclodiu de maneira

generalizada um grande conflito operário sem precedentes no país, fator que demonstrou que a

crise estava continuamente tomando o lugar daquele período econômico positivo para os

trabalhadores. Os anos 70 se iniciaram com uma profunda crise, que encerrava as fases de

estabilização monetária, de produção em massa e do sistema de controle social que havia

sustentado o período de desenvolvimento graças às políticas públicas e ao controle da

inflação.

10

Essa situação se acentuou entre 1972 e 1973, quando os investimentos diminuíram

e a inflação cresceu. Houve ainda um aumento expressivo no preço das matérias-primas,

impactado essencialmente pela crise do petróleo no ano de 1973. A crise se ampliou nos dois

anos consecutivos e, em 1976, iniciou-se um período de estagnação econômica (BIANCHI,

2013).

De acordo com Barca (2010b), entre 1973 e 1993 a moeda italiana da época (lira) perdeu

mais de dois terços do próprio valor. Essa depreciação, que se iniciou no período em que

ocorreu a crise do petróleo, desencadeou a inflação e fomentou o crescimento da dívida pública,

situação que se revelou insustentável: em 1962 a dívida pública italiana atingiu o patamar de

33% do PIB. Em 1973 esse número saltou para 55% e, em 1990, o valor da dívida pública

10 No ano de 1980 o Ministro da Participação Estatal revelou em um documento público que o governo estava

(23)

alcançava os 100% do PIB nacional. Entre 1995 e 1996 a lira sofreu novas depreciações,

situação que obrigou o país a encarar graves sacrifícios econômicos.

Diante desse quadro, se iniciou uma profunda reorganização do sistema produtivo e uma

intensa necessidade de reformar as instituições públicas do país. De acordo com Bianchi (2013),

a concorrência assumiu um aspecto dinâmico e alterou a natureza das empresas, que passaram

a gerir sob inúmeras estratégias diversos produtos e mercados. O mercado iniciou sua aderência

ao que hoje conhecemos como globalização, situação na qual se expõem ao ápice da

concorrência sem barreiras protetivas. A reordenação da produção exigiu um leque maior de

tipos de produtos ao mesmo tempo em que impôs a redução de unidades produzidas. Esta

grande reestruturação que envolveu as empresas italianas entre o final dos anos 70 e os

primeiros anos da década de 80, não pode ser resumida a apenas uma aceleração nos

investimentos em maquinários. Mais do que isso, ela produziu uma reorganização global da

produção e dos mercados. Bianchi (ibidem) afirma que esse fenômeno nasceu de uma

necessidade oriunda na metade dos anos 70 de superar a produção em massa e os restritos

mercados nacionais.

O autor ainda demonstra como a organização da produção se modificou ao longo dos

anos em que o país se desenvolveu: em 1931, 47% da população economicamente ativa estava

empregada na agricultura, 31% na indústria e 22% no setor de serviços. No ano de 2011, após

80 anos, a situação se mostrou bastante distinta: apenas 4% da população ainda se dedicava ao

trabalho agrícola, enquanto que 30% permanecia ocupada com o trabalho industrial e 66%

estava empregada no setor de serviços. Esses dados apontam para o abandono da terra e para a

mecanização do trabalho agrícola, assim como para a permanência das atividades industriais

sem grandes alterações e para o crescimento continuado das atividades relacionadas ao setor de

serviços.

Ainda que o crescimento econômico fosse um evento generalizado na maior parte da

Europa, a Itália conseguiu aproveitar as circunstâncias (como a estabilidade política da década

de 1950 e a proteção financeira e militar dos Estados Unidos mediante o Plano Marshall) e se

beneficiar dos momentos de prosperidade para avançar e se desenvolver. Todos os índices

sociais que impactavam na qualidade de vida aumentaram consideravelmente, aproximando a

Itália dos tradicionais índices europeus. Os italianos tiveram acesso ao consumo de bens

duráveis que até então eram restritos a poucos, como televisores, máquinas de lavar, geladeiras

e automóveis. Se em 1951 o país contava com apenas 425 mil automóveis, em 1965 esse

número saltou para 5,5 milhões (BERTONHA, 2005). Contudo, ainda que neste período a Itália

tenha conquistado um patamar de renda, de bem-estar e de poder de consumo maior do que já

(24)

houve em qualquer época anterior, as desigualdades econômicas e sociais não foram abolidas

e a pobreza continuou presente, especialmente nas regiões do sul do país. Além disso, a partir

da década de 1960 a economia passou a desacelerar e a alternar períodos de crise, como na

década de 70 com a crise do petróleo, e períodos de crescimento econômico, como ocorreu nos

anos 80. Os anos 90 foram marcados por grandes mudanças no cenário industrial italiano. Entre

elas, estavam presentes as privatizações, o surgimento de novos empresários – principalmente

nos distritos industriais – e a reorganização dos velhos grupos familiares que administravam a

produção.

A Itália iniciou o século XXI com uma situação econômica positiva. No ano 2000, o

PIB do país era o sétimo no ranking mundial, atingindo cerca de 1,1 trilhões de dólares. A renda

per capita ultrapassou os vinte mil dólares e quase se equiparou a renda per capita da França

(BERTONHA, ibidem). O euro, a moeda única europeia a que grande parte dos países do

continente aderiu gradativamente, foi lançado em 2001. A Itália aderiu à moeda em 2002.

A falta de investimentos em educação e formação é um dos principais elementos

responsáveis pela dificuldade estrutural de crescimento e desenvolvimento da indústria italiana.

Bianchi (2013) analisou os dados sobre educação lançados pela OCDE

11

em 2012 e, entre os

países membros, a Itália ocupa o último lugar no quesito gastos públicos com educação sobre

o montante total de gastos públicos, com cerca de apenas 9% reservados à educação, enquanto

que a França destina 10,4% de seus recursos, a Alemanha 10,5% e a Grã Bretanha 13,1%. Os

gastos públicos refletem diretamente no nível de escolaridade de cada país. Em se tratando de

diploma da escola secundária, apenas 54% da população italiana concluiu seus estudos,

enquanto que 70% dos franceses, 74% dos britânicos e 85% dos alemães terminaram os estudos

de nível secundário. Com relação ao terceiro grau, os dados apontam que a Itália registra apenas

15% de estudantes que ingressaram no ensino superior após concluírem o ensino secundário,

enquanto que os países mais avançados registram em torno de três ou quatro vezes mais do que

o patamar italiano. Entre os países que integram a OCDE, a média se estabelece em torno de

30%. No interior desse grupo, a Itália é um dos países – se não o país – com a menor taxa de

instrução, seja no âmbito do ensino secundário ou do ensino superior. Acompanha esse índice

ainda as taxas mais baixas de formação profissional, de investimento em pesquisa e de

remuneração para aqueles que conseguem o diploma do ensino superior. De acordo com dados

11 A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma instituição internacional formada por 34

países que visa, entre outros objetivos, comparar políticas econômicas, solucionar problemas comuns e coordenar políticas nacionais e internacionais.

(25)

de 2013 publicados pelo jornal Corriere della Sera,

12

apenas 30% dos jovens com 19 anos se

matriculam na universidade e, entre eles, 17% abandonam os estudos ainda no primeiro ano

letivo. Esses dados dificultam o crescimento econômico do país, assim como o

desenvolvimento social e cultural da população italiana.

1.2. A Emilia-Romagna

As cooperativas possuem uma forte presença em todo o território italiano, mas é nas

regiões mais ricas e industrializadas (norte e nordeste do país) que elas estão aglomeradas, que

se desenvolveram mais e que têm mais força na atuação política. De acordo com Menzani

(2007), em 1915 a região da Emilia-Romagna era a que registrava a maior concentração de

cooperativas, com cerca de 1.575 unidades (quase todas de orientação socialista), sobre um total

de 8.341 em todo o reino da Itália.

Após a segunda Grande Guerra, elas cresceram ainda mais tanto na Emilia-Romagna

quanto em Trentino-Alto Adige, duas regiões em que a comunidade local era mais receptiva às

atividades coletivas empreendedoras e, ao mesmo tempo, possuíam grande força política local

– especialmente as forças católicas e de esquerda, desenvolvendo um papel importante na

organização e na educação para a cooperação. Devido a sua grande magnitude para a história

do cooperativismo italiano, o foco de nossa pesquisa está na região da Emilia-Romagna e, por

este motivo, explanamos abaixo um pouco do contexto da região, a fim de fornecer alguns

elementos para a compreensão da importância da região.

A Emilia-Romagna é uma região situada ao norte da Itália e tem como sua capital a

cidade de Bologna. Foi constituída oficialmente em sete de junho de 1970, sendo composta pela

união de duas regiões históricas: a Emilia, que compreende as províncias de Piacenza, Parma,

Reggio Emilia, Modena, Ferrara e a maior parte da província de Bologna, o que inclui a capital,

e a Romagna, com as restantes províncias de Ravenna, Rimini, Forlì-Cesena e a parte oriental

da província de Bologna. A região se divide em nove províncias, que englobam diversas

comunas em cada uma delas. A comuna de Imola, cidade em que realizamos o nosso estudo de

caso, está localizada na província de Bologna, e é um dos principais expoentes dos distritos

industriais italianos. Abaixo é possível observar o mapa da região e sua localização no interior

do país.

12 Dados publicados em 06/12/13 no jornal Corriere della Sera. Disponível em

http://www.corriere.it/scuola/13_dicembre_06/scuola-solo-30percento-19enni-si-iscrive-universita-cbaabcca-5e7d-11e3-aee7-1683485977a2.shtml. Último acesso em 07/03/2016.

(26)

Mapa das províncias da Emilia-Romagna e sua localização no mapa da Itália

Fonte: Wikimedia Commons. Imagem de domínio público.

A economia da região é bastante desenvolvida, e existem inúmeras pequenas empresas

familiares com produções de diversos tipos. Assim como os distritos industriais, as cooperativas

na região também são muito difundidas, sobretudo nas províncias de Reggio Emilia, Modena,

Bologna e Forlì-Cesena. Sendo considerada uma das regiões mais ricas do país, com uma taxa

de desocupação abaixo da média italiana, a Emilia-Romagna enfrenta um movimento massivo

de imigrantes em sua região, especialmente após a crise de 2008. Como consequência, uma das

situações mais comuns nas ruas de Bologna é se deparar com imigrantes pedindo ajuda e

esmolas ou exercendo atividades de vendas de forma ambulante.

Segundo Capecchi (1992), a região da Emilia-Romagna vivenciou algumas situações

entre 1900 e 1950 que contribuíram para o desenvolvimento da especialização flexível. Na

primeira parte do século XX as trabalhadoras em campos de arroz, juntamente com a mão de

obra agrícola masculina da região, iniciaram uma série de lutas rurais. As consequências dessas

lutas se projetaram na criação de uma espécie de sindicato, denominado Camera del Lavoro,

que incorporou todos os trabalhadores da região, assim como criou também diversas

associações de trabalhadores agrícolas que foram instituídas em várias províncias.

Entre 1904 e 1925, a Federação Nacional de Trabalhadores Agrícolas foi dirigida por

Argentina Altabelli, uma agricultora da província de Bologna. Ter uma mulher no poder da

Federação constituiu um importante feito para a época e suscitou importantes mudanças na

orientação política dos trabalhadores.

13

Neste período, as ideias socialistas passaram a ser

13 De um modo geral, a relação entre homens e mulheres sempre foi mais igualitária na região da Emilia-Romagna

do que no restante da Itália e isso significa, segundo Capecchi (1992), que as mulheres dessa região tiveram/têm muito mais poder do que as de outras regiões. Apesar de elas terem sido excluídas das escolas técnicas e, consequentemente, da indústria de engenharia naquele período, tomaram a frente de setores como confecção e cerâmica e sempre participaram da direção de empresas (principalmente as pequenas) e conquistaram assentos em universidades, sindicatos e partidos políticos, lutando ativamente, inclusive contra o regime fascista.

(27)

difundidas massivamente tanto nas cidades quanto nos campos da região da Emilia-Romagna.

Em 1909, os socialistas representavam 40% do eleitorado local e, quando se estabeleceu o

sufrágio universal masculino, em 1913, as províncias de Bologna, Ferrara, Reggio Emilia e

Parma votaram em candidatos socialistas. A existência de uma veia socialista na

Emilia-Romagna rural inspirou a criação de associações, cooperativas, bem como a disseminação de

ações progressistas. Em 1948, 52% dos votos computados na região eram destinados aos

partidos comunista e socialista enquanto que, no resto da Itália, essa estatística caía para 31%

(CAPECCHI, ibidem).

Assim, a região ficou cunhada nesse período como “zona vermelha” e, segundo

Menzani (2007), foi nela que o marxismo italiano encontrou a sua primeira base. Os ideais

socialistas juntamente com os princípios anarquistas e sindicalistas foram os principais

elementos que envolveram o Partido Comunista da Emilia-Romagna naquele período e que

influenciaram o seu norte a partir da década de 1950. Uma particularidade que deve ser

ressaltada sobre esse partido é o fato de que defendeu a formação de pequenas empresas e

auxiliou os trabalhadores a criá-las e a se tornarem autônomos. Tanto o partido comunista

quanto o partido socialista eram próximos da maioria dos sindicatos da região e também se

inseriram na organização de pequenas empresas artesanais e de cooperativas. Cocco et al

(1999), assinalam que o Partido Comunista Italiano permaneceu no poder entre as três maiores

instâncias políticas do governo da Emilia-Romagna durante cinco décadas, e foi o responsável

por organizar uma rede destinada ao desenvolvimento local, que envolvia associações

patronais, sindicatos de trabalhadores e instituições do terceiro setor.

As associações de artesãos e as cooperativas, coordenadas por membros dos partidos

comunista e socialista, foram importantes centros de poder econômico e serviram de base para

a formação em administração e gestão de pequenas empresas. Deste modo, desenvolveu-se uma

espécie de “comunidade política” comunista e socialista, na qual os simpatizantes dessas

tendências políticas se organizaram na administração do governo local e regional, bem como

na direção de sindicatos, associações, indústrias artesãs e cooperativas (CAPECCHI, 1992). De

acordo com Cocco et al (ibidem), a organização da produção e a governança dos territórios

integram uma mesma dinâmica no interior dessas regiões. Entender essa particularidade é

fundamental para compreender as diversidades que fazem da região da Emilia-Romagna um

ambiente de êxito para as cooperativas e as pequenas empresas que compõem os distritos

industriais.

A Universidade de Bologna também contribuiu para o fortalecimento dessa “zona

vermelha”, oferecendo diversas disciplinas acadêmicas que colaboraram para o

(28)

estabelecimento de relações entre as comunidades econômicas e sociais da região. Esta ação

favoreceu o papel ativo de grupos de intelectuais que difundiram a cultura socialista de maneira

científica e popular em todos os níveis sociais. Como resultado, fundou-se em Bologna no ano

de 1901 a Universidade Popular Giuseppe Garibaldi que, por sua vez, se converteu no centro

de um movimento que estabeleceu a cidade como a sede da Federação Nacional de

Universidades Populares.

A importância internacional que o sistema industrial da região obteve entre as décadas

de 1950 e 1970 se deveu especialmente pela combinação entre o modelo de desenvolvimento

econômico e o modelo de desenvolvimento social. Nesse período, a expansão da

industrialização coincidia com um momento de grande mobilidade social, em que as classes

camponesa e operária iniciavam suas atividades autônomas nas pequenas empresas. No final

da década de 1980, o cenário na Emilia-Romagna era positivo: a região tinha conquistado um

aumento em suas exportações, um acréscimo no produto regional bruto e um elevado nível de

emprego. Esse êxito se deveu, sobretudo, aos esforços das instituições regionais, tais como as

organizações cooperativas, as associações industriais e de pequenas empresas, as universidades

e as administrações locais, que se ocuparam da resolução de problemas, em particular das

necessidades dessas empresas e das questões relacionadas ao avanço das tecnologias. Capecchi

(1992) e Brutti e Calistri (1992), conferem especial destaque para a flexibilidade que essas

instituições ofereciam, de modo que os serviços prestados se configuravam como bastante

flexíveis e adaptados de acordo com as necessidades das diferentes empresas espalhadas pela

região.

Ao todo, a região contém cerca de 4.000 cooperativas. No universo das médias empresas

italianas as cooperativas não representam um número muito expressivo: são cerca de 75

empresas que realizam em torno de 3% do total de vendas do país. Contudo, na

Emilia-Romagna elas se destacam com uma presença mais incisiva: a região possui 32 cooperativas

que juntas representam 5,5% do total de empresas da região e chegam a conquistar 10% do

volume de negócios. Entre as cooperativas que são classificadas como empresas de porte

médio/grande, o volume de negócios chega a 15% do total da região e o número de empregados

gira em torno de 12% (HANCOCK, 2007; CANNARI E FRANCO, 2012).

Referências

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