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A trajetória do setor ervateiro na província do Rio Grande do Sul

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LILIAN DA ROSA

A TRAJETÓRIA DO SETOR ERVATEIRO NA

PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO SUL

CAMPINAS

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

LILIAN DA ROSA

A TRAJETÓRIA DO SETOR ERVATEIRO NA

PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO SUL

Profª. Drª. Lígia Maria Osório Silva – Orientadora

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, área de concentração em História Econômica do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Cam-pinas para obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico, na área de concentração em História Econômica.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA LILIAN DA ROSA E ORIENTADA PELA PROFª. DRª. LÍGIA MARIA OSÓRIO SILVA.

CAMPINAS 2015

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

LILIAN DA ROSA

A TRAJETÓRIA DO SETOR ERVATEIRO NA

PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO SUL

Defendida em 24/02/2015

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Agradecimentos

Confesso que, ao contrário do esperado, como última tarefa deste trabalho, não foi fácil redigir estes agradecimentos. Como relembrar os nomes daqueles que, de alguma forma, contri-buíram? Como agradecer todos? Como não ser injusta com ninguém? A realização desta pesqui-sa só foi possível graças à ajuda de muita gente. Mesmo! De pessoas que possibilitaram a minha vinda a Campinas e que, com isso, abriram-me as portas para fazer o mestrado na Unicamp. Dos colegas que me ajudaram (sou historiadora de formação) a fazer um mestrado na área de econo-mia (tarefa árdua, especialmente no início). De amigas que, quando eu estava na condição de aluna especial e sem bolsa, acolheram-me em suas casas gratuitamente, pois me faltava o dinhei-ro do aluguel. De amigos que, com sua presença, tornaram a minha estadia em Campinas mais leve e prazerosa. Enfim, todos aqueles que de alguma forma, nesses últimos anos, compuseram e atuaram no campo da minha “vida material”. Assim, sou muito grata a essas pessoas e espero que as mesmas compreendam os motivos pelos quais seus nomes não estão citados aqui: incorria o risco destes agradecimentos ficarem maior do que a própria dissertação. Desse modo, optei por mencionar apenas aqueles que estiveram diretamente relacionados com a sua produção.

À Lígia Osório Silva, obrigada pela paciência, dedicação e alegria com as quais me ori-entou. Também sou muito grata por toda a liberdade que me concedeu ao longo da pesquisa. Vo-cê sempre respeitou o tempo necessário para que as minhas inquietações, aos poucos, ganhassem novas feições e se transmutassem em conhecimentos um pouco mais amadurecidos.

Aos membros da banca de qualificação, Milena Fernandes de Oliveira e Denis Macari, agradeço pelas primeiras sugestões para o aperfeiçoamento do trabalho. Aos membros da banca de defesa, Márcia Eckert Miranda e Milena Fernandes de Oliveira, agradeço pela leitura crítica e pelas considerações finais, extremamente pertinentes. Foi muito bom ouvi-las e poder contar com vossas experiências.

Agradeço às instituições que permitiram a realização deste projeto, a saber: o Instituto de Economia da Unicamp, com sua infraestrutura física e com seus técnicos,professores e funcionários – aproveito, nesse caso, para fazer um agradecimento especial aos funcionários da secretária e da biblioteca, todos extremamente gentis e eficientes, sempre que solicitados; a Capes e a Fapesp, pelofinanciamento que me deu condições à dedicação exclusiva por um período de 2 anos; e os ar-quivos do Rio grande do Sul (Arquivo Público, Arquivo Histórico, Arquivo Hipólito da Costa e

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Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul) que permitiram o contato com as fontes primárias, fundamentais para esta pesquisa – sem a ajuda dos funcionários e dos estagiários dessas institui-ções, este trabalho teria sido bem mais custoso.

Aos meus pais, Iolanda e João, e ao mano Tiago, donos de uma trajetória ímpar de es-forço e dedicação, agradeço pelos exemplos de vida que, hoje, também refletem um pouco do que sou e agradeço pela compreensão e apoio constantes, mesmo que à distância.

Obrigada, Thiago Bulhões, por ajudar na organização do meu texto, assim como fez e ainda faz com nossa vida. Sou grata à sua dedicação incansável e à você também dedico esse trabalho.

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“... e, assim, do pouco dormir e muito ler se lhe secaram os miolos,

de modo que veio a perder o juízo. ”

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RESUMO

O presente trabalho analisa como ocorreu a formação e trajetória do setor ervateiro na Província do Rio Grande do Sul, no período compreendido entre 1822 a 1889, e, por conseguinte, identifica os impactos e desdobramentos da emergência desse novo ramo econômico para a política, a soci-edade e a economia rio-grandense. Essa perspectiva de análise foi abordada a partir de dois as-pectos: o socioeconômico e o político. Com respeito ao socioeconômico, considera-se a coloniza-ção, o comércio externo, o aumento populacional, a participação do Estado, as relações de traba-lho - divisão e remuneração – e os meios de produção. Com respeito ao político, leva-se em conta a Revolução Farroupilha e a Guerra do Paraguai, conflitos que abalaram a Província durante o Império. A identificação dos impactos desses agentes sobre a economia e a sociedade ervateira rio-grandense é importante para entender as transformações que ocorreram nesse setor econômico e seus reflexos no desenvolvimento regional.

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ABSTRACT

This work deals with the generation and the paths taken by the economic sector of yerba-mate at the Province of Rio Grande do Sul, between 1822 and 1889, and, thereafter, identifies the im-pacts and developments of emergence of this new sector for the politics, society and economy of the Province. The analysis came from two points of view: the socio-economic and the political. With respect to the first point, it taken into account the colonization, foreign trade, State actions, labor relations and means of production. With respect to the second, it taken into consideration the Ragamuffin and Paraguayan Wars, both conflicts that shook the Province during Empire of Brazil. The recognition of the consequences of these agents on the economy and society of the yerba-mate is an important step to understand the changes that occurred in this economic sector and its effects on regional development.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1.1 – Mapa das áreas de ocorrência natural da erva-mate. ... 10

Figura 1.2 – Gráfico dos volumes de exportação da erva-mate, da borracha e do cacau. ... 13

Figura 1.3 – Gráfico dos valores de exportação da erva-mate, da borracha e do cacau. ... 15

Figura 1.4 – Mapa da localização das fábricas de erva-mate. ... 22

Figura 1.5 – Mapa das regiões de ervais ainda inexplorados. ... 29

Figura 2.1 – Mapa das áreas de colonização no Rio Grande do Sul. ... 45

Figura 2.2 – Gráfico de evolução dos preços de terras no planalto rio-grandense. ... 46

Figura 2.3 – Imagem de anúncio de venda de terras. ... 57

Figura 3.1 – Mapa dos ervais paraguaios. ... 71

Figura 3.2 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos de 1856-1863. 74 Figura 3.3 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1856-1863. .... 75

Figura 3.4 – Gráfico do Preço de exportação dos produtos nos anos 1856-1863. ... 76

Figura 3.5 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1864-1870. ... 81

Figura 3.6 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1864-1870. .... 82

Figura 3.7 – Gráfico do preço de exportação dos produtos nos anos 1864-1870. ... 83

Figura 3.8 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1871-1878. ... 86

Figura 3.9 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1871-1878. .... 88

Figura 3.10 – Gráfico do preço de exportação dos produtos nos anos 1871-1878. ... 89

Figura C.0.1 – Gráfico do valor de exportação da erva-mate durante o Império... 93

Figura C.0.2 – Gráfico do volume de exportação da erva-mate durante o Império. ... 94

Figura A.1 – Criação da Fábrica de erva-mate. Jornal O Povo. Piratini, nº 14, 17 out. 1838. ... 108

Figura A.2 – Exportação e importação. Jornal O Povo. Piratini, nº 15, 20 out. 1838. ... 109

Figura A.3 – Jornal O Povo. Caçapava. P. 208, nº 51. Em 26 de março de 1839. ... 110

Figura A.4 – Theatro da Guerra. A Reforma. Porto Alegre, 24 set. 1869. nº 82, p, 01. ... 111

Figura A. 5 – Exportação. Jornal A Reforma. Porto Alegre. 22 agosto. 1869. . nº.52. p, 4. ... 112

Figura A.6 – RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Cruz Alta. Nº 182 A, Maço 60, Cx. 28, de1 4 de agosto de 1852. ... 117

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Figura A.7 – RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Passo Fundo. Nº 123 a. Lata 124, sem data. ... 118 Figura A.8 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Cruz Alta. N.º 578, de 19 de junho de 1856. ... 119 Figura A.9 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Cruz Alta. N.º 794, de 12 de junho de 1857. ... 120 Figura A.10 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Cruz Alta. N.º 813, de 02 de abril de 1857. ... 121 Figura A.11 – RIO GRANDE DO SUL. (Estado). Arquivo Público. Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Cruz Alta. N.º 818, de 01 de maio de 1857. ... 122 Figura A.12 – Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de medeiros. Índice das leis promulgadas pela Assembleia legislativa da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. (1835 a 1851). Tipographia Riograndesne - praça da Alfandega n.4 . 1872 ... 124 Figura A.13 – Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção das Leis e Resoluções da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Tomo XXII. 2º sessão da 12º Legislatura. Tipographia Riograndense. 1867. ... 126 Figura A.14 – Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção dos Actos, regulamentos e instruções expedidos pelo presidente da Província do Pedro do Rio Grande do Sul no ano de 1875. Typ. do Jornal do Commercio. 18177. ... 130

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1

1 ASPECTOS DA ECONOMIA E DA CULTURA ERVATEIRA ... 5

1.1 A ECONOMIA NO BRASIL IMPÉRIO ... 5

1.2 A ECONOMIA DA ERVA-MATE NO BRASIL IMPÉRIO ... 10

1.3 A ECONOMIA E A SOCIEDADE NO RIO GRANDE DO SUL

OITOCENTISTA ... 16

1.4 A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DO COMPLEXO

ERVATEIRO ... 21

1.5 A EXPANSÃO DA ECONOMIA ERVATEIRA ... 26

2 REFLEXOS DA LEI DE TERRAS NAS REGIÕES ERVATEIRAS ... 33

2.1 A LEI DE TERRAS DE 1850: CONTEXTO HISTÓRICO ... 34

2.2 A COLONIZAÇÃO E A LEI DE TERRAS NA PROVÍNCIA

RIO-GRANDENSE ... 36

2.3 A COLONIZAÇÃO E O AVANÇO SOBRE OS ERVAIS ... 41

2.4 OS APOSSAMENTOS EM ÁREAS DE ERVAIS ... 47

2.4.1 A Apropriação em Cruz Alta ... 48

2.4.2 A Apropriação em Palmeira das Missões ... 51

2.4.3 A Apropriação em Passo Fundo ... 54

2.4.4 A Apropriação no Vale do Taquari ... 56

2.5 OS REFLEXOS DA LEI DE TERRAS E DA COLONIZAÇÃO ... 60

3 ASCENSÃO E DECLÍNIO DO SETOR ERVATEIRO ... 67

3.1 O DECLÍNIO DO MATE GUARANI ... 69

3.2 A ASCENSÃO DO MATE RIO-GRANDENSE (1856 – 1863) ... 73

3.3 O SETOR ERVATEIRO DURANTE A GUERRA DO PARAGUAI

(1864-1870) ... 77

3.4 O DECLÍNIO DO SETOR ERVATEIRO RIO-GRANDENSE (1871 –

1878) ... 83

(20)

REFERÊNCIAS ... 97

LIVROS ... 97

FONTES PRIMÁRIAS ... 102

Jornais ... 102

Anais do Arquivo Histórico ... 102

Documentos ... 103

APÊNDICE – FONTES PRIMÁRIAS ... 107

O MUSEU DA COMUNICAÇÃO HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA ... 107

ARQUIVO HISTÓRICO DO MEMORIAL DO RIO GRANDE DO SUL . 113

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (APERS)

... 119

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA - BIBLIOTECA BORGES DE MEDEIROS

... 123

(21)

INTRODUÇÃO

Na região Sul do Brasil, o uso tradicional da erva-mate, árvore da família das Ilex, é para o preparo do chimarrão, genericamente denominado só por mate também. Esta bebida deve seu nome à palavra espanhola cimarrón, que carrega, em espanhol, a acepção de bruto ou xucro. Nes-te sentido, o Nes-termo foi, então, empregado por colonizadores para caracNes-terizar a infusão amarga e supostamente rude tomada originalmente por alguns povos autóctones da América do Sul. Em certos lugares, por outro lado, o mate é tomado doce, como no Chile, ou mesmo gelado, como no Paraguai e no Mato Grosso do Sul. Neste último caso, ele é popularmente conhecido por tereré. Atualmente, as folhas e ramas dessa árvore também são empregadas na culinária (bolos, sorvetes e massas) e na produção do chá mate e de algumas cervejas (Dado Bier e Mier Bier), bem como sua seiva é utilizada na fabricação de cosméticos (Seiva Ilex cosméticos, Akatu e Natura). Para atender essa demanda, o Brasil produz anualmente cerca de 180 mil toneladas dessa planta, vo-lume que atende tanto o mercado nacional quanto o internacional. Exportado para mais de 30 países, assim, a erva-mate brasileira contribui para a geração de divisas. No ano de 2011, por exemplo, o país arrecadou 60.000.000,00 dólares com a sua exportação1.

No Rio Grande do Sul, a erva-mate é cultivada e extraída, como forma de renda e per-manência no campo, por cerca de 13 mil pequenos produtores que, em conjunto, estendem-se por uma área total de 30 mil hectares. Já a sua produção industrial é realizada por aproximadamente 200 microempresas, que geram empregos diretos e indiretos e que contribuem com a arrecadação de tributos. Devido a sua importância econômica, social e cultural, a Ilex Paraguariensis, através da Lei nº 7.439 de 08 de Dezembro de 1980, foi considerada a árvore símbolo do Estado enquan-to que o chimarrão, sob a Lei nº 11.929 de 20 de junho de 2003, foi considerado a bebida oficial, pois é tido como um símbolo de hospitalidade, já que o hábito de toma-lo reúne as pessoas e, nesse momento, as mesmas aproveitam para dialogar sobre os diversos assuntos2.

Os primórdios da história econômica da erva-mate na sociedade moderna remetem ao período da colonização europeia na região platina, liderada pelo general espanhol Domingo Mar-tínez de Irala. Após conquistar o Paraguai, ele traçou um plano de expansão territorial para além do rio Paraná. Por volta de 1554 suas tropas chegaram à região do Guaíra. Nesse território, os

1

Danilo Ucha. Sindimate – RS: 70 anos. Porto Alegre: Palomas. 2012, p, 183-87 2

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soldados identificaram indígenas que eram fisicamente mais fortes, alegres e dóceis3. Outra ca-racterística que aguçou a curiosidade dos soldados paraguaios foi um hábito cultivado pelos nati-vos (guairenhos): o uso generalizado de uma bebida, extraída da planta do mate, acondicionada em um porongo4 e ingerida através de um canudo de taquara. Curiosos por esse hábito, os solda-dos do general Irala foram provavelmente os primeiros estrangeiros a provar essa bebida. No re-torno ao Paraguai, levaram consigo amostras da erva para familiares e amigos. Aos poucos, o mate se difundiu nos lares espanhóis, o que suscitou um conjunto de destacadas relações socioe-conômicas na colônia paraguaia. Dentro desse contexto de expansão cultural e econômica da er-va-mate, o Paraguai fomentou a exploração dos ervais com trabalho indígena e tornou a erva forma de moeda corrente em diversas regiões platinas. O mate, a partir disso, consagrou-se como uma necessidade básica para a população paraguaia e se tornou um importante produto de expor-tação, destinado à região do Rio da Prata, ao Chile, à Bolívia e ao Peru5.

Por outro lado, a Igreja Católica se encontrava em pleno período da Santa Inquisição (séc. XVI) e considerava o mate profano. Os sacerdotes não consentiam que uma bebida, origi-nalmente utilizada em liturgias pagãs, imperasse entre os cristãos. Os padres jesuítas das reduções espanholas do Guairá a chamavam de “erva do diabo”, pois ela era considerada afrodisíaca e es-timulante, o que, na visão dos eclesiásticos, induzia a pecados contra a castidade. A Igreja, por-tanto, proibia seu consumo entre a população cristã regional. As ameaças do "eterno castigo", entretanto, não foram suficientes para coibir o seu uso e, com isso, não evitaram as consequentes polêmicas e excomunhões. Ao longo do tempo, porém, como a grande maioria da comunidade hispânica da região platina era inevitavelmente adepta do hábito, os mesmos religiosos suspende-ram tais ameaças para não perder parte significativa dos fiéis no Novo Mundo,6 pois “não havia casas de espanhóis nem ranchos de índios que não fizessem uso da bebida7”. Com o fim da cen-sura, os jesuítas viram na exploração econômica do mate uma interessante oportunidade financei-ra e, além disso, uma eficiente forma de controle dos indígenas. O hábito, portanto, fofinancei-ra perdoado devido a uma inata possibilidade de negócio; o que, de certa forma, subverteu o consumo repre-endido em hábito cultural. Por consequência, a Igreja Católica, nos dois séculos subsequentes, tornara-se detentora de um império do mate dividido em dois grandes núcleos: o Guairá, ao sul de

3

Luis Carlos Barbosa Lessa. História do Chimarrão. 3º ed. Porto Alegre: Sulina, 1986, p, 12. 4

Fruto de planta da família das cucurbitáceas. 5

Temístocles Linhares. Op. Cit. p. 3. 6

Luis Carlos Barbosa Lessa. Op. Cit. p.15. 7

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Paranapanema e os Sete Povos, à margem oriental do Uruguai8.

Por conseguinte, no caso da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, o início da atividade econômica ervateira ocorreu mais precisamente com a fundação das reduções jesuíti-cas,9 nas quais os sacerdotes investiram e expandiram à sua produção. Porém, em 1750, após as-sinado o Tratado de Madri10, motivador das guerras guaraníticas (1753-1756) e da expulsão dos jesuítas dos Sete Povos das Missões,11 os ervais ficaram à mercê de exploradores da Coroa Por-tuguesa12 ou mesmo abandonados. A erva-mate Rio-grandense, depois deste período de declínio, retomou sua importância comercial, após 1813, quando o ditador José Gaspar Rodrigues de Fran-cia proibiu as exportações do mate paraguaio13. Com esse embargo, o Brasil se tornou o único produtor e exportador da erva. Neste contexto, o Rio Grande do Sul retomou a exploração comer-cial dos ervais, agora sob domínio português, para suprir as demandas interna e externa.

Parte da importância econômica, social e cultural que a erva-mate ostenta nos dias de hoje também se deve aos primeiros indícios de estruturação do setor ervateiro, ocorridos nos tempos em que o Rio Grande do Sul ainda era Província do Brasil Império. Diante desse aspecto, este trabalho analisará como a erva-mate, entre 1822 a 1889, constituiu-se como um produto eco-nômico para a pauta de exportação da Província do Rio Grande do Sul. Procurou-se, então, re-constituir, ainda que de forma parcial e simplificada, a emergência, a consolidação e a crise pelas quais passou durante o Império o denominado (por esta pesquisa) complexo ervateiro, entendido como um sistema que engloba a extração, a produção e o comércio de erva-mate em conjunto com outras atividades assessoras, como uma certa agropecuária de subsistência e a produção de alguns artigos subsidiários (surrões e cuias, por exemplo).

Este trabalho ajuda na compreensão de como a erva-mate ganhou seu espaço econômico e, sobretudo, como essa atividade ganhou seu espaço social e contribuiu significativamente para a colonização das terras das regiões Norte e Noroeste da Província. Isso ocorreu porque a erva era uma atividade extrativista e sazonal que exigia um grande contingente de trabalhadores, os quais, com o passar do tempo, estabeleceram-se lentamente nos lugares onde trabalhavam. Essa

8

Luis Carlos Barbosa Lessa. Op. Cit. p. 40-60 9

Moyses Vellinho. Capitania d’El-Rei: Aspectos polêmicos da formação Rio-grandense. 2. Ed. Globo, 1970. 10

Jaime Gusmão. O Tratado de Madri. Brasília. 2 v, DF: Senado Federal, 2001 11

Tau Golin. A Guerra Guaranítica: Como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos Jesuítas e os índios guaranis no Rio grande do Sul: 3º ed. Passo Fundo: UPF, 2004.

12

Mario Maestri. Uma História do Rio grande do Sul: a ocupação do território. Passo Fundo: UPF. 2006. p, 56 13

Francisco F. M. Doratioto. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p, 25-26.

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ra recorrente, de certa forma, contribuiu com a formação de muitos dos atuais municípios das regiões mencionadas e assim contribuiu para o desenvolvimento regional da Província. Esse te-ma é sujeito e objeto de um processo histórico, te-marcado por conflitos e disputas territoriais, em um período que ocorriam significativas mudanças estruturais – políticas, econômicas e tecnológi-cas – no Brasil. Por conta disso, as trajetórias das polítitecnológi-cas Imperiais, Provinciais e Municipais, bem como seus reflexos sobre a economia e a sociedade ervateira, foram fatores condicionantes para a recriação desse episódio da história econômica Rio-grandense. Com esse propósito, a se-guinte divisão capitular foi adotada.

O primeiro capítulo traça uma análise histórica da economia e da sociedade Rio-grandense oitocentista na primeira metade do século XIX e mostra como a erva-mate se inseria nesse contexto. Nesse capítulo, são abordados os principais agentes que explicam a emergência e a expansão do complexo ervateiro e as decorrentes ocupações dos territórios norte e do noroeste da Província. O capítulo também apresenta alguns indícios de como ocorreram os primeiros in-vestimentos e melhoramentos tecnológico nesse setor, os quais contribuíram para que o mate produzido no Rio Grande do Sul competisse no mercado internacional.

Já o segundo capítulo aborda as formas distintas que a Lei de Terras de 1850 foi aplica-da e os seus desdobramentos políticos, sociais e econômicos para as regiões ervateiras aplica-da Provín-cia. Além disso, o capítulo também trata do processo de colonização dirigida e da mercantiliza-ção das terras em áreas de ervais, bem como dos apossamentos ilegais e dos conflitos agrários decorrentes desses fatores. Esse capítulo foi enriquecido com inúmeras pesquisas em fontes pri-márias, o que ajudou a traçar um possível panorama da realidade daquele momento histórico.

O terceiro capítulo, por fim, procura reconstruir o ciclo de ascensão e posterior crise do setor ervateiro Rio-grandense, que ocorreu próximo ao final do Império. Para entender como se deu esse processo, leva-se em conta a conjuntura internacional, os reflexos da guerra do Paraguai (1864-70) e a situação das outras províncias produtoras. Analisa-se, então, como esse conjunto de agentes se refletiu sobre a economia ervateira da Província e como esta correspondeu diante des-ses condicionantes, que foram determinantes para seu auge e posterior declínio.

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1 ASPECTOS DA ECONOMIA E DA CULTURA ERVATEIRA

Para melhor contextualização da produção e comercialização da erva-mate em São Pe-dro do Rio Grande do Sul, entre 1822 a 1889, será realizada uma breve exposição dos aspectos econômicos e culturais do Brasil Império, que influenciaram de certa forma, o desenvolvimento e a consolidação do setor ervateiro na referida Província. Além disso, para futura avaliação do de-sempenho comercial desse setor, serão apresentados outros gêneros agrícolas relevantes que, nes-se mesmo período, corroboraram com a pauta de exportação brasileira e que, por conta disso, também contribuíram, em maior ou menor escala, para o crescimento socioeconômico das dife-rentes regiões que os cultivavam.

1.1 A ECONOMIA NO BRASIL IMPÉRIO

Nos primeiros anos do Império, especialmente na primeira metade dos oitocentos, o Brasil passava por um momento de forte crescimento, especialmente se comparado com o perío-do colonial. O legaperío-do perío-do ciclo perío-do ouro permitiu uma certa dinamização e integração econômica entre as províncias do centro-sul, interligadas por um comércio inter-regional de abastecimento de gêneros de subsistência e conectadas aos principais portos de escoamento da produção. Essas rotas de transporte suscitaram a formação de vilarejos e cidades. Além desse fator, a dinamização da economia da Inglaterra e os efeitos da Revolução Industrial refletiram na economia e na socie-dade brasileira. A maquinaria europeia requeria a importação de matérias-primas como o algo-dão, o anil, a vaqueta, o linho e sua força produtiva necessitava de alimentos como a farinha, o açúcar, o café, a castanha, entre outros. Para atender essa demanda inglesa ocorreram o surgimen-to de novas regiões produsurgimen-toras e uma diversificação dos sesurgimen-tores produtivos, fasurgimen-to que se revela com a análise da lista de produtos exportados: a quantidade de itens se elevou de 30 para 126, entre XVIII ao início do XIX. Além dessa exportação, a importação de bens manufaturados e a circulação de mercadorias nacionais também elevaram a atividade portuária brasileira. Por exem-plo, ainda em 1803, das 218 pequenas embarcações aportadas no Rio de Janeiro, 134 provinham da província do Rio Grande do Sul14.

14

Ronaldo Marcos dos Santos. O rascunho da Nação. Tese de Doutorado apresentada no Instituto de Economia da Unicamp. 1985. p. 150-60.

(26)

A partir de 1840, com o início do Reinado de Dom Pedro II, a estrutura financeira do Império foi centrada na questão cambial e na adequação da economia brasileira ao padrão ouro15. Sucederam-se a essas medidas, principalmente em torno de 1850, alterações socioeconômicas que suscitaram a tomada de novas medidas políticas e econômicas como, por exemplo, a sanção da Lei Eusébio de Queiros em 04 de setembro de 1850, que aboliu o tráfico negreiro externo. Essa Lei é analisada por boa parte da historiografia como um marco teórico inicial para o proces-so de ruptura do trabalho cativo e a transição da escravidão à mão-de-obra assalariada. Duas se-manas após a promulgação da referida Lei, entrou em vigor a Lei de Terras, regulamentação que, por sua vez, pretendia demarcar as terras devolutas e regularizar o acesso a propriedade privada16. Entre os anos de 1840 a 1890, ocorreu um aumento de 240% no volume das exportações brasileiras. O crescimento desse índice foi acompanhado pela elevação dos preços dos gêneros exportados, o que fomentou a arrecadação dos cofres públicos17. Além dessa tendência, a nova conjuntura interna, pós 1850, engendrou uma profunda transformação socioeconômica. Os recur-sos antes destinados à compra de escravos foram reinvestidos em outros setores econômicos co-mo, por exemplo, o ferroviário, o varejista, o bancário, o telegráfico, entre outros. Esses novos investimentos, por sua vez, contribuíram com a dinamização da economia e da sociedade18.

Ao longo do Segundo Reinado, a economia brasileira se sustentou principalmente atra-vés do cultivo de produtos agrícolas. A exploração desses gêneros primários contribuiu para transformação assimétrica de certas regiões do país e isso engendrou um conjunto de políticas setoriais, que se refletiu em âmbito nacional e que, ao mesmo tempo, determinou as diretrizes socioeconômicas nas Províncias. Entre esses produtos estavam o café, a borracha, o cacau, a er-va-mate, a cana-de-açúcar, principalmente. Tais gêneros possuíam especificidades produtivas e, por isso, eram cultivados em regiões distintas do Brasil que, em alguma porção da sua extensa faixa territorial, proporcionava as características geomorfológicas e climáticas ideais ao plantio ou à extração dessas culturas.

Entre esses cultivos, o café, uma planta originária da Ásia, foi introduzido no país em meados do século XVIII. No início, ele se restringiu ao consumo da população local e não era representativo na balança comercial brasileira. Foi só no XIX que a produção cafeeira se tornou

15

José Tadeu Almeida. Transição política e política econômica no Brasil-Império: 1853-1862. Dissertação de mestrado. IE. Unicamp. 2010.

16

Ligia Osório Silva. Terras Devolutas e Latifúndio: Efeitos da lei de 1850. 2º Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2008. p, 41-42.

17

Celso Furtado. Formação Econômica do Brasil. 34 º edição. São Paulo: Companhia das Letras. 2007, p 206. 18

(27)

economicamente atrativa, devido principalmente à sua valorização no mercado mundial. Esse aumento de preço decorreu, sobretudo, da desorganização de sua produção na colônia francesa do Haiti e, também, da ascensão do mercado consumidor Norte-americano. Desse modo, o Brasil não tardou a usufruir das suas condições naturais favoráveis à produção dessa árvore, cujos frutos logo despontaram como o principal produto nacional destinado ao mercado externo. Após o de-cênio de 1840, seus índices de exportação cresceram consideravelmente.

A produção cafeeira, pouco a pouco, concentrou-se no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais, principais Províncias produtoras e exportadoras de café da época. No início, seu cultivo manteve as mesmas características do período colonial: sociedade escravista e grande lavoura monocultora voltada à demanda externa. No entanto, ao contrário dos demais produtos da pauta de exportação, a economia cafeeira, ao longo do Império, propiciou uma série de transfor-mações estruturais no Brasil e, com isso, criou as condições materiais para a modificação dos traços coloniais.

Essa emergência econômica do café também engendrou a formação de uma nova classe empresarial, que desempenhou papel fundamental no desenvolvimento do país. Essa classe se originou dos cafeicultores que reinvestiram os seus excedentes produtivos em outros setores econômicos19. Esses novos investimentos ocorreram principalmente a partir da segunda metade do oitocentos e culminaram com algumas modernizações capitalistas até então inéditas no Brasil: a expansão das ferrovias para escoamento da produção, a gradual substituição do trabalho escra-vo pelo assalariado, que criou uma força de trabalho livre disponível para ocapital, o crescimento do mercado interno e o início da industrialização nacional. Assim o café, ao longo do século XIX, foi responsável por impulsionar o desenvolvimento capitalista brasileiro20.

Mas como observado anteriormente, juntamente com o café, a economia brasileira, ao longo do oitocentos, manteve outros produtos agrícolas em sua pauta de exportação, embora con-siderados economicamente secundários. Esses gêneros primários, estruturados de acordo com as características peculiares de suas regiões produtoras, resultaram em específicas e distintas formas de acumulação de capital, de inovações tecnológicas, de formação de classes sociais e de desen-volvimento regional. Essas economias agrícolas também se assentaram, além da agricultura, no extrativismo, ou seja, basearam-se na exploração direta dos recursos naturais.

19

Celso Furtado. Op. Cit. p,170 20

(28)

A extração da borracha, Hevea brasiliensis, planta originária da região amazônica e co-nhecida popularmente como seringueira, atendeu, após o advento da Revolução Industrial, à de-manda do crescente mercado europeu, especialmente do britânico, que, durante o século XIX, revolucionou o modo de organização da sociedade e das forças produtivas através da industriali-zação. Devido a essa transformação social e econômica na Europa, o látex se tornou o principal produto de exportação amazônico. Para facilitar a sua exploração e o seu transporte, a política do governo imperial, em 1866, optou pela abertura da navegação no Rio Amazonas com o intuito de estimular o seu livre comércio21.

Diante desse quadro favorável, em 1882, a borracha assumiu a terceira posição da pauta de exportação brasileira22. Essa ascensão da economia do látex suscitou, na região amazônica, a acumulação de capital, o aparecimento de uma burguesia efêmera e suntuosa, a construção do Teatro de Ópera de Manaus e, com isso, originou um conjunto de transformações socioeconômi-cas vertiginosas e contraditórias, já que, embora produzisse grandes riquezas, pouco era de fato reinvestido na qualidade de vida da maioria da população regional. Além disso, o aumento da produção e da comercialização da borracha provocou o abandono das atividades de subsistência e, por consequência, também levou a dependência da importação de gêneros básicos de consu-mo23.

A coleta da borracha, por ser uma atividade extrativista, exigia uma mão-de-obra itine-rante e subjugada às longas rotinas laboriosas, pois o seringueiro dedicava quase todas as horas do seu dia, em meio a densa floresta, a passar, de árvore em árvore, para coletar o látex24. Além disso, a falta de trabalhadores na região amazônica e a perspectiva desse trabalho rentável estimu-laram o fluxo migratório inter-regional de homens livres, oriundos principalmente do Nordeste (260 mil pessoas entre 1872 a 190025) por conta das secas que assolavam o semiárido. Em geral, esses migrantes chegavam, para extrair o látex, endividados com as despesas da viagem. Somado a estas, a inevitável aquisição das ferramentas de extração, bem como a compra de produtos e materiais de subsistência, aprofundava a dívida, e com esta a dependência, desses novos traba-lhadores com os comerciantes ou seringalistas.

21

Nelson Prado A Pinto. Política da borracha no Brasil: a falência da borracha vegetal. São Paulo, SP: Hucitec: Conselho Regi-onal de Economia, 2. Região, 1984.

22

Arthur Cézar F. Reis. O Seringal e o Seringueiro. Ministério da Agricultura. Serviço de informação agrícola. Rio de Janeiro. 1953, p. 60

23

Celso Furtado. Op. Cit. p, 214 24

Barbara Weinstein. A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência. 1850-1920. São Paulo. Hucitec. 1993, p, 31 25

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Devido a essas características, o sistema de produção da borracha se manteve, em grande medida, sobre o controle do produtor direto, que realizava a apropriação do excedente baseado em trocas. Assim, a economia do látex se configurou como um pré-capitalismo26 que se estabele-ceu no mercado mundial até meados de 1920, ano em que o crescimento da produção da borracha asiática promoveu a decadência do produto brasileiro27.

A cacaicultura foi outro exemplo de atividade secundária que se tornou um forte catali-sador da economia regional durante o Império. O Cacau, embora nativo da floresta amazônica, adaptou-se bem ao clima e ao solo do sul da Bahia. Por conta dessa adaptação, ele se tornou uma alternativa à comercialização do açúcar, que atravessava uma forte crise econômica28. A exporta-ção das amêndoas do cacau assegurou à província baiana, especialmente para a região de Ilhéus e Itabuna, um fluxo monetário e um crescimento significativo na pauta de exportação, entre os anos de 1851 a 188629. Por outro lado, essa atividade agrícola, ao longo desse mesmo período, também contribuiu para a concentração de renda e de terras, bem como tornou os pequenos proprietários vulneráveis aos desmandos dos chamados barões do cacau, que expandiram suas posses através de violentas disputas territoriais.

Diferente do complexo açucareiro, as relações de produção da cacaicultura se estabele-ceram principalmente através da mão-de-obra contratual. Era por meio de contratos que os donos das propriedades firmavam, com os trabalhadores livres, acordos de usufruto da terra em troca do cultivo do cacau30. Entretanto, a cacaicultura não se integrou às demais atividades econômicas locais e se isolou do complexo econômico nordestino, o que reforçou o seu caráter exclusivamen-te exportador31.

Os três gêneros agrícolas anteriormente trabalhados, o café, a borracha e o cacau, a des-peito de suas particularidades e de seus desdobramentos, foram, em determinados momentos do Império, propulsores do desenvolvimento das suas respectivas regiões produtoras: Sudeste, Norte e Nordeste. Na região Sul, por sua vez, outro produto agrícola, a erva-mate, despontava como importante gerador de divisas para as economias regionais. De certa forma, as três Províncias sulinas, Paraná, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande do Sul, beneficiaram-se da produção e comercialização desse gênero primário, como veremos a seguir.

26

Barbara weinstein. Op. Cit. p,16 27

Barbara weinstein. Op. Cit. p, 01. 28

Amílcar Baiardi. Subordinação do trabalho ao capital na lavoura cacaueira da Bahia. SP: Hucitec, 1984, p, 15-30. 29

Antônio F. G. Freitas. Os donos dos frutos de ouro. Salvador: UFBA, 1979, p. 15 a 20 -Dissertação de mestrado. 30

Amílcar Baiardi. Op. Cit. p. 58 31

(30)

1.2 A ECONOMIA DA ERVA-MATE NO BRASIL IMPÉRIO

A erva-mate, Ilex paraguariensis, sempre esteve presente na região da Bacia Platina desde a pré-história32. Por ser uma espécie nativa majoritariamente da zona subtropical da Amé-rica do Sul, ela é encontrada naturalmente no Brasil, Paraguai e Argentina, principalmente em domínios morfoclimáticos associados à mata de araucária, como mostrado na Figura 1.1.

Figura 1.1 – Mapa das áreas de ocorrência natural da erva-mate33.

A planta do mate, denominada caá, fora muito usada pelo povo guarani que habitava as regiões do Cone Sul. O seu principal uso era para o preparo de uma bebida conhecida como caá-i (água de erva), produzida a partir de suas folhas. Para os povos autóctones, essa planta foi um presente do deus Tupã aos antigos Pajés, que em um primeiro momento a utilizavam somente em rituais. Posteriormente, os guerreiros passaram a se valer dos benefícios da bebida em conflitos com tribos rivais, pois a mesma proporcionava “furor e coragem”. Com o passar do tempo, ela também se tornou moeda de troca nas transações comerciais com tribos da Bolívia, do Peru e do Chile, regiões nas quais a planta não medrava. Já no Brasil, durante o período colonial, a extração do mate atendia apenas aos costumes regionais das populações nativas. Foi somente no século

32

Temístocles Linhares. História econômica do mate. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1969. p, 03. 33

(31)

XIX que ela ganhou notoriedade e se transformou em um produto com valor econômico no país. Diferente dos produtos trabalhados no tópico anterior (o café, a borracha e o cacau), principalmente destinados à demanda europeia, a erva-mate, por sua vez, atendia um mercado consumidor dentre os quais se destacavam a Argentina, o Uruguai, o México, o Chile e a Bolívia, nações que a consumiam devido à presença de hábitos culturais. Esse mercado latino tornou-a uma das principais mercadorias de exportação das Províncias do Sul, já que ela estava entre os oito produtos de origem agrícola mais exportados do Brasil: açúcar, aguardente, algodão, borra-cha, café, cacau, erva-mate e fumo34. Além dessa distinção de mercado, a extração do mate, com-parada àqueles mesmos gêneros primários, também apresentava uma sazonalidade singular. Pos-suía um ciclo de colheita quadrienal, ao invés do convencional ciclo anual. Esse intervalo de des-canso adicional era fundamental à recomposição dos galhos e folhas da árvore.

A principal Província exportadora de erva-mate foi o Paraná, onde essa atividade eco-nômica se iniciou a partir de 1820 com a instalação de engenhos destinados ao beneficiamento da erva. As primeiras benfeitorias foram construídas em Morretes e em Paranaguá, regiões com abundância de ervais nativos. Nestes matos, a extração da matéria-prima e as fases subsequentes da produção (abertura de acampamento, poda, sapeco e secagem) ocorriam principalmente com trabalho livre, realizado pela mão-de-obra local, enquanto que as etapas de trituração e de empa-cotamento, realizado nos engenhos, em geral empregavam mão-de-obra cativa. Possivelmente, a opção pelo trabalho escravo nesses engenhos se deveu ao fato deles serem ambientes controlados e, portanto, de difícil fuga.

A partir de 1850, com a proibição do tráfico negreiro, parte dos escravos do Paraná foi aos poucos sendo transferida às Províncias produtoras de café, o que então reduziu a mão de obra cativa nos engenhos paranaenses. Assim, após essa sanção, a predominância de homens livres e imigrantes, em substituição aos escravos, na atividade ervateira criou grupos sociais heterogê-neos, desprovidos de meios de produção e, por isso, obrigados a vender sua força de trabalho. Por outro lado, a riqueza acumulada pela comercialização da erva-mate dinamizou o mercado regio-nal e estimulou o desenvolvimento industrial do setor ervateiro, o que deu origem a grandes for-tunas e aos barões do mate35, que eram proprietários de ervais, ou comerciantes ou donos de en-genhos.

34

Sebastião F. Soares. Notas estatísticas sobre a produção agrícola e carestias dos gêneros alimentícios no Império do Brasil. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1977, p 125-130.

35

(32)

Na província do Paraná, durante todo o Império, a erva-mate sempre foi o produto com maior volume e valor de exportação36. Dessa forma, ela fomentou o setor de transportes terrestre e marítimo; motivou certas atividades assessoras tais como a fabricação de surrões, de barricas, de bombas e de cuias, que eram exportados ao exterior em grande quantidade; atraiu investimen-tos para infraestrutura, mecanização e industrialização da produção; e, por fim, proporcionou a acumulação de capital e o surgimento de centros comerciais, como a cidade de Curitiba. Para alguns autores regionais, estudiosos desse ciclo econômico, o mate era tão representativo para o Paraná quanto o Café para São Paulo, pois tudo girava em torno dele37.

A atividade ervateira em Santa Catarina, por sua vez, decorreu da migração de ervateiros do Paraná interessados na extração dos ervais catarinenses, localizados na região sul do Vale do Rio Negro e na região do Planalto. Para realizar essa extração, os empresários migrantes utiliza-ram a mão-de-obra local que, pouco a pouco, constituiu uma população dependente dessas em-presas paranaenses. Ao longo da primeira metade dos oitocentos, essa dependência se aprofundou e, com isso, desencadeou uma série de disputas territoriais entre as duas Províncias, que, com o passar do tempo, agravou-se e evoluiu para o conflito do Contestado38.

Próximo ao final do Brasil Império, o governo catarinense enfrentava as barreiras eco-nômicas impostas pelo Paraná e, para combatê-las, buscou incentivos fiscais junto ao governo imperial. Dessa parceria surgiu a Companhia Industrial Catarinense, um monopólio do Estado destinado à extração e à comercialização do mate. Disso, sucedeu-se a emergência de novos cen-tros comerciais como Joinville e Mafra. Além disso, a necessidade de escoação da erva também corroborou o desenvolvimento de redes de transporte ferroviário, que se consolidou posterior-mente no início do governo republicano39.

Já no Rio Grande do Sul oitocentista, como será tratado nas sessões ulteriores, a produ-ção ervateira ajudou com a arrecadaprodu-ção de divisas em momentos de crise política e econômica. Além disso, ela contribuiu para a colonização e a formação de municípios gaúchos, sobretudo os localizados ao norte e ao noroeste da Província. Para isso, é imprescindível investigar a formação e consolidação do “complexo econômico ervateiro” e, a partir disso, identificar como “ele" influ-enciou a economia e a sociedade rio-grandense nesse período.

36

Ricardo C. Oliveira. O Silêncio das Genealogias: Classes dominantes no Estado do Paraná. Tese de Doutorado. IFCH, 2000 37

Temístocles Linhares. Op. Cit. p,161 38

Antônio D. Mafra. Aconteceu nos Ervais. Dissertação de Mestrado. Canoinhas 2008. 39

(33)

De acordo com a exposição anterior, a produção da erva-mate, durante o Brasil Império, foi uma das principais atividades econômicas das Províncias do Sul. Adiante, o seu ciclo econô-mico é apresentado de forma breve e comparado com outros dois ciclos desse período: o cacau e a borracha. A escolha deles se deve ao fato de serem também atividades extrativas dependentes de plantas de origem brasileira, diferentes do café e da cana-de-açúcar que foram trazidos de fora. A Figura 1.2 mostra o gráfico do volume de exportação, em toneladas, dos referidos ciclos no período entre 1822-89. A curva verde indica a exportação de erva-mate, a curva amarela a expor-tação da borracha e a marrom a do cacau. Esse gráfico foi confeccionado com dados históricos fornecidos por estatísticas do IBGE40.

Figura 1.2 – Gráfico dos volumes de exportação da erva-mate, da borracha e do cacau.

De acordo com as curvas, para todos os produtos, os volumes de exportação se mantive-ram baixos em quase toda a primeira metade do século XIX. Somente a partir de 1847, os mes-mos iniciaram uma ascensão e, a partir de então, tornaram-se cada vez mais significativos. A bor-racha foi o produto que apresentou os menores volumes de exportação (abaixo de 500 toneladas) na primeira metade dos oitocentos. No entanto, na segunda metade, de 1847-89, ela ganhou espa-ço no mercado europeu. Com isso, pouco a pouco o seu volume se elevou de 590 para 4682

40

Estatísticas históricas do Brasil: Séries Econômicas demográficas e sociais de 1550 a 1988. 2º ed. v.3. Rio de Janeiro: IB-GE.1990. 0 5000 10000 15000 20000 25000 18 22 18 25 18 28 18 31 18 33/3 4 18 36/3 7 18 39/4 0 18 42/4 3 18 45/4 6 18 48/4 9 18 51/5 2 18 54 /5 5 18 57/5 8 18 60/6 1 18 63/6 4 18 66/6 7 18 89/7 0 18 72/7 3 18 75/7 6 18 78/7 9 18 81 /8 2 18 84/8 5 18 87 To n elad as

Volumes de Exportação no Brasil Império

(34)

ladas até que, em 1889, a quantidade exportada alcançou um novo patamar acima de 20 mil, que indicava o período inicial do boom da borracha que se manteria até 1920. Já o cacau apresentou volumes de exportação quase sempre abaixo de cinco mil toneladas por praticamente os dois primeiros terços do Império. Ele ultrapassou essa marca, em 1871-72, e, a partir de então, passou por ascensões e quedas até atingir o valor máximo do período em 1888.

A erva-mate, por sua vez, de 1847-89, foi o produto que apresentou o maior volume de exportação, exceto nos anos de 1883-86, nos quais a quantidade caiu vertiginosamente. Até 1847, os volumes exportados ficavam abaixo de cinco mil toneladas. No período de 1847-64, a quanti-dade de exportação cresceu ligeiramente, com oscilações, de 4571 para 7177. A partir de 1864-65, ano de início da Guerra do Paraguai, o aumento na exportação, de 7177 para 17389 toneladas, também com oscilações, tornou-se substancialmente maior se comparado aos anos anteriores. Esse aumento se estendeu até 1871-72, dois anos após o término do conflito (1870). No período subsequente, de 1872-82, a exportação se manteve no mesmo patamar, em torno de 15 mil tone-ladas. Então, como já mencionado, de 1883 a 1886, a produção ervateira passou por uma crise. No ano mais decadente, em 1885-86, o volume de exportação caiu abaixo de cinco mil toneladas, valor comparável a períodos anteriores a 1847. Próximo ao final do Império, de 1886-89, a quan-tidade de exportação se recuperou e atingiu um novo patamar, acima de 20 toneladas, quatro ve-zes maior do que no início do crescimento (1847). O auge da exportação ocorreu em 1889, no fim do Império, com a marca de 23165 toneladas. Esse comportamento gráfico evidencia a evo-lução socioeconômica de um produto que emergiu a partir dos anos de 1847-50 e que, ao final do Brasil Imperial, vigorava entre os principais gêneros da pauta de exportação brasileira.

Para os mesmos anos analisados antes, os valores de exportação, em milhares de libras ouro, da borracha, do cacau e da erva-mate, estão expostos no gráfico da Figura 1.3. Segundo este, a borracha foi o gênero com maior rentabilidade, se comparado aos demais produtos. Na primeira metade dos oitocentos, entre 1822-1850, ela apresentou o valor máximo de exportação de 40 mil libras ouro, em 1849-50. No entanto, na segunda metade, de 1852-89, a borracha foi o produto mais valorizado. Ou seja, pouco a pouco, sua arrecadação se elevou de 424.000, em1853-54, para 1.164.000 em 1887. Já nos dois últimos anos do Império, 1888-89, a arrecadação da bor-racha atingiu um novo patamar, em torno de 4.020.000, o que evidencia a forte valorização desse produto.

(35)

Figura 1.3 – Gráfico dos valores de exportação da erva-mate, da borracha e do cacau41.

O preço do cacau, por sua vez, entre 1822-55, não ultrapassou o patamar de 95 mil libras ouro. Entre 1856-73, a produção do cacau arrecadou de 169 a 256 mil, enquanto que nos últimos 30 anos do Império obteve 404 mil, período mais rentável. Em relação à erva-mate, por fim, du-rante a primeira metade do século XIX, a maior quantia arrecadada foi em 1848-49, 75 mil libras ouro. Entre 1855-57, ela apresentou um pico de valorização, de 71 para 184 mil. Já no período entre 1858-65, o mate teve ligeira queda, com valores comparáveis ao cacau. Entre 1867-73, pe-ríodo que abarca a Guerra do Paraguai, sua arrecadação tornou-se substancialmente maior, de 143 para 348. Já entre 1881-85, o setor ervateiro passou por uma crise, com dividendos similares ao início do século. Contudo, demonstrou recuperação a partir de 1886-87, arrecadou cerca de 246 mil libras de ouro. Em 1889, último ano do Império, o setor ervateiro obteve 442 mil, maior valor arrecadado durante todo o período em estudo. Diferente do gráfico da Figura 1.2 no qual a erva-mate, em muitos anos, foi o produto mais exportado, o gráfico da Figura 1.3 revela que a borra-cha foi o produto mais rendável.

Diante desse quadro econômico, o presente trabalho pretende investigar em que medida o setor ervateiro da Província do Rio Grande do Sul contribuiu com essas estatísticas,

41

Estatísticas históricas do Brasil: Séries Econômicas demográficas e sociais de 1550 a 1988. 2º ed. v.3. Rio de Janeiro: IB-GE.1990. 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 18 22 18 25 18 28 18 31 18 33/3 4 18 36/3 7 18 39/4 0 18 42/4 3 18 45/4 6 18 48/4 9 18 51/5 2 18 54/5 5 18 57/5 8 18 60/6 1 18 63 /6 4 18 66/6 7 18 89/7 0 18 72/7 3 18 75/7 6 18 78/7 9 18 81/8 2 18 84/8 5 18 87 Mi lh are s de libra o uro

Valores de Exportação no Brasil Império

(36)

mente no período que abarca a guerra do Paraguai, já que o mate paranaense estava em crise42. Para isso, em um primeiro momento, esse estudo busca analisar a organização social e econômi-ca, o emprego das forças produtivas e, com isso, identificar a formação e o desenvolvimento do “complexo ervateiro”.

1.3 A ECONOMIA E A SOCIEDADE NO RIO GRANDE DO SUL OITOCENTISTA

(...) muito se tem elogiado esta bebida; dizem que é diurética; combate dores de cabeça; descansa o viajante de suas fadigas; e, na realidade, é provável que seu sabor amargo a torne estomacal e, por isso, seja talvez necessária numa região onde se come enorme quantidade de carne. Aqueles que estão acostumados ao mate não podem privar-se dele sem incômodos.43

Nesse breve relato do viajante francês August de Saint-Hilaire, que percorreu a Provín-cia do Rio Grande do Sul por volta de 1822, é possível identificar que a alimentação dos rio-grandenses era à base de carne, coerente com uma região em que a economia sustentava-se prin-cipalmente na pecuária, desenvolvida em torno das charqueadas e das estâncias.

As charqueadas eram estabelecimentos que produziam o charque e seus derivados, como o couro e o sebo. Ela empregava grande quantidade de mão-de-obra cativa, que trabalhava em condições precárias, subjugada aos seus proprietários (charqueadores). Os escravos permaneciam seminus, em contato direto com o sangue e com a carne dos animais, e recobertos de sal, matéria-prima necessária à fabricação do charque44. Sua produção se destinava principalmente ao comér-cio interno pois ele era a alimentação básica dos escravos das demais Províncias.

Já as estâncias eram estabelecimentos responsáveis pela criação dos rebanhos bovinos, destinados tanto ao comércio interprovincial quanto às charqueadas. Essas estâncias eram com-postas por diferentes grupos sociais: os proprietários (estancieiros) e seus familiares, os peões e os escravos. Os peões, oriundos da população local, compunham a mão-de-obra assalariada45. Eles eram normalmente empregados nos cuidados com os rebanhos, atividade que requeria liber-dade e locomoção e, por conta disso, desaconselhável aos escravos fugidios. Mesmo assim, al-guns estancieiros designavam cativos para essa tarefa. Além disso, a mão-de-obra escrava era

42

Temístocles Linhares. Op. Cit. p, 120-30 43

August de Saint- Hilaire. Viagem ao Rio G. do Sul. Brasília: Conselho Editorial, 2002. p. 136 44

Robert Avé-Lallemant. Viagem pela Província do Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Itatiaia. 1980 45

(37)

empregada nos afazeres domésticos, no cultivo e preparo da alimentação e no beneficiamento da erva-mate46.

Devido a esses dois empreendimentos pecuários, parte significativa dos estudiosos se dedicou a entender a economia da Província do Rio Grande do Sul apenas pelas perspectivas das charqueadas e das estâncias, uma vez que essas eram as principais atividades econômicas da regi-ão47. No entanto, somente o estudo delas não é o suficiente para explicar a complexa realidade social e econômica que caracterizava a sociedade gaúcha desse período. Para compor esse quadro de forma abrangente é preciso integrar e investigar a importância das atividades assessoras, que em conjunto representavam outras esferas de trocas e transações econômicas e, além disso, en-gendravam outras formas de organização da vida, não compreendidas se observadas sob a luz das referidas estâncias e charqueadas.

Em direção a esse fato, o trecho do relato de Saint-Hilaire, embora mencione a impor-tância da carne, retrata o hábito diário de tomar o chimarrão, bebida extraída das folhas e peque-nos galhos da planta da erva-mate. Esse hábito cultural era um elemento de integração dos extra-tos sociais. Por exemplo, os estancieiros, no final de um dia de trabalho, partilhavam a mesma cuia e bomba de chimarrão com os seus escravos e peões48. Esse fato é no mínimo curioso para uma sociedade escravista, pois demonstra as contradições imbricadas na mesma. Mesmo na con-dição de escravo, restringido e subjugado a um conjunto de comportamentos sociais permitidos, ainda assim o homem cativo compartilhava, com seu proprietário, os mesmos objetos de consu-mo do chimarrão. Isso, no entanto, não abrandava as formas de coerção praticadas pelos senhores contra os seus escravos.

O chimarrão era, geralmente, consumido durante todo dia. Nas estâncias, por exemplo, sempre havia uma chaleira de água fervente pronta a encher a cuia quando alguém desejasse to-mar mate ou quisesse servi-lo a qualquer transeunte desconhecido. Devido às grandes distân-cias49, era costume acolher todos os viajantes, que em alguns casos pernoitavam e em outros ape-nas descansavam e tomavam o mate50. Como outro exemplo de hábito cultural, durante uma visi-ta entre famílias, os rituais de recepção dos familiares eram os seguintes: os homens se

46

Moacyr Flores. Op. cit. p 100 47

Fernando H. C. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 5º. ed. 2003. p, 203. 48

Ave-Lallemant. Op. Cit. p. 150 49

Nesse período, as distâncias entre as localizações não eram somente estimadas a partir de referenciais geográficos, elas também eram avaliadas em termos das vias e das formas de transportes existentes entre as localidades. Ver Eric Hobsbawm. A Era das Revoluções.

50

Lilian da Rosa. O complexo ervateiro na Província do Rio Grande do Sul oitocentista visto sob as impressões de viajantes. Artigo apresentado em congresso. 5º Congresso de História Econômica Gaúcha. 2014.

(38)

vam em roda em um determinado lado do cômodo, as mulheres do outro; logo em seguida, um escravo era responsável por servir o mate a ambos. As mulheres geralmente preferiam tomar ma-te doce enquanto os homens mama-te amargo51. Nesse caso, o escravo não partilhava nem da conver-sa e nem do chimarrão com seus senhores, sua função era exclusivamente serviçal.

Nesses dois últimos exemplos e nos temas já tratados, além dos hábitos culturais e das questões econômicas, ficam evidentes as formas de organização social que segmentam essa soci-edade oitocentista. Além dos mencionados estancieiros e charqueadores, havia outra parcela com destaque econômico, os comerciantes. Eles eram migrantes do Rio de Janeiro ou imigrantes eu-ropeus, que se estabeleceram na Província do Rio Grande do Sul e que, por meio da atividade comercial, adquiriram grandes fortunas. Na segunda metade dos oitocentos, como será visto adi-ante nesse estudo, esses homens de negócios investiram quantias substanciais no setor ervateiro.

Outro exemplo de categoria social, os peões, em sua maioria descendentes de índios, es-cravos, portugueses ou espanhóis, integravam um nicho diverso de homens livres e itinerantes que vendiam aos estancieiros sua principal força de trabalho: cuidar dos rebanhos bovinos. Nas horas livres, eles se dedicavam à agricultura de subsistência e à produção de erva-mate apenas para consumo próprio.

Já os caboclos, também descendentes de luso-brasileiros mas diferentes dos peões, esta-vam à margem dessa sociedade estancieira e escravocrata. Eram, em sua grande maioria, possei-ros, pequenos proprietários, agregados ou arrendatários que sobreviviam da extração e comercia-lização do mate. Nos meses de entressafra, também praticavam uma agricultura de subsistência. Suas técnicas agrícolas se baseavam em métodos rudimentares como a coivara: derrubada e pos-terior queima da mata nativa para a plantação de gêneros alimentícios, como o milho, a abóbora, o feijão e a mandioca. Essas técnicas agrícolas, em conjunto com a extração do mate, provavel-mente compuseram boa parte das características de formação do complexo ervateiro, hipótese que também será trabalhada ao longo deste estudo.

Enfim, a sociedade desse Rio Grande do Sul oitocentista, formada pelos seus diversos agentes (estancieiros, charqueadores, comerciantes, escravos e homens livres), contribuiu com as transformações socioeconômicas que resultaram na emergência e valorização da produção e co-mercialização da erva-mate, em parte evidenciadas pela gradual evolução técnica que o setor er-vateiro atravessou ao longo do Brasil Império.

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Em relação aos procedimentos de extração e de preparo da erva-mate, no início do sécu-lo, o mesmo Sant-Hilaire, ainda em 1822, no decorrer de suas andanças, observou e registou ín-dios, próximos ao rio Uruguai, preparando-a para o consumo. As etapas desse processo, breve-mente descritas a seguir, duravam cerca de uma semana e eram feitas manualbreve-mente.

1) Poda: com o auxílio de um facão, os galhos e as folhas da árvore do mate eram extraí-dos. Esse procedimento era preferencialmente realizado entre os meses de março a ou-tubro. Esse período, com temperaturas mais frias, favorecia a diminuição da seiva. 2) Sapeco: realizado logo após a colheita, a ramagem era passada rapidamente sobre a

chama de uma fogueira, com o objetivo de secar as folhas e galhos menores, desidra-tando-os. Isso evitava a fermentação da planta e garantia a qualidade do sabor e da to-nalidade final.

3) Carijo: para continuação da secagem iniciada no sapeco, uma estrutura, em torno de 1,20 m de altura, feita de achas de pinho, era rusticamente construída para formar uma grade de varas fincada ao chão através de esteios. Sobre a grade, as ramas e as folhas sapecadas eram dispostas de forma que estas ficassem acima das primeiras e, com bra-sas embaixo, elas eram mantidas em temperatura constante, por volta de sete a oito di-as, o que garantia a torrefação uniforme delas. Esse procedimento exigia constante vi-gilância: fogo demais, elas contraíam o gosto da fumaça; fogo de menos, as mesmas não secavam.

4) Soque: na última etapa de beneficiamento da erva-mate, as mesmas folhas e ramas ori-undas do carijo eram introduzidas em sacos de couro e depois malhadas com auxílio de um pedaço de madeira ou eram colocadas em um pilão de soque manual. Na sequên-cia, após a trituração, o produto estava pronto para o consumo.

5) Empacotamento: o produto final era embalado em surrões, espécie de bolsa de couro que cabia em média 5 arrobas (75 Kg) de mate. Isso garantia a qualidade do produto ao ser transportado.

Por fim, tanto as categorias sociais quanto a evolução do processo de manufatura contri-buíram com certos aspectos da composição do objeto de estudo dessa pesquisa: “o complexo econômico ervateiro” sul-rio-grandense. Embora essa denominação se assemelhe, por exemplo, a terminologia “complexo econômico cafeeiro” proposta por Wilson Cano, a idealização do “com-plexo econômico ervateiro” apresenta diferenças conceituais, se comparada com a visão do Cano

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e com as visões de “complexos econômicos” empregadas por outros autores.

Celso Furtado, por exemplo, utilizou a expressão “complexo econômico nordestino” pa-ra sintetizar as capa-racterísticas e as formas que assumipa-ram as relações dos dois sistemas econômi-cos nordestinos, o açucareiro e o pecuarista, no final do XVIII e início do XIX. Esse complexo foi uma conjunção do primeiro setor, típico das regiões litorâneas e baseado no sistema de

plan-tation, com o segundo setor, típico das regiões sertanejas e baseado no regime de subsistência que

surgiu para atender certas demandas da economia do açúcar: alimentação, força motriz e couros. Apesar das diferenças entre esses setores, ambos apresentaram uma característica singular: o crescimento extensivo através da incorporação de terras e de mão-de-obra, que ocorria sem mu-danças nos custos de produção52.

Já de acordo com o Wilson Cano, para entender a dinâmica de crescimento de uma eco-nomia é necessário analisar que partes principais a compõem, como atuam cada uma delas e qual a intensidade das inter-relações do “complexo econômico” integrado53. Evidentemente, Cano utilizou a noção de “complexo econômico” para entender o dinamismo singular do café e o pro-cesso de industrialização de São Paulo na segunda metade dos oitocentos em diante. Esse dina-mismo foi amparado por algumas características presentes nessa formação econômica: o sistema de transporte; uma pujante agricultura de alimentos; um mercado interno e externo, crescentes; a atuação do Estado; o beneficiamento da produção; e as relações capitalistas de produção. A com-binação desses fatores contribuiu para a formação do “complexo econômico cafeeiro” e a indus-trialização de São Paulo54.

A partir do conceito de “complexo econômico” trabalhado por Furtado e teorizado por Cano, pretende-se, nesse trabalho, analisar se as mesmas características de formação econômica estão presentes no ciclo produtivo da erva-mate e, no caso de presença, identificar o momento histórico de sua ocorrência. No entanto, de forma distinta da produção do café, considerada ativi-dade nuclear na qual ocorreu um vazamento de capitais e formou um conjunto de outras ativida-des dependentes da economia cafeeira, o “complexo econômico ervateiro” será entendido como a integração mútua, direta ou indireta, entre a produção da erva-mate e os demais setores econômi-cos e atividades assessoras. O conceito de “complexo ervateiro”, compreendido sob uma ótica de conjunção de fatores, sustenta a hipótese de que o setor da erva-mate, nos oitocentos, dinamizava

52

Celso Furtado. Op. Cit. p. 101-112. 53

Wilson Cano. Raízes da Concentração em São Paulo. São Paulo: Campinas. 1975 54

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a economia da Província do Rio Grande do Sul, através do processo de acumulação de capitais que ocorreu, sobretudo, durante o século XX.

1.4 A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DO COMPLEXO ERVATEIRO

Dez anos após a independência do Brasil, o então Imperador Dom Pedro I renunciou ao trono em favor de seu filho Dom Pedro de Alcântara, de apenas cinco anos. Essa renúncia origi-nou uma situação provisória pois o herdeiro não tinha idade para exercer o poder. Enquanto o novo imperador não atingiu a maioridade, o Brasil foi governado por regentes e, por isso, esse ínterim ficou conhecido historicamente como período regencial. Apesar de sua curta duração (1831-40), ele foi extremamente conturbado e marcado por intensas disputas políticas e sociais. A elite brasileira estava dividida em relação à aceitação do projeto de unificação nacional. Essa dis-cordância suscitou pequenos motins e as conhecidas revoltas da Balaiada no Maranhão, da Sabi-nada na Bahia, da Juliana em Santa Catarina e da Farroupilha em São Pedro do Rio Grande do Sul, esta última de especial interesse para esse estudo.

A Província de São Pedro era uma dentre as várias peças do mosaico brasileiro que ain-da não se ajustava à nova estrutura do Estado Imperial e tentava mudá-la55.Uma parcela da elite Rio-grandense estava inconformada com a Constituição Centralizadora de 1824 e com o Ato Adicional de 1834, políticas administrativas tomadas pela capital, o Rio de Janeiro. Além dessas duas motivações, a Farroupilha estava correlacionada com a subordinação econômica da Provín-cia, que era obrigada a pagar altos impostos56. Entretanto, nem todos os charqueadores e os es-tancieiros adeririam a essa revolta. Muitos continuaram leais ao governo imperial e demonstra-ram, com isso, que as motivações para a revolução não foram somente econômicas, mas também políticas. Ficavam a cargo do poder imperial a indicação e a nomeação dos presidentes das pro-víncias. Isso descontentava parte da elite, uma vez que o presidente nomeado podia ir contra os interesses de parcelas da burguesia local.

Com o acirramento das tensões, em 1835, a parcela descontente dessa elite regional se revoltou contra o governo. Essa revolta, em 1836, evoluiu e ganhou caráter separatista com a

55

István Jancsó; João Paulo G. Pimenta. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: Carlos MOTA (Org.), Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500- 200): formação: histórias. São Paulo. Senac: 2000. p. 174.

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formação da República Rio-grandense, que se manteve por cerca de nove anos. Durante esse pe-ríodo, a produção e a comercialização da erva-mate, de acordo com os documentos oficiais57 re-digidos por Domingos José de Almeida, então ministro dos negócios e da fazenda, tornaram-se importante fonte de recursos do “Novo Estado”, que criou fábricas de mate para corroborar com a manutenção da máquina administrativa e com o financiamento do exército. Como exemplo disso, logo em abril de 1836, após a vitória na batalha de Rio Pardo, o governo republicano se apossou dos ervais daquela região e, com os Decreto de 11 de novembro de 1836 e 05 de abril de 1837, estabeleceu a criação de uma fábrica de erva-mate, sob a administração de João José de Azambu-ja, no município de Taquari, com o objetivo de angariar recursos para a guerra58. A Figura 1.4 apresenta um mapa que destaca a localização dessa fábrica.

Figura 1.4 – Mapa da localização das fábricas de erva-mate59.

57

Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Anais. Porto Alegre. V.2. 1978. p, 344. (CV – 311). 58

Jornal o Povo. Piratini. nº. 14. 17 de out. 1838. p, 57 e 58. 59

Referências

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