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PINTURAS DE TREZENTOS ANOS DESCOBERTAS NAS PARIETAIS DA CAPELA-MOR DA IGREJA MATRIZ DE CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO

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Academic year: 2021

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PINTURAS DE TREZENTOS ANOS DESCOBERTAS NAS

PARIETAIS DA CAPELA-MOR DA IGREJA MATRIZ DE

CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO

SENRA, Dulce Azeredo (1); DIAS, Tereza (2); GODOY, Sandra (3)

1 - dulce.azeredo@gmail.com 2- artememoriacore@ig.com.br 3 - sandragodoybr@hotmail.com

RESUMO

O presente artigo objetiva apresentar a pintura parietal da capela-mor da Igreja Matriz da cidade de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, com cenas representativas da vida de Nossa Senhora e de Jesus, emolduradas por extensa trama arquitetônica. A pintura foi descoberta no ano de 2014, durante os trabalhos de restauração da igreja, após remoção da repintura realizada no início do século XX. A pintura original encontrada, - em tons terrosos, penumbrista, com o requinte de sua feitura, o uso da imprimatura e a qualidade do material empregado, - traz informações distintas e proporciona novas discussões e estudos sobre o acervo setecentista da cidade de Conceição e da região diamantina.

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Nossa intenção, neste trabalho, é trazer ao conhecimento público um rico acervo cultural, até então desconhecido, com pinturas de cenas religiosas realizadas no início dos setecentos, e que está sendo resgatado por um processo de restauração. Essas pinturas vêm adicionar novas informações para a compreensão da arte pictórica barroca dessa região, e particularmente de Conceição do Mato Dentro, pois, até o presente momento, todos os registros escritos sobre os elementos artísticos da igreja matriz não mencionam essas pinturas, assim como não foi encontrada também qualquer documentação referente a elas. Essa descoberta possibilita assim, novas pesquisas documentais e discussões sobre o patrimônio histórico dessa região em que

Minas Gerais foi, durante todo o século XVIII, a capitania do Brasil colonial sobre a qual recaíram todas as atenções. A descoberta das minas trouxe a primeira grande movimentação populacional do Brasil colônia para o interior. Em pouco tempo, o ouro de aluvião tornou-se escasso, surgindo a necessidade de técnicas mais elaboradas para a extração e, por conseguinte, a fixação das pessoas no lugar. Começaram a surgir os arraiais, depois transformados em vilas. Os habitantes se organizavam para construir as capelas que resultariam na Matriz. Em Conceição do Mato Dentro, foi Gabriel Ponce de Leon, rico proprietário de sesmarias, quem mandou construir, por sua conta, a primeira Capela da Senhora da Conceição e quem adquiriu em Itu, em 1703, a atual imagem da Padroeira. No livro primeiro do Registro dos Quintos da Vila do Príncipe, do ano de 1715, já existe a seguinte referência: “o capitão Francisco Moreira Carneiro debaixo do juramento registrou os seus escravos junto ao Provedor do que possuía e mais cinco que trabalham nas obras da Igreja de Conceição do Mato Dentro.” (NEGRO, p. 99)

No dia 22 de junho de 1722, o visitador padre Antônio da Silva Prado, no capítulo primeiro de sua visita pastoral à igreja de Nossa Senhora da Conceição do Mato Dentro, fez a seguinte pontuação: “por achar o Rev.º Dr. Visitador esta Igreja principiada e feita já a capela-mor, com muita decência para o culto de Deus Nosso

“é a pintura que constitui, mais do que a arquitetura e a talha, o aspecto de maior significado do acervo de arte religiosa setecentista do município de Conceição. Os tetos pintados ou painéis de parede de suas igrejas e capelas, alguns deles lamentavelmente prejudicados pela ação do tempo, são obras quase sempre de alto nível de realização, que os especialistas consideram referências de importância na evolução da pintura colonial mineira, particularmente na da área diamantina” (Fundação JP, Análise e Conjuntura v.8, nº10, outubro de 1978, p.6).

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Senhor e para se celebrar o Sacrossanto Sacrifício da Missa (...).”(NEGRO, p. 99/100). Portanto, em 1722 a capela-mor já estava concluída. A irmandade de Nossa Senhora da Conceição era constituída de pessoas de cor branca. Antes da situação social ou profissional da cada indivíduo, era a condição racial que determinava a admissão nas irmandades, quando, na verdade, quase sempre a cor da pele se confundia com a categoria socioeconômica.

O trabalho de restauração das parietais é parte de um projeto muito maior: a restauração de toda a igreja matriz. A remoção da repintura confeccionada no início do século XX, precisamente no ano de 1933, estava contemplada no projeto. Essa camada era bastante espessa e retratava uma imitação de mármore em tons de azul claro e ocres, com janelas e colunas torsas envolvidas em guirlandas de flores, continuando o modelo da coluna presente no altar-mor. Algumas janelas de prospecção abertas na fase de projeto mostravam uma pintura subjacente de boa qualidade com elementos em cores bem escuras e vibrantes. Foram selecionados locais específicos para a abertura de mais janelas de prospecção e ampliação das existentes, para assegurar a presença da pintura original em toda a extensão das paredes em madeira que forram as estruturas em adobe. Durante o processo de remoção da repintura foram surgindo, na parte superior, cenas representativas da vida de Nossa Senhora: a Anunciação, a Visita a Santa Isabel, o Nascimento de Jesus, a Fuga para o Egito, a Circuncisão de Cristo e a Apresentação de Cristo no templo. Na parte inferior, foram identificados quatro quadros com pinturas que imitam azulejos portugueses, representando cenas do Batismo de Cristo, o Falso Pastor, o Verdadeiro Pastor e A Tentação de Cristo.

A camada pictórica encontrada possui composição, textura, brilho e coloração bem específicos do estilo barroco, de execução extremamente erudita. O cenário, em tons terrosos, penumbrista, é composto por uma densa trama arquitetônica formada por elementos monumentais, como pilastras, colunas com capitéis, arcadas, cornijas, cimalhas, guirlandas de flores, romãs, quartelões, cortinas e sanefas. Trata-se de uma pintura de arquitetura ilusionista com motivos religiosos.

Uma de suas características é a possível existência de imprimatura como base de preparação em toda a parietal. O termo imprimitura vem do italiano e significa “primeira camada”. Esse processo deve ser confundido com esboço ou velatura, que são fases de execução da pintura. A imprimatura é um acabamento do suporte e tem a importante função de isolá-lo da pintura e de proporcionar uniformidade tonal, auxiliando o pintor a estabelecer relações adequadas entre luz e sombra. A sua

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importância é grande na conservação e durabilidade da obra, pois aumenta o coeficiente de adesão das cores ao suporte e protege a pintura das movimentações deste, como mudanças de temperatura e umidade. O tipo de material empregado nas imprimaturas varia de acordo com a técnica pictórica, seja ela aquarela, afresco, têmpera, óleo, etc. Nas parietais da igreja matriz, é possível observar uma camada uniforme de pigmento terroso claro, como a terra de siena, e branco, unidos a um material adesivo.

Outra característica importante é a qualidade da técnica pictórica. As sucessivas camadas de cores escuras são aplicadas com tonalidades transparentes em sua maioria. Dessa forma, a imprimatura fica visível através das camadas finas da pintura. Algumas cores opacas e mais carregadas foram adicionadas, como o vermelho, para a base de algumas decorações, e o branco, para criar contraste.

As cenas retratadas nos azulejos foram retiradas das gravuras do livro de Bartolomeo Ricci, de 1607, citado por Hannah Levy (LEVY, 1942) e provavelmente utilizado pelo artista como referência. As gravuras eram muito usadas pelos artistas coloniais como modelos. Nas cópias das gravuras escolhidas para as parietais da matriz de Conceição, o autor manteve-se fiel às estampas do livro de Ricci, (RICCI, 1607) fazendo algumas modificações em que coloca sua interpretação pessoal. As figuras humanas possuem uma anatomia mais atarracada, com pequenas modificações nas vestes. As figuras de animais apresentam modificações mais marcantes. Na cena do Falso Pastor, as ovelhas se assemelham a porcos e, na Tentação de Cristo, o cervo também lembra o corpo de um porco. As imagens do fundo, que continham muitas informações sobre cada tema, foram substituídas por um cenário com construções e vegetação mais familiarizadas com a cidade. A gravura de onde foi retirado o desenho do Verdadeiro Pastor apresentava na cena de fundo o Falso Pastor com algumas ovelhas correndo e um lobo com uma ovelha na boca. O artista aproveitou as composições de uma mesma gravura para dois painéis. São reproduzidas fielmente as linhas de junção dos azulejos. Segundo Marcos Hill (HILL, 2009, p.267) era na Capela do Padre Faria, em Ouro Preto, que se encontrava, até então, o único caso com a preocupação de imitar o quadriculado das peças de cerâmica com tanta precisão. Os signos barrocos exibem um espaço social em que a glória e a opulência são formas de argumentação para a adesão às ideias religiosas. Antes disso, no século IV, eram pintadas cenas do Velho e do Novo Testamento com propósitos mais nobres. Elas serviam como livros para os iletrados, ensinando-lhes a história bíblica e incutindo neles a crônica da misericórdia de Deus. Alberto Manguel (MANGUEL, 1997)

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cita São Nilo de Ancira (hoje Ancara, cidade da Turquia), que viveu no século IV e foi fundador de um mosteiro perto de sua cidade Natal, como o primeiro defensor desse princípio. O papa Gregório, o Grande, dois séculos depois, faria eco às ideias de São Nilo: “Uma coisa é adorar imagens, outra é aprender em profundidade, por meio de imagens uma história venerável. Pois o que a escrita torna presente para o leitor, as imagens tornam presente para o analfabeto, para aqueles que só percebem visualmente, porque nas imagens os ignorantes veem a história que têm de seguir, e aqueles que não sabem as letras descobrem que podem, de certo modo, ler. Portanto, especialmente para a gente comum, as imagens são equivalentes à leitura”. (MANGUEL, p. 117).

Na restauração das pinturas parietais, foram realizados os processos de remoção de repintura, de desinfestação e imunização, de complementação e consolidação do suporte, além da aplicação do verniz de saturação. As intervenções estão sendo feitas com o maior respeito a esse importante patrimônio que está desativado há nove anos. Suas madeiras encontravam-se bastante atacadas por xilófagos, o que ocasionou uma ruptura da fibra em diversos pontos, sendo necessário o seu desmonte parcial para tratamento de sua resistência estrutural.

REFERÊNCIAS

Fundação JP, Análise e Conjuntura v.8, n°10, outubro de 1978.

HILL, Marcos. Reflexões sobre a pintura ilusionista parietal no período colonial mineiro. 2009. Disponível em http://borrocoerococoemminasgerais.blogspor.com.br/2009/03/reflexões-sobr-pintura-ilusuionista.s/d.

LEVY, Hannah. A pintura colonial no Rio de Janeiro. Revista do SPHAN. n. 6: Rio de Janeiro, 1942.

MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura; tradução Pedro Maia Soares São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

NEGRO, Carlos del. Nova contribuição ao Estudo da Pintura Mineira (Norte de Minas): pintura dos tetos de igrejas. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 1979 (Publicações do IPHAN; 29).

RICCI, Bartholomeo. Vita Dniesv Christi: ex uerbis evangeliorum in ipfifmet concinnata. Apud Barthol.Zancttum, Roma, 1607.

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Vista geral da parietal com a pintura de 1933

Abertura de janelas de prospecção

Remoção da pintura de 1933

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Nascimento de Jesus Cristo Painel “fuga para o Egito” após remoção

Reintegração cromática da pintura original

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Pintura com a cena do Batismo de Cristo e gravura utilizada como referencia do livro de Ricci

Pintura e gravura de referência da Tentação de Cristo

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A pintura do Falso Pastor usou como referencia a mesma gravura usada

Referências

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