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JUSTIÇA E RAZÃO PRÁTICA KANT E RAWLS

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JUSTIÇA E RAZÃO PRÁTICA

EM

KANT E RAWLS

MARCOS ALVES DE ANDRADE

Barbacena 2003

(2)

À memória de meus pais Waldemar Alves de Andrade e Maria Venina de Andrade, agradecendo sua lições de honestidade, trabalho e perseverança.

À minha família, Vilma, Cyntia, Marcos Jú-nior, Sandra, minha gratidão pelo constante incentivo ao meu trabalho e a meus estu-dos jurídicos.

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RESUMO

JUSTIÇA E RAZÃO PRÁTICA EM KANT E RAWLS

Marcos Alves de Andrade Dezembro de 2003

Rawls contrasta o construtivismo kantiano no uso teórico da razão pura com o construtivismo de sua filosofia prática, afirmando, categoricamente, que o procedi-mento de construção é baseado essencialmente na razão prática e não na razão teórica, embora esta seja considerada, quando formamos crenças e saberes, infe-rências e juízos requeridos na formulação dos princípios da justiça.

Os dois princípios da justiça, formulados por Rawls para a realização da justiça como eqüidade (fairness) (o Equal Liberty Principle e o Difference/Fair

Equality Principle), tiveram inspiração kantiana, sendo equiparados por ele aos

imperativos categóricos de Kant.

Para Kant, o “véu de ignorância” priva as pessoas na posição original dos co-nhecimentos que lhes permitiriam escolher princípios heterônomos. Para Rawls, o “véu de ignorância” impede uma decisão racional bem definida.

Rawls ressalva que o princípio de universalizabilidade de proposições práticas do construtivismo kantiano deve ser reformulado como um dispositivo político, e não metafísico e transcendental, de regras formais-procedurais capazes de estabelecer critérios normativos e de determinar resultados eqüitativos.

A idéia de justiça como eqüidade sustentada por Rawls deriva do pensamento de Kant, com a ressalva de que o primeiro nega o valor da generalização e universalidade defendido pelo segundo.

O conceito de “autonomia política” de Rawls diferencia da “autonomia moral” de Kant, conforme será demonstrado.

Palavras chaves: justiça, eqüidade, razão prática, princípios, imperativo categórico, construtivismo, véu de ignorância, direito, Kant, Rawls.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 5

2 OS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA ... 7

3 CONSTRUTIVISMO MORAL DE KANT E O CONSTRUTIVISMO POLÍTICO DE RAWLS... 10

4 JUSTIÇA EM KANT... 12

5 JUSTIÇA EM RAWLS ... 14

6 RAZÃO PRÁTICA EM KANT ... 16

7 RAZÃO PRÁTICA EM RAWLS ... 18

8 CONCLUSÃO ... 19

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo geral identificar os pensamentos jusfilo-sóficos de Kant e Rawls, as influências que o primeiro filósofo teve sobre o segundo, suas similitudes e divergências.

Seus postulados, além de contribuírem para o desenvolvimento da filosofia do direito, respaldaram diversas outras teorias, principalmente Kant, particularmente no que diz respeito à moralidade, à liberdade e à idéia de justiça.

Será demonstrado, também, que, com base no construtivismo moral proposto por Kant, Rawls estabeleceu sua teoria da justiça.

Para melhor entender os postulados de Kant e Rawls é necessário, primeira-mente, verificar o panorama filosófico e o momento sócio histórico em que eles fo-ram formulados.

Immanuel Kant Nasceu em Könisgberg, na Prússia Oriental (hoje Alemanha),

em 22 de abril de 1724, onde sempre viveu e faleceu em fevereiro de 1804. Foi edu-cado sob o espírito pietista da Igreja Luterana, que caracterizava o protestantismo alemão da época. Com dezesseis anos, em 1740, ingressou na Universidade de Königsberg, matriculando-se em Teologia seguindo as ordens do pai, mas passava a maior parte do tempo estudando matemática, física e medicina. Quando se candida-tou ao grau de mestrado e a um posto de professor na Universidade de Königsberg, ele defendeu idéias filosóficas cuidadosamente elaboradas. Inicialmente ministrou aula de matemática e física e, posteriormente, lógica e metafísica. Sua obra Crítica

da Razão Pura foi publicada em 1781 e, em 1797, escreveu a Doutrina do Direito.

O pensamento kantiano despertou, tanto na sua época quanto em épocas posteriores, muitas críticas e discussões jusfilosóficas, algumas com o objetivo de entendê-las, outras com o intuito de superá-las ou reformulá-las.

John Bordley Rawls nasceu no dia 21 de fevereiro de 1921 em Baltimore,

estado americano de Maryland. Após alguns anos de escola pública, Rawls passou a freqüentar um tradicional colégio episcopal em Connecticut e, aos dezoito anos de idade, ingressou na Universidade de Princeton, onde foi direcionado para a filosofia pelo professor Norman Malcolm, um amigo íntimo e seguidor de Wittgenstein. Após

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concluir seus estudos em Princeton, em 1943, serviu ao exército americano e che-gou a participar de manobras militares no pacífico, testemunhando, assim, pessoal-mente, os horrores da guerra. Terminada a Segunda Guerra Mundial, Rawls retor-nou a Princeton em 1946 e passou a estudar questões de filosofia para a sua tese de doutorado. No seu último ano acadêmico, Rawls iniciou seus estudos de apro-fundamento em teoria política, culminando com a publicação, depois de duas déca-das, do famoso tratado sobre a justiça (A Theory of Justice).

Rawls, considerado o mais importante pensador político da segunda metade do século XX, trouxe novo ânimo à Filosofia Política, particularmente quando publi-cou, em 1971, em Harvard, em pleno clima de agitação cultural e geopolítica, em razão da Guerra do Vietnã, que mobilizou professores e estudantes a respeito, a sua obra A Theory of Justice (Uma Teoria da Justiça), onde, inspirado no pensamento kantiano, abordou a sua noção de justiça, gerando efervescentes debates intelectu-ais a respeito. Referida obra, na virada do século, já havia se tornado o maior

best-seller filosófico das últimas décadas.

Rawls, por ter sempre levado a sério as críticas de seus interlocutores, revi-sou várias vezes a sua Teoria da Justiça, nas três décadas que se seguiram à pri-meira publicação.

Antes de abordar o tema propriamente dito, para uma melhor compreensão da matéria e para demonstrar as semelhanças e divergências entre seus postulados, foi feita uma breve explanação sobre os princípios da justiça e sobre o construtivis-mo construtivis-moral de Kant e o construtivisconstrutivis-mo político de Rawls.

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2 OS PRINCÍPIOS DA JUS TIÇA

Para os antigos filósofos, entre eles Platão, a justiça e a virtude centralizavam todo o problema moral.

Na idade moderna, Kant abordou o princípio supremo da moralidade, desde a sua “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, entendendo que a natureza dotou o homem de razão e afirmando a necessidade de se estabelecer uma filosofia moral pura, despida de tudo que seja baseado na experiência.

Apoiando-se no artigo 4° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cida-dão, de 1789 (“A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica a um

outro. O exercício dos direitos naturais de um homem só tem como limites os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo de iguais direitos. Esses limi-tes só podem ser estabelecidos através de leis”), Kant formula o seu princípio geral

de direito, segundo o qual toda ação é eqüitativa quando sua máxima permite uma convivência entre a liberdade de arbítrio de cada um e a liberdade de todos, confor-me uma lei geral. Depreende-se deste princípio que a liberdade de cada um deve coexistir com a igual liberdade de todos, segundo uma lei geral.

Para Kant, os princípios da justiça constituem também imperativos categóri-cos. Ele define imperativo categórico como um “princípio de conduta que se aplica a um sujeito em virtude de sua natureza como ser racional livre e igual”.

O imperativo categórico formulado por Kant afirma que a autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais, consistindo essa autonomia na independência em relação a toda matéria da lei e na determinação do livre-arbítrio embasado na lei universal de que uma máxima deve ser capaz.

Em sua primeira formulação – “age apenas segundo uma máxima tal que

possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” - o imperativo categórico ordenava imediatamente o comportamento do indivíduo, com base apenas no livre-arbítrio, sem apelar a qualquer outra intenção.

Kant idealizou o imperativo categórico do Direito, apontando princípios racio-nais para o agir, como decorrência lógica do imperativo categórico da moral, segun-do o qual, a pessoa deve agir externamente de tal mosegun-do que o livre uso segun-do seu

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arbí-trio possa coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal.

Kant distingue o “imperativo categórico” do “imperativo hipotético”, afirmando que este enuncia um mandamento subordinado a determinações, enquanto aquele é totalmente desvinculado de qualquer condição.

Kant entende que o agir moral deve estar de acordo com princípios univer-sais, ou leis univeruniver-sais, que atendam a maior parte das pessoas ou, pelo menos, grande parte delas. A pessoa deve agir de forma a pressupor que a sua ação possa configurar uma ação moral e, assim, se tornar uma lei universal.

Observando os princípios universais, a humanidade desenvolve a ética pelo dever, sem ser guiada pelo prazer ou pelo desejo, mas, apenas pela razão.

No entendimento de Kant, uma pessoa age de modo autônomo quando esco-lhe os princípios que regem a sua ação como a melhor expressão possível da sua natureza enquanto ser racional, livre e igual. Os princípios, neste caso, não são ado-tados em razão da sua posição social ou qualidades naturais, nem com base na es-pécie particular da sociedade em que vive, nem os objetos específicos que deseja. Assim, uma pessoa age de modo heterônomo se agir de acordo com estes princí-pios.

Segundo Kant, agir de acordo com os princípios da justiça, a pessoa estará expressando a sua natureza enquanto ser humano livre e igual, sujeita às condições da vida humana, e assumirá as limitações da posição original. Agir com base nos princípios da justiça é agir com base em imperativos categóricos.

Os dois princípios da justiça, formulados por Rawls para a realização da justi-ça como eqüidade (fairness), chamada por ele de “justijusti-ça eqüitativa”, (o Equal

Li-berty Principle e o Difference/Fair Equality Principle), de inspiração kantiana, são

enunciados da seguinte maneira:

● Primeiro: Todas as pessoas têm igual direito a um projeto inteiramente sa-tisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para todos, projeto este compatível com todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor eqüitativo garantido.

● Segundo: As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois requisitos: (a) devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; e (b) devem repre-sentar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da so-ciedade.1

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O primeiro princípio, “princípio da igual liberdade” (equal liberty principle), em razão da primazia do justo sobre o bem, tem prioridade sobre o segundo princípio,

que se divide em dois: o “princípio da igualdade quantitativa de oportunidades” (fair

equality of opportunities) e o “princípio da diferença” (difference principle).

Rawls enfatiza que esses princípios se aplicam à estrutura básica da socidade, determinando a atribuição de direitos e deveres e regulando as vantagens e-conômicas e sociais e devem ser observados como regras formais-procedurais ca-pazes de estabelecer critérios normativos e de determinar resultados eqüitativos.

O primeiro princípio assegura que todas as pessoas têm igual direito aos bens primários e liberdades básicas iguais. O segundo justifica as desigualdades sociais e econômicas quando estas resultam em benefício para todos.

O “véu de ignorância” de Kant priva as pessoas na posição original dos co-nhecimentos que lhes permitiriam escolher princípios heterônomos. As partes, como pessoas racionais livres e iguais que conhecem apenas as circunstâncias que origi-nam a necessidade dos princípios da justiça, efetuam a sua escolha conjuntamente. Para Rawls, o “véu de ignorância” impede uma decisão racional bem definida e assegura que as concepções particulares do bem, a posição social, os talentos e habilidades das partes e dos cidadãos representados não serão consideradas na deliberação para a escolha dos princípios na posição original.

A posição original é a situação hipotética na qual as partes contratantes escolhem, sob um “véu de ignorância”, os princípios da justiça que devem governar a “estrutura básica da sociedade”. A concepção de rawlsiana da posição original pode ser vista como ponto de partida da “justiça como eqüidade”. A posição original é uma interpretação procedural dos conceitos de Kant a respeito da autonomia e do imperativo categórico.

Rawls equipara seus princípios de justiça aos imperativos categóricos de Kant, pois eles se aplicam a uma pessoa tendo em vista a sua natureza como ser racional, livre e igual, não pressupondo, entretanto, que ela tinha desejos e interesses particulares.

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3 CONSTRUTIVISMO

MORAL

DE

KANT

E

O

CONSTRUTIVISMO POLÍT ICO DE R AWLS

O construtivismo de Rawls, embasado no pensamento de Kant, se fundamenta na circunstância de que, assim como o imperativo catégorico o é na moral, a justiça é universalizável e prescritiva na política, ou seja, a justiça realiza o princípio supremo da moral na própria existência histórico-política dos seres humanos, enquanto pessoas autônomas.

Nythamar de Oliveira afirma que Rawls propõe o seu construtivismo nos seguintes termos:

(1) os princípios da justiça política (conteúdo) podem ser representados como resultado de um procedimento de construção (estrutura). Neste procedimento, os agentes racionais, enquanto representantes de cidadãos e sujeitos a condições razoáveis, selecionam os princípios que devem regular a estrutura básica da sociedade;

(2) o procedimento de construção é baseado essencialmente na razão prática e não na razão teórica – embora esta desempenhe algum papel, ao formarmos crenças e saberes; inferências e juízos requeridos na formulação de justiça;

(3) o construtivismo político pressupõe uma concepção complexa da pessoa e da sociedade (entendidas como “entes racionais com capacidade moral - senso de justiça e senso de uma concepção do bem” e “sistema eqüitativo de cooperação social de uma geração à seguinte”);

(4) é mister recorrermos à distinção entre o razoável e o racional: o razoável é aplicado a concepções e princípios, juízos e fundamentos, pessoas e instituições, sem recorrer ao conceito de verdade, viabilizando o conceito de um “consenso justaposto” (overlapping consensus), a saber, que todas as doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis, apesar de se oporem e serem incompatíveis, persistem através dos tempo e mantém um certo número de adeptos num regime constitucional democrático.2

Segundo o construtivismo político de Rawls, a teoria da justiça como eqüidade, por ser a mais razoável e traduzir um consenso justaposto, é a mais apropriada para sociedades democráticas pluralistas, que não se opõe ao intucionismo, mas se mostra mais fundamental e abrangente do ponto de vista conceitual.

Nythamar de Oliveira, discorrendo a respeito das diferenças entre os construtivismos kantiano e rawlsiano, observa:

(1) Enquanto o construtivismo moral de Kant reivindica pretensões de

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validez como uma “doutrina abrangente”, o construtivismo político de Rawls apenas representa um modelo teórico capaz de estabelecer um consenso mínimo necessário para que diferentes doutrinas morais, filosóficas e religiosas possam coexistir em uma sociedade democrático-liberal, numa concepção razoável de pluralismo;

(2) Rawls procura, assim, diferenciar seu conceito de autonomia política do conceito kantiano de autonomia moral: este desempenha um papel regulador, viabilizando a autoconstituição de valores morais e políticos pelos princípios da razão prática, ao passo que aquele apenas representa a ordem de valores políticos embasados nesses mesmos princípios e inseparáveis de concepções políticas da sociedade e da pessoa;

(3) assim como Kant, Rawls mantém que os princípios da razão prática originam-se na consciência moral; ao contrário de Kant, concepções metafísicas – tais como o idealismo transcendental – não desempenham nenhum papel de fundamentação no estabelecimento de concepções básicas de personalidade (faculdades de um senso de justiça e de concepções do bem) e sociedade (associação de pessoas em cooperação social eqüitativa);

(4) enquanto a filosofia de Kant pode ser tomada como uma apologia da racionalidade (coerência e unidade da razão nos seus usos teórico e prático, tese dos dois mundos opondo e compatibilizando natureza e liberdade), a teoria da justiça como eqüidade apenas desvela o fundamento público da justificação em questões de justiça política dado o fato de pluralismo razoável.3

Rawls ressalva que o princípio de universalizabilidade de proposições práticas do construtivismo kantiano deve ser reformulado como um dispositivo político, e não metafísico e transcendental, de regras formais-procedurais capazes de estabelecer critérios normativos e de determinar resultados eqüitativos.

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4 JUSTIÇA EM KANT

Para Kant são três os elementos constitutivos do conceito de Direito: em pri-meiro lugar, este conceito, enquanto este se refere a uma obrigação corresponden-te, diz respeito somente à relação externa e absolutamente prática de uma pessoa com relação a outra, na medida em que suas ações possam ter como base influên-cias recíprocas; em segundo lugar, o conceito do Direito não significa a relação do arbítrio com o desejo, como ocorre nas ações benéficas ou cruéis, mas significa a-penas a relação do arbítrio de um com o arbítrio do outro; em terceiro lugar, nesta relação recíproca de um arbítrio com outro, não se considera a matéria do arbítrio, mas apenas a forma na relação do arbítrio de ambas as partes, enquanto estas são consideradas unicamente como livres.

Com base no terceiro elemento, Kant formula o seu conceito de direito: “Direi-to é o conjun“Direi-to de condições sob as quais o arbítrio de cada um pode conciliar-se

com o arbítrio dos demais segundo uma lei universal da liberdade.” Com esse

con-ceito, ele procurou estabelecer o que deveria ser o direito para corresponder ao ideal de justiça, ou seja, o critério com base no qual seja possível distinguir o justo do in-justo. 4

A chamada lei universal do direito foi extraída por Kant do seu conceito de di-reito: “Atue externamente de maneira que o uso livre do teu arbítrio possa estar de

acordo com a liberdade de qualquer outro segundo uma lei universal”.5

Com estas definições, Kant procurou estabelecer o critério para distinguir uma ação justa de uma ação injusta. Para ele, “uma ação é justa, quando, por meio dela, ou segundo a sua máxima, a liberdade do arbítrio de um pode coexistir com a liber-dade de qualquer outro segundo uma lei universal”.

Todo o pensamento jurídico de Kant tem por objeto teorizar a justiça como li-berdade, o que leva à conclusão de que a sua teoria do direito deve ser considerada como um dos fundamentos do estado liberal.

4

BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. 4.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p.7o.

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Kant ressalva, outrossim, que a noção de direito é estritamente ligada à noção de coação e define o direito subjetivo como faculdade de obrigar. O dever é jurídico quando surge no outro a faculdade de obrigar.

Na ética kantiana, o dever caracteriza a necessidade de uma ação por respei-to à lei moral, isrespei-to é, a lei universal que manda agir de acordo com a máxima que a vontade quer que se torne uma lei que possa valer para todos os demais.

O direito é liberdade, porém esta é limitada pela presença da liberdade dos outros. Quando houver transgressão dos limites da liberdade, invadindo a esfera de liberdade de outrem, o ato do transgressor pode ser repelido pela coação. Assim, embora a coação seja antiética com relação à liberdade, a mesma é necessária para conservação da liberdade e para a realização da justiça.

Desse modo, segundo Kant, a força é necessária para a justiça quando o seu fim é repelir uma outra força que impede a atuação da justiça, ou seja, uma força injusta.

Kant, porém, admite duas situações em que o direito existe sem coação: quando for caso de equidade (justiça no caso concreto) ou quando se tratar de

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5 JUSTIÇA EM RAWLS

A idéia de justiça eqüitativa ou justiça como eqüidade sustentada por Rawls, conforme ele próprio reconhece, deriva do pensamento de Kant, com a ressalva de que o primeiro nega o valor da generalização e universalidade defendido pelo se-gundo, por entender que não se tratam de princípios inéditos na história da Filosofia. Para Rawls, o conceito de justiça com eqüidade é superior ao conceito de jus-tiça desenvolvido pelo utilitarismo, o qual, “de uma maneira geral, defende que os arranjos sociais sejam tais que maximizem a felicidade plena de seus membros, sem levar em conta como os benefícios e as desvantagens são distribuídos, a menos que afetem o total”6

.

Rawls, em Uma Teoria da Justiça, procura situar seu modelo procedimental de inspiração kantiana opondo-se a modelos teleológicos em filosofia moral, na me-dida em que estes concebem o bem independentemente do justo, como um fim exte-rior ao agir moral. Para ele, os dois tipos principais de teorias teleológicas são as perfeccionistas (identificam o bem com a realização da perfeição humana na cultura) e as utilitaristas (concebem o bem enquanto princípio de utilidade).

Contra os modelos utilitaristas, Rawls, através da reformulação do seu libera-lismo político, procura manter a idéia diretriz da primazia do justo sobre o bem.

Por sempre levar a sério as questões colocadas por seus críticos, particularmente quanto ao uso que faz da filosofia kantiana e quanto à oposição que faz aos modelos utilitaristas, Rawls, a fim de melhor justificá-la, revisa e corrige, continuamente, sua Teoria da Justiça, ao ponto de ser criticado, erroneamente, por alguns, de que estivesse abandonando, definitivamente, o seu intento original.

A teoria da justiça de Rawls apresenta uma estrutura procedimental capaz de representar, teoricamente, os dois princípios fundamentais de justiça política, viabilizando a construção de uma sociedade livre e eqüitativa.

Rawls mantém o princípio de universalizabilidade de proposições práticas do construtivismo kantiano como modelo normativo para a fundamentação da teoria da justiça. Desse modo, ele reitera um procedimentalismo universalista que em muito

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se assemelha ao modelo procedimental do imperativo categórico de Kant, o qual estrurura a sua própria formulação da teoria da justiça como eqüidade.

Rawls entende que o contrato social é inerente à filosofia moral: o melhor para a sociedade é o que é justo.

A teoria da justiça de Rawls pode ser entendida como resultado de um proce-dimento de construção em que os cidadãos integrantes de uma sociedade democrá-tica regida por uma constituição e sujeitos a condições razoáveis, escolhem os prin-cípios que devem regular a convivência a vida social e permitir a convivência plura-lista de diversas doutrinas religiosas, filosóficas e morais.

Para Rawls, o conceito de justiça desempenha um papel de justificação aná-logo ao conceito de verdade para uma teoria do conhecimento para a filosofia práti-ca.

A “justiça como eqüidade” tem por premissa uma certa tradição política, as-sumindo como sua idéia fundamental a da sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação e a de que os cidadãos, envolvidos em tal sistema, são pessoas livres e iguais.

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6 RAZÃO PRÁTICA EM KAN T

Na concepção kantiana, chama-se livre-arbítrio o arbítrio que pode ser deter-minado pela Razão pura. O arbítrio seria bruto e irracional, portanto, não puro, quando determinado somente pela inclinação enquanto impulso sensível ou estímu-lo. O humano arbítrio é afetado por tais impulsos ou estímulos, mas não deve ser determinado por eles, ou seja, deve ser um livre-arbítrio, no sentido de poder ser determinado pela razão pura.

O conceito negativo do livre-arbítrio é dado pelo fato de que a liberdade do arbítrio é sua independência de ser determinado por estímulos ou impulsos sensí-veis.

Quando a vontade é a capacidade da Razão pura de ser prática em si, temos o conceito positivo de liberdade, com a ressalva de que isso somente é possível pela incidência da máxima de que toda ação deve estar sujeita à condição de servir como lei universal.

Razão pura para Kant é a que contém os princípios para conhecer algo absolutamente “a priori” (fora do mundo real).

Depreende-se do sistema kantiano que a razão pura é conjunto de conceitos puros “a priori”, deduzidos pela razão da experiência, enquanto que a razão prática deve abranger os princípios puros do exercício da razão pura no campo da moral e do direito.

Kant chama de conhecimento ao uso da razão que se ajusta ao uso das categorias no ambiente dos estímulos ou impulsos sensíveis, enquanto chama de razão pura ao uso da razão “a priori” e cujo conteúdo são as idéias da razão.

A razão prática pode ser considerada como “Faculdade de Princípios”, sendo, neste contexto, fonte dos princípios práticos, quando aplicada como Razão pura ao Arbítrio e considerada à parte de seu objeto.

O estudo da razão prática proporciona a Kant formular os princípios básicos de sustentação de sua metafísica dos costumes, que é conceituada por ele como um sistema de conhecimento “a priori” por puros conceitos, uma filosofia prática, que não tem por objeto a natureza, mas a liberdade do arbítrio.

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Segundo Kant, para que uma ação seja moral não é suficiente que seja coe-rente com o dever, sendo necessário que seja também cumprida pelo dever.

Com base nessa proposição, Kant distingue a moralidade da legalidade: quando a ação é cumprida por dever, e não por inclinação ou interesse, tem-se a moralidade, pois, neste caso, o dever conteria a boa vontade; quando a ação é cumprida em conformidade ao dever, mas segundo alguma inclinação ou interesse diferente do puro respeito ao dever, tem-se a legalidade (conformidade à lei).

Kant afirmou que nenhuma ação baseada apenas na obediência da lei deve ser considerada como moral. Com base neste entendimento podemos afirmar que as pessoas que torturaram e mataram inocentes durante a segunda guerra mundial, embora obedecendo a lei nazista e as leis nazi-fascistas, não agiram humana e eti-camente, tendo, na realidade, praticado atos não morais.

A moral que estava centrada no individual e era subjetiva tornou-se, com a razão prática de Kant em universal e objetiva.

Para Kant, o conhecimento da moralidade precede o conhecimento da liberdade, sendo assim, esta seria o fundamento da lei moral.

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7 RAZÃO PRÁTICA EM RAW LS

Rawls, assim como Kant, mantém que os princípios da razão prática origi-nam-se na consciência moral, contudo, distanciando do pensamento kantiano a res-peito da moral universal, entende que as concepções metafísicas não desempe-nham nenhum papel de fundamentação no estabelecimento de concepções básicas de personalidade e sociedade e enfatiza que a razão prática destina-se exclusiva-mente a seres humanos e não a seres racionais.

Rawls entende que devemos recorrer à distinção entre o razoável e o racional para a aplicação da justiça eqüitativa.

Através da reapropriação do construtivismo kantiano, Rawls procura demons-trar a normatividade da razão prática pura na própria concepção de uma sociedade contratual, regulada por uma constituição e formada por pessoas morais livres e i-guais.

Segundo Rawls, seu conceito de autonomia política, que apenas representa a ordem de valores políticos embasados nos princípios da razão prática, mas insepa-ráveis das concepções políticas da sociedade e das pessoas, configura uma “auto-nomia doutrinária”, que se diferencia da “auto“auto-nomia moral” de Kant, que desempe-nha um papel regulador, na medida em que é viabilizada a autoconstituição de valo-res morais e políticos pela atividade da razão prática.

Desta forma, Rawls contrasta o construtivismo kantiano no uso teórico da ra-zão pura com o construtivismo de sua filosofia prática, afirmando, categoricamente, que o procedimento de construção é baseado essencialmente na razão prática e não na razão teórica, embora esta seja considerada, quando formamos crenças e saberes, inferências e juízos requeridos na formulação dos princípios da justiça.

Rawls formula também a razão pública, conceituando-se como a razão dos cidadãos de uma sociedade democrática liberal na medida em que compartilham igual liberdade por todos reconhecida e desejada, através de argumentos e critérios que possam ser pública e consensualmente estabelecidos na elaboração de uma sociedade mais justa. Pode-se falar em uma democracia deliberativa, na medida em que a razão política é compartilhada por todos, publicamente.

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8 CONCLUSÃO

O pensamento de Kant teve grande influência para o direito, principalmente, para estudiodos da filosofia do direito, entre eles Rawls, o qual fundamentou sua Teoria da Justiça através do construtivismo kantiano.

Os dois princípios da justiça, formulados por Rawls para a realização da justi-ça como eqüidade (fairness) (o Equal Liberty Principle e o Difference/Fair Equality

Principle), tiveram inspiração kantiana.

Rawls, como ele próprio reconhece, equipara seus princípios de justiça aos imperativos categóricos de Kant.

O “véu de ignorância” de Kant priva as pessoas na posição original dos co-nhecimentos que lhes permitiriam escolher princípios heterônomos. Para Rawls, o “véu de ignorância” impede uma decisão racional bem definida e assegura que as concepções particulares do bem, a posição social, os talentos e habilidades das par-tes e dos cidadãos representados não serão consideradas na deliberação para a escolha dos princípios na posição original.

A concepção de rawlsiana da posição original pode ser vista como ponto de partida da “justiça como eqüidade”. A posição original é uma interpretação procedural dos conceitos de Kant a respeito da autonomia e do imperativo categórico.

Rawls ressalva que o princípio de universalizabilidade de proposições práticas do construtivismo kantiano deve ser reformulado como um dispositivo político, e não metafísico e transcendental, de regras formais-procedurais capazes de estabelecer critérios normativos e de determinar resultados eqüitativos.

A idéia de justiça como eqüidade sustentada por Rawls deriva do pensamento de Kant, com a ressalva de que o primeiro nega o valor da generalização e universalidade defendido pelo segundo.

Rawls, assim como Kant, entende que os princípios da razão prática originam-se na consciência moral, contudo, distancia do pensamento kantiano a respeito da moral universal, argumentando que as concepções metafísicas não desempenham nenhum papel de fundamentação no estabelecimento de concepções

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básicas de personalidade e sociedade e enfatiza que a razão prática destina-se exclusivamente a seres humanos e não a seres racionais.

O conceito de autonomia política de Rawls, que apenas representa a ordem de valores políticos embasados nos princípios da razão prática, mas inseparáveis das concepções políticas da sociedade e das pessoas, diferencia da “autonomia mo-ral” de Kant, que desempenha um papel regulador, na medida em que é viabilizada a autoconstituição de valores morais e políticos pela atividade da razão prática.

Portanto, pode ser observado no presente trabalho que Kant teve grande influência sobre Rawls, sendo que este baseou todo seu postulado no pensamento daquele, reformulando algumas das idéias kantianas.

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9 REFERÊNCIAS BIBLIOGR ÁFICAS

BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. 4.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.

Referências

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