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A transmissibilidade mortis causa das indenizações por danos extrapatrimoniais e o dano morte no ordenamento jurídico brasileiro

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROGRAMA DE MESTRADO

LEANDRO MONTEIRO LIBERAL

A TRANSMISSIBILIDADE MORTIS CAUSA DAS INDENIZAÇÕES POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS

E O DANO MORTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Florianópolis 2019

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LEANDRO MONTEIRO LIBERAL

A TRANSMISSIBILIDADE MORTIS CAUSA DAS INDENIZAÇÕES POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS

E O DANO MORTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Dissertação submetida à Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor Rafael Peteffi da Silva

Florianópolis 2019

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Liberal, Leandro Monteiro

A transmissibilidade mortis causa das

indenizações por danos extrapatrimoniais e o dano morte no ordenamento jurídico brasileiro / Leandro Monteiro Liberal ; orientador, Rafael Peteffi da Silva , 2019.

220 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Direito. 2. Responsabilidade Civil. 3. Danos Extrapatrimoniais. 4. Transmissibilidade. 5. Dano morte. I. , Rafael Peteffi da Silva. II.

Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

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À Bianca. After all this time? Always.

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AGRADECIMENTOS

Realmente complexa a tarefa de tecer, em poucas palavras, agradecimentos a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a conclusão do Mestrado e da dissertação.

Aos meus pais, meu irmão e familiares, por serem os mais compreensivos (e, pois, as maiores vítimas) às negativas de eventos sociais sob a necessidade de trabalhar na dissertação.

Às Confrarias dionisíacas que, regando as angústias com vinho, com frequência ouviam pacientemente as lamúrias e, na mesma medida, aplacavam o desespero.

Aos amigos de sempre, especialmente os suspeitos e os escoteiros; que forçavam as necessárias pausas para tornar a caminhada mais lúdica.

Ao Triunvirato formado nos bancos da graduação que, a despeito da distância, sempre rendem boas gargalhadas por Skype e os raros e aguardados encontros na varanda; especialmente por acolherem o menor dos três.

Ao Professor Rafael Peteffi da Silva, que estabelece na orientação uma parceria e, desde os idos do grupo de estudos em 2014, faz do seu cotidiano como Pesquisador e Professor

(7)

um modelo a ser seguido. Com ele, todos os docentes que abrilhantam os quadros do PPGD/UFSC.

Ao Grupo de Direito Civil na Contemporaneidade da UFSC, todos incansáveis em auxiliar na pesquisa.

Aos escritórios Barros & Vecchio e Borges & Almeida, palcos de grande desenvolvimento profissional e pessoal, com carinho enorme por todos os colegas lá cultivados.

Ao escritório Martinelli, Santos, Freitas & Liberal, parceiros no ideal acadêmico como ferramenta necessária para uma melhor prestação dos serviços advocatícios.

À Bianca. Pela parceria, cumplicidade, apoio incondicional. Por todas as razões possíveis. As impossíveis também.

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"'Tis a vile thing to die, my gracious lord, When men are unprepared and look not for it." (Richard III, Act III, Scene II, Line 61) Shakespeare, Séc. XVI.

(9)

A aprovação da presente dissertação não significará o endosso do Professor Orientador, da Banca Examinadora e da Universidade Federal de Santa Catarina à ideologia que a fundamenta ou que nela é exposta.

(10)

RESUMO

Considerando a proteção jurídica do direito à vida, examina-se o enfrentamento de sua violação pela ótica da responsabilidade civil, especialmente para verificar se no Brasil o dano morte exsurge como dano extrapatrimonial autônomo, transmissível por herança. Para tanto, parte-se de uma abordagem dedutiva, passando pelas categorias de direitos da personalidade, danos extrapatrimoniais, transmissibilidade da indenização por danos extrapatrimoniais e as peculiaridades do dano morte. Estruturado em dois capítulos, no primeiro são desenvolvidos alguns conceitos pertinentes aos direitos da personalidade para subsidiar a corrente adotada para definição de danos extrapatrimoniais. Após, trabalham-se as teorias que tentam responder à problemática da (in)transmissibilidade da indenização por danos extrapatrimoniais mortis causa. No segundo capítulo, o dano morte é diferenciado, por suas características peculiares, dos demais danos extrapatrimoniais. Com isso, enfrentam-se essas distinções, elencadas com base em elementos de direito estrangeiro, para verificar se o ordenamento jurídico brasileiro comporta, na sua atuação formatação, a ideia de dano morte autônomo.

Palavras-chave: Direitos da personalidade. Danos

extrapatrimoniais. Transmissibilidade mortis causa. Dano morte.

(11)

ABSTRACT

Considering the legal protection of the right to life, this paper aims to analyse its violation under the civil liability, especially to verify if, in Brazil, death arises as a non-pecuniary damage, transmissible by inheritance. Therefore, the studies will come from a deductive approach of personality rights, non-pecuniary damages, transmissibility of non-pecuniary damages and the peculiarities of death itself. Structured in two chapters, in the first one, some concepts regarding personality rights will be developed to permit a better definition of non-pecuniary damages. Subsequently, the theories regarding the mortis causa transmissibility will be established. In chapter two, death itself, in its singularities, will be distinguished from the others non-pecuniary damages. Thereby, it will be investigated if these distinctions permit the reception, by the Brazilian legal system, death itself as a compensable non-pecuniary damage.

Keywords: Personality Rights. Non-pecuniary damages. Mortis

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LISTA DE SIGLAS

BGB – German Civil Code.

CC/02 – Código Civil do Brasil de 2002.

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

CPC/15 – Código de Processo Civil do Brasil de 2015. STJ – Superior Tribunal de Justiça

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LISTA DE ABREVIATURAS

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

1. A DISSOCIAÇÃO ENTRE OS DIREITOS DA

PERSONALIDADE E O DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS ... 19

1.1. APROTEÇÃODAPESSOA:ASVERTENTES

PÚBLICOEPRIVADADASNORMASPROTETIVAS... 21 1.2. AAPLICAÇÃODATÉCNICAJURÍDICAPRIVADA NODOMÍNIODAPROTEÇÃODAPESSOA:A

SISTEMATIZAÇÃODOSDIREITOSDAPERSONALIDADE . 28 1.3. OCÓDIGOCIVILDE2002EA(IN)EXISTÊNCIADE UMACLÁUSULAGERALDEPROTEÇÃOAOSDIREITOSDA PERSONALIDADE ... 32 1.4. CARACTERÍSTICASDOSDIREITOSDA

PERSONALIDADE:OSEUOBJETONÃOSECONFUNDE COMOSSEUSEFEITOSJURÍDICOS ... 41 1.5. ASESPÉCIESDEDIREITODAPERSONALIDADE PERTINENTESAODANOMORTE:―OSDANOS

CORPORAIS‖ ... 44

1.5.1. Integridade física enquanto direito da

personalidade...47

1.5.2. (Direito ao respeito à) vida enquanto direito da

personalidade...50 1.6. INTRANSMISSIBILIDADEDOSDIREITOSDA PERSONALIDADE ... 54 1.7. ADISSOCIAÇÃODODANOORIGINÁRIODO DEVERDEREPARAR ... 57 1.8. CONCEPÇÃODEDANOSEXTRAPATRIMONIAIS . 59 1.9. ASTEORIASDATRANSMISSIBILIDADEMORTIS

CAUSA DAINDENIZAÇÃOPORDANOS

EXTRAPATRIMONIAIS ... 73

1.9.1. A intransmissibilidade absoluta...75

1.9.2. Transmissibilidade condicionada à manifestação de

vontade ...83

(15)

1.10. TRANSMISSIBILIDADEDAINDENIZAÇÃOPOR DANOSEXTRAPATRIMONIAIS:OCASODASVIOLAÇÕES ÀINTEGRIDADEFÍSICACOMSOFRIMENTOANTESDA

MORTE(PRETIUM DOLORIS)... 96

1.11. ABRANGÊNCIADATRANSMISSIBILIDADE: INCLUSÃODOSDANOSALHEIOSAOEVENTOMORTE . 100 1.12. LINHASCONCLUSIVASSOBREOSDANOS EXTRAPATRIMONIAISEASUATRANSMISSIBILIDADE 102 2. DANO MORTE: DEFINIÇÕES, PECULIARIDADES E A SUA (IN)APLICABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 108

2.1. OMOMENTODAMORTE:AFICÇÃOLEGALEA DEPENDÊNCIADAMEDICINA ... 109

2.2. ALGUNSELEMENTOSDEDIREITOESTRANGEIRO SOBREARESPONSABILIDADECIVILNOEVENTO MORTE... ... 116 2.2.1. Alemanha...118 2.2.2. Inglaterra...125 2.2.3. Espanha...131 2.2.4. Itália...138 2.2.5. Suíça...146 2.2.6. França ...149 2.2.7. Portugal...154

2.3. ASPECULIARIDADESDODANOMORTEQUEO DISTANCIAMDOSDEMAISDANOSEXTRAPATRIMONIAIS SOFRIDOSEMVIDA ... 164

2.3.1. Perda do caráter compensatório: vítima direta não gozará das benesses da indenização...166

2.3.2. A alegria com a morte de terceiro: a compensação dirigida ao herdeiro geraria um enriquecimento sem causa?...170

2.3.3. A morte, por ser certa, é um dano?...172

2.3.4. O problema da simultaneidade entre a perda da personalidade jurídica e o nascimento do direito: quando nasce o direito ao crédito indenizatório?...175

(16)

2.4. TEORIASQUETENTAMRESPONDEROMOMENTO

DEAQUISIÇÃODODIREITOÀINDENIZAÇÃOPELODANO MORTE 177

2.4.1. A aquisição ainda em vida pelo de cujus...178

2.4.2. O dano morte como lesão corporal agravada...179

2.4.3. O último direito obtido: simultaneidade entre nascimento do direito e perda da personalidade...181

2.4.4. Dano morte como dano futuro: indenização fica suspensa até a confirmação do dano...183

2.4.5. A aquisição post mortem do direito à indenização: herdeiros como continuadores da pessoa do de cujus...185

2.5. APOSIÇÃODOSUPREMOTRIBUNALDEJUSTIÇA DEPORTUGAL ... 187

2.6. DANOMORTEFRENTEAOORDENAMENTO JURÍDICOBRASILEIRO:SERIAMACLÁUSULAABERTAE OART.12 DO CC/02SUFICIENTESPARASUA RECEPÇÃO?... ... 189

3. CONCLUSÃO ... 196

4. REFERÊNCIAS DOUTRINÁRIAS ... 201

5. REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS ... 213

(17)
(18)

INTRODUÇÃO

Dentro da linha de pesquisa Sociedade, Controle Social e Sistema de Justiça, contemplando-se especificamente o direito obrigacional contemporâneo, delimitou-se tema para verificar a responsividade da responsabilidade civil ao evento morte. O direito à vida constitui o maior, ou, pelo menos, um dos maiores pressupostos para justificação dos ordenamentos jurídicos. Mesmo assim, há pouco desenvolvimento de estudos doutrinários brasileiros enfrentando um possível caráter autônomo para o dano morte.

A pesquisa tratará inicialmente de estabelecer alguns elementos pertinentes aos direitos da personalidade, pois a corrente doutrinária de danos extrapatrimoniais adotada parte da sua violação. Com isso, dirigir-se-á o foco para os elementos privados dos direitos da personalidade, bem como sua relação direta com a responsabilidade civil.

Por se estudar o evento morte, apenas dois direitos da personalidade ganharão análise pontual: os direitos à integridade física e à vida. Direitos à honra ou ao nome, por exemplo, não agregariam elementos vitais ao objeto da pesquisa e; portanto, foram recortados metodologicamente.

Esses dois direitos da personalidade – integridade e vida – são comumente tratados no estrangeiro como direitos corporais e, nessa qualidade, são considerados direitos inatos à pessoa humana,

(19)

reconhecidamente universais. Ainda assim, sua proteção depende do direito positivado, seja nas esferas criminal, cível ou administrativa.

Ver-se-á que, com o estabelecimento, pelo Código Civil do Brasil de 2002, de uma cláusula geral dos direitos da personalidade, uma interpretação sistemática dos dispositivos de direito privado permitem concluir e sustentar a defesa e a proteção dos direitos à integridade física e à vida.

Com efeito, a violação de um desses direitos, salvo excludentes, caracterizar-se-á como antijurídica, passível de ensejar a responsabilidade civil do agente.

E toda a construção dos danos extrapatrimoniais (nos limites deste trabalho) partirá justamente dessa premissa – da violação de um direito da personalidade. Sucede que, pela corrente que será adotada, entende-se não bastar a mera violação de um desses direitos, mas que essa violação venha a gerar também um prejuízo ou um menoscabo concreto à vítima em sua esfera extrapatrimonial.

Tratar-se-á objetivamente das correntes de danos

extrapatrimoniais; pois, a depender da corrente adotada, pode-se influenciar nas conclusões quanto à (im)possibilidade de adoção do dano morte como um dano autônomo.

Estabelecidas essas premissas, passar-se-á à análise das teorias que tentam responder o problema da transmissibilidade das indenizações por danos extrapatrimoniais. Em síntese, serão abordadas as três principais correntes destacadas pelas doutrinas nacional e estrangeira.

(20)

A primeira, constrói o raciocínio no caráter personalíssimo dos direitos da personalidade e, portanto, dos danos extrapatrimoniais. Com isso, entende pela intransmissibilidade absoluta do direito à indenização, por concluir que a indenização mantém a natureza do direito violado.

A segunda, entende que existe uma dissociação entre a natureza do direito da personalidade violado e o crédito ressarcitório, mas que essa dissociação apenas viria a ocorrer quando a vítima externasse de alguma forma a sua pretensão (como através de uma notificação ou da adoção de uma medida concreta para o ajuizamento da ação). Ou seja, a transmissibilidade estaria condicionada a uma expressa manifestação de vontade.

A última, por sua vez, conclui que a dissociação do crédito indenizatório do direito da personalidade violado ocorre no próprio momento em que nasce o dano, sem a necessidade de qualquer ato volitivo para ocorrer. Caracterizado o dano, consubstanciado na violação de um direito da personalidade, imediatamente nasce de forma autônoma o direito à indenização, cuja natureza seria patrimonial disponível, sendo, pois, transmissível por herança.

Com base nisso, trabalhar-se-á, através da casuística e de elementos de direito estrangeiro, a incorporação à herança dos direitos à indenização por danos extrapatrimoniais decorrentes da violação à integridade física que resulta em morte. Trata-se de situação extremamente reiterada que, como nos casos de morte por acidente de trânsito, a vítima passa período significativo de tempo (de horas a dias) agonizando entre o evento danoso e o óbito.

(21)

Essa categoria, como será demonstrado, preenche todos os requisitos objetivos para a caracterização de um dano extrapatrimonial. Ainda assim, mostra-se pouco estruturada na doutrina e na jurisprudência brasileira, merecendo destaque porque completamente autônoma e distinta do dano morte e dos danos por ricochete aos próximos do de cujus.

No segundo capítulo, o dano morte será esmiuçado, oportunidade em que suas características próprias serão abordadas e, ato sucessivo, proceder-se-á à verificação se estes fatores que o distanciam dos demais danos extrapatrimoniais podem interferir no seu reconhecimento como dano autônomo transmissível por herança.

Para enriquecer o debate, serão aportados alguns elementos e discussões feitas no estrangeiro, especialmente onde se logrou identificar debates doutrinário e jurisprudencial que efetivamente enfrentam as peculiaridades do dano morte.

Características como a simultaneidade entre o nascimento do dano e a perda da personalidade, a possível desnaturação do caráter compensatório, a morte como sendo um evento certo são, para fins exemplificativos, algumas das dificuldades trabalhadas pela doutrina e pela jurisprudência estrangeira.

Em especial, dos países analisados, apenas Portugal possui previsão legislativa expressa que alberga o dano morte como dano autônomo indenizável de forma cumulativa com os danos por ricochete e com os danos sofridos pelo de cujus ainda em vida (inclusive eventual sofrimento antes da morte).

(22)

A primeira, a constatação de que o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da transmissibilidade sem restrições do direito à indenização por danos extrapatrimoniais, inclusive possibilitando a abertura da discussão quanto ao sofrimento e o pavor frente a certeza da morte nos casos de conduta antijurídica que gera uma lesão com lapso temporal significativo entre o evento danoso e a morte da vítima.

A segunda, a de que, muito embora o ordenamento jurídico brasileiro adote uma cláusula aberta de danos extrapatrimoniais para fins de responsabilidade civil, ainda assim as peculiaridades do dano morte, para que seja possível o seu acolhimento como dano autônomo transmissível por herança, justificariam a exigência de expressa previsão legal.

Através de abordagem metodológica dedutiva, a natureza do resultado desta pesquisa será dissertativa, com fontes doutrinárias, legais e jurisprudenciais. Apesar de aportar elementos de direito estrangeiro, a intenção não é a de construir estudo de direito comparado.

Ao final, concluir-se-á pela necessidade de um tratamento legislativo expresso sobre o tema, enfrentando especialmente as premissas de alguns estudos doutrinários de relevância nacional que entendem pela defesa do dano morte como dano autônomo transmissível por herança mesmo diante da legislação brasileira como hoje posta.

(23)

1. A DISSOCIAÇÃO ENTRE OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E O DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS

No que importa ao ramo da responsabilidade civil, a dinâmica da sociedade do Século XXI tornou imperiosa a revisitação dos requisitos para a sua caracterização, especialmente para incorporar a análise de novos tipos de dano1. Mudam-se os comportamentos, mudam-se os

interesses juridicamente tutelados e, corolário, os danos juridicamente relevantes.

Nesse sentido, não são poucos os esforços para identificar, quantificar e demonstrar a existência de danos extrapatrimoniais. Assim como os primórdios das indenizações desta natureza enfrentaram significativa resistência2, acompanha-se essa mesma aversão para tentativas mais sofisticadas de objetivar, tanto quanto possível, o caráter subjetivo de danos incorpóreos3.

Se a razão de existir da responsabilidade civil é, hoje, a de tornar indene (ou a de compensar) a vítima prejudicada, com muito mais razão a doutrina deve assumir o papel de perscrutar os resultados práticos de

1 Estas características são definidas pela maior parte dos manuais de obrigações e de responsabilidade civil, em especial CAVALIERI FILHO, COELHO, DIAS, NORONHA, todos devidamente referenciados.

2

Cf. NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 566.

3 Cf. DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil: Revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. 12ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 847-849.

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uma diminuição do patrimônio (material ou extracorpóreo) originada da responsabilidade civil. O raciocínio, portanto, deixou de ser a mera negativa do dano (pela dificuldade da sua reparação) para gerar uma espécie de in dubio pro vítima.

E um campo fértil para a responsabilidade civil revela-se no evento morte. O direito envolvido – direito à vida – possui inegável relevância e proteção jurídica – dentro da categoria comumente denominada direitos da personalidade4. A celeuma se instaura, pois o

dano causado ceifa a vida de um ser humano e encerra, com ela, a personalidade do de cujus.

Por recorte metodológico, o evento morte não será estudado pelo seu efeito ricochete (terceiros que sofrem, autonomamente, com a perda de um ente querido5), apesar disso, por ser a resposta que muitos

ordenamentos adotam, será constantemente citada.

Para tanto, algumas premissas teóricas necessitam enfrentamento para a efetiva análise da autonomia do dano morte. Abordar-se-á neste

4 Faz-se a adesão a essa categorização (direitos da personalidade) sem ignorar a existência da teoria negativista dos direitos de personalidade. Sobre a questão: ―Pairou sobre a doutrina, entretanto, durante muito tempo, dúvida acerca da real existência da categoria relativa aos direitos da personalidade. As denominadas teorias negativistas não legitimavam a existência dos direitos da personalidade pois que – assim pregavam – não seria possível haver direito do homem sobre sua própria pessoa porque isso justificaria o suicídio, entre outros argumentos‖ (BRANCO JR., Sérgio Vieira. Direitos da Personalidade: pessoas jurídicas e danos morais in ALVES, Alexandre Ferreira de Assunção. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (orgs.) Temas de Direito Civil Empresarial. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2008, p. 145).

5 PETEFFI DA SILVA, Rafael. Sistema de Justiça, Função Social do Contrato e a Indenização do Dano Reflexo ou por Ricochete. Sequência v. 32 n. 63. FUNJAB: Florianópolis, 2011.

(25)

primeiro capítulo os conceitos de direito da personalidade e, a partir dele, a concepção de danos extrapatrimoniais.

Com esses marcos estabelecidos, as correntes doutrinárias e jurisprudenciais quanto à transmissibilidade mortis causa da indenização por danos extrapatrimoniais serão identificadas e, com base nos conceitos fixados, demonstrar-se-á a receptividade pelo ordenamento jurídico brasileiro da teoria da transmissibilidade.

1.1. A PROTEÇÃO DA PESSOA: AS VERTENTES PÚBLICO E PRIVADA DAS NORMAS PROTETIVAS

O Direito, enquanto produto humano e para o ser humano, teve em seus primórdios a proteção do contrato e da propriedade, na medida em que os excedentes produtivos tornavam a troca socialmente interessante – troca esta que pressupõe a ideia do ter (propriedade) e da transação (contrato)6. Esses interesses imediatos – e concretamente aferíveis na vida social – foram intensamente desenvolvidos nos estudos jurídicos7.

6 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português – Vol. I – Parte Geral. Tomo III. 2ª Ed. Coimbra: Almedina, 2007, p. 29.

7

Especialmente para o direito privado, cuja construção se dá com a própria evolução da sociedade: ―Private law is a pervasive phenomenon of our social

life, a silent but ubiquitous participant in our most common transactions. It regulates the property we own and use, the injuries we inflict or avoid inflicting, the contracts we make or brake. It is the public repository of our

(26)

O mesmo não se diz em relação à ideia de pessoa, especialmente a compreensão desta enquanto sujeito de direito8. Afinal, a ideia de

proteção do ser humano pressupunha uma forte tendência de abstração. Verifica-se essa abstração na constatação histórica de que nem todo ser humano era pessoa (escravos ou outros sem cidadania) e de que nem toda pessoa é um ser humano (jurídicas)9.

Na medida em que o ser humano passou a ganhar relevância nos ordenamentos – e, com isso, assegurar a organização econômica e social – iniciou-se a corrida de sistematização de normas jurídicas a tratar da dignidade, ainda que inicialmente limitada aos que eram reconhecidos como cidadãos10.

Como medida a estabelecer uma proteção ao indivíduo, o prelúdio tratava de assegurar a segurança física, por meio de normas sociais coercitivas de direito público11. Eram normas que visavam a

punir condutas que afrontassem os espectros visíveis da pessoa – proibição da lesão corporal, do homicídio e de outros crimes contra o indivíduo.

O âmago protegido, pois, eram os interesses da sociedade – não interessava a insegurança oriunda da impunidade de crimes contra a pessoa. Com isso, o ordenamento trazia consequências para a prática

most deeply embedded intuitions about justice and personal responsibility‖

(WEINRIB, Ernest J. The idea of private law. Harvard University Press: Massachusetts, 1995, p. 1). 8 CORDEIRO, 2007, p. 29. 9 Ibid., p. 30. 10 Ibid., p. 32.

11 ZIMMERMANN, Reinhard. The law of obligations: Roman foundations of the civilian tradition. Cape Town: Juta, 1990, p. 1050.

(27)

dessas condutas, e, com isso, assegurava o interesse social de proteção ao cidadão.

Essa proteção, então eminentemente ‗física‘, passou a se mostrar insuficiente. No ponto, Reinhard Zimmermann evidencia, por exemplo, que se a origem da proteção à integridade estava necessariamente consubstanciada em um dano físico, ―Já no curso do final da República Romana, a necessidade de uma violação à integridade física deixou de existir e a proteção assim se estendeu para os aspectos não patrimoniais da personalidade‖12.

Com isso, a mera noção de proteção da pessoa passa a ser vaga para os estudos jurídicos. Essa defesa do indivíduo passou então por construções jurídicas como a actio iniuriarum; os direitos do homem; os direitos originários e os direitos fundamentais – cada qual com um ângulo distinto de visualização do fenômeno ‗pessoa‘13.

A actio iniuriarum tratava das consequências da iniuria14 para o Direito Romano, abarcando a proteção da pessoa contra a troça; a

12 Em tradução livre do original: ―In the course of the later Roman Republic the

requirement of a physical assault was dropped and protection thus extended to non-physical aspects of the personality‖ (Ibid., p. 1052).

13 CORDEIRO, 2007, p. 129.

14 Hoje seriam todos os crimes contra a honra – injúria, difamação e calúnia. A sua origem, contudo, tem registro no curioso caso de Lucios Veratius: ―There

is a story that a man named Lucius Veratius once walked about Rome, slapping whomever he met, followed by a slave who paid each person he struck the sum of 25 asses. The Twelve Tables provided this penalty for anyone who struck another. By the time of Lucius Veratius – the late third century BC – the amount had become trivial. According to the story, in response to his escapade, the praetors instituted an action by which an equitable amount was to be awarded to any victim of iniuria. Eventually, the Romans allowed the action for many different offenses‖ (GORDLEY, James.

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difamação ou de algum modo a diminuição da honra da vítima15. Por ser uma actio ex delicto baseada na Lex aquilia, passou a ser uma hipótese utilizada para sistematizar não o direito da pessoa, mas ao que viria a se consagrar a responsabilidade civil16.

Dessa forma, a temática – proteção da pessoa – chegou à humanística francesa. Na qual, pelos trabalhos de Hugo Donellus17, sistematizou-se a existência de direitos que se ligam ao estado da pessoa, tendo o referido autor categorizado em quatro manifestações próprias: a vida; a integridade física; a liberdade e a reputação18. Esses direitos seriam inerentes à pessoa, preexistentes ao reconhecimento pelo ordenamento19.

Foundations of Private Law: property, tort, contract, unjust enrichment. Oxford University Press: New York, 2006, p. 217).

15 CORDEIRO, 2007, p. 46.

16 CAMPOS, Diogo José Paredes Leite de. Lições de direitos da personalidade. 2ª Ed. Boletim da Faculdade de Direito: Coimbra, 1992, p. 12.

17

―As origens históricas da doutrina dos direitos da personalidade remontam a Hugo Donellus, um dos maiores representantes do mos galicus, quando propôs a distinção entre domínio in persona cuiusque e in externis rebus, tendo colocado na primeira classe, a liberdade, a incolumidade corporal e a reputação‖ (RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade in TOFFOLI, José Antonio Dias. 30 anos de Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 680).

18 Trabalhando o raciocínio do humanista francês, António Menezes Cordeiro destaca: ―Donellus tipificava os iura in persona ipsa em quatro manifestações

essenciais: curiosamente próxima das que, ainda hoje, surgem no Código Civil (Português). Referenciava: a vida que existe e é reconhecida; a integridade física que consiste em não ser molestado ou atingido; a liberdade que se traduz em fazer o que se quiser; a reputação que corresponde a um estado de dignidade ilibada, comprovada pelas leis e pelos bons costumes‖

(CORDEIRO, 2007, p. 48). 19

―A expressão foi concebida por jusnaturalistas franceses e alemães para designar certos direitos inerentes ao homem, tidos como preexistentes ao seu reconhecimento por parte do Estado. Eram, já então, direitos considerados

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As construções e conclusões acima serviram de base não para uma imediata construção do direito privado – ainda não. Essas premissas foram utilizadas para a construção dos direitos do homem e,

posteriormente, ficariam associadas à Revolução Francesa.

Basicamente, os direitos do homem20 e os direitos fundamentais21 legitimavam a oposição ao Estado, ficando sob o guarda-chuva dos direitos público e constitucional22.

Foi Savigny quem questionou inicialmente a metodologia dos direitos da personalidade, tal qual formulada por Dornellus23. Diferentemente da pecha de ‗negativista‘ dos direitos da personalidade, Savigny apontou o que para ele seria uma inconsistência metodológica: a impossibilidade de se cogitar um direito derivado da propriedade, mas dirigido ao próprio titular deste direito, o que poderia, no caso, inclusive

essenciais à condição humana, direitos sem os quais ‗todos os outros direitos subjetivos perderiam qualquer interesse para o indivíduo, ao ponto de se chegar a dizer que, se não existissem, a pessoa não seria mais pessoa‖ (SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 5).

20 ―Os direitos do homem correspondem a uma categoria jusracionalista, tendo

florescido nas declarações solenes do século XVIII; posteriormente, a categoria foi adoptada pelos Direitos de tipo anglo-saxónico tendo, por essa via, penetrado no campo internacional. Os direitos do homem traduzem prerrogativas próprias de cada ser humano e que o Direito não pode deixar de consignar. Eles prendem-se com a dignidade da pessoa‖ (CORDEIRO,

2007, p. 130).

21 ―Os direitos fundamentais equivalem a uma criação constitucionalista alemã

da República de Weimar (...) e correspondem à positivação, nas ordens internas do tipo continental, dos direitos do homem‖ (CORDEIRO, 2007, p.

135). 22

CORDEIRO, 2007, p. 50.

23 Nesse sentido, ver RODRIGUES JUNIOR, 2018, p. 680 e CORDEIRO, 2007, p. 50.

(30)

legitimar um direito ao suicídio24. Savigny, contudo, não era contrário à tutela da pessoa25.

Essas críticas metodológicas de Savigny foram superadas pelo estabelecimento da noção de personalidade sob duas roupagens distintas: capacidade26 e atributos27. Cordeiro destaca que foi apenas no pós-guerra – em um movimento, segundo o autor, gerado pela culpa dos juristas da época – que houve o incremento dos direitos fundamentais, sob a ótica constitucional, e dos direitos da personalidade, sob a ótica privada28.

Tudo isso demonstra as tentativas de proteção da pessoa – sob a ótica de tutelas públicas, ainda que comumente confundidas com o

24 CORDEIRO, 2007, p. 50.

25 ―No século XIX, Friedrich Carl von Savigny negou estatuto científico à categoria sob exame, por considera-la uma contradictio in terminis: o homem não poderia dispor de seu próprio corpo ou alienar direitos sobre sua vida ou sua existência. Não se pode, contudo, negar que as objeções de Savigny eram de caráter metodológico e, em certa medida, compreendem-se pelas dificuldades inerentes ao direito alemão pré-codificado‖ (RODRIGUES JUNIOR, 2018, p. 680).

26 Ainda que, para Pontes de Miranda, capacidade de direito e personalidade são o mesmo, destaca-se o raciocínio da Roxana de Borges, para a qual ―Atualmente, concebe-se a personalidade jurídica como categoria mais ampla do que a capacidade. Hoje em dia, a personalidade surge como projeção da natureza humana‖ (BORGES, 2009, p. 8).

27 ―Estudos de relevo demonstrariam que a noção de personalidade deve ser considerada sob dois aspectos distintos. Sob o aspecto subjetivo, identifica-se com a capacidade que tem toda pessoa (física ou jurídica) de ser titular de direitos e obrigações. Sob o aspecto objetivo, contudo, tem-se a personalidade como conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico‖ (SCHREIBER, 2013, p. 6).

(31)

direito privado29. A sistematização dos direitos da personalidade30, por sua vez, tem como locus o direito privado31, como se passa a analisar.

29 A problemática nasce da terminologia sem rigor científico. Termos como direitos da personalidade, direitos fundamentais, direitos do homem são por vezes adotados como sinônimos, impedindo a correta apreciação dos institutos. Isso se identifica, a título argumentativo, na noção de personality

rights que é cindida nas noções de direito público e de direito privado: ―As for the notion of ‗personality right‘, in modern civil law there are two clear-cut notions of ‗rights‘: public law recognises fundamental rights, be they classic human rights declaring the freedom of citizens from state intervention or be they social or economic rights requesting assistance and performances for citizens from public authorities. These are ‗innate‘ and inalienable rights of human beings as such or of the citizens of the respective political entity and are mostly enshrined in written constitutions. Private law provides for subjective rights: (absolute) property rights in corporeal things or intellectual achievements and (relational) obligations (Forderungen), e.g. a creditor‘s right to claim money from a debtor. These subjective rights are, by definition, alienable, heritable and of monetary value. They constitute the assets of a person.‖ (BRÜGGEMEIER, Gert. CIACCHI, Aurelia Colombi. CALLAGHAN, Patrick. Personality Rights in European Tort Law. Leiden: Cambridge University Press, 2010, p. 5).

30 Adotou-se a nomenclatura proposta por Gierke e Ferrara, na medida em que, como bem destaca Carlos Alberto Bittar, ―devemos concentrar-nos em uma só fórmula, para nomear esses direitos, e, efetivamente, é a expressão direitos da personalidade que se está impondo, quando examinados sob o ângulo de direito civil‖ (BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 3). Ainda assim, não se ignora a existência de outras nomeações, tais como ―direitos essenciais da pessoa‖ ou ―direitos subjetivos essenciais‖. Todavia, para manter a coerência metodológica, todo o trabalho partirá da ideia de direitos da personalidade. 31 E essa alocação da proteção da pessoa também pela esfera privada acaba por

alterar o núcleo exclusivamente patrimonialista que prementemente ocupou os privatistas. No ponto, vale citar as palavras de Roxana Cardoso Brasileiro Borges, para quem os direitos da personalidade ―visam a garantir o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana, prevendo a proteção dos modos de ser da pessoa, o que, num ramo de tradição tão patrimonialista, como costuma ser o Direito civil, pode causar uma alteração de eixo axiológico, pondo o foco sobre a valorização da pessoa humana, deixando periféricas as relações puramente patrimoniais que sempre ocuparam a atenção dos civilistas‖ (BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Dos Direitos

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1.2. A APLICAÇÃO DA TÉCNICA JURÍDICA PRIVADA NO

DOMÍNIO DA PROTEÇÃO DA PESSOA: A

SISTEMATIZAÇÃO DOS DIREITOS DA

PERSONALIDADE

Muito embora as raízes dos direitos da personalidade por vezes tangenciem os direitos fundamentais e os direitos do homem, ainda assim eles, os direitos da personalidade, constituem categoria autônoma32, de natureza privada33. Correspondendo os direitos fundamentais a uma derivação direta e natural do ser humano, os direitos da personalidade, enquanto categoria de direito privado, ―são um dado historicamente existencial‖ – na medida em que é um produto

da Personalidade. In LOTUFO, Renan. NANNI, Giovanni Ettore. (Orgs.). Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2008, p. 243).

32 Atacando exatamente esta confusão, Otávio Luiz Rodrigues Junior destaca ―Não deixa de ser irônico que muitos dos defensores da ideia dos direitos da personalidade como meros direitos fundamentais não recordem que a constituição dessa categoria se deu em franca oposição ao sentido de hierarquia e de estatalismo‖ (RODRIGUES JUNIOR, 2018, p. 680).

33 ―Os direitos de personalidade surgem no Direito civil. Como tal, eles

traduzem a aplicação da técnica jurídica privada no domínio da tutela humana. Trata-se duma emergência rica em consequências: permite aproveitar todo um manancial de conceitos e de formulações para os pôr ao serviço da protecção procurada. Mas tem um preço: implica a transposição, para o campo dos direitos da personalidade, dos meandros e sortilégios do Direito privado‖ (CORDEIRO, 2007, p. 43).

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de elaboração científico-cultural que através das codificações emanam seus expoentes de confluência histórica34.

Foi, então, no pós-guerra35, especialmente por retomar as ideias

de Otto von Gierke, que eclodiu a concepção de um direito geral da personalidade, privado, apto a criar um domínio da pessoa sobre a própria pessoa36. De se gizar que o desenvolvimento de um direito geral da personalidade está intimamente relacionado ao fato de que o BGB não tratava dos direitos da personalidade e, para fins de responsabilidade civil, o mesmo BGB exigia a violação de um direito subjetivo absoluto37.

Os direitos da personalidade, então, viriam inicialmente construídos como um direito subjetivo38 à manutenção, inviolabilidade, dignidade e livre desenvolvimento de cada pessoa – o que geraria uma

34 CORDEIRO, 2007, p. 44.

35 Schreiber destaca um vácuo doutrinário, especialmente no Brasil, ante a ausência de previsão dos direitos da personalidade no BGB e no Código Civil de 1916. (SCHREIBER, 2013, p. 6).

36 ―O principal defensor da tese da existência de um direito geral da personalidade era, àquele tempo, Otto von Gierke, para quem havia direitos que garantem o domínio sobre uma esfera subjetiva correspondente à personalidade‖ (RODRIGUES JUNIOR, 2018, p. 681).

37 CORDEIRO, 2007, p. 61.

38 Adriano de Cupis aborda a vertente privada dos direitos da personalidade sob a ótica dos direitos subjetivos: ―Diz-se, geralmente, que existe um direito subjetivo desde que o mecanismo da tutela jurídica do interesse esteja nas mãos do sujeito do mesmo interesse. A circunstância de a tutela ser confiada à iniciativa do sujeito significa simplesmente que só a atuação da sanção depende da vontade do sujeito, e não também a criação do imperativo jurídico, nem a ameaça da sanção. As posições individuais de proeminência respeitantes aos bens da vida assumem a qualidade de direitos subjetivos, precisamente enquanto dependa do seu sujeito a possibilidade de fazê-las valer determinando a atuação da sanção‖ (CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. 2ª Ed. São Paulo: Quorum, 2008, p. 43).

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tutela alargada do direito civil, no caso de sua violação39. A proteção legal à personalidade, portanto, garantiria o ter e o ser 40.

Se o direito privado decorre, como visto, de manifestações histórico-científica-culturais, servindo as codificações para extrair o núcleo duro dessas construções, os direitos da personalidade vieram para possibilitar ao ordenamento um quadro de proteções à pessoa – quadro este mutável pelas próprias transformações da sociedade.

Contudo, a abertura necessária para a formação de um direito geral da personalidade desnaturou a natureza que, por sua origem, era de um direito subjetivo. O nascimento dos direitos da personalidade trabalhava com núcleos definidos e elencáveis de proteção da personalidade. A abertura sistemática, para permitir a autonomização de novos direitos, pode acabar por retirar sua força dogmática, porque a sua construção depende de elementos doutrinários e jurisprudenciais.

Esta dicotomia – dogmatismo dos direitos subjetivos contra a necessidade de abertura sistemática dos direitos da personalidade para acompanhamento de novas camadas de proteção à pessoa – impôs ―todo um labor de reconstrução do Direito civil, de modo a restituir à pessoa o lugar que lhe compete no espaço privado‖41.

Com efeito, os direitos da personalidade precisavam reforçar a mais e mais crescente necessidade de proteção dos aspectos extrapatrimoniais da pessoa. Afinal, ―O direito à vida é o mais

39 CORDEIRO, 2007, p. 62.

40 BRÜGGEMEIER, CIACCHI, CALLAGHAN, 2010, p. 6. 41 CORDEIRO, 2007, p. 75.

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fundamental dos direitos humanos‖42 e essa premissa de pronto se estabelece como fundante para a análise dos direitos da personalidade.

Daí o imbricamento entre os direitos da personalidade e a responsabilidade civil. O estabelecimento de conceitos será direcionado à construção de ideia de dano extrapatrimonial – os direitos e os interesses relacionados à personalidade protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro43. Afinal, a responsabilidade atua como uma das respostas possíveis à violação do principal escopo do Direito Civil44.

42 Tradução livre: ―The right to life is the most fundamental human right‖ (DAM, Cees van. European Tort Law. Second Edition. Oxford: Oxford University Press. 2013, p. 169).

43 Nesse sentido: ―Parece-nos que a violação da maior parte dos direitos de personalidade é sancionada por meio de uma indenização voltada para o ressarcimento do dano extrapatrimonial sofrido pela vítima. Este fato nos leva a crer que há fortes conexões entre o regime da responsabilidade civil extracontratual e o regime dos direitos de personalidade‖ (FERREIRA, Flavio Henrique Silva. Direitos de personalidade: conteúdo e sistematização. Revista de Direito Privado São Paulo, v.10, n.39, p. 137-168, jul./set.2009).

44 Destacando a importância sistemática dos direitos da personalidade, criticando as deficiências do ordenamento jurídico quando este fecha-se em si, destacam António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto que ―Dela nos deve ficar, porém, a advertência de que um sistema assente na relação jurídica — numa estrutura formal, portanto — não nos deve fazer olvidar os interesses que subjazem às formas jurídicas, designadamente o principal escopo do Direito Civil: a tutela da personalidade do indivíduo humano‖ (MONTEIRO, PINTO, MOTA PINTO, 2005, p. 31).

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1.3. O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E A (IN)EXISTÊNCIA DE UMA CLÁUSULA GERAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

A pretensão de codificar e exaurir o rol de direitos da personalidade mostra-se incompatível com a realidade contemporânea, que constantemente altera ou cria novos direitos45.

Daí que a proteção legislativa dos direitos de personalidade não pode se dar de forma fechada – pois o seu objeto constantemente sofre mutação, adaptando-se a novos direitos incorporados à pessoa

45 Sobre a questão, destaca Anderson Schreiber que ―A limitação da ressarcibilidade dos danos à violação de um direito subjetivo ou a qualquer outra situação jurídica subjetiva previamente especificada em lei mostra-se absolutamente incompatível com a realidade jurídica contemporânea‖ (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: da erosão dos filtros de reparação à diluição dos danos. Editora Altas, 2007, p. 124). Semelhante crítica já destacava Orlando Gomes, afastando a discussão da conceituação dos direitos da personalidade de direitos subjetivos, para se focar no objeto protegido por estes direitos: ―A diversidade de conceitos atesta a dificuldade de formulação, agravada pela circunstância de ser heterogênea a categoria dos direitos da personalidade e controvertida sua fundamentação. Noção mais clara obtém-se mediante delimitação de seu objeto em termos perfeitamente admissíveis. Constituem-no os bens jurídicos em que se convertem projeções físicas ou psíquicas da pessoa humana, por determinação legal que os individualiza para lhes dispensar proteção‖ (GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil.12ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 151).

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humana46. Afinal, mudando-se concepções do que é essencial à pessoa, mudam-se os direitos da personalidade47.

A crítica à necessidade de positivação expressa de rol taxativo protetivo da personalidade não pode, por sua vez, sustentar uma abertura irrestrita do sistema. A expansão sem limites retiraria a carga de eficácia e a utilidade concreta da proteção dos direitos da personalidade48.

46 A título exemplificativo, as recentes incursões doutrinárias visando a assegurar o direito ao nome social, como pode ser aferido em BAHIA, Carolina Medeiros. CANCELIER, Mikhail Vieira de Lorenzi. NOME SOCIAL: Direito da personalidade de um grupo vulnerável ou arremedo de cidadania? Revista Húmus, v. 7, p. 102-123, 2017.

47

Gustavo Tepedino identifica a problemática ao dispor que ―as previsões constitucionais e legislativas, dispersas e casuísticas, não logram assegurar à pessoa proteção exaustiva, capaz de tutelar as irradiações da personalidade em todas as suas possíveis manifestações. Com a evolução cada vez mais dinâmica dos fatos sociais, torna-se assaz difícil estabelecer disciplina legislativa para todas as possíveis situações jurídicas de que seja a pessoa humana titular‖ (TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In Temas de direito civil. Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 37).

48

Schreiber levanta fundamentada crítica à ampla abertura, com base na utilização genérica e retórica do termo dignidade da pessoa humana: ―A princípio, portanto, nem o recurso à cláusula geral de tutela da dignidade humana nem as suas especificações conceituais mais comuns têm se mostrado aptas a servir direta e definitivamente de critério para a seleção dos interesses merecedores de tutela. Longe de reduzir ou limitar a tutela da personalidade, tal conclusão pretende apenas demonstrar que o exclusivo recurso nominal ao valor constitucional não legitima e não desautoriza pedidos de ressarcimento de danos não patrimoniais. A alusão descomprometida à dignidade humana periga resultar, ao contrário, na banalização justamente daquilo que mais se pretende proteger‖ (SCHREIBER, 2007, p. 128). Mesmo porque, no ponto, o uso de termos como dignidade da pessoa humana ou direitos humanos geram confusões conceituais, inclusive com os direitos da personalidade. Assim, para fins de estabelecimento de limite conceitual, adota-se a ideia de que os direitos da personalidade como normalmente adotada pelos comparativistas europeus: ―The main legal source of civil law liability, the OA, regulates and

protects so-called personality rights. The infringement of personality rights is by legal definition non-patrimonial damage (Art. 1046. OA) and, if other

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No Brasil, a incorporação dos direitos da personalidade dentro da seara do Direito privado restou ainda mais conturbada. Essa dificuldade decorre da ordem de ingresso, para o ordenamento jurídico pátrio, das normas protetivas da pessoa. Antes do CC/02, a CF/88 estabeleceu a proteção da dignidade da pessoa humana49.

E, sem o rigor necessário50, a dignidade da pessoa humana vem sendo utilizada de forma retórica e assistemática para imiscuir-se não apenas na seara do direito público (enquanto direito fundamental

conditions of civil liability are met, a person who infringed personality rights will be held liable. Personality rights are recognised in the respect of both natural and legal persons 47 in a similar way as human rights, in the framework of the ECHR, belong to both categories of legal subjects (Emberland 2006, 2–4). Broadening of the scope of the application of human rights protection legislation can be observed in areas that are typically occupied by legal persons, such as the public procurements (Arrowsmith 2005, 85–97). Naturally, one should not consider personality rights as just another name for human rights. Human rights exist in the respect of both patrimonial rights (e.g. right to property) and non-patrimonial rights (e.g. right to life, right to privacy). Personality rights are, on the other hand, exclusively of non-patrimonial nature‖ (BAGI SKA, Ewa. Damages for violations of human rights: a comparative study of domestic legal systems.

Cham: Springer, 2016, p. 14).

49 Art. 1º, III, da CF/88: ―Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana‖.

50 Essa crítica pode ser vista em RODRIGUES JUNIOR, 2018; e em SCHREIBER, 2013. Além disso, destaca-se dos estudos de José de Oliveira Ascensão: ―Positivisticamente, a dignidade da pessoa humana só pode ser

entendida como fórmula vazia, adaptável a todos os conteúdos. A discussão actual em torno da Bioética é bem característica, uma vez que no seio dos países que mais longe levaram o desenvolvimento dos direitos fundamentais se seguem as posições mais variadas em temas em que é a própria pessoa humana, na sua realidade ontológica, que está em causa‖ (ASCENSÃO, José

de Oliveira. Pessoa, direitos fundamentais e direito da personalidade. In ALVES, Jones Figueiredo; DELGADO, Mário Luiz. (Orgs.) Questões controvertidas no código civil. São Paulo: Método, 2007, p. 107).

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protetivo da pessoa frente ao Estado), mas também de forma não criteriosa na esfera privada (direitos da personalidade).

A premissa que se deve partir, portanto, é que os direitos da personalidade aportaram de forma sistemática no Brasil apenas com o CC/0251. A dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos da personalidade nasce de uma importação sem os rigores do direito comparado do sistema alemão52 que, como já destacado, extraiu da constituição uma cláusula geral dos direitos da personalidade para construir no sistema privado a ideia de direito subjetivo absoluto (e, com isso, permitir a sua valoração pela responsabilidade civil).

Assim, de se referir que a dignidade da pessoa humana é um direito fundamental estabelecido pela CF/88 e limita os poderes estatais contra as pessoas. Os direitos da personalidade também protegem a pessoa, mas na sua esfera privada, independentemente de alterações políticas53.

51 ―Os direitos da personalidade, tanto no Brasil (arts. 11-21, CCB/2002), quanto em Portugal (arts. 70-81, CCP), encontram no Direito Civil seu âmbito normativo primário. Essa afirmação implica o reconhecimento de que as normas do Código Civil fornecem os meios de vinculação dos particulares, sem necessidade de recursos permanente ao texto constitucional para sua concretização‖ (RODRIGUES JR., 2018, p. 683).

52 ―O recurso imediato à dignidade humana como fundamento dos direitos da personalidade justifica-se no contexto da ordenação jurídica alemã, dadas suas peculiaridades históricas‖ (Ibid., p. 683).

53 ―A tutela dos direitos fundamentais da pessoa na Constituição tem origem e finalidade na necessidade de criar limites ao poder político na sua capacidade para ofender a pessoa, como indivíduo e cidadão. A tutela jurídica funda-se na lei e depende dela. Os direitos da personalidade são um reconhecimento da dignidade da pessoa, apesar e além das relações de poder, e devem ser respeitados, independentemente de uma hierarquia positiva de normas que tem no topo a Constituição, para, no confronto dos regimes jurídicos em presença, não degradarmos a posição da pessoa humana e a defesa jurídica

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Surge, pois, o questionamento: o CC/02 estabelece uma cláusula geral de proteção aos direitos da personalidade? Há, em essência, três correntes interpretativas quanto à categoria dos direitos da personalidade.

Otávio Luiz Rodrigues Junior tenta sistematizar essas correntes54: a primeira, extrai na dignidade da pessoa humana, em seu art. 1º, III, da CF/88 o fundamento da cláusula geral de tutela da pessoa humana. São seus expoentes, Gustavo Tepedino e Maria Celina Bodin de Moraes. A segunda, entende que o CC/02 optou por tratar dos direitos em espécie, sem, contudo, impedir o reconhecimento de novos direitos pela doutrina e pela jurisprudência – Carlos Mário da Silva Velloso55. A terceira, que o art. 12 do CC/02 representa a cláusula geral dos direitos da personalidade – James Eduardo Oliveira56.

A par dessa discussão quanto ao CC/02, o fato é que todas as correntes entendem que é possível extrair do ordenamento jurídico o reconhecimento de novos direitos da personalidade, mesmo não estando expressamente previstos57. Esse raciocínio legislativo possibilita a

dos direitos da personalidade. As experiências políticas de constitucionalização dos direitos da personalidade não devem esquecer que a defesa da pessoa pelo Direito é muito anterior a qualquer ideia de Constituição. Os direitos da personalidade não se confundem com os direitos pessoais‖ (VERA-CRUZ PINTO, Eduardo. Considerações genéricas sobre os direitos da personalidade. Revista CEJ. N. 25, abr.2004, p. 71).

54 RODRIGUES JUNIOR, 2018.

55 Segundo o próprio Otávio Luiz Rodrigues Junior, o art. 12 do Código Civil de 2002 não justifica um direito geral da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro. (Ibid., p. 685).

56 Ibid., p. 686. 57

Apoia-se essa conclusão também com base na assertiva de Roxana Borges, a qual preceituou que ―Os efeitos práticos de se adotar o direito geral da personalidade ou uma lista exemplificativa de direitos de personalidade são os

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inserção de novas tutelas protetivas à personalidade sem a necessidade de alteração do texto da lei.

A proteção, por se tratar da pessoa humana, deve ser plena e atuar em várias direções, não podendo o ordenamento quedar-se engessado frente a novos pensamentos de tutela, tampouco vulnerável a possíveis antinomias no caso de tentativa de estabelecer um rol taxativo de proteções. Essa abertura sistemática dá azo a uma construção evolutiva do direito – via doutrina e jurisprudência – que mais facilmente acompanha as alterações da sociedade58.

Esse raciocínio mostra-se possível pela origem naturalista enunciada acima já nos estudos de Donellus: os direitos da pessoa são preexistentes ao Estado, cabendo apenas o seu reconhecimento. Portanto, devem os direitos da personalidade abarcar de forma ampla os interesses inerentes à pessoa humana, seja pelas condições decorrentes de seu próprio nascimento, sejam as relações tuteláveis com a sociedade. Para tanto, Maria Angélica Benetti Araújo, ao discorrer sobre os direitos da personalidade para o sistema Português, também constrói a ideia de direitos inatos e adquiridos59 – e o mesmo entendimento encontra eco na doutrina brasileira60.

mesmos, pois ambos têm como fundamento a dignidade da pessoa humana e nenhuma das duas correntes restringe a proteção jurídica aos direitos tipificados no direito positivo, o que é imprescindível para a adequada proteção de tais direitos numa sociedade em veloz mutação‖ (BORGES, 2008, p. 244).

58 NERY, Rosa Maria Andrade. Distinção entre 'personalidade' e 'direito geral de personalidade': uma disciplina própria. Revista de Direito Privado São Paulo, v.15, n.60, p. 127-132, out./dez. 2014, p. 131.

59 ―Nesta perspectiva, e apenas para fins didáticos, os direitos de personalidade sistematizam-se em duas categorias gerais: adquiridos e inatos. Os direitos de

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Essa abertura conceitual – novamente, independentemente da corrente interpretativa adotada quanto ao CC/02 – não traz margem para uma arbitrariedade jurisdicional. Como bem destaca Felipe Prata Pravato61, a prestação jurisdicional deve fundamentar o reconhecimento de uma proteção do interesse concreto derivado dos direitos da personalidade, não podendo extrapolar a aparente anomia para gerar inconsistências com o sistema jurídico. Noutras palavras, não possui poder para albergar supostos direitos de personalidade incompatíveis com as demais normas.

personalidade adquiridos existem nos termos e na extensão da disciplina que o direito lhes atribui. Os direitos de personalidade inatos, tal qual o direito à vida, sobrepostos a qualquer condição legislativa, são absolutos, pois oponíveis erga omnes; irrenunciáveis, já que amalgamados à pessoa de seu titular; intransmissíveis, porque é inválida toda tentativa de cessão destes direitos a outrem, por ato gratuito ou oneroso; imprescritíveis, uma vez que o titular poderá invoca-los a qualquer tempo. Da mesma forma, ressalta-se, não pode o indivíduo autolimitar os direitos inerentes à sua personalidade‖ (BENETTI ARAÚJO, Maria Angélica. A disciplina dos direitos de personalidade no direito português. Revista de Direito Privado São Paulo, v.12, n.45, p. 41-68, jan./mar. 2011, p. 46). Este raciocínio, destaca-se, não é novo, mas sim deriva dos estudos de BAR, Christian von. The common European law of torts. Vol. 2. New York: Oxford, University press, 2000. p. 56 e ss.

60 ―Por um lado, há os direitos de personalidade tangíveis. Neste grupo, estão incluídos o direito à vida, o direito à saúde corporal e mental, e o direito à liberdade. O ponto em comum destes direitos é o fato de que, em algum aspecto, eles se conectam com a esfera tangível ou física das pessoas. Por outro lado, há os direitos de personalidade intangíveis. Neste grupo, estão incluídos o direito a manter o status social, que compreende o direito ao nome e à reputação, o direito à privacidade, certos direitos pessoais de família, entre outros. Estes direitos têm em comum o fato de não possuírem qualquer conexão com a esfera tangível ou física das pessoas‖ (FERREIRA, 2009, p. 140).

61 PRAVATO, Felipe Prata. Autonomia privada e a função de autocontenção dos direitos da personalidade: reflexões em torno do sujeito de direitos. Revista de Direito Privado - RDPriv, São Paulo, v.19, n.90, jun./2018, p.17-43, p. 39.

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E é essa abertura sistemática que, para Roxana Borges, impõe o reconhecimento do que denomina aspecto positivo da personalidade, pelo qual ―os direitos de personalidade conferem ao sujeito uma esfera de autonomia para exercê-los segundo seus interesses pessoais, verificando-se uma afetação jurídica que cria um espaço de autonomia‖62. Seriam, pois, mais do que simples caráter responsivo a violações a direitos da personalidade – a abertura sistemática legitima uma autonomia para os seus exercícios efetivos63. Do contrário,

fechando-se o sistema ao rol enunciativo do CC/02, limitar-se-ia o próprio livre desenvolvimento da pessoa humana.

Para efeitos de responsabilidade civil, a violação de um direito da personalidade permite a caracterização de um dos elementos para o dano – a violação a um interesse juridicamente tutelado. Perfeitamente compatível com a nossa cláusula aberta de responsabilidade civil, os direitos da personalidade constituem, pois, um conjunto de normas de teor aparentemente simples, mas com grande alcance protetivo64.

62

BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Interpretação dos contratos sobre direitos de personalidade. Revista de Direito Civil Contemporâneo - RDCC, São Paulo, v.4, n.11, p. 55-77, abr./jun. 2017, p. 58.

63 Esse aspecto positivo dos direitos da personalidade trabalhado por Roxana Borges é questão fundante para o direito privado, sendo explorado na doutrina portuguesa quando do debate da autonomia: ―A autonomia – quer no aspecto

da liberdade de exercer ou não os poderes ou faculdades de que se é titular, quer no aspecto, mais completo, da possibilidade de conformar e compor, conjuntamente com outrem ou por acto unilateral, os interesses próprios – é uma ideia fundamental do direito civil‖ (MONTEIRO, PINTO, MOTA

PINTO, 2005, p. 58).

64 MORAES, Walter. Concepção tomista de pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade. Revista de Direito Privado São Paulo, RT v.2, abr. 2000, p. 187-204, p. 189.

(44)

Assim, o CC/02 atual sistematiza os direitos da personalidade de forma a tornar, na maioria dos casos65, desnecessário recorrer-se a

princípios fundamentais insculpidos na CF/8866. Com isso, entende-se

que o chamamento dessa proteção ao direito privado garante uma maior coerência interna ao ordenamento e municia a proteção desses direitos com uma maior concretude e, por consequência, uma maior carga eficacial67.

65

Roxana Borges perfila este entendimento destacando que o caráter propositalmente genérico e amplo do CC/02 surge justamente para não excluir outros direitos que ali não foram expressos. (BORGES, 2008, p. 244). De igual maneira, Renan Lotufo (LOTUFO, Renan. Código Civil comentado: parte geral. V. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 64).

66 Vale reiterar que muito embora não se confundam as categorias de direitos fundamentais e direitos da personalidade, em muitos casos correm de forma paralela e complementar, como destaca José de Oliveira Ascensão: ―A nossa questão é antes de saber se pelos direitos fundamentais se realiza efetivamente a tutela da pessoa. Se podemos falar de uma identidade entre direitos fundamentais e direitos de personalidade. A consagração constitucional da dignidade humana e dos direitos fundamentais representa a garantia dos direitos de personalidade? É desde logo claro que não há identificação de categorias. Os direitos fundamentais vão muito mais longe. Atribuem direitos a organizações, que não são já pessoas. Espraiam-se por direitos sociais, econômicos e culturais que não são direitos de personalidade. (...) Verificaríamos ´que, embora as matérias que são conteúdo dos direitos de personalidade estejam também contempladas em geral entre os direitos fundamentais, a consciência não é total: algo fica de fora. E a conclusão poderia ser reforçada com a observação, certeira, que o regime estabelecido no Código Civil não coincide com o regime da Constituição‖ (ASCENSÃO, 2007, p. 108).

67 Essa conclusão se dá sem a pretensão de afirmar que a utilização, a título exemplificativo, da dignidade humana não possa se mostrar necessária para algum caso ainda não imaginado. A crítica se dá na medida em que, por vezes, a dignidade é utilizada a despeito de previsões específicas de normas infraconstitucionais. Sobre o tema, interessante ponderação é extraída dos estudos de António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto: ―Sem prejuízo,

contudo, do papel da Constituição como Lei Fundamental e, nessa medida, do controlo da constitucionalidade das leis civis (leis ordinárias), assim como sem prejuízo do reconhecimento dos princípios constitucionais no

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Serão, pois, direitos da personalidade todos aqueles indispensáveis à condição humana, convergindo direitos inatos a qualquer pessoa nascida com vida ao seu reconhecimento pelo Estado de Direito, pelo qual a sociedade passa a reconhecer e a proteger (exigindo uma conduta negativa de terceiros). Daí que a variação de espécies de direitos da personalidade amolda-se com o tempo e com as diferentes culturas – as transformações históricas conduzem a paulatinas mudanças de reconhecimento de direitos que, para aquela sociedade, são indissociáveis à vida.

1.4. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA

PERSONALIDADE: O SEU OBJETO NÃO SE CONFUNDE COM OS SEUS EFEITOS JURÍDICOS

Os direitos da personalidade encontram, como visto, força normativa no sistema brasileiro através do CC/02. Sucede que o seu art. 1168 prevê como características dos direitos da personalidade apenas a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade. Contudo, como destaca

preenchimento das cláusulas gerais e conceitos indeterminados de direito civil, do princípio da interpretação em conformidade com a Constituição, etc.‖ (MONTEIRO, PINTO, MOTA PINTO, 2005, p. 43).

68 ―Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.‖

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