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Práticas e Consequências da Retenção Escolar: Alguns Dados do PISA

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Conboy, J., Moreira, I., Santos, I., & Fonseca, J. (2013). Práticas e Consequências da Retenção Escolar: Alguns Dados do PISA. In L. Veloso & P. Abrantes (Org.),

Sucesso escolar: Da compreensão do fenómeno às estratégias para o alcançar.

Lisboa: Mundos Sociais.

Práticas e Consequências da Retenção Escolar:

Alguns Dados do PISA

Joseph Conboy Inês Santos Isabel Moreira Jesuína Fonseca Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação

do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Esta investigação foi apoiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (contrato FSE/CED/83617/2008) e pela Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

A correspondência relativa a este manuscrito deve ser dirigida a Joseph Conboy, PhD

Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (Cx 147)

Alameda da Universidade 1649-013 LISBOA

Tel. +(351) 217 500 263 E-mail: jeconboy@ie.ul.pt

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Práticas e Consequências da Retenção Escolar:

Alguns Dados do PISA

Introdução

A educação em Portugal encontra-se numa fase de expansão e transição. Segundo dados da OCDE (2012), menos de um terço (32%) da população ativa (25 a 64 anos) completou o ensino secundário. Contudo, no grupo etário dos 25 aos 34 anos de idade, 52% completaram o ensino secundário, evidenciando tal percentagem uma evolução positiva e rápida nas últimas décadas. Do mesmo modo, em anos recentes, o crescimento anual médio da população ativa que completou o ensino superior excedeu os 5% (OCDE, 2012).

A acompanhar estas tendências, a taxa de retenção escolar tem revelado uma tendência decrescente. Dados do Ministério da Educação (http://www.gepe.min-edu.pt/np4/610.html) revelam uma descida sistemática, quer no Ensino Básico quer no Ensino Secundário. Contudo, não é perfeitamente claro até que ponto a descida geral representa, de facto, uma tendência dos professores e escolas para reduzirem a taxa de retenção, e até que ponto os números podem refletir o uso de programas recentemente implementados pelo Ministério, que facultam novas oportunidades aos alunos.

Neste capítulo, pretende-se descrever as práticas atuais de retenção escolar no ensino básico em Portugal e as consequências dessas práticas. Para o efeito, vamos centrar-nos na área das ciências e nalguns dados internacionais.

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Pretende-se facultar respostas relativas a uma série de perguntas: (a) Qual a natureza da associação entre o estatuto de retido/não retido e o desempenho nas ciências? (b) Como é que Portugal se compara com outros países relativamente à retenção? (c) Quem fica retido em Portugal? (d) Qual o efeito, no desempenho em ciências, de ter sido retido?

Iniciamos a nossa análise com uma descrição geral do que se entende por retenção escolar e de qual a situação da retenção em Portugal.

Retenção

As políticas de retenção têm as suas raízes no crescimento das escolas aquando da revolução industrial, dos fluxos migratórios daí resultantes, e finalmente, do desenvolvimento de testes de inteligência (Frey, 2005). Por

retenção entende-se a situação em que um aluno se mantém no mesmo nível de

ensino durante um ano adicional, em vez de avançar para um nível superior juntamente com os respetivos pares da mesma idade (Brophy, 2006). (Neste contexto, são também utilizados os termos recuperação, repetição e reprovação. No presente capítulo, damos preferência ao termo retenção uma vez que se refere somente ao ato de ficar retido, sem fazer juízo sobre as causas, a justiça da decisão ou ainda de como o tempo extra será aproveitado). Frequentemente, a retenção é associada ao insucesso académico, embora possa ser resultado de doença prolongada, faltas intermitentes, ou até do desejo de um aluno (ou dos seus pais) de repetir um ano para melhor se preparar para um determinado objetivo (por exemplo, melhorar as notas de ingresso no ensino superior). Os vários tipos de retenção podem ser caraterizados pela sua natureza voluntária ou involuntária,

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bem como por quem inicia o processo: o aluno, a família, a escola. Neste capítulo, focalizaremos a retenção não-voluntária, imposta pela escola e que ocorre no ensino básico, isto é, antes do 10º ano.

Brophy (2006) e Penfield (2010) relatam alguns argumentos típicos a favor, e contra, uma política de retenção. Os defensores da retenção descrevem-na como uma ação corretiva válida que proporciona aos alunos a oportunidade de desenvolver a destreza necessária para o sucesso na matéria curricular mais exigente do ano escolar seguinte. Referem ainda o aspeto motivacional e o seu papel em transmitir aos alunos as elevadas expetativas que a sociedade pretende manter. Dizem também que a retenção conduz a grupos de alunos mais homogéneos, resultado que consideram como uma consequência desejável. Uma outra vantagem de uma política de retenção, é a de que, tendo por base o mérito académico, coloca todos os alunos em pé de igualdade, o que torna a retenção um processo democrático.

Em termos metodológicos, os defensores apontam frequentemente estudos que comparam dois grupos: os alunos retidos versus os seus pares de ano escolar. Tais estudos usualmente originam resultados que demonstram algumas vantagens no desempenho a curto prazo. Geralmente, ao fim de um ano, um aluno retido melhora a sua posição académica na turma (Hong e Raudenbush, 2005; Rebelo, 2009). Assim, os defensores chegam à conclusão de que a retenção detém vantagens. Penfield (2010) descreve como estes argumentos deram origem, nos Estados Unidos, ao movimento que conduziu à tomada de decisões relativas à retenção, através do uso de testes padronizados.

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Os opositores apontam dois tipos de estudos: (a) estudos longitudinais e (b) estudos que fazem comparação entre alunos retidos, por um lado, e os seus pares de idade (em vez de pares do ano académico), por outro. Os estudos longitudinais tendem a demonstrar que, a longo prazo, os alunos retidos não adquirem benefícios a nível de desempenho e podem sofrer prejuízos relativamente a variáveis socioafetivas como auto-estima, relações com os pares e atitudes respeitantes à escola (Hong e Raudenbush, 2005; Jimerson, 2001; Rebelo, 2009; Xia e Kirby, 2009). Evidenciam que pode haver benefícios aparentes a curto prazo, mas estes benefícios desaparecem ao chegar ao 6º ano de escolaridade (Jimerson e outros, 1997; Karweit, 1999; Xia e Kirby, 2009). Num estudo efetuado ao nível do jardim de infância, Hong e Raudenbush (2005) concluíram que crianças que ficaram retidas aprendiam menos do que se tivessem passado de ano. Relativamente à questão do abandono escolar, Holmes (2006) toma a posição inequívoca de que "the literature is unanimous in its linking of retention to dropping out" (a literatura é unânime no seu reconhecimento da ligação entre retenção e abandono escolar)(Holmes, 2006: 57). O aluno retido torna-se um fator de perturbação na sua turma pelo desfasamento de idades e estádios de desenvolvimento e ainda pela necessidade de afirmação perante uma situação que o estigmatize.

Para além dos efeitos académicos e socio afetivos referenciados, é de salientar um efeito económico/administrativo que influencia o funcionamento das escolas. Um sistema educativo é mais eficaz, em termos económicos, se os alunos avançarem para níveis subsequentes na altura prevista. Cada aluno que repete um ano cria, no mínimo, o mesmo efeito económico que um aluno novo. Fatores como

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o número de alunos por turma, número de professores a contratar, e despesas para material são influenciados pela taxa de retenção.

Os opositores também apontam literatura que questiona a igualdade social das políticas de retenção, no sentido de que as políticas de retenção não têm por base apenas o mérito académico, mas sim, que existe uma série de outras variáveis que condicionam se um aluno fica, ou não, retido (Darling-Hammond, 1998; Xia e Kirby, 2009). Num estudo internacional sobre taxas de retenção, Eisenmon (1997) concluiu que existe uma associação entre taxa de retenção e tipos de sistemas educativos nacionais. Nomeadamente, uma elevada taxa de retenção está associada a sistemas de educação que enfatizam a educação universal, embora a um nível elementar. Igualmente se demonstra que, em diversos países, a tendência para uma maior frequência de retenção se verifica nas zonas rurais (El-Hassan, 1998; Gomes-Neto e Hanushek, 1994; King, Orazem, e Paterno, 1999).

Nos Estados Unidos, vários estudos revelam associações entre a retenção, o sexo e a raça/etnia. Segundo Heubert e Hauser (1999), as taxas de retenção são relativamente equilibradas nos anos iniciais da escola, mas ao longo dos anos a probabilidade de ficar retido aumenta para os rapazes e para as minorias étnicas. Nomeadamente, nos primeiros anos, uma diferença de 5 pontos de percentagem entre rapazes e raparigas aumenta para 10 pontos ao chegar à idade de 16 anos. A taxa de retenção entre os alunos de 16 anos de etnias americolatinas, ou afroamericanas, ronda os 45% enquanto que para os considerados brancos fica mais ou menos nos 30%.

Por todas estas razões, os responsáveis políticos em Portugal têm vindo a estabelecer como objetivo, até 2015, a redução das taxas de repetição (Ministério

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da Educação, 2010). Contudo, em vez de serem vistas como resultado de investigação, estas políticas propostas são frequentemente descritas pelos defensores da retenção como "facilitismo". A noção de promoção social – um aluno avança com os seus pares do grupo etário por razões essencialmente sociais, apesar de ter fraco desempenho – tem sido redondamente atacada.

Neste contexto da polémica geral que envolve a prática de retenção escolar, vários programas internacionais de recolha de dados sobre educação propõem trazer-nos respostas fundamentadas. Contudo, na ótica de alguns observadores, só trazem mais confusão e polémica. Vamos agora dirigir a nossa atenção para um desses programas, e seus dados, bem como para os discursos sociais que gerou.

PISA: Dados, Discursos e a Retenção em Portugal

O Program for International Student Assessment (PISA), promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), visa analisar a capacidade com que os alunos de diferentes países põem em prática os seus conhecimentos em situações e desafios da vida real (Gabinete de Avaliação Educacional [GAVE], 2007; OCDE, 2009a, 2009b). Esta avaliação internacional tem como principal finalidade a melhoria do funcionamento dos sistemas educativos e, consequentemente, das aprendizagens dos alunos, à semelhança de outros estudos do tipo Large-Scale Assessment (Avaliação em Grande Escala) (OCDE, 2007; Rutkowski e outros, 2010).

A descrição pormenorizada do programa consta nos manuais da OCDE (OCDE, 2007, 2009b), bem como na literatura científica (Bybee e outros, 2009; Rutkowski e outros, 2010). Em termos gerais, o PISA pretende, numa perspetiva de literacia, avaliar o modo como os alunos de 15 a 16 anos de idade conseguem usar

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as capacidades de leitura, matemática e ciências na compreensão e interpretação de fenómenos que podem encontrar no dia-a-dia. De três em três anos todas estas áreas são avaliadas, sendo em cada ano seleccionada uma área para uma análise mais aprofundada. Na fase de 2006, o domínio das ciências foi enfatizado, avaliando-se assim as capacidades e competências científicas na compreensão, aquisição de novos conhecimentos, explicação científica de fenómenos e resolução de vários tipos de situações e problemas (OCDE, 2007, 2009a, 2009b). Na fase de 2009, as capacidades de leitura receberam maior realce. Os países participantes no PISA 2006 incluíam os 30 membros da OCDE e mais 27 parceiros dessa organização. Em 2009 o número total de participantes era de 65, englobando os 33 membros da OCDE e mais 32 parceiros.

Os resultados alcançados em Portugal geraram frequentemente insatisfação. É possível comparar a recepção dos dados do PISA aqui em Portugal com a recepção, por exemplo, em França. Mons e Pons (2009) notaram uma tendência por parte da comunicação social para realçar os aspetos negativos dos resultados franceses. Essa tendência evidencia-se igualmente nalguns títulos encontrados em jornais portugueses: "Alunos portugueses sem competências na Matemática" (2004); "Um quarto dos alunos só domina as competências mais simples a ciências" (2007); e "Portugal abaixo da média da OCDE", artigo que afirma "Portugal ficou abaixo da média da OCDE em todas as categorias. E acabou em 37º lugar numa lista de 57 países" (2009: parágrafo 1).

Na fase do programa efetuada em 2009, os dados e os discursos viraram a página: pela primeira vez, o desempenho dos alunos portugueses foi considerado estatisticamente “médio”. Viveu-se um breve momento de contentamento devido a

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estes resultados, que, quase logo a seguir, deu origem, nos blogues e jornais, a questionamento da qualidade da amostra, e a insinuações de um enviesamento propositado. Outros discordaram, porém, destes ataques, procurando outras explicações para o grande salto no desempenho (Conboy, 2010, 2011).

Este era, então, o contexto geral que rodeava a publicação, em dezembro de 2010, dos resultados do PISA 2009. Os resultados e o discurso que os circunda levantam diversas perguntas a que podemos responder aproveitando os dados do próprio programa PISA.

Perguntas de investigação

Com base nos dados do PISA 2006 e PISA 2009, pretendemos responder a uma série de perguntas. Qual a associação entre a condição de retenção e o desempenho a ciências? Relativamente à retenção, como caraterizar a situação de Portugal perante os outros países que participaram no PISA 2006 e 2009? Será a situação de Portugal semelhante ou diferente da de outros países da OCDE? Procuramos saber também, quem fica retido em Portugal: quais as caraterísticas dos alunos retidos em termos de estatuto socioeconómico e cultural, sexo, tipo e localidade da escola, estatuto de imigrante e rendimento familiar? E, finalmente, utilizando uma análise multi-nível, e controlando as variáveis nível socioeconómico e cultural do aluno e da escola, qual o efeito de ficar retido no desempenho do aluno a ciências? A existência de dados para 2006 e 2009 permite efetuar comparações entre as duas fases e averiguar tendências ao longo do tempo.

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Método

Amostra

No PISA 2006, a amostra portuguesa foi constituída por 5109 alunos (provenientes de 173 escolas). Dos dados assim obtidos, 96 casos continham valores omissos relativamente à questão do ano de escolaridade, ficando a nossa amostra reduzida a 5013 alunos. A amostra de 2009 incluía 6298 alunos em 214 escolas; 5951 apresentavam dados completos para efeitos das análises que efetuámos. Todos os alunos tinham entre 15 anos e três meses e 16 anos e dois meses de idade, e frequentavam, no mínimo, o 7º ano de escolaridade. 1

Na fase de 2009, o programa PISA incluiu, pela primeira vez, variáveis que tratavam da questão da retenção escolar—se um aluno tinha sido retido, quantas vezes e em que nível escolar. Não havendo nenhum item no PISA 2006 que identificasse diretamente os alunos que ficaram retidos pelo menos uma vez num ano escolar, usámos a operacionalização descrita por Moreira, Santos e Conboy (2010), que tem por base a legislação em vigor na época da primeira matrícula dos alunos participantes no PISA 2006 bem como as suas idades medidas em meses.2

Este procedimento permite, por exemplo, comparar o desempenho dos alunos do 9º ano que nunca foram retidos com o desempenho dos que repetiram um ano.

1O processo de amostragem do PISA pode conduzir ao efeito estatístico de inflação do valor do erro padrão. Nomeadamente, se forem usados testes paramétricos normais que pressupõem uma amostragem aleatória, isso pode levar a uma subestimação do erro padrão e a uma tendência sistemática de erros do Tipo I (ou seja, rejeitar uma hipótese nula e encontrar "significância", quando se deve reter a hipótese nula). Ver nota 3.

2De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro) e o Decreto-Lei n.º 301/93, que se encontrava em vigor na época de matrícula dos alunos que eventualmente fariam parte da amostra do PISA 2006, era obrigatória a entrada no ensino básico dos alunos que completassem os seis anos de idade até 15 de setembro e era permitida a antecipação da matrícula para os alunos que completassem os seis anos entre esta data e 31 de dezembro do ano em que se inicia o ano letivo. Assim sendo, os alunos nascidos em janeiro de 1991 e que se encontravam no 9º ano estavam no ano correto relativamente à idade. Os alunos nascidos antes de janeiro de 1991 que se encontravam no 9º ano tinham repetido uma vez.

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Procedimento

Os dados foram analisados utilizando o programa estatístico Statistical

Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0, bem como os macros e ficheiros syntax disponibilizadas pela OCDE (OCDE, 2009b). Utilizou-se ainda o programa

estatístico HLM versão 6.08 (Raudenbush e outros, 2004) para análises do tipo multi-nível. Todos os valores médios apresentados na seção Resultados foram devidamente pesados, derivando do valor médio de 80 réplicas sobre cada um dos cinco valores plausíveis que constavam na base de dados (OCDE, 2009b; Rutkowski e outros, 2010).3

Resultados

Retenção e desempenho a ciências

A Figura 1 apresenta a performance média a ciências em Portugal e ainda, os valores médios por ano de escolaridade e condição de retenção, no PISA 2006 e 2009. Consideremos primeiro os dados de 2006. O valor médio de Portugal (linha tracejada “Portugal 2006”) é de 474, tal como apresentado nos relatórios do PISA

3O PISA reporta valores de variáveis como a performance do aluno através de cinco valores plausíveis por variável, os quais têm como objetivo reduzir o erro ao inferirem sobre a população alvo, permitindo, desta forma, obter estimativas não enviesadas (OCDE, 2009b; von Davier, Gonzalez, e Mislevy, 2009). Os valores plausíveis, obtidos através da imputação múltipla (von Davier e outros, 2009), facultam uma representação do leque de capacidades que um aluno pode ter (Wu e Adams, 2002, citado por OCDE, 2009b), isto é, são valores aleatórios de distribuições posteriores das capacidades do aluno. Como não são pontuações individuais, nunca são usados para estimativas individuais de performance.

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(OCDE, 2007), e assim inferior ao da OCDE padronizado em 500. Contudo, quando os valores são analisados por ano de escolaridade e condição de retenção, ficamos com uma visão mais precisa da realidade portuguesa.

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Figura 1.1

Performance média a ciências por ano de escolaridade e condição de retenção, PISA 2006 e 2009

[Extratexto-Nome do Ficheiro: Conboy_fig1_1 .JPEG]

Nos dados respeitantes a 2009, observamos aumentos no desempenho dos alunos em ciências em todos os anos; no 10º ano esse aumento é o mais pequeno. Notamos que esse grupo do 10º ano, embora esteja “estável” no desempenho, tem um valor médio acima da média da OCDE, quer em 2006 quer em 2009. (Tenhamos em atenção que o 10º ano é o ano “correto” para a grande maioria dos alunos de 15 anos de idade em Portugal. Ou seja, o currículo estudado no 10º ano é o currículo “adequado” para esse grupo etário).

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Inserir aqui a Figura 1.2

Figura 1.2

Comparação da proporção de alunos por ano de escolaridade nas amostras do PISA 2006 e 2009

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[Extratexto- Nome do Ficheiro: Conboy_fig1_2.JPEG

Entre 2006 e 2009, houve uma evolução das amostras do PISA em Portugal. A Figura 1.2 mostra essas tendências. A proporção de alunos de 15 anos de idade que frequentavam o 7º e 8º anos baixou entre 2006 e 2009; a proporção frequentando o 10º e 11º aumentou; e no 9º ano a proporção parece estável. Estas alterações na natureza da amostra provavelmente resultam de taxas de retenção que, lentamente, vão diminuindo, bem como da implementação de legislação que permite alunos sobredotados avançarem um ano escolar. Só por si, esta diferença na constituição das amostras pode influenciar os resultados produzindo o tipo de salto que foi observado em 2009.

Retenção em Portugal e noutros países

Em 2006, o PISA não dispunha de uma variável que permitisse uma comparação simples entre taxas de retenção. Mesmo assim, a proporção de alunos que, em cada país, frequentava o 7º e o 8º ano, pode facultar informação útil sobre os níveis de retenção.

Os dados do PISA indicam que, em 2006, 5.7% dos alunos portugueses com 15 anos de idade estavam a frequentar o 7º ano de escolaridade. Dos 57 países participantes no PISA 2006, apenas quatro tinham uma proporção de alunos no 7º ano superior à de Portugal: Brasil, Macau, Tunísia e Uruguai. Nenhum destes países é membro da OCDE. No 8º ano encontravam-se 11.7% da amostra portuguesa do

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PISA 2006. Nove participantes excederam esse valor: Brasil, Estónia, Liechtenstein, Letónia, Macau, Tunísia, e três países da OCDE, Alemanha, Luxemburgo e Suíça.

No PISA 2009, há mais dados disponíveis respeitantes à retenção, o que permite efetuar uma comparação, quer entre países quer ao nível do ensino (1º ciclo ISCED 1 e 2º ciclo ISCED 2). Os alunos portugueses que nunca foram retidos no 1º Ciclo representam 78,2% da amostra de 2009. Os parceiros do PISA que detêm valores inferiores (ou seja, indicando maior taxa de retenção) são dois: Brasil (76,1%) e Macau (76,9%). No 2º Ciclo, os alunos portugueses que nunca foram retidos representam 79,6% da amostra. Mais uma vez, há poucos participantes do PISA que excedem este nível de retenção: Brasil (73,0% nunca retidos), Espanha (73,0%) e Panamá (73,2%).

Concluímos que as práticas de retenção escolar em Portugal são elevadas e fora do normal quando se comparam com os valores observados nos parceiros do PISA, quer membros quer não membros da OCDE.

Quem fica retido em Portugal?

Tendo-se concluído dos níveis elevados de retenção em Portugal, perguntamos se a retenção é aplicada de uma maneira equitativa. Apresentam-se na Tabela 1.1 as percentagens de alunos que, nas amostras portuguesas do PISA 2006 e do PISA 2009, tenham sido retidos pelo menos uma vez. As percentagens são apresentadas segundo uma série de indicadores sociodemográficos: sexo, país de origem, estatuto de imigrante, língua falada em casa, tipo e localidade da escola, e rendimento familiar. A Tabela inclui uma medida de magnitude de efeito, V de Cramér, que avalia a dependência entre retenção e cada uma das dimensões analisadas. Todas os valores de V de Cramér observados eram significativos a nível

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p < 0,001, indicando que provavelmente existe uma associação entre a dimensão e

o uso da retenção. As magnitudes dos efeitos observados são geralmente pequenas e, como tal, devemos tratar esta significância com cautela — ela pode ser principalmente uma função do grande número de casos incluídos nas análises. Mesmo assim, a conclusão geral que emerge da análise da Tabela 1.1 é uma conclusão de desigualdade na aplicação da retenção escolar.

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Inserir aqui a Tabela 1.1

Tabela 1.1

Caraterísticas dos alunos retidos em Portugal: PISA 2006 e 2009

[Extratexto- Nome do Ficheiro: Conboy_tab1_1.docx]

aPercentagem de alunos retidos pelo menos uma vez. bV V de Cramér.

* p< 0,001.

Em primeiro lugar, verificamos que os rapazes são retidos mais frequentemente que as raparigas, e os alunos provindos de escolas públicas são retidos mais frequentemente que os que estudam em escolas privadas. Três

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variáveis relatadas na Tabela tratam da situação de alunos que provêm de outros países e falam outras línguas. Nestas três variáveis é evidente que a maneira como a retenção é aplicada favorece os alunos nativos (embora estes também se apresentem com uma taxa elevada). Os alunos que vivem em localidades mais pequenas são retidos mais frequentemente que os alunos das cidades. Finalmente, recorrendo às categorias de rendimento anual familiar usadas pelo PISA, verifica-se que os alunos mais desfavorecidos têm uma probabilidade de verifica-serem retidos cinco vezes maior que os alunos do nível socioeconómico mais alto.

A segunda grande conclusão que retiramos da Tabela 1.1, mais otimista, é que a situação parece ter mudado entre 2006 e 2009, no sentido de maior equidade. De facto, e refletindo a tendência geral para uma redução em Portugal nas taxas de retenção, entre 2006 e 2009 há igualmente uma redução na retenção em quase todas as categorias específicas consideradas. A redução mais notória diz respeito às taxas de retenção entre imigrantes. Embora estes continuem a dar origem a dependências estatisticamente significativas, a magnitude de efeito observada em 2009 fica na ordem de metade da magnitude observada em 2006 para as variáveis país de origem, estatuto de imigrante e língua falada em casa.

Nalguns casos observamos, no entanto, aumentos na retenção, nomeadamente nas localidades mais pequenas e na “classe média” (identificada pelo rendimento familiar).

Qual o efeito de ter sido retido?

Finalmente, utilizando uma análise multinível HLM, e controlando as variáveis do nível socioeconómico e cultural do aluno e da escola, pergunta-se qual

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o efeito de ficar retido, no desempenho do aluno a ciências. A existência de dados para 2006 e 2009 permite efetuar uma comparação entre as duas fases de testagem e averiguar tendências ao longo do tempo.4

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Inserir aqui a Figura 1.3

Figura 1.3

Dois modelos multinível: Contributos relativos para o desempenho a ciências (PISA 2006 e 2009)

[Extratexto -Nome do Ficheiro: Conboy_fig1_3.JPEG]

Para os dados de 2006, cerca de 33% da variação no desempenho dos alunos a ciências resulta da diferença entre escolas. Em 2009, o valor baixou para 29%, indicando um ligeiro decréscimo na importância das diferenças entre escolas

4 O tipo de análise multinível HLM (Raudenbush e outros, 2004) permite

criar e testar modelos estatísticos para sujeitos associados em grupos e fazer, para cada nível, estimativas dos contributos relativos dos diferentes fatores. Na presente análise, criamos modelos que descrevem alunos (nível 1) dentro de escolas (nível 2). As variáveis no modelo final (após eliminação de variáveis que não detêm poder de previsão) são (a) Estatuto de Retenção do aluno (nunca retido ou retido pelo menos uma vez); (b) Estatuto Socioeconómico cultural do Aluno; (c) Estatuto Socioeconómico cultural da Escola.

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na variabilidade do desempenho a ciências. Por outras palavras, parece ter havido uma maior homogeneidade das escolas em 2009.

Na Figura 1.3 encontram-se representados os resultados dos modelos HLM para a performance a ciências dos alunos portugueses, no PISA 2006 e no PISA 2009. No modelo correspondente aos dados de 2006, todos os fatores analisados tiveram efeito significativo no desempenho dos alunos a ciências, porém, a variável previsora retenção foi a que conduziu a uma maior flutuação no valor da performance a ciências. Nomeadamente, para um aluno típico em 2006, e considerando outros fatores constantes, o modelo prevê um desempenho a ciências de 479,1 pontos. Se o aluno nunca foi retido, o modelo prevê que esse valor médio aumente 84,9 pontos (isto é, o valor típico previsto é de 564 pontos). O modelo também prevê benefícios para o aluno cujo estatuto socioeconómico cultural seja médio (+10,8 pontos) e para o aluno que frequente uma escola que tenha um estatuto socioeconómico cultural médio (+16,7 pontos).

Um quadro semelhante emerge nos dados de 2009. Mais uma vez, todos os fatores analisados tiveram efeito significativo. Para um aluno típico em 2009, e considerando outros fatores constantes, o modelo prevê um desempenho a ciências de 491,8. Este aumento relativo a 2006 reflete o salto relatado pela OCDE. Para o aluno que nunca foi retido, o modelo aumenta esse valor 77,3 pontos (isto é, o valor típico previsto é de 569,1 pontos). Para o aluno que frequenta uma escola que tem um estatuto socioeconómico cultural médio são previstos 16,5 pontos adicionais. O modelo prevê um benefício de 14,7 pontos para o aluno cujo estatuto socioeconómico cultural seja médio.

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Discussão

Durante a preparação deste capítulo, a OCDE publicou um relatório baseado em visitas de estudo a Portugal (Santiago e outros, 2012). Os autores do relatório chegaram a muitas das mesmas conclusões inferidas a partir das nossas análises. Recomendam que as autoridades portuguesas atuem de maneira a reduzir a retenção escolar, tratando a mesma, definitivamente, como uma intervenção educativa não eficaz.

Observámos que Portugal se encontra entre os países com maior retenção. Segundo as nossas observações empíricas, as práticas de retenção em Portugal estão fora do que é normal na OCDE e em muitos outros países participantes no programa PISA. A amostra portuguesa inclui números substanciais de alunos de 15 a 16 anos que frequentam o 9º, 8º, e 7º anos. Mais, as amostras do PISA 2006 e 2009 não abrangiam alunos que frequentavam anos de escolaridade inferiores ao 7º ano por uma razão simples os critérios de selecção da amostra não o permitiram. Antes da OCDE impor essa condição, na fase de testagem de 2000, a amostra em Portugal incluía alunos de 15 anos que frequentavam até ao 5º ano de escolaridade.

Verificámos também que a prática de retenção mostra desigualdades sistemáticas. Entre os grupos em que existe maior probabilidade de ficar retido constam os rapazes, os imigrantes, os que frequentam escolas públicas ou escolas localizadas em meios mais pequenos, e aqueles que têm menores recursos económicos. Embora todos estes fatores apresentassem associações com a retenção estatisticamente significativas, os últimos dois apresentam magnitudes de efeito que também conferem uma significância prática. No que respeita ao facto

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de existirem tais associações específicas, estes resultados para Portugal são consistentes com o que tem sido observado noutros contextos internacionais, designadamente em relação à maior frequência de retenção nos meios mais pequenos (El-Hassan, 1998; Gomes-Neto e Hanushek, 1994; King e outros, 1999) e entre rapazes (Heubert e Hauser, 1999). A questão da relação entre retenção e estatuto de imigrante é mais complexa, e os dados do PISA não são muito esclarecedores. Embora confiemos nos dados apresentados nesse âmbito, a sua interpretação requer cautela. Os dados mostram claramente que o aluno imigrante tem maior probabilidade de ficar retido. Contudo, as razões para a retenção podem ser diversas, sendo o insucesso escolar apenas uma, e estando as dificuldades linguísticas, provavelmente, entre as principais causas. Não sabemos com que idade os alunos imigrantes entraram no sistema de ensino português, podendo essa idade constituir um fator explicativo importante. Por outro lado, as dificuldades linguísticas não devem ser consideradas uma causa principal de retenção entre alunos imigrantes de países onde a língua portuguesa é falada regularmente (Brasil e PALOP).

As análises permitiram uma comparação entre o uso de retenção na amostra de 2006 e na de 2009. É especialmente notória a diferença observada nos imigrantes. Embora continuem a apresentar grandes taxas de retenção, os níveis estão a baixar. E embora as associações entre várias dimensões do estatuto de imigrante, por um lado, e a retenção escolar, por outro, sejam estatisticamente significativas, a magnitude do efeito das dependências mostra uma evolução no sentido de maior equidade.

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A relação entre ficar retido uma, duas ou três vezes e o desempenho a ciências foi evidenciado na Figura 1.1. Embora essa relação seja clara e linear, aconselha-se prudência na interpretação da mesma, lembrando que representa uma relação post hoc, e não um efeito causal. Os valores médios do desempenho, em cada subgrupo de alunos da amostra portuguesa, resultam de combinações complexas de fatores como a inteligência do aluno, o currículo estudado, a qualidade do ensino, entre outros. No entanto, mesmo considerando o efeito dessas combinações complexas, a verdade é que os dados nos mostram um resultado académico indesejado associado à retenção. Necessita-se de mais investigação que controle os efeitos daqueles fatores para clarificar a natureza de potenciais relações causais entre a retenção e o desempenho a ciências.

Uma das observações surpreendentes relaciona-se com a variável do estatuto retido/nunca retido. Constatámos que esse fator é uma variável previsora mais forte que o próprio estatuto socioeconómico e cultural. Quer em 2006 quer em 2009, o benefício esperado num aluno nunca retido relativamente a um aluno retido pelo menos uma vez, foi na ordem de 80% de um desvio-padrão. Isto é de especial interesse quando comparado com os valores associados ao estatuto socioeconómico e cultural do aluno e da escola que rondam 10% e 17% de um desvio-padrão, respetivamente.

Tendo feito estas observações apontamos as principais limitações do estudo. Uma das limitações que deve ser sempre tomada em conta é a natureza

post hoc dos dados. Os dados PISA são muito úteis a nível de descrição, comparação

e associação. Mas, por si só, não justificam interpretações de relações causais. Mesmo assim, quando as associações observadas são colocadas num contexto

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teórico e de modelagem estatística, podem ser úteis na construção de modelos de presumível causalidade. Uma outra limitação tem a ver com o facto de que o fator de inteligência do aluno não foi controlado nesta análise e, presumivelmente, é confundido com a dimensão retido/não retido. Face à natureza dos dados do PISA, não é possível separar os efeitos. Mesmo assim, o facto de o grupo não retido, do 10º ano de escolaridade, conseguir alcançar, quer em 2006 quer em 2009, um valor médio acima do valor médio da OCDE implica que a fraca performance média dos alunos portugueses relatada nos relatórios do PISA não se deve a currículos inadequados ou a um ensino aquém do esperado. Pelo contrário, estes dados sugerem que o problema reside na avaliação dos alunos, e especialmente nas práticas de uso excessivo da retenção.

As práticas de retenção académica no ensino básico em Portugal continuam a ser excessivas e socialmente injustas. No entanto, tendem a diminuir os dados mostram uma evolução positiva entre 2006 e 2009. Apresentamos a seguir uma série de recomendações relativas (a) ao programa PISA; (b) ao debate público; e (c) à política educativa.

Recomendações para o programa PISA

A principal utilidade de programas de avaliação como o PISA reside no seu valor informativo e não na frequente seriação de países, escolas ou alunos. Assim, qualquer incremento na qualidade da informação facultada pelo programa é importante para todo o processo educacional dos países envolvidos. A inclusão, em 2009, de uma variável que ajude a identificar rapidamente o número de retenções

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sofridas por um aluno representou, como vimos, uma melhoria de grande importância para Portugal.

Constatámos que um número substancial de casos, quer em 2006 quer em 2009, possuía valores omissos, por exemplo para o ano de escolaridade. Embora estes casos representem uma proporção reduzida da amostra total, é difícil imaginar a justificação para esse facto. Tratando-se de uma variável em que todos os elementos de um subgrupo partilham o mesmo valor, deveria ser uma tarefa de mínima dificuldade garantir, ao nível da escola, ou ao nível do GAVE, a codificação e introdução na base de dados desse mesmo valor.

Recomendações para o debate público

Ao longo do trabalho, distinguimos entre retenção, por um lado, e termos como recuperação, repetição e reprovação por outro. Favorecemos o termo

retenção que parece ser o mais preciso e o mais neutro para descrever este

fenómeno académico. Um aluno que fica retido pode aproveitar o tempo extra de diversos modos – pode ficar retido e ser sujeito à mera repetição da matéria curricular do ano anterior. Em muitos casos é precisamente isso que acontece (Brophy, 2006), mas não é inevitável; há outras opções. Um aluno pode ficar retido noutras condições que impliquem uma recuperação específica em vez da mera repetição do ano. E isso pode ser efetuado sem o estigma da reprovação.

Estas distinções semânticas poderão ser úteis numa reformulação, indispensável, do discurso público sobre a retenção académica. Os dois campos opostos que emergem nesse discurso (defensores da posição de "acabar com os chumbos" versus críticos do "facilitismo"), alimentados pela comunicação social e

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pelos partidos políticos, terão de ser substituídos por posições intermédias, sensatas, que têm por base uma leitura ponderada da investigação empírica. O discurso atual é ineficaz para clarificar posições que conduzam a um maior sucesso escolar e desse modo, a um menor abandono da escola. A reformulação deste discurso propiciará a possibilidade de desenvolvimento de abordagens adequadas ao contexto português, abordagens que tendam a reduzir a necessidade percebida de retenção excessiva e substituam a mera repetição de um ano académico pela prevenção ou recuperação específica. Um dos objetivos da educação numa sociedade democrática deverá ser a implementação de alterações estruturais que reduzam a necessidade de recorrer à retenção, como primeira instância. O resultado será uma redução gradual da taxa de retenção, com os benefícios académicos consequentes, previsíveis de acordo com os dados, e com as conceções teóricas.

Recomendações em termos de política educativa

Finalmente, consideramos as implicações relativas às práticas específicas a nível da escola, com o necessário envolvimento do Ministério. Identificámos anteriormente dois fatores fundamentais para guiar a procura de soluções no contexto português. As propostas para a mudança deverão (a) reduzir a necessidade percebida de retenção excessiva; e (b) substituir a mera repetição de um ano académico por prevenção ou recuperação específica. Juntamos a isso a ideia de que as soluções não se encontram em políticas de retenção, nem em políticas de promoção social, mas sim nas oportunidades de aprendizagem. Reforçando o que já foi dito, reiteramos que é importante evitar uma análise simplista que coloque em conflito duas posições arquétipos: práticas que tratam a

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retenção como um recurso educacional essencial e práticas de facilitismo de promoção académica automática ou de promoção social.

Neste sentido, Darling-Hammond (1998) argumenta que, embora os efeitos negativos da retenção sejam cada vez mais evidentes, isso, por si só, não se deve tornar num argumento para "acabar com os chumbos". A autora apresenta quatro grandes estratégias para melhorar o ensino e o desempenho dos alunos, diminuindo assim a incidência da retenção: (a) desenvolvimento profissional dos professores; (b) reorganização do sistema escolar; (c) serviços e suportes dirigidos diretamente a quem precisa; e (d) melhor uso da avaliação de conhecimentos para apoiar o desenvolvimento de um bom ensino. Aproveitamos esta estrutura para enquadrar a seguinte discussão de ideias, considerando o contexto português.

Desenvolvimento profissional. Em Portugal, as tendências demográficas e a

metamorfose social dos últimos 40 anos podem deixar os professores mal preparados para as consequências das situações com que são hoje confrontados, designadamente, a imigração, mudanças curriculares, avanços tecnológicos, culturas juvenis e políticas de inclusão. O desenvolvimento profissional de professores é uma condição indispensável para uma educação e uma formação de alta qualidade (Comissão Europeia, 2007). O desenvolvimento profissional dos professores, que inclui a reflexão crítica sobre a sua aprendizagem, conhecimentos e práticas, bem como a atualização permanente de conhecimentos, pode conduzir a uma "personalização" do ensino indicada por Darling-Hammond (1998) e Owings e Kaplan (2001) como fator importante na redução de retenção.

Organização escolar. Ao repensar a organização das escolas e sistemas

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Isto implica uma monitorização constante de alunos nas primeiras fases de desenvolvimento das competências de literacia. Se tal não resultar, então o sistema deve facultar opções de intervenção precoce e oportunidades extra para a aprendizagem (Bophy, 2006). A retenção de um aluno que não sofre nenhuma dificuldade específica – um aluno dito "normal" – é tanto indicativa do fracasso do sistema escolar como do fracasso do aluno.

A organização escolar tem que ter em conta a nova realidade de Portugal como um país com muitos imigrantes. O desenvolvimento de competências linguísticas básicas para imigrantes deve ser um objetivo fundamental do sistema escolar.

Um maior envolvimento dos pais na educação dos seus filhos será um fator que poderá ajudar a reduzir a necessidade de recorrer à retenção. É necessária mais investigação sobre, exatamente, que tipo de envolvimento será o mais eficaz. Mas, como hipótese de trabalho, sugerimos que o modelo de "apoio dos pais em casa" é de maior eficácia do que o modelo de "presença dos pais na escola".

Os sistemas escolares poderiam encorajar a continuidade da atribuição dos mesmos professores a um determinado grupo de alunos por um número de anos razoável. Uma maior duração de contato com os mesmos alunos permite aos professores conhecê-los melhor e assim compreender os tipos de dificuldades que possam sentir. Tal política de continuidade é considerada uma arma útil na luta contra o insucesso e a retenção (Darling-Hammond, 1998; Owings e Kaplan, 2001). A inconveniência de um aluno ficar sujeito por mais tempo a um professor com menor aptidão pedagógica pode ser atenuada pela utilização de equipas de professores, em vez de professores únicos, especialmente no 1º ciclo.

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Darling-Hammond (1998) descreve uma estrutura escolar adotada na Prússia no século XIX em que foi feito o agrupamento de alunos por turma com base na idade. A autora defende que é altura de repensar a variável idade como o fator primordial na construção inicial de turmas, permitindo maior variabilidade e heterogeneidade dos grupos, sem qualquer conotação de incompetência ou reprovação. Contudo, Brophy (2006) descreve essa abordagem multi-idade como controversa, citando investigação que indica que os alunos mais velhos da turma têm sempre maior probabilidade de abandonar a escola, seja qual for a razão porque são os mais velhos. Holmes (2006) também cita investigação que indica que um aluno com um ano de idade a mais dos seus pares na turma tem maior probabilidade de exibir problemas de comportamento. Porém, o assunto requer mais investigação, nomeadamente no contexto português.

O fator idade também figura na observação de Corman (2003) que notou uma associação entre a data de nascimento limite para entrada na escola e a taxa de retenção. Nomeadamente, nos países que usam, como limite para a entrada na escola, um determinado mês de nascimento, a taxa de retenção é maior. Note-se que Portugal integra este grupo de países. Assim, uma mudança organizacional a estudar seria, simplesmente, adiar a entrada na escola dos alunos mais novos, substituindo a data limite de 31 de Dezembro por 30 de Novembro, por exemplo, ou eventualmente 31 de Outubro. Tal alteração poderia entrar em vigor gradualmente, por escolas ou regiões, permitindo condições favoráveis para investigação longitudinal. Contudo, antes de propor uma data limite específica, será necessário realizar mais investigação para saber a natureza da referida relação, no contexto português. Uma tal investigação é especialmente importante

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considerando o conflito aparente entre a posição de Brophy (2006) e de Darling-Hammond (1998).

Serviços e suportes. As iniciativas pedagógicas dirigidas aos alunos que têm

alguma dificuldade na aprendizagem de uma matéria específica devem estar disponíveis de forma rotineira. As condições ideais preveem apoio diretamente ligado à matéria a ser estudada, efetuado por alguém que conhece bem os objetivos do professor e que compreende as dificuldades que o aluno está a sentir. Fornecer este tipo de apoio representa um grande desafio e, sem qualquer dúvida, pode constituir um grande peso nos recursos da escola. Mas é possível fazê-lo: por exemplo, na Finlândia o sistema faculta aos alunos do ensino secundário a possibilidade de frequentar voluntariamente um ano extra de escola (Välijärvi e Sahlberg, 2008). Não havendo possibilidade de, entre nós, ir tão longe, continuam a existir estratégias praticáveis no contexto português. Algumas utilidades das Tecnologias da Informação e da Comunicação, como a plataforma Moodle e os

blogs, podem auxiliar professores e escolas no sentido de facultar serviços e

suportes aos alunos.

Avaliação de conhecimentos que informa o ensino. Os professores têm que se

consciencializar que os resultados de um teste dizem tanto sobre o professor e o próprio teste, como sobre o aluno. Devem compreender que o teste não serve apenas para seriar os alunos, mas sim, que constitui um componente importante na avaliação da qualidade do ensino e uma informação útil num eventual ajuste deste às necessidades dos alunos. O uso de uma variedade de tipos de avaliação ajudará o professor a tomar conhecimento sobre o seu ensino. Como escreveu Brophy (2006: 25): "The point of assessment is to identify and follow up on unmet

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instructional needs, not just document failure and move on" (O objetivo da avaliação é identificar e acompanhar as necessidades de aprendizagem não atendidas, e não apenas documentar fracasso e seguir em frente).

.

Durante a preparação deste capítulo, o Ministério da Educação e Ciência (2012) apresentou um plano para a revisão da estrutura curricular que prevê a atualização do currículo, melhor acompanhamento dos alunos, e um aumento da autonomia das escolas. Prevê-se a implementação de exames no final do 1º ciclo do ensino básico, contribuindo esses exames para uma percentagem da avaliação somativa do aluno. Vamos ter de esperar para ver qual o efeito destas medidas, e se a ênfase estará colocada, verdadeiramente, no projetado acompanhamento dos alunos ou se, pelo contrário, acentuará uma avaliação tradicional resultando na mera seriação dos alunos.

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Figura 1.1

Performance média a ciências por ano de escolaridade e condição de retenção, PISA 2006 e 2009

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Figura 1.2

Comparação da proporção de alunos por ano de escolaridade nas amostras do PISA 2006 e 2009

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Figura 1.3

Dois modelos multinível: Contributos relativos para o desempenho a ciências (PISA 2006 e 2009)

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Tabela 1.1

Caraterísticas dos alunos retidos em Portugal: PISA 2006 e 2009

2006a Vb 2009a Vb Tendência Sexo Rapariga 34,2% 31,5% Rapaz 45,5% 0,12* 42,9% 0,12* País de Portugal 37,8% 36,3% Origem Brasil 63,4% 53,3% PALOP 72,2% 68,8% Outros UE 46,7% 40,0% Eur. Lestenão EU 81,0% 79,5% Outros paises 50,3% 0,12* 41,7% 0,08* Estatuto Nativo 38,1% 36,2% Imigrante 1ª Geração 66,5% 49,9% 2ª Geração 49,5% 0,11* 42,8% 0,05* Língua em Português 38,2% 36,7% casa Outra 65,0% 0,08* 52,4% 0,04* Tipo de Pública 41,1% 39,0% Escola Privada 27,8% 0,09* 25,5% 0,10* Localização Aldeia 60,6% 71,5% da Escola Pequena Vila 48,2% 41,0% Vila 33,4% 34,1% Cidade 30,7% 24,6% Grande Cidade 27,4% 0,20* 23,6% 0,20* Rendimento < 1 66,1% 52,0% Anual 1 a 15 15.000€ 43,2% 40,6% (1.000€) 15 a 20 20.000€ 27,8% 32,7% 20 a 25 23,2% 29,5% 25 a 30 19,6% 25,3% > 30 13,1% 0,32* 10,4% 0,32

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