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3 Rastros da Ascensão Internacional da Humano-idade (e da Queda do Anjo Soberano)

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3

Rastros da Ascensão Internacional da “Humano-idade”

(e da Queda do “Anjo” Soberano)

3.1 Introdução. 3.2 Regras Fundamentais da Ordem Político-Jurídica Internacional. 3.3 Rastros da Ascensão Internacional da “Humano-idade” (e da Queda do “Anjo” Soberano). 3.4 Conclusão.

3.1

Introdução

Most recently, we have seen the double attempt to give (highly selective) priority to supposedly international (usually understood as humanitarian or simply universal) values over the principle of nonintervention and the related attempt to

frame various peoples as barbarians, as both beyond the limits of the modern/international (the figure of the Islamic Terrorist)

and beyond the limits of acceptable behaviour on the part of a

sovereign state (the figure of Saddam Hussein as murderous

tyrant)

R. B. J. Walker, “International, Imperial, Exceptional”, p.10

Em seu “International, Imperial, Exceptional”, R. B. J. Walker destaca a singularidade e contínua importância do internacional na ordem política contemporânea. Escrevendo no contexto pós 11 de setembro de 2001, da guerra contra o terrorismo, Walker se opõe tanto a certas (re)leituras “liberais cosmopolitas” quanto a certas (re)leituras estritamente “neoimperialistas” ou “neoexcepcionalistas” da ordem política mundial.

Contra aqueles que pressuporiam ou romanticamente advogariam um ideal regulativo democrático e global – de acordo com o qual um direito universal ou

“direito da humanidade”757

representaria um “fim da história” indiscutivelmente ético e humanitário, mas, também, contra os “críticos” deste discurso liberal cosmopolita que pressuporiam um “império global” ou um “estado de exceção global”, e, assim, naturalizariam uma outra forma (neoimperialista ou neoexcepcionalista) de “cosmopolitismo”–, Walker enfatiza a complexidade do sistema internacional moderno, argumentando que em qualquer (re)leitura ou (re)entendimento da ordem mundial contemporânea dever-se-ia (re)considerar também os legados, ou amarras, bem como as aporias, deste mundo “internacional moderno”.

757 Nesse sentido, ver, por exemplo, TEITEL, R. (2002), “Humanity‟s Law: Rule of Law for the

New Global Politics”. Cornell International Law Journal, Op. cit.

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Para ele, esses dois tipos de discursos envolveriam alguma forma de escapismo ou tentativa de transcendência do complexo, e aporético, sistema internacional moderno. Grosso modo, tais discursos idealizariam um movimento “mágico” de um ponto “aqui/agora” para outro “lá/então”, ou seja, do sistema internacional moderno para o global pós-moderno, “liberal-democrático” ou “imperialista-excepcional”. Assim, tais estudos pressuporiam ou naturalizariam um “espaço-tempo” totalmente outro, espacialmente diferente das e temporalmente posterior às políticas e estruturas do moderno sistema de Estados soberanos.

De certo modo, tratar-se-ia do problema do ponto de partida758; ou seja, o

problema de não considerar como as fundações internacionais – já e ainda – fazem ou devem fazer parte do ponto de partida de qualquer análise do contexto político mundial contemporâneo, seja ele caracterizado como transnacional, global, cosmopolita, liberal-democrático, excepcionalista ou imperial.

Ademais, em não considerando o particularismo do moderno sistema de Estados soberanos, tais análises acabariam, por exemplo, reforçando a própria estrutura dualista que é a condição de possibilidade do ponto em relação ao qual se pretenderia escapar. Dessa forma, além de despolitizar ou simplesmente não considerar a complexidade do “mundo” internacional moderno, tais discursos acabariam assumindo ou idealizando um movimento (do supostamente particular para o supostamente universal) que reforçaria o imaginário político – dicotômico

– tradicional759

.

Walker enfatiza a necessidade de se considerar o “internacional moderno”, pelo menos, como parte substancial do ponto de partida de qualquer análise do complexo e aporético mundo político contemporâneo. Contudo, isso não significa que a ordem política mundial se resuma ao sistema internacional moderno, mas sim que é preciso considerá-lo politicamente de maneira muito mais séria, uma vez que ele já ainda condiciona e molda a vida política moderna, por exemplo,

por meio dos dualismos dentro/fora, soberania/anarquia,

Estado-Nação/internacional, e homem/cidadão.

758

“In an old joke, lately invoking the perverse wisdom of some archetypal pre-modern Celt, a request for directions to get „there‟ inspires advice about the inadvisability of starting from „here‟.” WALKER, R. B. J. Inside/outside. Op. cit., p.ix.

759 Nesse sentido, ver: WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit.; e

WALKER, R. B. J. Inside/outside, Op. cit.

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E de acordo com Walker, parte do que está em jogo no moderno sistema de Estados é saber se a última fonte de autoridade política reside nas reivindicações soberanas de algum Estado particular ou se ela reside na autoridade ou

“soberania” do sistema que torna a suprema autoridade do Estado possível760

. Nesse sentido, Walker destaca:

Clearly, the international system does not have a sovereign in the sense we understand in relation to the singular modern state. Nevertheless, any account of sovereignty that restricts itself to the claims of the modern state has no chance of any analytical let alone critical purchase on what it has meant to invoke a claim to sovereignty in modern political life, in principle or in practice. Among many lines of analysis that need to be taken up so as to make sense of how the sovereignty of modern states works as a very specific enactment of the origins/grounds and limits of political possibility/impossibility, it is necessary to come to terms with certain “rules” of international order that are widely taken to be sacrosanct, that must be accepted by all states as the condition of possibility of any specific claim to state sovereignty, though there is no doubt enormous room for dispute about whether these conditions of possibility are to be understood in terms of logical principle or empirical history. Four such rules of what we have come to call the international seem to be crucial, and may be read both in relation to the textual expressions of foundation and delimitation identified in relation to the Treaty of Westphalia in the mid-seventeenth century and to the Charter of the United Nations in the mid-twentieth century […]761

Portanto, para entender e analisar criticamente a ordem política mundial contemporânea seria preciso entender e analisar criticamente o sistema internacional moderno, e, assim, o problema irresolúvel da fundação da soberania, ou seja, da “fonte última de autoridade política”.

Assim, seria preciso atentar para a tensão – ou aporia – entre a tradicional soberania do Estado e a menos conhecida ou incomum soberania do moderno sistema de Estados soberanos, o que, por sua vez, significaria considerar “certas „regras‟ da ordem internacional que são amplamente tomadas como sacrossantas”:

760 WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit., p.6-7.

761 WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit., p.7. Cumpre destacar aqui

os comentários feitos por Walker na nota de rodapé que encerra este parágrafo: “The following comments intentionally work both with and against a broad range of political and legal traditions

seeking to resist the „state-centric‟ accounts of international relations, especially as these traditions have come to be represented in texts like Hedley Bull, The Anarchical Society (London:

Macmillan, 1977).” WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit., nota de rodapé n.6, p.7. (Ênfases acrescidas). Tais comentários são importantes porque se referem à relação entre essas quatro regras destacadas (e em seguida comentadas) por Walker e a forma como certas tradições político-jurídicas são representadas em textos como The Anarchical Society, de Hedley Bull. O enfoque especial dado a este texto de Bull na próxima parte deste Capítulo justifica-se por isso, por tal relação.

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“Rule one: no empire”; “Rule two: no religious wars”; “Rule three: keep political life inside”; e “Rule four: no „barbarians‟ or non-moderns”762.

Segundo Walker, a primeira regra (“no empire”) envolveria a proibição da hierarquia político-teológica do “um”, ou seja, de um ponto metafísico transcendental. Ela seria a regra constitucional de imanência, ou secularidade, concebida em oposição a e como uma ruptura com a ordem hierárquico-teológica medieval. Ela proibiria a existência de um império, no singular.

De acordo com seus corolários, hegemonia seria tolerável; grandes potências, também; mas império, no singular, não. Assim, mesmo que condescendente em relação a certos níveis de hierarquização, tal regra estabeleceria uma estrutura relacional horizontal, proibindo, portanto, uma

verticalidade completa e absoluta763.

A segunda regra (“no religious wars”), historicamente relacionada à primeira, proibiria o retorno de guerras religiosas, ou guerras totais, que enfraqueceriam as bases (supostamente) seculares da ordem internacional moderna. Ademais, o retorno de uma concepção de guerra baseada na teologia ou na moralidade, e, assim, estruturada por dualismos como bem/mal e justo/injusto, seria fundamentalmente irreconciliável com a estrutura secular e horizontal das relações entre Estados soberanos formalmente iguais e autônomos.

Contudo, da mesma forma como a primeira regra viveria à sombra do império (possivelmente rearticulado no contexto contemporâneo em nome de valores e moralismos universais, como, por exemplo, o “humanitarismo” ou os “direitos humanos”), esta segunda regra também viveria à sombra da

“criminalização da guerra”764

, da fundação transcendental ou político-teológica765

dos conflitos, e, assim, da estrutura “pré-moderna” (ou “pós-moderna”766

) de

guerra justa767.

762 WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit., p.6-12. 763

WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit., p.7.

764 Nesse sentido, como destacou-se anteriormente, ver: SCHMITT, Carl. The Nomos of The

Earth, Op. cit.

765 Nesse sentido, Carl Schmitt famosamente destacou: “All significant concepts of modern theory

of the state are secularized theological concepts […]”. SCHMITT, Carl. Political Theology. Op. cit., p. 36. (Ademais, vale destacar também a seguinte afirmação de Schmitt, nesta mesma página: “The exception in jurisprudence is analogous to the miracle in theology”).

766 Nesse sentido, ver as recentes discussões de Costas Douzinas sobre “guerras justas

pós-modernas”, em: DOUZINAS, Costas. Human Rights and Empire. Op. cit.

767

WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit., p.8-9.

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A terceira regra (“keep political life inside”) trataria do lugar próprio da vida política, e, assim, dos indivíduos modernos: o “espaço-tempo” dentro do Estado soberano. Esta regra, de acordo com Walker, teria sido expressa no artigo 2º(7) da Carta da ONU, o qual reafirma o caráter (quase) sacrossanto da jurisdição

doméstica do Estado soberano768.

Os corolários desta regra envolveriam as normas ou ideias (ou ideais) de “jurisdição doméstica” e “não intervenção”, e, assim, a imaginação político-jurídica de uma rígida e impermeável fronteira que delimita e separa uma “internalidade” soberana de uma “externalidade” anárquica. Nesses termos, a vida política própria aconteceria exclusivamente dentro do estado; fora, haveria apenas

relações entre Estados soberanos769.

Finalmente, a quarta regra (“no „barbarians‟ or non-moderns”) proibiria a presença de “bárbaros” ou “não modernos” dentro do sistema internacional moderno770. De um lado, ela ditaria as condições de admissão, ou seja, os termos que regulariam o processo de inclusão de diferenças e alteridades neste mundo

internacional771. De outro, ela estabeleceria os termos para a expulsão daqueles

que já se encontrassem dentro desta ordem772, bem como para a discriminação e

não inclusão daqueles outros “além dos limites” ou fronteiras deste mundo

particular773.

768 “Article 2. The Organization and its Members, in pursuit of the Purposes stated in Article 1,

shall act in accordance with the following Principles. 7. Nothing contained in the present Charter

shall authorize the United Nations to intervene in matters which are essentially within the domestic jurisdiction of any state or shall require the Members to submit such matters to

settlement under the present Charter […]” UN Charter. Disponível em: (http://www.un.org/en/documents/charter/), acesso em 01 de outubro de 2009. Tal regra é “quase suprema” por causa da “exceção” que conclui o parágrafo: “[…] but this principle shall not prejudice the application of enforcement measures under Chapter VII”. (Ênfases acrescidas). A meu ver, é exatamente para esta relação paradoxal, excepcional, que Walker está apontando. Daí, seu interesse em ambos, Hans Kelsen e Carl Schmitt (e/ou Kant e Hobbes). Nesse sentido, ver: WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit., p.7; e também WALKER, R. B. J. After the Globe, Before the World. Op. cit..

769 Nesse sentido, ver: WALKER, R. B. J. Inside/outside, Op. cit.

770 WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit., p.9-10. 771

Nesse sentido, ver: WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit. Ver também: WALKER, R. B. J. After the Globe, Before the World. Op. cit.; WALKER, R. B. J. “The Doubled Outsides of the Modern International”. . Op. cit.; e WALKER, R. B. J. One World, Many Worlds. Op. cit.

772 WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”, Op. cit., p.9. 773

Nesse sentido, ver principalmente: WALKER, R. B. J. One World, Many Worlds, Op. cit.; WALKER, R. B. J. After the Globe, Before the World. Op. cit.; WALKER, R. B. J. “The Doubled Outsides of the Modern International”, Op. cit.; e WALKER, R. B. J. “Conclusion: Sovereignties, Exceptions, Worlds”. In Jenny Edkins, Veronique Pin-Fat and Michael J. Shapiro. Sovereign Lives. Op. cit.

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É nesse contexto, então, comentando esta quarta regra da ordem internacional moderna, que Walker faz as observações que são tomadas neste capítulo como epígrafe. Note-se, portanto, que os comentários da epígrafe são relacionados a fundações e limites político-normativos do moderno sistema – soberano – de Estados soberanos. E nesse sentido, é importante destacar três aspectos desta passagem.

Primeiro, cumpre destacar a estrutura relacional entre, de um lado, a tentativa de “dar prioridade (altamente seletiva) a valores supostamente internacionais (normalmente entendidos como humanitários ou simplesmente universais) sobre o princípio de não intervenção” e, de outro lado, a tentativa de “enquadrar certos povos como bárbaros”, ou seja, tanto como “além dos limites do moderno/internacional (a figura do terrorista islâmico)” quanto como “além dos limites do comportamento aceitável por parte de um Estado soberano (a figura de Saddam Hussein como tirano assassino)”.

Segundo, e como se comentará mais detalhadamente a seguir, é possível identificar tais valores supostamente internacionais (e, normalmente, entendidos como humanitários ou simplesmente universais) como aqueles que fundam o chamado regime global de direitos humanos na ordem mundial contemporânea pós-1945.

Os direitos humanos são definidos e institucionalizados,

internacionalmente, como direitos fundamentais inerentes a todo e qualquer ser humano; eles são baseados no princípio de universalidade. Ademais, os direitos humanos são, histórica e teoricamente, atrelados ao humanitarismo, bem como à revisão da ideia tradicional de domínio reservado do Estado soberano. Assim, os

direitos humanos são intervencionistas por definição774.

Em terceiro lugar, e de forma ainda mais importante para os propósitos deste trabalho, vale ressaltar alguns pontos específicos da tentativa de “enquadrar certos povos como bárbaros”. Nesse sentido, é importante chamar atenção para a

774 Tais pontos serão comentados mais adiante. De modo geral, ver: BROWN, Chris. Sovereignty,

Rights and Justice. Op. cit.; BROWN, Chris (with Kirsten Ainley), Understanding International Relations. Op. cit.; DONNELLY, Jack. International Human Rights. Op. cit.; EVANS, Tony. The Politics of Human Rights: A Global Perspective. (Second Edition). London: Pluto Press, 2005; FORSYTHE, David P. Human Rights in International Relations. (Second Edition). Cambridge, Cambridge University Press, 2006; SMITH, Rhona K. M. Textbook on International Human Rights. Op. cit.; SYMONIDES, Janusz (Ed.). Human Rights. Op. cit.; VINCENT, R. J. Human Rights and International Relations. Op. cit.

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diferenciação entre a identidade e o espaço-tempo da “figura do terrorista islâmico” e a identidade e o espaço-tempo da “figura de Saddam Hussein como tirano assassino”.

Isso porque enquanto o primeiro é enquadrado como um bárbaro além dos limites do moderno e internacional, o segundo é identificado como um bárbaro além dos limites do comportamento estatal aceitável. De um lado, o terrorista islâmico parece representar a condição de impossibilidade da ordem política internacional; e ainda mais, se esta for fundada naqueles valores humanitários universais. Esta alteridade parece ser concebida como a de um indivíduo, necessária ou estruturalmente, fora do sistema internacional moderno.

De outro lado, a figura de Saddam Hussein parece representar uma alteridade cuja natureza é diferente da do terrorista islâmico. Ele representa um chefe de Estado que, declarado ou caracterizado como “tirano assassino” (ou grave violador de direitos humanos), passa a ser considerado além, ou aquém, dos limites do comportamento estatal aceitável, sobretudo, se à luz daqueles valores ou direitos humanos supostamente internacionais e/ou universais.

Este tipo de alteridade não parece ser identificado, a priori, com um espaço-tempo fora do internacional moderno; muito pelo contrário. Antes de ser caracterizado como um indivíduo “bárbaro”, Saddam Hussein é identificado com um Estado soberano. Afinal, ele é o representante soberano de um Estado-Nação, e, consequentemente, parte legítima do internacional moderno.

Portanto, aquela quarta regra sacrossanta parece estabelecer e legitimar

“poderosos processos de exclusão”775

– ou de banimento – de certos indivíduos do sistema internacional moderno, sejam eles “terroristas” ou “chefes de Estado”. Ela parece constituir e proscrever os “outros” dos indivíduos próprios deste sistema soberano de Estados: os bárbaros que, a priori, são identificados com um espaço-tempo fora do internacional moderno, e os bárbaros que, tendo pertencido legitimamente do internacional moderno, são colocados para fora deste porque ultrapassaram, por exemplo, os “limites do comportamento aceitável por parte de um Estado soberano”. De modo geral, estes dois tipos de bárbaros são identificados como indivíduos “além dos limites” da ordem político-jurídica internacional.

775

WALKER, R. B. J. “The Doubled Outsides of the Modern International”, Op. cit., p.5.

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A quarta regra, portanto, parece constituir uma exceção em relação àquela terceira regra sacrossanta que prescreve que a vida política deve ser mantida dentro dos Estados soberanos. Nos termos desta terceira regra, o lugar próprio da vida política e dos indivíduos modernos é o espaço-tempo doméstico, e não o internacional. Esta parece ser aquela regra fundamental da sociedade internacional comentada por Martin Wight na passagem que é a epígrafe do capítulo 2 deste trabalho.

De acordo com Wight, desde o século XVI, a arquitetura da sociedade internacional divide e organiza os indivíduos de tal modo que estes têm que ser,

necessariamente, “sujeitos ou cidadãos de Estados soberanos”776

. Assim, do lado de dentro dos limites soberanos, os indivíduos constituem as respectivas sociedades domésticas dos Estados, enquanto, do lado de fora de tais limites, são estes entes públicos e soberanos que constituem a chamada sociedade internacional.

Contudo, como Wight destaca, a esta regra imperativa da arquitetura internacional há duas exceções, a do príncipe soberano e a do pirata. Enquanto o primeiro pertence e participa, legitimamente, da sociedade internacional por causa de sua qualidade de representante do Estado soberano, o segundo indivíduo é “emancipado” daquela “necessidade” por causa de sua qualidade de inimigo da humanidade. O pirata é um indivíduo excepcional por causa de sua hostilidade, ilegalidade e ilegitimidade. Ele é a exceção – não soberana – daquela regra internacional por causa de sua natureza, ou alteridade excepcional, de hostis humani generis777.

De certo modo, tal “emancipação” do pirata poderia ser relida como aquela exclusão – ou banimento – do sistema internacional moderno. Afinal, como se destacou anteriormente, o pirata é categorizado na história, teoria e prática do direito internacional tanto como um indivíduo “sem estado” (“stateless”) e “fora do controle de uma nação” quanto um criminoso internacional e “fora-da-lei da humanidade” (“outlaw of humanity”).

Como tal “fora-da-lei” (“outlaw”), o pirata é associado a uma forma de inimizade-criminalidade absoluta – “contra a espécie humana” – e, assim, sujeito a uma forma excepcional de jurisdição, a universal. Nesses termos, ele é objeto da

776 WIGHT, Martin. “Why is There No International Theory?”, Op. cit., p.19. 777

WIGHT, Martin. “Why is There No International Theory?”, Op. cit., p.19.

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proscrição ou banimento internacional. Dessa forma, e assim como a figura do terrorista islâmico, o pirata parece ser identificado com um espaço-tempo “além dos limites do moderno/internacional”. Aliás, como será sugerido e comentado a seguir, o pirata parece ser considerado, pelo menos por alguns, como o precedente histórico-teórico deste bárbaro contemporâneo, o terrorista internacional religioso. Neste capítulo, ainda influenciado por aquele insight de Carl Schmitt sobre o dualismo exceção/regra, bem como pelo “quase-conceito” de rastro de Jacques Derrida, seguem-se os rastros da epígrafe de Walker, e daquelas regras sacrossantas do sistema internacional moderno.

Mais especificamente, analisa-se, primeiro, algumas regras fundamentais da arquitetura político-jurídica internacional, destacando-se aquelas que prescrevem o espaço-tempo próprio dos indivíduos dentro desta. E depois, destacam-se a

ascensão internacional da humanidade – ou da “humano-idade”778 – e a

consequente queda do príncipe soberano.

Na segunda parte deste capítulo, portanto, comenta-se brevemente as regras fundamentais da ordem internacional, destacando-se a arquitetura jurisdicional desta ordem e sua relação com a (ideia de) terra e com a (ideia de) humanidade. E tendo em vista os comentários de Walker numa nota de rodapé que encerra o parágrafo transcrito acima, e que antecede suas observações sobre aquelas quatro

regras sacrossantas do internacional moderno779, comenta-se tais regras a partir de

uma releitura do texto clássico de Hedley Bull, The Anarchical Society.

Ademais, tendo em vista os comentários de Walker sobre o privilégio de valores supostamente internacionais, comenta-se também o problema da justiça e dos direitos humanos na arquitetura internacional interestatal. Assim, destaca-se a primazia das regras fundamentais de coexistência internacional, que privilegiam esta arquitetura específica da organização político-jurídica do planeta e da humanidade.

778 O termo “-idade” somado ao humano aqui se refere às ideias de ipseidade e identidade,

soberanas, tal como estas são pensadas e desconstruídas por Jacques Derrida. Nesse sentido, ver: DERRIDA, Jacques. Rogues Op. cit., p.159.

779

“The following comments intentionally work both with and against a broad range of political and legal traditions seeking to resist the „state-centric‟ accounts of international relations, especially as these traditions have come to be represented in texts like Hedley Bull, The Anarchical

Society (London: Macmillan, 1977).” WALKER, R. B. J., “International, Imperial, Exceptional”,

Op. cit., nota de rodapé n.6, p.7. Ênfases acrescidas.

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Na terceira parte deste capítulo, comenta-se então a ascensão internacional da “humano-idade” e a consequente queda do príncipe soberano em 1945. Destaca-se, no contexto do final da Segunda Guerra Mundial, a relação fundamental entre a tipificação do crime contra humanidade no direito internacional e a afirmação de direitos humanos fundamentais.

Assim, segue-se aquele rastro relacional da epígrafe de Walker, que sugere a relação estrutural entre a afirmação positiva de valores supostamente internacionais e/ou universais, de um lado, e a afirmação negativa de alteridades bárbaras “além dos limites de comportamento aceitável por parte de um Estado soberano”, de outro. O inimigo criminalizado e punido em Nuremberg, além de ser um precedente histórico-teórico da “figura de Saddam Hussein” apontada por Walker, é a alteridade “criminosa internacional” que legitima e positiva a “humanidade” no direito e nas relações internacionais.

E assim, seguindo os rastros das regras fundamentais da ordem político-jurídica interestatal e da ascensão internacional da humanidade ou “humano-idade”, segue-se também o rastro daquela alteridade excepcional internacional, o fora-da-lei da humanidade.

3.2

Regras Fundamentais da Ordem Político-Jurídica Internacional

The society of states embraces all mankind and all the earth Hedley Bull, The Anarchical Society, p.62.

Como se destacou há pouco, Walker explica, em nota de rodapé no final da passagem transcrita acima, que seus comentários sobre as regras sacrossantas do sistema internacional moderno são uma forma de engajamento com e contra tradições político-jurídicas que buscam resistir à visão “estado-cêntrica” de relações internacionais, tal como estas tradições são representadas em textos como The Anarchical Society de Hedley Bull780. Assim, comenta-se aqui um pouco mais sobre as regras fundamentais do sistema ou, neste caso, da sociedade

780 Como se destacou anteriormente, ver: WALKER, R. B. J., “International, Imperial,

Exceptional”, Op. cit., nota de rodapé n.6, p.7.

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internacional moderna, a partir da releitura de alguns pontos específicos desta

obra de Bull781.

3.2.1

A Arquitetura da Sociedade Internacional

Comentando a manutenção da ordem na sociedade internacional782, Bull

explica que a ordem é o resultado comum do senso de interesses comuns em relação a propósitos elementares da vida social, de regras que prescrevem comportamentos que sustentam tais propósitos, bem como de instituições que

contribuem para a efetividade de tais regras783.

De acordo com Bull, o ponto de partida para a manutenção da ordem na sociedade internacional é o desenvolvimento, entre os Estados, de um senso de interesse comum em relação a propósitos elementares da vida social, mesmo que estes sejam apenas instrumentais para os objetivos individuais de cada Estado, ou seja, mesmo que tais propósitos não sejam também expressões de valores

comuns784.

Os propósitos fundamentais da sociedade internacional, em ordem de importância, são: primeiro, preservar o próprio sistema de Estados (que é a

781 Nesse sentido, vale destacar que, no prefácio desta obra, Bull preliminarmente adverte que, em

inúmeros capítulos, ele estaria disputando a interpretação de seu “amigo Richard A. Falk de Princeton” sobre a ordem política mundial. Assim, vale ressaltar também que Falk é um teórico político-jurídico que se opõe precisamente à tradicional visão “estado-cêntrica” de direito e relações internacionais. De acordo com B. S. Chimni, ele seria um pensador mais próximo da tradição grociana ou “intermediária” da ordem político-jurídica internacional; ele se afastaria da tradição realista de Morgenthau, do formalismo de Kelsen, assim como da tradição (“policy-oriented”) da escola de Yale de direito internacional. Contudo, nos termos de Hedley Bull sobre a tradição grociana, Falk estaria mais próximo do pólo solidarista (ou stricto sensu grociano) desta tradição, enquanto Bull, por sua vez, estaria mais próximo do pólo pluralista (ou stricto sensu vatteliano ou oppenheimiano). Nesse sentido, ver: BULL, Hedley. The Anarchical Society. Op. cit., p.xxx; BULL, Hedley, “The Grotian Conception of International Society”, Op. cit., p.51-73; e CHIMNI, B. S. International Law and World Order: A Critique of Contemporary Approaches. New Delhi: Sage Publications, 1993, especialmente Capítulo 4 (“Richard Falk and the Grotian Quest: Towards a Transdisciplinary Jurisprudence”), p.146-210.

782

Bull define tal sociedade nos seguintes termos: “A society of states (or international society) exists when a group of states, conscious of certain common interests and common values, form a society in the sense that they conceive themselves to be bound by a common set of rules in their relations with one another, and share in the working of common institutions.” BULL, Hedley. The Anarchical Society. Op. cit., p.13.

783 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.63.

784 Bull explica em relação ao senso de interesses comuns dos estados: “[...] Their sense of

common interests may derive from fear of unrestricted violence, of the instability of agreements or of the insecurity of their independence or sovereignty. It may have its origins in rational calculation that the willingness of states to accept restrictions on their freedom of action is reciprocal. Or it may be based also on the treatment of these goals as valuable in themselves and not merely as a means to an end – it may express a sense of common values as well as of common interests.” BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.64.

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condição de possibilidade da sociedade de Estados); segundo, manter a independência individual de cada Estado soberano; terceiro, estabelecer e manter a paz como norma; e quarto, limitar a violência, garantir o cumprimento das

promessas e estabilizar a posse e a propriedade785.

O primeiro propósito visa a garantir que o sistema de Estados soberanos seja a forma universal de organização política do planeta e da humanidade. Assim, tal propósito pressupõe que toda população e todo território do mundo sejam delimitados e organizados, territorial e político-juridicamente, em Estados

soberanos786.

O segundo propósito é o de manter a independência individual de cada Estado soberano. Isso significa a não existência de uma autoridade superior ao Estado soberano e a independência deste em suas relações exteriores. Isso quer

dizer que o Estado possui “suprema jurisdição sobre seus sujeitos e território”787

, e que deve haver entre os Estados mútuo reconhecimento da igualdade soberana e da norma de não intervenção.

Ademais, a paz é entendida como um propósito a ser tido como norma, e não como exceção. Não se almeja a “paz perpétua”, mas a subordinação da guerra

(e da paz) a estes dois primeiros propósitos788. Assim, excepcionalmente, a paz

deve ser abandonada em nome da manutenção do sistema ou da independência de um Estado soberano. Os demais propósitos corroboram estes três primeiros (mais

fundamentais)789.

Contudo, o senso de interesse comum per se não indica como estes propósitos fundamentais da sociedade internacional devem ser alcançados; ele não oferece em si mesmo a orientação precisa em relação aos comportamentos

necessários para a manutenção da ordem internacional790. De acordo com Bull,

são as regras internacionais791 que prescrevem tais comportamentos e, assim,

785 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.16-19. 786 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.16. 787

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.17.

788 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.17. 789 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.18-19. 790 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.64.

791 Bull não explica as diferenças e peculiaridades dos tipos de regras, comentando apenas que elas

podem ser morais, costumeiras, jurídicas, meramente operacionais ou “regras do jogo”. Contudo, ele parece sugerir certa teleologia ao comentar: “It is not uncommon for a rule to emerge first as an operational rule, then to become established practice, then to attain the status of a moral principle and finally to be incorporated in a legal convention; this appears to have been the genesis, for example, of many of the rules now embodied in multilateral treaties or conventions concerning the

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determinam quais deles são consistentes ou não com tais propósitos da sociedade

de Estados792.

Dentre o conjunto vasto e fluido de regras, ele destaca três “complexos”: primeiro, o complexo de regras que estabelece o princípio normativo fundamental ou constitucional da política mundial; em segundo lugar, as regras de coexistência; e em terceiro lugar, as regras que regulam a cooperação entre os

Estados793. Tais regras constituem as fundações normativas da arquitetura

político-jurídica da sociedade internacional794.

Para os propósitos mais específicos deste trabalho de doutorado, é importante destacar aqui o papel primordial do primeiro complexo de regras que estabelece o princípio normativo – constitucional – da política mundial:

This is the principle that identifies the idea of a society of states, as opposed to such alternative ideas as that of a universal empire, a cosmopolitan community of individual human beings, or a Hobbesian state of nature or state of war, as the supreme normative principle of the

political organisation of mankind.795

A ideia de uma sociedade de Estados ou sociedade internacional não é nem

“historicamente inevitável”, nem “moralmente sacrossanta”796

. Ela é apenas um dos princípios ou elementos fundamentais que competem para ser o “princípio

normativo supremo da organização política da humanidade”797

.

laws of war, diplomatic and consular status, and the law of the sea.” BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.64-65. Nesse sentido, cumpre destacar que, no prefácio de seu livro, Bull observa que, em alguns pontos, segue os ensinamentos de seu professor de Oxford, H. L. A. Hart, um dos principais teóricos do direito do século XX. Nesse sentido, ver: BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.xxx. De acordo com Hart, o direito era composto por regras primárias e secundárias; e sua fundação era determinada pelo que chamou de regra de reconhecimento. Nesse sentido, ver: HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Terceira Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, especialmente capítulos V e VI; ver também, DAVIES, Margaret. Asking the Law Question, Op. cit., p.11-14, 72-73, e 106-108. De modo geral, este estudo seguirá Bull, adotando uma abordagem ampla com relação à definição de regras. (Quando necessário, no entanto, serão feitos comentários pontuais em nota de rodapé).

792

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.64.

793 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.64-68. Aqui, irei identificá-las,

respectivamente, como regras “constitucionais”, “de coexistência” e “de cooperação”. Tendo em vista os propósitos desta Tese, eu não irei me ater e nem comentar estas últimas regras “de cooperação”. Como será comentado mais adiante, o foco aqui é direcionado para os dois primeiros complexos de regras.

794 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.68.

795 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.65. Ênfases acrescidas. 796 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.65.

797

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.65.

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Além da sociedade internacional, que é um elemento grociano798, há

também outros elementos na política mundial: num extremo, hobbesiano799, há o

sempre presente estado de guerra (ou estado de natureza); e noutro, kantiano800, os

laços transnacionais entre os indivíduos seres humanos (numa potencial e sempre

ideal comunidade da humanidade)801. Dessa forma, política e ordem mundiais não

se limitam à sociedade internacional802.

Com efeito, ao tratar do conceito de ordem na política mundial, Bull destaca

que a ordem internacional803 é fundamentalmente atrelada à ordem mundial804.

Afinal, ordem internacional significa ordem entre Estados, e estes “são

simplesmente agrupamentos de homens”805

. A ordem mundial, por sua vez, é a

ordem na “grande sociedade de toda humanidade”806

. Dessa forma, ela é mais

798

Ver: BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.25-26.

799 Ver: BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.23-24. 800 Ver: BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.24-25.

801 De acordo com Bull (e com a chamada Escola Inglesa de Relações Internacionais), tais

elementos refletem as três tradições do pensamento político sobre o sistema de estados moderno: a hobbesiana, a kantiana e a via média entre estas, a grociana. BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.23-25. Ver também: WIGHT, Martin. International Theory. Op. cit.; BUZAN, Barry, From International to World Society?, Op. cit.; e DUNNE, Tim. Inventing International Society. Op. cit.

802 Nesse sentido é importante destacar a diferenciação que Bull quer fazer (e faz) entre o seu

estudo sobre ordem internacional e o que ele chama de estudo “estrutural-funcionalista”. De um lado, Bull comenta: “The underlying assumption of the „structural-functionalist‟ explanation is that of the wholeness or unity of the society being explained, the primacy of the whole over its parts in accounting for what occurs within it, the possibility of describing the nature and purpose of each part in terms of what it contributes to the „needs‟ of the whole.” BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.72. De outro, logo em seguida, ele afirma: “International society does not display the kind of wholeness or unity that would give point to explanations of this sort [„structural-functionalist‟]. It is emphasized in this study that society is only one of a number of competing elements in international politics; indeed, the description of it as a society at all conveys only part of the truth. An explanation of the rules and institutions of international society that dealt only with the functions they served in relation to international society as a whole would overlook the extent to which international politics is better described as a state of war or as a political field in which individuals and groups other than the state are the principal actors.” BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.72-73. Parece-me que é por este tipo de “complexidade” (“contradição” ou “aporia”) que R. B. J. Walker sugere a Escola Inglesa como um ponto de partida mais rico para entender o sistema internacional moderno. Assim, a tradição mais legalista e histórica de Bull parece oferecer uma alternativa para além dos termos dualistas (como idealismo

versus realismo) que, parece-me, Walker associa à “Ciência Americana de Relações

Internacionais”. WALKER, R. B. J. “International, Imperial, Exceptional”. Op.cit., p.15-16. (Este ponto será retomado mais adiante).

803 Definida como “um padrão de atividade que sustenta os propósitos elementares ou primários de

uma sociedade de estados” BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.8.

804

Definida como “padrões ou disposições de atividade humana que sustentam os propósitos elementares ou primários da vida social na humanidade como um todo” BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.19.

805 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.19. 806

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.19.

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ampla, moralmente mais importante, e, de modo geral, mais fundamental do que a

ordem internacional807.

Contudo, em que pesem tais ressalvas e contextualizações, a ideia de sociedade de Estados é, de acordo com Bull, o princípio normativo supremo da (contemporânea) organização política da humanidade. E isso significa que:

On the one hand, the idea of international society identifies states as members of this society and the units competent to carry out political tasks within it, including the tasks necessary to make its basic rules effective; it thus excludes conceptions which assign this political

competence to groups other than the state, such as universal authorities above it or sectional groups within it. On the other hand, the idea of

international society identifies the relationship between the states as that of members of a society bound by common rules and committed to common institutions; it thus excludes the conception of world politics as

a mere arena or state of war.808

De um lado, contra a tradição realista que identifica as relações internacionais com a irremediável condição de conflito do estado de natureza hobbesiano, Bull destaca que os Estados são membros de uma sociedade. De outro, contra a tradição universalista ou cosmopolita que identifica o potencial de uma comunidade humana supraestatal, Bull destaca que não há autoridades universais nesta sociedade de Estados.

Trata-se, portanto, de uma sociedade sem governo, mas com ordem, com senso de interesses comuns, regras e instituições internacionais. Nela não há uma autoridade central, hierarquicamente superior aos Estados. Estes, portanto,

formam uma sociedade anárquica809. Dessa forma, Bull explica que:

[t]he starting point of international relations is the existence of states, or independent political communities each of which possesses a government

807

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.21.

808 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.65. Ênfases acrescidas.

809 Tratando da questão da ordem, Bull diferencia a “sociedade internacional” tanto do estado

moderno (ou seja, da “sociedade doméstica” que existe dentro destes estados soberanos), como das chamadas “sociedades primitivas sem estado”. A grande diferença em relação ao estado moderno é que neste há governo e relação hierárquica de autoridade e força física (nos moldes weberianos) que é fundamental para a eficácia e a realização das regras da sociedade. De outro modo, a sociedade internacional difere das sociedades primitivas porque nestas há um grau muito maior de homogeneidade, solidariedade e coesão, bem como traços religiosos associados a crenças comuns, além do tamanho infinitamente menor. Daí, então, a conclusão de Bull: “The maintenance of order in international society has to take place not only in the absence of government [estado moderno] but also in the absence of social solidarity of this sort [sociedades primitives sem estado].” BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.62. (De modo geral, ver: p.55-62).

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and asserts sovereignty in relation to a particular portion of the earth‟s surface and a particular segment of the human population810.

Domesticamente, o Estado tem e exerce “soberania interna” sobre seu território (“uma porção particular da superfície da terra”) e sua população (“um

segmento particular da população humana”)811

. Tal soberania, é importante frisar, significa “supremacia sobre todas as outras autoridades dentro daquele território e

daquela população”812

. Já internacionalmente, o Estado tem e exerce “soberania externa”, que significa “não supremacia, mas independência das autoridades

externas”813

.

As relações internacionais são fundadas por este “traço dual”814

da soberania que, ao mesmo tempo, instaura um espaço doméstico para “a política” (como “good life”), do lado de dentro, e um espaço internacional para as “meras

relações” entre os Estados, do lado de fora815

. Assim, a dicotomia dentro/fora, ao

mesmo tempo, compartimenta e domestica o político816.

Não é por acaso, portanto, que Bull reconhece, em segundo lugar, “as regras de coexistência” como sendo as mais fundamentais depois daquele complexo de regras que estabelece o princípio normativo constitucional da sociedade de

Estados817. Ele explica que, enquanto as regras constitucionais indicam quem são

os membros da sociedade internacional, aquelas regras secundárias estabelecem as

condições mínimas para a coexistência destes818. E na definição de Bull, assim

como naquela de Martin Wight, os membros desta sociedade eram, exclusivamente, os Estados soberanos.

Consequentemente, não há nesta sociedade nem um governo central com o monopólio do uso da força legítima (como há dentro do Estado soberano moderno), e nem um alto (ou mesmo mínimo) grau de coesão e solidariedade

810 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.8. 811

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.8.

812 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.8. 813 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.8.

814 O termo “traço dual” é influenciado pelos seguintes trabalhos de Walker: WALKER, R. B. J.

Inside/outside, Op. cit.; e WALKER, R. B. J. After the Globe, Before the World. Op. cit.

815

Nesse sentido, ver: WALKER, R. B. J. Inside/outside, Op. cit. Ver também: WIGHT, Martin. “Why is There No International Theory?”, Op. cit.

816 Nesse sentido, ver: WALKER, R. B. J. Inside/outside, Op. cit. 817 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.66. 818

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.66.

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sociais (como há, ou havia, nas “sociedades primitivas sem Estado”)819

. Por isso, as principais instituições da sociedade internacional são os seus próprios

membros, os Estados soberanos820.

Tais regras secundárias buscam garantir um patamar mínimo de coexistência entre os Estados. Elas incluem, em primeiro lugar, um conjunto de regras que visam a restringir a violência na política mundial: as regras do direito da guerra (jus ad bellum) e do direito na guerra (jus in bello)821. Em segundo lugar, elas incluem regras que regulam o cumprimento dos tratados internacionais,

à luz da regra fundamental do pacta sunt servanda822. E em terceiro lugar, regras

que buscam estabilizar “o controle ou jurisdição de cada Estado sobre suas

próprias pessoas e territórios”823

.

Este terceiro complexo de regras de coexistência é particularmente importante para os propósitos deste trabalho, sobretudo, à luz daqueles breves comentários sobre as regras sacrossantas, a dicotomia dentro/fora, e os membros próprios que constituem a sociedade internacional. De acordo com Bull:

At the heart of this complex of rules is the principle that each state accepts the duty to respect the sovereignty or supreme jurisdiction of

819 Ver: BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.55-62, bem como a nota de rodapé 26

acima.

820

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.68. São os próprios estados que “confeccionam”, “comunicam”, “administram”, “interpretam”, “aplicam”, “legitimam”, “alteram” e/ou “protegem” as regras internacionais. Co-laborando e co-operando, os estados, entre si, participam e praticam tais funções, no que Bull identifica como instituições (coletivas) da sociedade internacional: o equilíbrio de poder; o direito internacional, o mecanismo diplomático, o sistema administrativo das grandes potências e a guerra. Ver: BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.71, e especialmente a Parte 2 do livro. Como o foco aqui é direcionado, sobretudo às regras constitucionais e de coexistência, não irei me dedicar a esse ponto das

instituições da sociedade internacional. 821

Ver: BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p. 66. De modo geral, parece haver certa proximidade entre The Anarchical Society, de Bull, e The Nomos of the Earth, de Schmitt. Em particular, parece haver certa convergência entre os comentários de Bull sobre a ordem internacional e os comentários de Schmitt sobre o nomos da Terra. Neste caso, os comentários de Bull sobre as regras internacionais, sobretudo sobre as regras de coexistência que visam a restringir a violência na política internacional, parecem ter uma proximidade significativa com as discussões centrais em Schmitt sobre o direito internacional interestatal (“the International Law of the Jus Publicum Europaeum”). Assim, ver: SCHMITT, Carl. The Nomos of The Earth, Op. cit., especialmente a Parte III (The Jus Publicum Europaeum). Nesse sentido, vale destacar que a teoria de sistema/sociedade/ordem internacionais de Bull é influenciada tanto pela escola histórica alemã (de Göttingen) como pelos estudos de direito internacional (de Grotius e, sobretudo, de Vattel). Ver: KEENE, Op. cit., Capítulo 1; e BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.12.

822

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.66-67. Vale destacar que, por vezes, tal regra é “revista” à luz da doutrina rebus sic stantibus, Nesse sentido, Martin Wight associa esta à tradição realista ou maquiavélica-hobbesiana; e aquela regra à tradição racionalista ou grociana. Ver: WIGHT, International Theory, p.233-258.

823

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.67.

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every other state over its own citizens and domain, in return for the right to expect similar respect for its own sovereignty from other states. A corollary or near-corollary of this central rule is the rule that states will not intervene forcibly or dictatorially in one another‟s internal affairs. Another is the rule establishing the „equality‟ of all states in the sense of their like enjoyment of like rights of sovereignty.824

Na sociedade internacional, todo Estado tem sua “porção particular da superfície da terra” e seu “segmento particular da população humana”, ou seja,

suas “propriedades privadas”825

. Cada Estado é soberano e, portanto, tem jurisdição suprema sobre seus territórios e domínio. O princípio de coexistência estabelece uma obrigação, baseada na reciprocidade, em que um Estado deve respeitar o domínio reservado do outro. Os corolários desta obrigação fundamental são as regras de não intervenção e de igualdade soberana.

Neste contexto, tendo em vista tais comentários de Bull sobre essas regras de coexistência, bem como aquelas observações sobre o “princípio normativo supremo da organização política da humanidade”, vale destacar a passagem que se toma como a epígrafe desta parte:

The society of states embraces all mankind and all the earth.826

Bull faz tal observação no terceiro capítulo de The Anarchical Society (“How is Order Maintained in World Politics?”), numa seção depois de tratar da “ordem no Estado moderno”, e antes da seção em que comenta a “ordem na

sociedade internacional”827. Ele apresenta tal comentário na seção em que analisa

a manutenção da ordem em “sociedades primitivas sem Estado”828

; mais precisamente, ele o faz quando está comentando a diferença entre o tamanho destas sociedades e o tamanho da sociedade internacional.

824 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.67.

825 Com efeito, Bull explica a origem dessa lógica, passando pelo conceito de soberania de Bodin;

e pelo uso do conceito dominium, do direito romano: no contexto da sociedade internacional cristã, ele destaca uma “tendency to make use of the Roman-law notion of dominium or private property,

with its implication that a territory and its people are the patrimony of the ruler, to be bartered at his will.” BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.30. Ademais, de acordo com

Friedrich Kratochwil, o conceito de soberania tem origem a partir do conceito de propriedade privada do direito romano (dominium). Ver: KRATOCHWIL, Friedrich V., “Sovereignty as Dominium: Is There a Right of Humanitarian Intervention?”, in Gene M. Lyons e Michael Mastanduno (Ed.), Beyond Westphalia? State Sovereignty and International Intervention, Londres, The Johns Hopkins University Press, 1995. Ver também: KEENE, Edward. Beyond the Anarchical Society. Op. cit., p.52-57, especialmente p.52, nota de rodapé n.36.

826 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.62. 827 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.51-73. 828

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.57-62.

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É importante notar que ele enfoca a questão da manutenção da ordem, primeiro, dentro do Estado moderno. Nesse sentido, ele enfatiza a existência dentro do Estado de uma instituição bastante singular e fundamental para promover a eficácia das regras sociais elementares que garantem a ordem nesta

sociedade, o governo. Em termos weberianos829, Bull comenta a relação singular

entre a instituição governamental e o uso da força física, ressaltando o monopólio que o governo tem sobre o uso legítimo da força física, e, consequentemente, o seu poder incomparável para promover aquela eficácia e ordenar o ambiente

social830.

Aqui, vale comentar aquela passagem, transcrita há pouco, em que Bull afirma que o “ponto de partida das relações internacionais é a existência de

Estados”831. Ali, além de explicitar sua concepção “estado-cêntrica” de relações

internacionais, ele também aponta para as duas principais características destas comunidades políticas independentes: possuir um governo, e exercer soberania sobre “uma porção particular da superfície da terra” e sobre “um segmento

particular da população humana”832

.

De acordo com Chris Brown, o aspecto distintivo do Estado é a

soberania833. E para ele, um dos aspectos mais fundamentais da soberania é a

“ideia de autonomia jurídica”834: “Estados soberanos são soberanos porque

nenhuma instituição mais alta tem o direito de dar ordens a eles”835. Contudo,

como o próprio Brown o faz, deve-se advertir que “soberania” é um termo

“difícil”836

, objeto de inúmeros estudos, críticas e disputas teóricas837.

829 Nesse sentido, ver os comentários de Chris Brown: BROWN, Chris (with Kirsten Ainley),

Understanding International Relations. Op. cit., p.66.

830

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.55-57.

831 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.8. 832 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.8.

833 BROWN, Chris (with Kirsten Ainley), Understanding International Relations. Op. cit., p.3. 834

BROWN, Chris (with Kirsten Ainley), Understanding International Relations. Op. cit., p.3.

835 BROWN, Chris (with Kirsten Ainley), Understanding International Relations. Op. cit., p.3. 836 BROWN, Chris (with Kirsten Ainley), Understanding International Relations. Op. cit., p.3. 837

Além destes textos de Bull e de Brown, podem-se destacar inúmeros outros textos que, de diferentes formas e a partir de diferentes perspectivas teóricas, analisam, criticam ou disputam o termo “soberania”. A título de exemplo apenas, pode-se apontar para os seguintes textos: WALKER, R. B. J. Inside/outside. Op. cit.; WALKER, R. B. J. After the Globe, Before the World. Op. cit.; SCHMITT, Carl. Political Theology. Op. cit.; ASHLEY, Richard K. “Untying the Sovereign State: A Double Reading of the Anarchy Problematique”. Millennium. Op. cit., p.227-262; BARTELSON, Jens. A Genealogy of Sovereignty. Op. cit.; KRATOCHWIL, Friedrich V. “Sovereignty as Dominium: Is There a Right of Humanitarian Intervention?”, . Op. cit.; WEBER, Cynthia. Simulating Sovereignty: Intervention, the State and Symbolic Exchange. Cambridge. Cambridge University Press, 1995; WALTZ, Kenneth. Teoria das

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Feita esta ressalva, no entanto, parece ser importante reler aqueles comentários de Bull a partir destas e de outras observações pontuais que Brown faz em seu manual de Relações Internacionais. Logo no início de seu livro, comentando a definição convencional da disciplina, Brown explica que esta é tradicionalmente entendida como a área acadêmica que estuda as relações entre os Estados (e não entre nações, como o adjetivo comumente utilizado para qualificar

estas relações poderia fazer acreditar)838; ou seja, nesta definição, a unidade

relevante para o estudo das relações internacionais é o Estado839. E é neste

contexto que ele afirma que o aspecto distintivo do Estado é a soberania.

Positivamente, portanto, as relações internacionais são constituídas – e, assim, podem ser entendidas – a partir dos Estados soberanos. Mas, de acordo com Brown, estas mesmas relações podem ser entendidas de outra forma:

the conventional account of international relations stresses the fact that the relationship between states is one of anarchy. Anarchy in this context does not necessarily mean lawlessness and chaos; rather it means the absence of a formal system of government. There is in international relations no formal centre of authoritative decision-making such as exists, in principle at least, within the state.840

Negativamente, as relações internacionais são definidas a partir da anarquia, ou seja, a partir da “ausência de um sistema formal de governo”. O espaço-tempo de relações entre os Estados, portanto, é definido em oposição ao – ou a partir do – espaço-tempo “dentro do Estado”. Assim, a partir da afirmação da soberania e de um governo central dentro do Estado, definem-se e entendem-se (e praticam-se) as relações internacionais.

Contudo, a ausência de um centro de autoridade ou sistema formal de governo não significa que o espaço-tempo das relações internacionais seja sinônimo de caos ou absoluta falta de leis ou regras. A concepção de anarquia de

Relações Internacionais. Lisboa, Gradiva, 2002; REUS-SMIT, Christian. The Moral Purpose of the State. Op. cit.; KRASNER, Stephen D. Sovereignty: Organized Hypocrisy. Princeton, Princeton University Press, 1999; COHEN, Jean. “Whose Sovereinty? Empire Versus International Law”. Ethics & International Affairs 18, no.3, 2004; e BROWN, Chris. Sovereignty, Rights and Justice.Op. cit.

838 BROWN, Chris (with Kirsten Ainley), Understanding International Relations. Op. cit., p.3. 839

Brown explica que: “The relevant unit is the state not the nation; most states may nowadays actually aspire to be nation-states, but it is the possession of statehood rather than nationhood that is central […]”. BROWN, Chris (with Kirsten Ainley), Understanding International Relations. Op. cit p.3.

840

BROWN, Chris (with Kirsten Ainley), Understanding International Relations.Op. cit., p.3.

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Brown parece ser muito próxima da de Bull. De acordo com este, a sociedade

internacional é anárquica porque não tem governo841.

Nesse sentido, vale destacar os seguintes comentários de Brown sobre o termo “sociedade internacional”, no âmbito da chamada Escola Inglesa de Relações Internacionais (da qual Bull, e Wight, são considerados “pais fundadores”):

The term “international society” conveys two points, both of which are examined at length in the masterwork of the [English] School, Hedley Bull‟s The Anarchical Society (1977/1995/2002); first, the focus of study should be primarily on the world of states and not on sub-state entities or universal categories such as “humanity”; however, second, states when they interact do not simply form an international system, a non-normative pattern of regularities, rather they form a society, a norm-governed relationship whose members accept that they have at least limited responsibilities towards one another and to the society as a whole.842

Esta concepção da sociedade internacional como um “mundo de Estados” parece ser muito próxima da concepção de Martin Wight expressa na epígrafe do capítulo 2 desta tese de doutorado. Ressalvadas aquelas duas exceções, a sociedade internacional é composta, exclusivamente, por Estados soberanos. Todos os indivíduos devem ser “sujeitos ou cidadãos” de um destes membros da sociedade anárquica.

A sociedade internacional é o “princípio normativo supremo da organização política da humanidade”. E neste mundo de Estados, a soberania destes é exercida tanto sobre “uma porção particular da superfície da terra” quanto sobre “um segmento particular da população humana”. As relações internacionais e a sociedade internacional pressupõem, portanto, a partilha da terra e da humanidade (ou população humana) entre Estados soberanos.

“A sociedade de Estados abraça toda humanidade e toda a terra”, partilhando – e domesticando – a população humana e a superfície terrestre do planeta entre seus membros soberano. Assim, aquela regra fundamental da arquitetura político-jurídica internacional comentada por Wight pressupõe uma compartimentalização específica da terra e da humanidade.

Dito de outro modo, esta partilha parece ser o pressuposto da teoria pluralista de Bull sobre a sociedade internacional, a qual parece pressupor também

841 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.57. 842

BROWN, Chris (with Kirsten Ainley), Understanding International Relations. Op. cit., p.51.

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aquela concepção específica de Estado. Como se ressaltou há pouco, esta afirmação sobre o abraço da sociedade internacional (epígrafe desta parte do capítulo) é feita na seção depois daquela que trata a questão da ordem no Estado soberano moderno, ao se comentar a ordem nas “sociedades primitivas sem Estado”.

De acordo com Bull, a sociedade internacional era diferente do Estado moderno porque este tinha governo, enquanto aquela não. De outro modo, a sociedade internacional era parecida com as “sociedades primitivas sem Estado” precisamente porque estas também apresentavam o “espetáculo da „anarquia

ordenada‟” (“spectacle of „ordered anarchy‟”)843

. No entanto, estas sociedades “primitivas” eram diferentes da sociedade de Estados.

Além da diferença de tamanho, havia, por exemplo, a diferença de que nestas sociedades “primitivas” a coesão cultural e a solidariedade social eram muito maiores do que na sociedade internacional. Assim, de acordo com Bull, a manutenção da ordem nesta sociedade de Estados soberanos se dá num espaço-tempo não apenas de ausência de governo, como também de ausência deste tipo

de solidariedade social844.

Só então, – após afirmar a presença de governo no Estado moderno, e a ausência de governo e a presença de solidariedade social nas sociedades “primitivas” –, é que Bull comenta a questão da ordem na sociedade caracterizada por tais ausências. É neste momento que ele comenta aquelas regras fundamentais

da sociedade internacional, anárquica e pluralista845.

Bull parece estruturar o espaço-tempo político mundial contemporâneo, dicotomicamente, a partir dos dualismos soberania/anarquia,

solidarismo/pluralismo846, dentro/fora, Estado/sociedade internacional. De certo

modo, relendo Bull em termos influenciados por Walker (e Derrida), pode-se identificar aí a metafísica da presença e da ausência da soberania (estado e

governo)847: as “relações internacionais são definidas por ambas, pela presença de

843 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.57. 844 BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., p.62. 845

BULL, Hedley. The Anarchical Society, Op. cit., especialmente p.64-68. Sobre a tradição

pluralista da, lato sensu, tradição grociana, ver: BULL, Hedley, “The Grotian Conception of

International Society”, Op. cit.

846 Ver, especialmente, BULL, Hedley, “The Grotian Conception of International Society”, Op. cit. 847

Nesse sentido, ver: WALKER, R. B. J. Inside/outside, Op. cit., especialmente capítulos 3 e 8.

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