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Universidade de Aveiro Joana Sofia Ventura Maia. A Segunda Geração da Beat Generation: a Edição Independente no Século XXI

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Universidade de Aveiro 2021

Joana Sofia

Ventura Maia

A Segunda Geração da Beat Generation: a

Edição Independente no Século XXI

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Universidade de Aveiro 2021

Joana Sofia

Ventura Maia

A Segunda Geração da Beat Generation: a

Edição Independente no Século XXI

Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Estudos Editoriais, realizada sob a orientação científica do Professor Doutor Reinaldo Francisco da Silva , Professor Auxiliar com Agregação do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro.

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Dedico este trabalho à minha mãe por me motivar a nunca desistir de nada e lutar por tudo o que acredito.

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o júri

Presidente Doutora Maria Teresa Marques Baeta Cortez Mesquita

Professora Associada da Universidade de Aveiro

Doutor Anthony David Barker

Professor Associado da Universidade de Aveiro (arguente)

Doutor Reinaldo Francisco da Silva

Professor Auxiliar com Agregação do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro

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Ao longo da realização desta dissertação deparei-me com o apoio incessante de pessoas muito importantes para a concretização desta etapa da minha vida académica. Em primeiro lugar, não podia deixar de mencionar a minha gratidão para com o orientador, Professor Doutor Reinaldo Francisco da Silva, por me ter aceite e ensinado tanto nesta colaboração, mostrando-se sempre disponível e muito compreensível perante adversidades daminha vida pessoal durante o semestre.

Quero agradecer também às editoras: Não Edições, Medula Editora e Parsifal Edições pela amabilidade e disponibilidade e que, apesar do momento adverso que atravessamos, colaboraram neste projeto através das suas respostas.

Agradeço também, à minha colega de mestrado, Filipa Carvalho, que esteve ao meu lado incansavelmente nas minhas dúvidas e «momentos de desespero», sem cobrar nada em retorno e a quem agradeço esta bonita amizade fruto de muitas parcerias de estudo extra-curriculares e de muita dose de cafeína.

Agradecimentos

Não posso deixar de agradecer à minha família o apoio que me deu neste processo, nomeadamente à minha mãe, Serafina Ventura, que fez de mim a mulher que sou hoje e sempre me motivou a lutar pelos meus sonhos desde criança. Por ela ultrapasso a dor todos os dias e espero que se sinta muito orgulhosa de mim quando eu completar este ciclo da minha vida, tal como lhe prometi.

À minha irmã, Ana Maia, agradeço o apoio incondicional, que apesar de estarmos separadas, sempre se preocupou com uma palavra de conforto e resolução. Obrigada por teres cuidado sempre de mim.

Ao meu companheiro de vida, Pedro Torres, agradeço toda a compreensão e apoio. Houve momentos muito dificeís, durante este processo, mas estiveste sempre ao meu lado, incansável, com o abraço mais quente e as mãos mais ternas para me enxugar as lágrimas. Obrigada por demostrares o orgulho que tens em mim e sempre me encorajar a prosseguir. Nunca te vou conseguir agradecer o suficiente.

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palavras-chave edição independente, pequenas editoras, resistência editorial, geração Beat, legado do passado, livro.

Resumo A indústria editorial é um sistema em constante mudança devido a diversos fatores, como o papel do editor, o leitor, a sociedade, o autor. As pequenas editoras, que se caraterizam neste meio por serem resistências editoriais, seguem o modelo de edição independente, distinto das grandes editoras. Este trabalho pretende entender a permanência desta linha editorial em pleno século XXI, através do legado do passado editorial, nomeadamente a Geração Beat, e da consequente manutenção e adaptação de fatores editoriais desse mesmo passado.

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keywords indie publishing, small presses, editorial resistance, Beat Generation, legacy of the past, book.

abstract The publishing industry is a system which is constantly evolving due to several factors, such as the role of the publisher, the reader, society, and the author. Small publishing houses which are often characterized in this environment as being editorial resistances, follow the independent publishing model, distinct from large publishing houses. This work aims at understanding the permanence of this editorial line still in the 21st century through the legacy of the editorial past, in particular the Beat Generation, and the ongoingmaintenance and adaptation of a number of editorial factors from that same exact past.

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Índice

Introdução ... 1

1. Os Antecessores da Beat Generation ... 2

1.1 A Indústria Editorial Atual ... 3

1.2 A Edição Independente e a História das Small Presses ... 6

1.3 O Legado da Edição Independente ... 10

1.4 O Reflexo do Legado na Edição Independente ... 22

2. Literatura e Edição da Geração Beat ... 28

2.1.1 O Contributo da Beat Generation na Revolução Literária e na Mudança de Mentalidades a nível das classes sociais e das questões de género ... 29

2.1.2 A Beat Generation: Literatura e Edição ... 35

3. Literatura e Edição Independentes no Século XXI ... 44

4. Metodologia: O Padrão da Edição Independente no Presente ... 72

4.1 Seleção dos Instrumentos Utilizados ... 73

4.2 Estudo de caso: Alusão ao Enfoque de Investigação e Apresentação do Plano Metodológico ... 74

4.3 Análise de Conteúdo ... 74

5. Estudos Empíricos/ Apresentação/ Discussão de resultados... 75

Conclusão ... 79

Referências ... 81

R1. Bibliografia ... 81

R2. Bibliografia retirada da internet... 84

6. Apêndices ... 87

1. Grelha Analítica sobre Não Edições Editora, Editora Medula, Edições Parsifal, Editora Gato Bravo, baseada em Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo: Sentidos e Formas de Uso de Isabel Carvalho Guerra pp. 54/55 ... 87

2. Guião de Entrevista baseado em Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo: Sentidos e Formas de Uso de Isabel Carvalho Guerra pp. 56/57 ... 87

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3. Grelha (provisória) de entrevista baseado em Pesquisa Qualitativa e Análise de

Conteúdo: Sentidos e Formas de Uso de Isabel Carvalho Guerra pp.57 a 59 ... 88

4. Transcrição das respostas escritas via e-mail... 89 5. Grelha dimensional de análise de conteúdo ... 94

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Lista de Figuras

Fig. 1 Bíblia das 42 linhas, Johannes Gutenberg, 1455 ... 6

Fig.2- Vapor numa Tempestade de Neve, William Turner, 1842 ... 11

Fig. 3 Declaração Independência dos EUA, Thomas Jefferson, 1776 ... 12

Fig. 4 America: A Prophecy, William Blake, 1793... 13

Fig.5 Lyrical Ballads, William Wordsworth / Samuel Coleridge, 1798 ... 14

Fig. 6 The Little Black Boy, William Blake, 1789 ... 16

Fig. 7 Scarlet Letter, Nathaniel Hawthorne, 1850 ... 17

Fig. 8 On the Road , Jack Kerouac, Viking Press, 1957 ... 23

Fig. 9 Naked Lunch, William Burroughs, Grove Press, 1962 ... 26

Fig. 10 The Feminist Mystique, Betty Friedan, 1963 ... 32

Fig. 11 Diane Di Prima numa leitura aberta de poesia. ... 34

Fig. 12 Memoirs of a Beatnik, Diane di Prima, versão de 1988. ... 34

Fig. 13 Elementos e escritores da Beat Generation ... 35

Fig. 14 Ferlinghetti e a sua coleção de livros banidos, 1957... 37

Fig. 15 Lawrence Ferlinghetti na livraria e editora City Lights Bookshop,1955, São Francisco, Califórnia. ... 38

Fig. 16 Rolo contínuo de On The Road, Jack kerouac. Fotografia de: Ann Heisenfelt/AP ... 40

Fig. 17 Mimeografo do século XX (CopyRight the National Geographic) ... 41

Fig. 19 Marca de impressão Kelmscott Press, Epistola de Contemptu Mundi, 1894. ... 47

Fig. 18 Papel de parede Trellis por William Morris 1862 primeiramente produzido em 1864. ... 47

Fig. 20 Edição da Hogarth Press. A primeira edição inglesa do famoso poema Wasteland, 1923 do poeta modernista, T.S.Elliot. ... 48

Fig. 21 - Tinta- da-china, 2020 (Copyright Tinta-da-china) ... 66

Figura 22- Livros produzidos pela editora Relógio d'água por ordem do texto sentido de leitura esquerda-direita. (Copyright Relógio d’água) ... 67

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Figura 23- Livros produzidos pelas editoras Porto Editora e Nuvem De Tinta por ordem do texto sentido de leitura esquerda-direita (Copyright Porto Editora e Nuvem de Tinta)

... 68

Figura 24- Livros produzidos pelas editoras independentes Tinta-da-China e Relógio D’água por ordem do texto sentido de leitura esquerda-direita. (Copyright Tinta-da China e Relógio D’água) ... 69

Fig. 27- Edições Parsifal ... 73

Fig. 26 – Medula Editora ... 73

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Lista de Abreviaturas e Siglas

ACLU- American Civil Liberties Union

HUAC- House of Un-American Activities Commission.

LGBT+- Acrónimo para lésbicas, gay, bissexuais, travestis e transsexuais.

LGBTQIA- Acrónimo para lésbicas, gay, bissexuais, travestis, transsexuais, Queer, intersexual e assexual.

MIMEO- Mimeograph Revolution / Revolução Mimeográfica NOOK- e-reader de Barnes & Noble

POD- Print-on-Demand

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Introdução

O tema deste estudo consiste na análise da edição independente em pleno século XXI, nomeadamente como esta linha editorial tem vindo a readaptar e reutilizar temáticas, formatos editoriais, sistemas de edição e nichos literários no âmbito do legado editorial do passado, sobretudo algumas obras paradigmáticas do Romantismo, do Transcendentalismo norte-americano e, principalmente, da geração Beat, sobretudo pela mudança circunstancial no pensamento editorial e literário. A abordagem escolhida na elaboração deste estudo articula-se na relação entre o passado e o presente literário e editorial das editoras independentes e no seu enquadramento editorial na dicotomia «grandes versus pequenos grupos editoriais».

Considerei relevante, como metodologia adequada para este estudo, a metodologia qualitativa dividida em problemáticas e dimensões, mediante o estudo de caso de três editoras por entrevista online e análise dos seus catálogos editoriais. Esta abordagem permitiu analisar o método de atuação e diferenciação de três pequenas editoras independentes enquadradas no mercado editorial atual a partir de quatro dimensões: Criação da Editora/ Destaque; Tipologias Editadas; Autores; Perspetiva Editorial.

Finalmente, após a discussão dos resultados comparativos entre as três editoras relativamente à dimensão do conteúdo adquirido, propus-me analisar e recolher pontos comuns entre as resistências editoriais do presente e o seu legado do passado. A reedição de clássicos, a readaptação de temáticas intemporais e subversivas, a seleção de autores e métodos de distribuição desiguais são caraterísticas específicas que refletem a continuidade de um passado pela readaptação e a resistência editorial num presente marcado pelas grandes editoras, bestsellers e o mainstream.

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1.1 A Indústria Editorial Atual

«While the trend is towards larger publishers, there will always be a room for innovative, imaginative and entrepreneurial small publishers which, with lower overheads, are more agile than some large ones that can be overburdened with bureaucracy, slow to respond to fast-changing markets and fearful of innovation and technological development» (Clark e Phillips, 2007, p.5).

Segundo Giles Clark e Angus Phillips (2007), o panorama da indústria editorial atual segue um padrão de organização e orientação peculiar e bipolarizado dando origem a duas composições: os grandes grupos e os pequenos grupos editoriais. O padrão seguido pelo mundo editorial proporciona o fator de unicidade a esta indústria cultural face às demais indústrias culturais em que se insere. As caraterísticas que tornam a indústria distinta resultam das suas áreas de constituição e ação como a história do livro, da arte, da leitura, o marketing, a gestão editorial, a ciência da informação e social, literatura e comunicação.

A noção de competitividade emerge no mundo editorial quando as caraterísticas e setores editoriais referidos anteriormente ganham pesos diferentes à medida que são aplicados a determinadas editoras. A partir deste ponto nasce uma grande questão que se centra na divisão desequilibrada do mundo editorial, que começa na edição do livro e termina no seu público-alvo, o leitor. Tal como André Schiffrin (2006, p.114) afirma «há o problema de que o jogo não é justo. As maiores empresas… têm à sua disposição grandes orçamentos publicitários, a força de vendas enormes e uma rede extremamente eficiente de contractos na imprensa.»

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4 Na verdade, as pequenas editoras são alvo do congestionamento do mercado por parte dos grandes grupos, sobretudo pelas escolhas editoriais que tomam para alcançar determinados objetivos de venda e lucro. Isto resulta em menos espaço para os livros produzidos pelos «peixes pequenos» nas estantes das livrarias e na visibilidade dos canais de distribuição online, segundo Maria do Rosário Pedreira, em Peixes grandes e peixes pequenos (2009). No seu entender,

«Os peixes graúdos… optaram nos últimos anos por apostar sobretudo em produtos de venda rápida, importando sucessos internacionais ou publicando livros de “pivôs” da televisão, ex-inspectores da Judiciária e outras figuras mediáticas… os seus catálogos não serão mais que um vazio.»

Assim sendo, é neste contexto que se encontra o nicho do mercado editorial: as pequenas editoras. Comportamentos, interesses e medidas adotadas por estas editoras transparecem neste um modelo de edição que remonta à sua origem e as caraterizam profundamente: a edição independente. Este método de edição carateriza-se por ser um processo complexo, visto que é afetado pelo mercado em que se inclui- competitivo e em constante mudança. De acordo com André Schiffrin (2006, pp.114-115), «As editoras menores são incapazes de competir ao mesmo nível e têm muito mais dificuldade em encontrar espaço para livros, tanto nas lojas quanto nas resenhas dos jornais.»

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5 Inevitavelmente, o conceito de edição independente está ligado à disparidade de objetivos que cada organismo editorial constrói para a sua atividade. Ou seja, o que distingue essencialmente as pretensões dos grandes grupos editoriais e das pequenas editoras é o fim para que produzem e como o produzem, tal como Bill Henderson (1983, p.62) explica a partir da noção de small presses,

«A small press is an alternative to the commercial establishment. Often the press can be a profit-making alternative (especially if it concentrates now and then on practical and specialized publications), but usually, for the literary publisher, profit is of minimal interest. What matters most is the creative work.»

A dinâmica desenvolvida pelas pequenas editoras relativamente ao objeto que produzem, o livro, desenvolve-se na construção de projetos pretensiosamente únicos que apelam à qualidade tanto material como tipológica. De tal modo, o intuito das pequenas editoras é, sem dúvida, estabelecer um tipo de distinção ímpar face ao mercado em que se inserem, um tipo de distinção ímpar. A rejeição do produto massificado apercebido pelo baixo interesse no conteúdo tipológico das grandes editoras, por parte das pequenas editoras, atribui à edição independente métodos de atuação assentes na preocupação do livro como um projeto de edição único e não um negócio meramente lucrativo. Outras estratégias editoriais, que caraterizam a edição independente, passam por estas pequenas editoras concederem liberdade e partilha no processo de edição com o autor e simultaneamente, realizarem um estudo tanto de mercado e segmentação como de géneros literários para que haja uma perceção entre a marca editorial e a qualidade do produto. A lógica da edição independente desenvolvida nas pequenas editoras tem como propósito defender ao máximo, a ideia de manter os seus autores e não os deixar escapar, mas por vezes, as circunstâncias da própria editora não o permite. Tal como Thompson (2010, p.166) explica na relação entre os autores e as pequenas editoras, existe uma esperança por parte destas editoras na perceção do esforço e experiência única, a que estes autores e respetiva publicação estão envolvidos, para que estes não sejam iludidos levianamente por questões de dinheiro por outros editores.

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6 1.2 A Edição Independente e a História das Small Presses

A edição independente é um movimento ideológico consignado ao padrão editorial do século XXI, mas este modelo de edição deu os primeiros passos em tempos remotos de forma diferente ligado às chamadas small presses (com a invenção de Gutenberg, em 1439), criadas por autores que aptos em técnica e em posse de tipos móveis criaram as suas próprias oficinas editoriais para poderem publicar matérias que lhes interessavam ver publicadas.

Primeiramente, as pequenas oficinas editoriais abasteciam-se de prensas tipográficas próprias, papel, tinta e utensílios de impressão para produzirem obras de relevo e traduções, de maneira que a acessibilidade à leitura fosse maior tanto em termos de disponibilidade no mercado como em termos económicos. Vejamos o que pensa Heitlinger (2020),

«a reprodução dos textos era mais fiel. Textos longos, transmitidos ao longo dos séculos em manuscritos repletos de erros, podiam agora ser impressos sem mácula. No passar das décadas seguintes, mais e mais pessoas podiam ler a Bíblia, que se tornara mais barata por meio da sua reprodução tipográfica».

Fig. 1 Bíblia das 42 linhas, Johannes Gutenberg, 1455

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7 A evolução da história da edição, desde as small presses até às pequenas editoras da atualidade, proporcionou uma alteração na noção de edição independente, tanto em termos de edição física como em termos tipológicos. Por exemplo, fenómenos como a evolução tecnológica das máquinas de impressão até ao

Print-on-Demand, ou até mesmo o surgimento de novos segmentos de leitura e de nicho,

proporcionaram um novo significado para edição independente.

Assim, as pequenas editoras como se conhecem hoje, são resultado de diversas influências que se caraterizaram por um percurso autêntico e que se fizeram sentir ao longo da história literário-editorial ao longo dos tempos, tal como enuncia Skinner (2020),

«from Gutenberg to the ‘pamphlet wars’ of the Early Modern Period, from Transatlantic Modernism to the ‘mimeograph revolution’ of 1960s US counterculture, and from desktop publishing to present day digital culture. »

Por outras palavras, já havia um percurso trilhado neste âmbito com determinadas caraterísticas e contextos de desenvolvimento que nos levaria até à edição independente dos nossos dias, um modelo de edição de génese contracorrente, ou seja, que rejeitava os paradigmas culturais/literários massificados produzidos pelo mercado editorial. Deste modo, é possível realçar uma repetição de comportamentos literário-culturais e editoriais, que fugiram à norma, e em que se incentivava a produção de livros com ideias subversivas, tipologias não comuns, conteúdos enriquecidos de diversas matérias, que não aceitavam valores vigentes, numa cronologia histórica que acompanha gerações e movimentos desde o Romantismo, o Transcendentalismo, Movimento Beat até o presente com a Edição Independente.

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8 A produção de conteúdo por parte das pequenas editoras mostrou-se determinante para a produção e conservação literária de cada país, como por exemplo nos Estados Unidos, onde segundo Henderson,

«If small literary presses had not begun to flourish in the 1960’s and 1970’s and were not continuing to prosper in the current decade very little imaginative writing would be published in this country» (Henderson, Bill, 1983, p. 61).

De acordo com Bill Henderson, o período de resistência de pequenas editoras foi fulcral para a produção e conservação de géneros literários que resistiram à produção literária massiva que se estava a produzir desde o início dos anos 50, na América. Este fenómeno deve-se ao facto de nessa mesma década ter surgido um movimento que se apelida de contracultura ou underground que ficou marcado pela presença da Beat Generation. Posteriormente, esta geração deixaria uma marca indelével no movimento contracultura social e cultural da década de 60 com os

hippies sendo que a Beat Generation partiu de um grupo de jovens descontentes com

o seu país, mormente do pós-segunda guerra mundial, cujos rendimentos se pautavam pela desigualdade e injustiça. É no termo de «lutar contra» que nascem dois grupos de poetas provenientes de Nova Iorque (Beat Poetry) e de São Francisco (San Francisco Poetry Renaissance). O movimento e a conexão entre estes grupos foram mantidos durante anos, alicerçando-se com base nas amizades e nos contactos. Entre as figuras de renome pertencentes ao movimento em Nova Iorque, encontravam-se nome tais como de Allen Ginsberg, Jack Kerouac e Gregory Corso. Já na costa do Pacífico, a San Francisco Poetry Reinassance, destacavam-se nomes tais como os de Laurence Ferlinghetti, Gary Snyder e Michael McClure.

O reflexo do descontentamento desta geração verificar-se-ia na produção duma literatura e método de edição subversivo contra o que seria uma estética-padrão literário obsoleto (o modernismo) e um método de edição a roçar as franjas do censurável. Por sua vez, a atitude de desdenho e indiferença por parte dos editores das grandes revistas e editoras que publicavam trabalhos underground, que se dá a revolução associada ao modo de edição dos Beatniks, apelidada de Mimeo

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9 por outro meio que não fosse controlado ou sujeito a decisão e revisão era urgente e tal como Weber (2016) afirma, o precursor de baixo custo da Xerox moderna desencadeou uma explosão de revistas underground de tipo independente e livros de poesia, o que foi essencial para uma geração de artistas.

Ambos os autores referidos anteriormente seguiram uma linha de pensamento e inspiração ligadas a autores que os precederam, nos quais se reviam relativamente às limitações e impedimentos que haviam vivido na sua época. Tal como escreve Jay Parini (1993, p.582) em relação a Jack Kerouac, «members of the generation that came of age after World War II who, supposedly as a result of disillusionment stemming from the Cold War, espouse mystical detachment and relaxation of social and sexual tensions.» A ideia subjacente a este fenómeno cultural e literário teve como consequência o despertar da rebelião deste grupo de poetas. Parini aponta que também propiciou um ambiente em que poderiam questionar e refletir sobre matérias e tópicos convencionais americanos que se deterioraram ou permaneceram esquecidos durante a guerra fria. Em última instância, esta geração rebelde pôs em causa questões que eles próprios queriam que fossem debatidas e desigualdades esbatidas, tais como Parini (1993, p.582) enuncia, a conformidade social, a repressão política e o materialismo prevalecente aos valores estéticos, sexuais e espirituais não convencionais.

Assim, é através da influência dos antecessores da Beat Generation, que esta geração se inspiraria na ideia de uma América revitalizada após um cenário caótico, assente na liberdade do ser humano ao testar o conceito de sonho americano.

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10 1.3 O Legado da Edição Independente

Tal como veremos adiante, algumas das caraterísticas de determinados movimentos literário-culturais que ocorreram ao longo da história, efetivamente, exerceram uma série de influências que, de certo modo, moldaram, em certa parte, a edição independente. Com a proposição de que a Edição Independente é porventura a segunda geração da Beat

Generation, é possível analisar caraterísticas comuns a estes dois movimentos

literário-editoriais, no que diz respeito à aquisição de influências e reutilização de comportamentos e ideais literários e editoriais.

Assim sendo, o Romantismo foi, então, uma época crucial para a inspiração dos

Beats. Os escritores da Beat Generation encontraram na noção de espírito libertador das

revoluções americana e francesa (e, consequentemente o fim do ancien régime de caráter absolutista, feudal e conservador na Europa do século XVIII), como que uma esperança, uma ideia de clareza regeneradora, em suma, a panaceia que a América conservadora e burguesa de meados da década de 1950 também necessitava. A ação desta geração prendia-se com a vontade de mudar a América, mas também o mundo ocidental.

A influência romântica proveniente da Europa, em finais do século XVIII e até cerca de meados do século XIX, chegou com um enorme impacto à América, pela literatura britânica de Wordsworth, Coleridge, Blake, Keats, Shelley, entre outros, assim como alemã. Na altura, os dois ou três nomes norte-americanos que mais sentiram o seu efeito foram, sem dúvida, Ralph Waldo Emerson, em Nature (1836); Henry David Thoreau em Walden (1854) e Walt Whitman em muitos dos seus poemas em Leaves of Grass (1855).

A influência dos ideais revolucionários americanos de 1776 e franceses de 1789, ou seja, a Igualdade, a Liberdade e a Fraternidade- e a Revolução Industrial, deram origem ao romantismo em Inglaterra e um pouco por todo o Ocidente. Em Portugal, Almeida Garrett terá sido o escritor mais representativo deste período literário, nomeadamente as suas obras

Viagens na minha Terra (1846), Frei Luís de Sousa (1843) e Folhas Caídas (1853). Com a

revolução industrial, a Inglaterra assistiu ao nascimento de uma nova classe social, nomeadamente o proletariado, que ansiava por uma fonte de evasão para a realidade dura e rotineira que o país vivia.

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11 A literatura romântica inglesa vem então, atenuar essa ânsia através da influência dos ideais franceses que atribui certas caraterísticas à poesia no seu conteúdo e forma e através da desconstrução do paradigma neoclássico da época. Como personagens constituintes das narrativas e poemas, estão presentes pessoas comuns como é o caso, de camponeses, pessoas humildes, crianças como constatamos no poema «We Are Seven», ou até mesmo pessoas com algum tipo de deficiência como descrito em «The Idiot Boy», em Lyrical Ballads (1798) de Wordsworth e Coleridge. A estética romântica coloca no plano principal pessoas que até então, não tinham voz e representação na literatura, e permite a dissolução gradual da desigualdade social face ao privilégio e favoritismo de classes sociais (aristocracia e clero) que se sobrepunham a outras.

O romantismo desprende-se do racionalismo e das normas neoclássicas, ao procurar incessantemente a liberdade do ser humano, ao valorizar a experiência do indivíduo – sujeito «eu», refletindo sobre temas caraterísticos como a vida e a natureza, o pessimismo, o místico e os elementos mais marcantes desta época: a sobreposição da emoção e da imaginação sobre a razão e o nacionalismo.

Fig.2- Vapor numa Tempestade de Neve, William Turner, 1842

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12 Em 1776, é claramente evidente a força que a Declaração de Independência dos EUA exerceu nesta altura. Um pouco por todo o mundo ocidental, este documento libertador, promulgado a 4 de julho, foi visto como símbolo de inspiração para outros países, tais como a França em 1789, que se encontrava submetida a um regime de exploração, com uma sociedade extremamente hierarquizada, fortemente marcada pela desigualdade e injustiça sociais. Com a guerra da independência, que se seguiu à declaração do 4 de julho, somente passados sete anos a independência dos EUA foi, efetivamente, alcançada nos campos de batalha e reconhecida pela Inglaterra aquando da assinatura do Tratado de Paris. A Declaração de Independência dos EUA, de Jefferson, seu mentor principal e redator, é um documento que marcou a libertação do povo americano sob o jugo do antigo regime (George III de Inglaterra) e dos valores sociais da coroa britânica, que, como pais colonialista, via nos colonos ingleses na América do Norte um excelente alvo para lançar impostos e uma fonte de receita para financiar as suas guerras e sociedade. O manifesto assinado no congresso de Filadélfia, ratificado pelos representantes das treze colónias inglesas da América do Norte e da autoria de Thomas Jefferson, apela ao reconhecimento do direito de revolta contra a injustiça do governo, No seu preâmbulo, Jefferson escreve que

«That whenever any Form of Government becomes destructive of these ends, it is the Right of the People to alter or to abolish it, and to institute new Government, laying its foundation on such principles and organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their Safety and Happiness» (ll.11-15, Jefferson, Declaração de Independência EUA, 1776).

Fig. 3 Declaração Independência dos EUA, Thomas Jefferson, 1776

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Além do mais, muitos dos valores e das aspirações humanas plasmados nesta Declaração, de teor filosófico que inspirariam mais tarde, a 14 de julho de 1789 a Revolução Francesa, com o famoso episódio da Tomada da Bastilha. Diz-nos Jefferson, «We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness » (ll.1-3, Declaração da Independência dos EUA, 1776).

William Blake (1757-1827) associar-se-ia também a esta causa, a este fervor da mudança social e política, com a publicação America: A Prophecy (1793). Apelando à consciência social e à razão, este homem fortemente marcado pelo espírito do Iluminismo, associando-se ao grupo dos mais importantes escritores românticos da época. A disparidade entre o Iluminismo e o Romantismo foram para Blake uma fonte de inspiração em termos literários, devido aos ideais que o próprio escritor defendia,

«Se fôssemos resumir as relações entre o artista e a sociedade nesta época em uma só frase, poderíamos dizer que a Revolução Francesa inspirava-o com seu exemplo, que a revolução industrial com seu horror, enquanto a sociedade burguesa, que surgiu de ambas, transformava sua própria experiência e estilos de criação» (Xavier, José, p.298, 2019).

Com a criação de personagens míticas como Orc e Urizen, neste poema profético, são elas mesmo quem possui a energia necessária que poderia desencadear uma revolução por forma a destruir a tirania e razão.

Fig. 4 America: A Prophecy, William Blake, 1793

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14 Com os ventos deste espírito

revolucionário de 1776 vindos da América a soprarem pela França adentro em 1789, o movimento do Romantismo ganha cada vez mais forma. «The Spirit of the Age» tal como se designava este impulso revolucionário de mudança, incentiva ao desmantelamento da pirâmide social do ancien régime e a criação de melhores condições de vida para o povo oprimido. Com o aprofundamento desta filosofia, a luta contra a desigualdade social relativamente à classe do povo, nomeadamente os agricultores, os mineiros, as mulheres, as crianças e as pessoas portadoras de deficiência mostraram-se também determinantes, tornando-se uma caraterística própria do Romantismo. Os dois fundadores do movimento Romântico inglês, William Wordsworth (1757-1827) e Samuel Taylor Coleridge (1772-1834). aquando da publicação de Lyrical Ballads, em 1798, também comungavam destas preocupações.

Wordsworth e Coleridge, poetas que questionavam a sua própria sociedade, unem-se nesta obra pioneira, e sem dúvida, representativa das mudanças revolucionárias em curso, para se afastarem do modelo da poesia inglesa do século XVIII, ao abandonarem antigos padrões poéticos, como é o caso da transição da linguagem culta ou padrão para a linguagem comum, para que esta fosse acessível a qualquer pessoa, A este propósito, Robinson sublinha que «…Wordsworth’s poetic legacy is the permanent privileging of the lyric mode. Along with this result is his insistence on simpler, more conversational language—his banishment of ‘flowery’ diction» (Robinson, Daniel, p.1, 2010). A simplicidade da linguagem e o uso do verso livre transparecem na sua literatura através da leveza e da realidade da natureza e do quotidiano da província, que tanto influenciou, por exemplo, William Wordsworth, na sua infância e juventude em Inglaterra, e que permitiu intensificar os sentimentos e emoções na

Fig.5 Lyrical Ballads, William Wordsworth / Samuel Coleridge, 1798

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15 sua literatura. É como se de facto, se tratasse uma pretensão para que haja uma nova realidade que seja mais pura e simples, ou seja um retorno a uma sociedade não corrompida pela desigualdade e injustiça sociais.

Por outras palavras, a coletânea de poemas dos dois poetas evidencia uma caraterística que juntamente com a sobreposição da emoção relativa à razão, determina fortemente o romantismo inglês: a desigualdade de classes. Deste modo, as transformações sociais existentes e resultantes da revolução industrial, do êxodo rural, do capitalismo, e das condições precárias do proletariado tornaram-se matéria viva para o estudo e atenção dos românticos que retratavam sem acanhamento as emoções sociais, nas suas obras, inspirados nos ideais liberais da época.

A temática do contexto da desigualdade social é, por exemplo, evidente no poema «The Idiot Boy», também inserido em Lyrical Ballads. A simplicidade que gira em torno do poema é introduzida com o objetivo de envolver todos num único propósito, ou seja, William Wordsworth pretende neste poema destacar a nossa atenção e interesse pelo povo rural e humilde, no seu ambiente poético. A figura do filho deficiente Johnny é, portanto, o foco de preocupação e cuidados do enredo, pela própria condição que apresenta e o distingue de alguma maneira.

Da mesma forma que Wordsworth tenta eliminar a ornamentação na poesia através da narração, a linguagem e o vocabulário bucólico fortemente ligados à presença de animais e elementos naturais ( água, terra, céu), o autor também exprime neste poema, a vontade de transmitir uma mensagem ao leitor, tendo este uma importância considerável na escrita do autor, tal como afirma Robinson (2010, p.18) « For Wordsworth, passion in poetry is not merely the subject of a poem but also the means of its expression and its resultant effect… Wordsworth gave much thought to how he wanted his poetry to work on readers.» Assim, a mensagem deste poema implica que a inocência de Johnny seja ponderada pelo leitor, aquando do reencontro de Betty com o seu filho Johnny, onde a preocupação da mãe é reduzida a tranquilidade e alívio.

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16 O objetivo de Wordsworth é permitir ao leitor através desta comédia- trágica, recolocar conscientemente a figura do deficiente na sociedade, através da pureza e verdade que o rapaz transparece aquando do regresso a casa com a sua mãe Betty, ao relatar a sua viagem : « The cocks did crow to-whoo, to-whoo, And the sun did shine so cold. / Thus answered Johnny in his glory, And that was all his travel’s story.» (ll.450-453)

No seguimento da função de consciencialização da literatura romântica para com as desigualdades sociais patentes na sociedade, «The Little Black Boy» da autoria de William Blake, pertencente à coletânea de poemas Songs of Innocence datada de 1789, é portanto um exemplo concreto da função literária romântica- o herói completamente diferente das leis neoclássicas anteriores, que defende a liberdade e que se posiciona contra a opressão social, neste caso um «homem comum». Blake pretende com esta obra debruçar-se sobre este fragmento social em particular, ou seja, explorar o sofrimento das crianças pobres, órfãs, negras que têm como plano de fundo o quotidiano de uma cidade como Londres, onde os valores sociais e humanos foram desconstruídos e brutalmente afetados pela revolução industrial e consequentes transformações económico-sociais.

Fig. 6 The Little Black Boy, William Blake, 1789

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17 A obra de Nathaniel Hawthorne, The Scarlet

Letter, (1850) é uma obra que merece alguma

consideração de estudo pelo tema que o escritor traz para a obra, neste caso a posição da mulher na sociedade, através da personagem Hester e da sua filha

Pearl, fruto de um crime da época. Hawthorne ao

apresentar Hester Prynne, a personagem principal do romance, desenvolve um enredo que tem como base a psicologia humana explorando os sentimentos mais profundos do ser humano tais como: a ira, o desejo, a antagonismo virtude/ pecado, medo, ânsia. Estes valores morais estão patentes concretamente no puritanismo ou calvinismo, trazidos em 1620 pelos peregrinos/ colonizadores ingleses, dissidentes da Igreja Anglicana, e difundidos na América pelos líderes, tais como William Bradford, que liderou o primeiro grupo de puritanos no navio Mayflower,

que havia emigrado de Inglaterra e, mais tarde, por John Winthrop, entre outros Founding

Fathers.

Hester é presa por ter cometido adultério, o que, para os puritanos seguidores dos preceitos bíblicos, era considerado um crime por parte da sociedade puritana. A morte e o crime eram considerados como uma praga para a sociedade e, por isso mesmo, deveriam ser erradicados e prevenidos da forma mais efetiva da vida humana (Jacobson, K, 2001, p.7). Hester ao sair da prisão com a letra escarlate «A» (adúltera) bordada na sua vestimenta com cores garridas/ faustosas, que contrastavam com os ideais sóbrios dos puritanos, é encurralada pelos curiosos ou o público que assistiu ao seu julgamento e tenta camuflar a letra com o corpo da sua filha, Pearl, que segurava ao colo, o resultado do seu crime. Para Jacobson, a criança apresenta no romance um duplo significado, «While man has marked her with the heinous scarlet letter and separated her from all human sympathy, God has sent her a lovely child, who will connect Hester to humanity and will someday become a “blessed soul in heaven» (Jacobson, K. p.84).

Fig. 7 Scarlet Letter, Nathaniel Hawthorne, 1850

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18 Da mesma forma que alguns elementos simbólicos são escrutinados ao longo do romance como, por exemplo, a cor- o preto e o vermelho vs. as cores pálidas-, o campo imagético das flores e da natureza, a letra «A», a criança e o seu nome, assim como as questões morais também são sublinhadas com o objetivo de Hester entender o seu conformismo subjacente às normas patentes nesta sociedade. Ou seja, interpretar como a posição da mulher e da criança, neste caso Hester e Pearl, oprimidas pela sociedade, vigorava para além das convicções a que eram submetidas, tal como refere Jacobson (p.60) , quando afirma que o principal objetivo de Hawthorne relativamente à exposição deste crime era entender o impacto psicológico do adultério nas personagens envolvidas.

Por conseguinte, da nossa leitura das páginas deste romance, transparece um certo prazer cruel quanto à opressão que os puritanos impunham à mulher por esta não cumprir os padrões impostos pela sociedade, neste caso puritana, e, por isso mesmo, é imediatamente rotulada de adúltera e excomungada devido à criança bastarda resultante desse ato. A este propósito, Rowe (1988, pp.27-28) recorda-nos que o próprio autor utiliza os materiais históricos à sua disposição, o período colonial fortemente marcado pelo legado calvinista, e que estes transparecem no seu romance pela realidade da sua vida.

Contudo, é importante relembrar que esta obra é um exemplo significativo da preocupação já despontante na época relativamente ao papel da mulher na sociedade e ao seu tipo de julgamento. Como veremos mais à frente, a prevalência desta matéria é até aos dias de hoje, transmitida pelas tipologias literárias de género intimamente ligadas às editoras independentes, através da discussão e no acolhimento de personagens, relatos e autoras femininas, na atualidade. Além disso, memórias, histórias e relatos também são evidentes em temáticas ligadas à criança com problema mental, disfunção familiar, vítima de violência, discriminação social e educativa, etc.

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19 Note-se que, Portugal também não fica fora destes enquadramentos ideológicos, visto que estes se propagaram em todo o mundo em diferentes escalas e com diferentes consequências. O romantismo literário português despontou em Portugal, no século XIX, aquando dos cenários das guerras liberais versus absolutistas, agregado aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. O início do Romantismo em Portugal é marcado pela publicação do poema «Camões» de Almeida Garrett, em 1825, juntamente com o seu parceiro romântico, Alexandre Herculano. Os dois nomes fundadores do movimento romântico português no século XIX, carregaram consigo a esperança de alertar para uma atmosfera social que se tornava ameaçadora por falta de virtudes e conceitos desenquadrados, que efetivamente conduziriam o país a uma decadência vertiginosa que já era notória.

Viagens na minha Terra de Almeida Garrett, publicada em 1843, é o retrato do autor

relativamente à situação de Portugal no século XIX face a um país em ruínas e às questões emergentes do que o país havia sido, o que é e o que poderia ter sido.

De certo modo, é através da personagem-tipo que Garrett consegue descrever uma visão simbólica sobre a decadência do império português e alertar para a sua consciencialização. São personagem-tipo como Joaninha e D. Francisca que representam estereótipos sociais e psicológicos, tais como o padrão de Mulher-Anjo, através do qual Joaninha se destaca pela inocência e ingenuidade, ou seja, a típica heroína do Romantismo, contrastante com Hester, personagem de The Scarlet Letter. Assim como, D. Francisca pela imprudência representativa da decadência do país, ligada ao governo liberalista. Naturalmente, estas personagens e o próprio enredo da «A Menina dos Rouxinóis» representam a conformidade relativamente aos padrões sociais da época e a consequente deterioração dos valores sociais apregoados pelo materialismo e mediatismo. A crítica social de Viagens na Minha Terra prende-se à incapacidade de as personagens interpretarem o conceito de «certo» e «errado» nas suas ações e também de interiorizarem os valores sociais justos. Ainda que, a crítica social exposta nesta obra também assente na conveniências e atitudes interesseiras por parte das personagens-tipo, ao aproveitarem-se de um país em decadência e não fazerem nada para contornarem a situação.

Com efeito, o estado de inércia retratado na obra de Almeida Garrett por parte das personagens que representam um país, é um reflexo do comodismo social, do «politicamente

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20 correto», e do receio da simplificação de assuntos considerados tabu que enfrentamos em pleno século XXI. A consideração de um pensamento em massa que assenta em valores fixados e inalteráveis, onde existem indivíduos que aceitam, outros veem oportunidades, e outros se destacam pela diferença como o caso das pequenas editoras independentes.

Voltando novamente à realidade norte-americana relativamente a estas questões, embora com uma essência idêntica mas com contornos diferentes, em 1830 surgiu, então, o movimento chamado The American Renaissance, cujo propósito era os artistas da época se debruçarem totalmente sobre este novo país emergente, em 1776, aquando da promulgação da sua independência a 4 de julho, mas ainda culturalmente dependente (em 1830/40) da Europa (Grã-Bretanha), como relembra Ralph Waldo Emerson no seu ensaio, The American

Scholar (1837). Doravante, estes intelectuais tinham como missão incorporarem, sempre que

possível, na literatura americana a expressão do espírito da nação, a sua identidade, a coletividade e união, à medida que este povo independente caminhava a largos passos em direção à Guerra Civil (1861-1865) devido à escravatura e à ameaça dos esclavagistas sulistas em desagregarem a nação. A construção desta nova nação necessitava, em suma, urgentemente de consolidar a sua identidade, embora tenha atravessado um período tumultuoso durante este conflito interno.

Relativamente à influência do movimento do Romantismo na Europa e como este se estendeu à América do Norte, Lawrence Buell aponta para algumas diferenças na forma como este foi recebido por alguns escritores norte-americanos. Muito genericamente, afirma que : «New England romantics were, like their British precursors but even more so, uncomfortable about maintaining fixed moral positions and intellectual skills, even as they seemed to feel impelled to take fixed positions» (1986, p.72). Por outras palavras, a influência do romantismo europeu foi inevitável para o surgimento do renascimento americano e Transcendentalismo. Deste modo, prevaleceram caraterísticas comuns a ambos os movimentos, tais como, a intensidade das emoções, o individualismo, e a natureza como forma de conhecimento. Contudo, os poetas americanos focaram-se na parte humanística do Romantismo, destacando a desconexão entre Deus e o universo, e adaptando-a para a relação pessoal do homem com Deus, diretamente. Assim, é possível explicar o anseio pela liberdade de expressão individual na literatura americana, em contraste com a rejeição pela tradição,

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21 costumes e imposições religiosas restritas tais como, a fuga ao calvinismo e à predestinação de Deus. Segundo Buell (1986, p.86), o romantismo na América foi adaptado de forma ímpar em comparação ao romantismo europeu. Através do destaque da natureza e espontaneidade que a acompanha, a literatura americana criou uma identidade literária própria do New World contrastante com os códigos e etiquetas de sociedade- comportamentos sociais predefinidos, virtudes e prazeres da sociedade europeia em decadência, Old World, tal como Buell nos diz: «Romanticism valued individuality of style, the development of an individual voice as opposed to adherence to established standards of taste, and therefore appealed to American antiauthoritarianism» (Buell, 1986, p. 86).

Um dos primeiros romancistas desta altura a responder ao apelo Emersoniano no âmbito do espírito do renascimento americano foi, sem dúvida, Washington Irving. A sua contribuição para a cultura e literatura desta nação emergente, focou-se, sobretudo, em alguns aspetos do legado trazido pelos emigrantes holandeses (a sua fixação, as lendas, etc.) em determinadas regiões do Estado de Nova Iorque, sobretudo em alguns dos seus contos clássicos tais como «Rip Van Winkle» e «The Legend of Sleepy Hollow». Foram alguns dos poetas desta época que, todavia, deram o seu cunho pessoal ao movimento do Transcendentalismo norte-americano, nomeadamente Henry Wadsworth Longfellow, Oliver Wendell Holmes e James Russell Lowell, Edgar Allan Poe, Emily Dickinson e Walt Whitman, embora alguns romancistas da época também o tenham feito, tais como Herman Melville e a atividade baleeira em Massachusetts (Moby-Dick), James Fenimore Cooper e o Oeste (The Prairie, etc.).

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22 1.4

O Reflexo do Legado na Edição Independente

Os transcendentalistas como Ralph Waldo Emerson, Henry David Thoreau, Amos Bronson Alcott, Margaret Fuller, entre outros, pertenceram a uma escola que pretendia revitalizar uma nova nação baseada nos elementos nativos da América. Para alguns dos poetas românticos tais como Wordsworth em The Prelude, o contacto com a natureza era, por um lado, um local de aprendizagem, de crescimento individual assim como da imaginação humana, mas, por outro lado, uma forma de se poder sentir a presença de Deus. O ensaio Nature, de Emerson mostra-nos como o ser humano poderia transcender até ao infinito. A exploração da natureza e da espiritualidade que advinha dessa mesma ligação, muito privilegiada e exaltada na literatura dos escritores transcendentalistas, permitia que se entendesse a construção identitária americana assente nas figuras do homem , Deus e o universo, assim como as suas experiências internas e pessoais, tal como refere Jay Parini (1993) « …the prospect of individual and social transformation owing to the divinity they saw inherent in or directly accessible to human nature» (P. 97).

Do mesmo modo que, os românticos criaram uma forma poética própria e adaptaram a poesia a uma nova linguagem, os transcendentalistas também fizeram uma aposta semelhante, sobretudo no uso do verso livre, algo que a Beat Generation também apropriaria, como refere Parini (1993) quando afirma que a poesia beat era uma matéria híbrida pela simultaneidade do género lírico tradicional curto e género médio narrativo (p. 101). A forma literária caraterística da geração beat é determinada pela falta propositada de regras estruturais, resultante no verso livre e rítmico, a falta intencional de pontuação e de parágrafos, pela linguagem simples, informal, uso de gíria e coloquial, produto do processo de criação frenético e impulsivo dos escritores. Tal como Küffner (2009) afirma Ginsberg utilizou o verso livre e o uso de vocabulário obsceno com o intuito de expressar os seus sentimentos e confusão política e social, de modo a agitar mentalidades e provocar algum tipo de desenvolvimento na sociedade.

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23 As transformações da linguagem, dos níveis de escrita e de novas tipologias foram-se tecendo ao longo destas gerações que foram-se influenciaram mutuamente. Com efeito, é visível marcas literárias e de pensamento transcendentalista na literatura Beat, e subsequentemente, da literatura Beat na edição independente. É o caso de

On the Road (1957) de Jack Kerouac que apresenta

marcas caraterísticas da procura do «Eu» através da experiência, como pensamento desenvolvido em

Nature (1836) e «Self-Reliance» (1841) de Emerson.

Talvez essa procura anteriormente evidenciada por Emerson, se baseie na sensação de regresso à origem- natureza ou na interpretação de uma liberdade e curiosidade perdidas em algum momento ou ainda possíveis de alcançar. Esse processo de introspeção é evidente na visão de Wordsworth, nomeadamente em

The Prelude (1850), ao recuar nas suas memórias.

Certamente, esta busca incessante pela consciência e clareza do «eu», proporcionou ao autor a sua própria maturação que se reflete no processo de escrita. Visto que, segundo Emerson e Wordsworth, aliam a experiência pessoal à construção do indivíduo e da criação, a obra resultante desse mesmo processo de

maturação nascerá de uma forma diferente e única. Pela mesma razão, se explica o autor independente no presente, e a respetiva seleção por parte das editoras independentes pequenas, pela unicidade que esses autores apresentam e o respetivo processo de maturação que desenvolvem dentro dessa mesmo editora, durante o seu percurso. A urgência na produção de conteúdo inovador e diferenciador é uma necessidade recorrente dos tempos com o intuito de quebrar a monotonia, a estagnação do conhecimento e cultura e consequentemente, a cópia em massa dos conteúdos. Esta mesma necessidade já era patente na época de Emerson aquando do discurso de American Scholar (1837), em Cambridge, Massachusetts. O orador alerta para a necessidade premente de educar as mentalidades jovens para a genuína identidade da literatura americana. Para isso, tem de se educar e formar o homem pensador ou «the thinking man», para que este assuma a responsabilidade

Fig. 8 On the Road, Jack Kerouac,

Viking Press, 1957

(38)

24 de criar uma identidade nacional, própria e distinta, e se possa desapegar dos modelos europeus. Da mesma forma, Allen Ginsberg pretendeu com «Howl» (1956), uma produção de conteúdo transformadora face ao conteúdo massificado produzido por uma América capitalista desprovida de valores igualitários e justos. O retrato de sentido de mudança política, social e cultural que se sentiu na produção literária da geração beat, fez-se a partir da inclusão, sem exceção, desde a abordagem de todos os temas possíveis, incluindo os considerados tabu, até às personagens mais desprezadas pela literatura elitista e de propaganda da época (Guerra Fria,1945-1991). Leaves of Grass, de Walt Whitman (1855) exerceu uma grande importância e força na aspiração de mudança por parte da geração Beat, em termos de despertar consciências com a sua literatura, nomeadamente com ênfase em poemas de Whitman, «Great are the Myths» e «Pioneers, oh Pioneers», o que remete às tipologias que perduram até hoje, como crónicas, críticas e discussões, ensaios teóricos. E os poemas homoeróticos em «Calamus», de Walt Whitman, onde celebra o corpo, a sexualidade, o desejo homoerótico, numa América Vitoriana, assim como os poemas em «Children of Adam», onde celebra o amor heterossexual, o corpo, as sensações, a nudez, etc. É, através das temáticas tão liberais, que Whitman aborda na sua escrita, que Ginsberg e os Beat (Kerouac, etc.) se inspiram. A naturalidade da escrita, a clareza de pensamento e a quebra de tabu influenciada pelo legado Whitmaniano permitiu à geração Beat a continuação de temas subversivos e conteúdo à margem da sociedade através de valores como, a liberdade, a naturalidade, a experiência. Como se pode ver, a inspiração de Walt Whitman na geração Beat é, indubitavelmente, evidente em «Supermarket in California». Neste poema, Ginsberg procura a companhia e salvação em Whitman afirmando mesmo, «Are you my Angel?» (Ginsberg. A, 1984, p.136), e refletindo sobre o facto de se sentir absurdo por tocar em Leaves of Grass e sonhar acordado sobre uma possível /impossível odisseia com Whitman. Ginsberg reflete sobre a América em ruína da sua época, e invoca Whitman, a sua inspiração, «dear father, graybeard, lonely old courage-teacher» (p.136) para que o possa elucidar acerca de onde está a «América Perdida».

Resumidamente, da ideia de uma produção única e independente e consequentemente, «fora da caixa», ou por outras palavras, no sentido de mudança relativamente ao padrão, surge um modelo de escrita ou linguagem diferente e uma abordagem de tipologias ímpares.

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25 Temáticas pioneiras que se mantém até o presente, e que influenciam tipologias de não-ficção das editoras pequenas e independentes, prendem-se pelo contraste que assumem, como foi no caso da geração beat. O interesse pela inclusão, como referido anteriormente, fortemente influenciado por «Song of Myself» de Walt Whitman e «Songs of Innocence and Experience» de William Blake, permitiram um censo de liberdade e acesso na literatura tanto em termos de oportunidades de entrada para a literatura até então elitista, quanto em termos de reconhecimento de outras personagens. A luta recorrente pela igualdade social e de género, da identidade americana e democracia apelava ao sentido de aceitação universal de todos e de tudo, pela imagem do «homem comum». Do mesmo modo que a validação de autores e temáticas se enquadra na estratégia editorial das pequenas editoras, pela liberdade e aceitação de conteúdo diferente, sem discriminação.

Assim, temas como a luta contra a desigualdade social, de género e a tentativa da quebra de tabus relacionados com a homossexualidade, doença mental e até mesmo a descodificação da nudez e sexo foram continuamente desenvolvidos pela geração Beat, fortemente influenciados por Walt Whitman, como é o caso de «Howl» (1956) de Allen Ginsberg e The Naked Lunch (1959) de William Burroughs. Portanto, são em poemas de Ginsberg, como «Howl » que encontramos um paralelo com «Song of Myself» de Whitman na inclusão social de todo o indivíduo sem exceção, ou em «Children of Adam», «Spontaneous Me» e «Calamus» na tentativa de normalização de tabus relativos ao entendimento da natureza carnal do ser humano, e da escolha relacional e emocional em forma tanto heterossexual mas também homossexual. E, ainda, na publicação mediática de

The Naked Lunch, de William Burroughs, face à continua liberação de temas homossexuais

e matérias obscenas, dependência e problemas mentais, resultante numa resistência literária.

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26 Na verdade, é possível encontrar nos catálogos editoriais das editoras independentes atuais, temas ligados à homoerótica, à sexualidade, a homossexualidade, LGBT, à doença mental, à dependência, que ainda permanecem como assuntos sensíveis e de consequente quebra de tabu na sociedade, onde brotam autores cientes destas questões intemporais. Da mesma forma, as questões de género também apresentam um relevo importante nos catálogos editoriais atuais, por um lado por parte de escritoras do sexo feminino, e por outro lado, pela relevância que as questões relativas ao papel da mulher têm vindo a ser alteradas e consideradas na sociedade. Desde a clausura pela condição biológica feminina em épocas como se reportam The Scarlet Letter, de Nathaniel Hawthorne, até à gradual abertura do universo feminino quer relativamente ao conhecimento do seu próprio corpo quer à posição que destaca na sociedade, tem-se assistido a uma gradual aceitação da escrita feminina e tipologia feminina e de género, em termos sociais e literários. Memoirs of a Beatnik (1969), de Diane di Prima, é um exemplo de relatos vividos por esta escritora Beat, que enfrentou as consequências de ser diferente, tal como acontece no presente ainda com muitas autoras e ativistas feministas serem alvo de críticas pela audácia das temáticas que abordam como forma de quererem passar informação e consciencialização.

É na base destes temas e formas de escrita inovadoras experienciados por gerações anteriores, que a edição independente se sustenta. A manutenção de questões intemporais e

Fig. 9 Naked Lunch, William Burroughs, Grove Press, 1962

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27 evolutivas, permanece nos catálogos editoriais das pequenas editoras como opção da literatura de não ficção, abordando matérias de consciencialização, de cariz cultural e moral. A reedição de clássicos que marcaram épocas permite que o leitor entenda que não está tão distante desses assuntos como parece, e a abordagem imaginativa e comparativa com o presente, mantendo essas temáticas vivas. A perceção de autores que produzem através dessas temáticas vivas e em constante evolução, novas perspetivas e adaptações oferece às pequenas editoras independentes uma vantagem nos conteúdos únicos e de qualidade que produzem, para o nicho específico que pretendem consolidar.

Assim, no seguimento do estudo desta dissertação, é importante frisar a importância do fenómeno literário-cultural que acompanhou a geração Beat. É, portanto, através desta geração que compendiou a informação proveniente do Transcendalismo, que é possível destacar pontos coincidentes com a edição independente do presente, como referido no parágrafo anterior, e analisar também, como a edição independente adapta essa influência na literatura e edição do século XXI.

(42)

28

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29 2.1.1 O Contributo da Beat Generation na Revolução Literária e na Mudança

de Mentalidades a nível das classes sociais e das questões de género

No seguimento do capítulo anterior relativo aos antecedentes da edição independente, este capítulo pretende abordar o papel e impacto da geração Beat, que muito significativamente apresentam traços comuns à edição independente atual. A voz ativa da geração Beat pronunciou-se através da cedência de oportunidades literário-editoriais a classes sociais e géneros até à altura discriminados e omitidos. A luta pela expressão livre e contra a «censura» editorial de uma América conservadora e burguesa resultou, então, no surgimento de novas temáticas, diferentes artistas e na abordagem gradual de assuntos considerados tabu, formando-se assim uma resistência literária e editorial.

Como referido anteriormente, a Beat Generation é uma geração que remonta à América do pós-guerra (1939-1945). Nesta época, o país testemunhou um período de prosperidade derivado das novas invenções e ao avanço no setor dos transportes, especificamente o carro, enquanto no setor da tecnologia, por exemplo, surgiram a televisão, o frigorífico, etc. A América assistiu a uma grande afluência ao automóvel por parte da população, sobretudo nas deslocações para as zonas suburbanas, onde vivia a classe média branca, causando uma transformação na vida dos cidadãos, que se deslocavam dos subúrbios para as cidades e vice-versa.

Foi durante o período da Guerra Fria que se deu a maturação da geração Beat, mais concretamente entre 1974 e 1991. A explosão demográfica entre 1945-1961 denominada de

Babyboom, traduziu-se por um aumento significativo da taxa de natalidade americana no

pós-guerra, fruto do regresso dos soldados sobreviventes, e que originou numa camada de consumidores jovens com audácia de saber, ter e experimentar tudo. Uma parte desta geração recusou a conformidade de uma sociedade assente no materialismo, numa vida rotineira, regrada, pondo em causa muitos dos seus valores éticos e modo de vida, sobretudo os dos seus pais. O resultado mais evidente foi a criação da sua própria opinião e perspetiva sobre

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30 determinadas matérias, regras e comportamentos sociais. Em contrapartida, estes jovens foram mal interpretados quanto aos seus propósitos, inclusive apelidados de antipatriotas ou apoiantes de atitudes e comportamentos antigovernamentais. Isto foi sobretudo numa altura em que se faziam esforços para demonstrar o poderio governamental americano, através da superioridade nacional, face à União Soviética e os seus apoiantes. Alguns membros desta geração foram interpelados e investigados por organizações tais como a beatnik ou

anti-communist, nomeadamente a HUAC- House of Un-American Activities Commission.

A literatura Beat foi indubitavelmente influenciada por duas componentes artísticas em voga nos anos de 1940, designadamente o Expressionismo Abstrato e o Bebop, uma corrente do Jazz, com origem no Swing. A corrente literária desenvolvida pela Beat

Generation assume então, caraterísticas comuns a estes dois movimentos culturais em franca

ascensão, nesta época, tanto em termos estruturais, como ideológicos. Com o intuito de romper com a corrente estética académica em voga em meados do século XX, nomeadamente o Impressionismo, o Expressionismo abstrato (1950) concentrou-se nos sentimentos e emoções, e resulta da experiência pessoal do artista, na busca de algo novo (Manifesto Expressionista, 1918, Kasimir Edschmid). Na base deste movimento artístico está a introspeção e a imersão na identidade do próprio indivíduo, através da relação das cores e manchas na pintura, e das palavras e sentidos na literatura. O movimento ganhou maior relevo em Nova Iorque e, por isso mesmo, amizades com a geração Beat surgem, muito próximas com os seguintes artistas expressionistas: Jack Pollock, Mark Rothko, Barnett Newman, etc. Estes artistas qualificam cada criação artística como um elemento único, completamente distinto, demarcando-se do conceito de mundo massificado e homogéneo. A visão da geração Beat assemelha-se muito à interpretação de objeto único pela criação de uma obra literária que transcenda o mundo obsessivo-compulsivo em que viviam.

Nos subúrbios de Nova Iorque, nasce em 1940 uma das correntes mais influentes do Jazz, o Bebop, que atingiu a época dourada em 1950/1960. Charlie Parker e Dizzy Gillespie, fundadores do movimento, mantinham relações de amizade com Kerouac e Ginsberg, tendo, por sua vez, influenciado bastante a sua literatura. Estruturas textuais caraterizadas por frases intermináveis, que na vocalização dos poemas ou excertos prosaicos se transformam em frases esbaforidas, parágrafos desmedidamente longos como, por exemplo, em On the Road, escrito num único parágrafo, são elementos reflexivos do Bebop. Jack Kerouac designou este mesmo método de escrita como Spontaneous Prose, cujo uso claramente melhor explicita no

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31 seu ensaio Essentials of Spontaneous Prose. Kerouac acredita e produz uma forma de escrita marcada pela liberdade e intensidade sem obstáculos de estrutura ou pontuação, onde o escritor recorre ao subconsciente e à verdade em si, sem que, por exemplo, o ritmo natural do pensamento seja quebrado com vírgulas ou pontos e vírgulas. Segundo Christopher Gair (2008), a narrativa de Kerouac é descodificada através de três parâmetros-chave que dão origem ao que intitulou de Spontaneous Prose: o transcendentalismo, quando afirma que 1) «Walt Whitman’s calls to write freely from and about the self»; 2) o ritmo Bebop, «in which improvisation draws the musicians further and further away from the original object or melody in a process of individual and collective self-discovery» e 3) o fluxo de consciência moderna, «or trance writing techniques of Gertrude Stein and (explicitly in Kerouac’s essay) William Carlos Williams and W.B. Yeats» (p.98).

Quanto à função literária da literatura Beat, esta também assumiu para além do não conformismo de uma geração descontente, caraterísticas intrínsecas ligadas à luta contra a disparidade das desigualdades sociais e de género e consequente chamada de atenção através da inserção destas questões na literatura. Os escritores Beat frequentavam os clubes e sítios

underground, o que lhes permitia adquirir hábitos e travar o conhecimento de pessoas durante

a frequência destes sítios. Segundo Gair, a cultura afro-americana era vista como algo exótico, diferente do normal ou conformado, que trazia com as suas tradições e ritmos irreverência, sobretudo quando afirma que : «white fantasy of a black self . . . Kerouac uses jazz not only for its ideal of improvisation but also for its status as a music and subculture that is outside what is traditional and accepted» (Christopher, Gair. pp. 95/96). Segundo Leroi Jones, em Blues People (1963), a relação mútua entre dar e receber entre as diversas formas de arte na época é como se de uma cross-fertilization se tratasse.

Relativamente ao papel da mulher na sociedade entre os anos 40 e 50, este demonstra-se demonstra-sensível e estagnado pelas imposições e estatutos sociais determinantes da época. No decorrer da segunda guerra mundial, as mulheres e outras «minorias» étnicas ocuparam trabalhos desempenhados pelos homens, sobretudo na atividade fabril. O facto de as mulheres saírem de casa e de se libertarem das ocupações domésticas possibilitou a sua autonomia económica relativamente ao seu próprio sustento, rotina e utilidade. A autoestima, a realização pessoal destas mulheres, assim como a busca incessante pelos seus direitos-cívicos mostrou-se proeminente desde o fim da segunda guerra mundial até sensivelmente

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