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Cem anos de presença em território brasileiro, o pentecostalismo se reinventa IGREJAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL: PASTORES-PRESIDENTE

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Resumo: este artigo basicamente será construído a partir das observações empíricas e entrevistas realizadas com os pastores das igrejas Assembleias de Deus (ADs), com base na tese de doutorado A Operação do Carisma e o Exercício do Poder: a lógica dos ministérios das igrejas Assembleias de Deus no Brasil, apontan-do a importância apontan-dos pastores-presidente organizaapontan-dores apontan-dos ministérios dessas igrejas, espalhados por todo território brasileiro e no exterior, para realizar uma discussão sobre as cisões, destacando o crescimento e a autonomia de al-guns ministérios que, após passar por cisões, funcionam com a mesma nomen-clatura, AD, porém atuam isoladamente, possuindo suas próprias convenções e se relacionando com outros ministérios tão somente por “laços fraternos”.. Palavras chave: Pentecostalismo. Assembleias de Deus. Ministérios. Pastores-presidente.

C

em anos de presença em território brasileiro, o pentecostalismo se reinventa

constantemente, e mostra a nova maneira como se organiza e dialoga com a cultura, e as respostas que dá aos problemas oriundos pelas grandes cidades. Muito já foi dito e estudado acerca das transformações e das mudanças sociais trazidas pelo pentecostalismo, suas origens, seu crescimento e características. As igrejas Assembleias de Deus (ADs), fundada pelos missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Hogberg no início do século XX, no ano de 1911 na cidade de

Marina Aparecida Oliveira dos Santos Correa**

IGREJAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL: PASTORES-PRESIDENTE

E OS “LAÇOS FRATERNOS”?*

–––––––––––––––––

* Recebido em: 10.06.2014. Aprovado em: 21.06.2014.

** Doutora e Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora no Centro Cristão de Estudos Judaicos (CCSJ) São Paulo, na pós-gra-duação Lato Sensu em Ensino Religioso, Práticas Pedagógicas em Ensino das Religiões. Membro e pesquisadora do fenômeno do protestantismo e pentecostalismo brasileiro no Grupo de Estudos Protestantismo e Pentecostalismos PUC-SP. Membro da Rede Latino--Americana de Estudos Pentecostais. E-mail: marinasantoscorrea@gmail.com

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Belém do Pará, PA, nas décadas de 1950 a 1970, tiveram que se adaptar para en-frentar a concorrência das novas denominações pentecostais entrantes, algumas com perfis muito diferentes do seu. Assim, tiveram que desenhar novos modelos, aceitando de certa forma as novas tendências da sociedade e se adaptando mais rapidamente aos valores que vinham chegando.

Porém ainda, algumas igrejas conservam tendências do passado, em especial no que tange aos usos e costumes. As lideranças das ADs começaram a ampliar a visão administrativa, tornando-se cada vez mais empresariais, com foco em comunicação e expansão. O carisma pessoal, portanto, passou a ser um capi-tal mais simbólico do que foi anteriormente. Atualmente, é conhecida como a maior igreja pentecostal brasileira em números de adeptos. É considerada também como uma igreja de primeira “onda” Freston (1994, p. 47) que teve um papel importantíssimo em nosso meio por apresentar maneiras e técnicas diferentes de vivenciar a fé.

EXPANSÃO

A expansão das igrejas ADs se deu primeiramente pelo Estado do Pará, alcançou o Amazonas, chegando até o Nordeste; no Sudeste a sua chegada foi em meados de 1922, por meio de fluxo migratório dos trabalhadores vindos do Pará, que se portavam como instrumentos voluntários das novas práticas da nova deno-minação por onde passavam.

Segundo dados IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-, os evangélicos no Brasil, Censo (2010), cresceram 61% na primeira década do séc. XXI, che-gando a 42.275.440 milhões de brasileiros ou 22,2% da população. O resulta-do é pouco abaixo da previsão feita pelos especialistas, que era de 25%. Essa porcentagem de 22,2% é, em número de pessoas, 16 milhões de crentes a mais de dez anos. Os dados do IBGE divulgados em junho de 2010 informam que a igreja Católica foi a que mais sofreu a queda, caindo de 73,6% em 2000 para 64,6 em 2010. Foram 3,9% milhões de crentes a mais sendo que 12.314.410 milhões de adeptos pertencem as igrejas Assembleias de Deus no Brasil, re-presentando 6,46% da população brasileira (IBGE, 11/03/13).

Os pentecostais clássicos sempre tiveram uma tendência para a democracia na igreja, um modelo em que a congregação tinha voz, conforme afirma o teólogo Myer Pearlman (1977, p. 225) as primeiras igrejas eram democráticas em seu gover-no, circunstância natural em uma comunidade onde o carisma estava disponí-vel a todos, e onde toda e qualquer pessoa podia ser dotada de dons para um ministério especial.

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111-124), as ADs não viveram somente de glórias. A organização administrativa, nos primeiros dezoito anos de funcionamento, tinha a supervisão das igrejas centradas na liderança sueca, o que gerava um descontentamento entre os pastores brasileiros e os missionários. Os missionários administravam as igrejas usando o modelo de governo eclesiástico mais próximo do congregacionalismo dos batistas, por causa da liberdade das igrejas locais (GOUVÊA, 2002, p. 51). As igrejas filiadas às ADs espalharam-se por vários estados do país. Os pastores for-temente engajados começavam a construção de suas igrejas nas capitais, e também a pensar em novos recursos organizacionais e na padronização dos trabalhos evangelísticos em suas regiões, para serem capazes de atender aos desafios que surgiam em torno da expansão das ADs. Com isso, os missioná-rios idealizaram um tipo de associação de pastores e de evangelistas das ADs em âmbito estadual – Convenção Estadual, que tinha, por finalidade, reunir os pastores de todas as regiões para esclarecimentos de “pequenas dúvidas teoló-gicas” (ARAUJO, 2007, p. 206).

Em 1930, foi realizada a primeira Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, na cidade de Natal, assistida por onze missionários suecos e vinte e três líderes brasileiros, com o objetivo de “... resolverem certas questões que se prendem ao progresso e harmonia da causa do Senhor” (DANIEL, 2004, p. 23). A partir desta data, as ADs começaram a trabalhar com duas convenções: estadual e nacional. Estrategicamente, as convenções estaduais funcionam como porta de entrada para as

futuras filiações na convenção nacional, os pastorpresidente regionais es-tão submetidos às convenções estaduais na ordenação ao cargo de pastor, na concessão de credencial e na disciplina. A convenção nacional é responsável pela inscrição e pelo credenciamento dos membros filiados das convenções es-taduais. Somente a convenção nacional tem poderes para homologar os novos associados na esfera nacional, um procedimento estatutário. Os pastores-pre-sidente das regionais detêm o poder de mando nas convenções estaduais, tam-bém controlam as questões financeiras, mais precisamente as anuidades pagas pelos associados em suas regiões. Não existe uma transparência financeira. IGREJAS-SEDE E/OU MINISTÉRIOS

Historicamente, as igrejas ADs criaram as Igrejas-sede e/ou Ministérios, e os batizaram com a nomenclatura interna de Campo (BOURDIEU, 2004, p. 35) Campo, nas Assembleias de Deus, refere-se à área de atuação de um Ministério ou Igreja-sede (chamada também de igreja-mãe), e mantém suas congregações e pontos de pregação agrupados em um determinado local. Essas congregações e os pontos de pregação pertencentes a um Ministério são desterritorializados,

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construídos em bairros, cidades em um ou mais estados. Constituem uma rede de “congregações-satélite”, dependentes de um Ministério, liderado por um pastor-presidente que conta com um forte vínculo administrativo, doutrinário e litúrgico, entre ele, as congregações e os pontos de pregação.

As congregações geralmente são administradas por diáconos, presbíteros, evangelistas ou por um pastor local, que prestam obediência ao pastor-presidente. Esta sub-missão pode assentar-se em diferentes motivos de acatamento, em questões internas de interesses, em vantagens e desvantagens por parte dos liderados de maneira puramente racional, mediante o simples costume pela habituação cotidiana, à ação familiar, ou de forma puramente afetiva. Pastor-presidente possui a autoridade de mando que pode incidir sobre outras pessoas, gerando submissão, por diversos motivos: “desde o hábito inconsciente até considera-ções puramente racionais, referentes afins” (WEBER, 2003, p.170).

O pastor-presidente das ADs recebe a configuração de senhor patriarcal, com o processo de institucionalização denominado pela “rotinização do carisma”, (WEBER, 2003, p. 161), quando o carisma se tradicionaliza. Se a dominação carismática é de caráter extracotidiano e representa uma relação social estritamente pes-soal, a rotinização acontece quando ocorre uma relação contínua, permanente, entre o pastor das ADs e os seus servidores, seus obreiros, seus presbíteros e seus evangelistas, que vão obedecê-lo em virtude da crença na sua santidade, nas ordenações e nos seus poderes senhoriais.

A obediência na visão weberiana é algo que acontece em decorrência da dignidade pessoal entre senhores e servidores, atribuída pela tradição, pois o senhor não é um simples senhor, mas senhor pessoal; é o caso dos pastores das ADs. Esse arbítrio tradicional é originado na ausência de limitações que, por princípio, são caracterizadas pela obediência em virtude do dever de piedade. A ação do senhor existe como “um duplo reino vinculada à tradição, e pela ação do se-nhor materialmente, independente da tradição” (WEBER, 2003, p.148). Fora dessas normas da tradição, a vontade do senhor está vinculada apenas por li-mites da manifestação de poder, controle e alienação, reservando ao Governo a tarefa de legitimá-lo, criando condições para seu perfeito funcionamento, em harmonia com os interesses definidos pelo Capital. Por um lado o seu poder divide-se numa região estritamente cimentada pela tradição e, por outro, base-ado na livre graça e arbítrio.

Dentro da visão assembleiana, tudo começa com um ponto de pregação (o embrião), que, geralmente, está ligado a uma congregação – a mais próxima. Suas ati-vidades começam nas casas dos convertidos, que após algum tempo de práti-ca nas congregações resolvem iniciar um ponto de pregação em sua práti-casa, na garagem, etc., com poucas pessoas, que, na maioria das vezes, são vizinhos e amigos. A congregação supervisiona o ponto de pregação através de relatório

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mensal feito por um obreiro da congregação, que depois é levado ao conheci-mento do pastor-presidente nas reuniões administrativas.

Figura 1: Dinâmica para se chegar a um Ministério e o processo de adesões às convenções

As ADs, com o passar dos tempos, transformaram-se, devido à grande facilidade na

adesão de novas ideias e valores religiosos por parte dos indivíduos, com prá-ticas mais capitalistas. Começaram a surgir, também, inúmeras fragmentações em seu meio, gerando diferentes igrejas com vínculos administrativos cada vez mais independentes, mas conservando o nome “Assembleias de Deus”, como forma de sustentação da tradição e do sucesso no âmbito religioso atual. Se nos primeiros anos de fundação as ADs tiveram que enfrentar as Igrejas: Católica e Protestantes; no segundo período, entre os anos de 1950 - 70 enfrentaram no-vas igrejas consideradas por Freston de “segunda e terceira onda”; atualmente elas concorrem em seu próprio meio, Ministério A contra Ministério B, ou melhor, Alencar (2012, 182), classifica os Ministérios como corporações usan-do a teologia da competência, isto significa que os Ministérios atuam como grupos corporativistas fortalecendo a sua pirâmide de poder exclusiva e única,

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porém, quando deparam com a concorrência de outro Ministério no mesmo local, obrigatoriamente, eles precisam se destacar aprimorando a sua dinâmica de atuação para não perder o poder e visibilidade.

CISÕES DENTRO DAS ADs

As igrejas ADs, diante de todas as transformações ocorridas, passaram a trabalhar com uma administração mista de pastores suecos e brasileiros. Dessa forma, sur-giram novos rumos e, apesar de todos os esforços para acatar as decisões das convenções, as ADs não conseguiram trabalhar por muito tempo com a ideia de unidade. A ideia era de um trabalho homogêneo entre os pastores de uma mesma região; mas, à medida que os anos passavam, as igrejas ganhavam contornos cada vez mais distintos em seu meio e as cisões foram inevitáveis (CORREA, 2012, p. 105).

As igrejas ADs trabalham com o sistema de convenção nacional, considerado o órgão máximo das ADs, mas ao contrário do que representa, é um órgão fraco porque não possui poder deliberativo nas igrejas filiadas a elas. Para ilustrar essa re-alidade, na década de 1940, quando Paulo Leivas Macalão, pastor-presidente das igrejas das ADs de Madureira desligou-se das ADs Missão, criou uma segunda vertente, Madureira, porém, participou das convenções até o ano de 1988. Após esta data, o Ministério de Madureira fundou a sua própria Conven-ção Nacional de Madureira (CONAMAD) e, sucessivamente, foram surgindo outros Ministérios e convenções autônomas, fruto de outras divisões no campo assembleiano.

Figura 2: Primeira divisão significativa entre as Igrejas da Missão e a criação do Ministério de Madureira

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à Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) e os per-tencentes à CONAMAD, e os Ministérios independentes, são muitas. Essas divergências vão desde as mudanças comportamentais, em relação aos usos e aos costumes vividos anteriormente pelas igrejas ADs, os estatutos internos, até a atuação dos Ministérios frente às convenções. As convenções indepen-dentes, diferentemente das convenções anteriores, são ligadas aos Ministé-rios independentes por “laços fraternos”, isto é, são todas consideradas Igrejas Assembleias de Deus, mas não existe uma parceria em suas organizações de associações em convenções locais ou nacionais; não existe uma ligação direta. Os Ministérios independentes possuem uma relação de parceria muito próxi-ma entre outros Ministérios independentes, participam das convenções nacio-nais e internacionacio-nais, mas se mantêm independentes, não sendo obrigatória a filiação de seus membros.

Certamente falar em unidade e diversidade entre os Ministérios das ADs nos tempos atuais é uma tarefa difícil. Quando se lança o primeiro olhar, todos os Minis-térios parecem iguais em seu modelo, hierarquia, dinâmica administrativa, nas convenções estaduais, nas congregações, nos pontos de pregação, etc. Porém, debruçando-se mais atentamente sobre essas questões, tem-se muito a obser-var. Existe, aqui, a necessidade de reformular alguns conceitos e rever novas práticas de ação provocadas pela rapidez das mudanças, causadas pelas de-mandas capitalistas e sociais, buscando questões cada vez mais ousadas dentro dos Ministérios.

Esses Ministérios ADs trabalham com foco na realidade local de suas diversas regiões; de acordo com o seu público alvo, desenha-se sua própria ideologia teológica, social e política, pois é através das práticas do compromisso social que se re-conhece, em primeiro lugar, o progresso promissor de cada Ministério. Nessa linha de raciocínio, cada Ministério é dono de sua própria organização social por meio dos departamentos. Os Estatutos internos seguem um modelo bem parecido em todos os Ministérios ADs: as mesmas regras e a mesma divisão de capítulos, alterando algumas normas, mas todas dentro do mesmo perfil. Conforme dados colhidos nas pesquisas empíricas, é pertinente lembrar que os Ministérios

possuem estatutos internos próprios, e organizam a liturgia, a estrutura eclesiástica e os usos e costumes de suas igrejas pelos pastores-presidente juntamente com a sua equipe. Isto significa que eles são a voz final dentro de um Ministério. É um cargo que exige muito respeito, pois afinal, ele é “o escolhido de Deus”. São vários os estágios percorridos pelo obreiro até chegar ao cargo de pastor-presidente, po-rém, quando eles assumem o poder, ficam décadas no comando.

Alencar afirma que os “... Ministérios são grandes feudos: onde cada chefe estabelece seu estilo, modelo de liderança, sua ‘doutrina’” (ALENCAR, 2010, p. 132). Um caso bem típico para ilustrar a fala de Alencar é o do pastor-presidente

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Alfredo Reikdal, do Ministério do Ipiranga, SP, que ficou sessenta e sete anos (67) no comando desse Ministério e de suas diversas congregações e pontos de pregação. O próprio pastor-presidente da CGADB, José Wellington Bezerra da Costa, além de acumular várias reeleições no cargo da convenção acima, também é pastor-presidente do setor de São Paulo, Ministério de Belenzinho, desde 1988, ou seja, mais vinte anos de liderança. Em 1990, publicou um livro com o título bem apropriado com o assunto em questão: Como Ter um Minis-tério Bem-Sucedido, pela Editora CPAD.

CONFLITOS DE PODER

Se no passado a AD teve que lutar por uma permanência de adesão na sociedade em que foi fundada, como seita, na década de 1930, ela já conhecia o poder através de sua institucionalização. Mas, segundo Alencar, nesta época essa denominação “ainda passava por crise de identidade”, por desconhecer de fato a sua origem; sueca para uns; brasileira, mas dirigida por suecos para outros; ou brasileira, influenciada por suecos; e, por último, uma igreja dirigida por brasileiros e in-fluenciada por norte-americanos (ALENCAR, 2010, p. 50). Porém, uma coisa é certa: essa denominação conheceu o peso da institucionalização e começa “uma luta fratricida pelo poder político financeiro (...). Não apenas enquanto local e espaço de reuniões, mas, sobretudo, uma luta ideológica, onde cada ramo requer para si “originalidade e verdade” (ALENCAR, 2010, p. 51-2). Para compreender a amplitude dos conflitos relacionados ao poder que perpassa essa

denominação, é necessário que se saiba onde eles estão inseridos. Mesmo por-que o poder e o conflito podem estar inseridos em diferentes organizações, se-jam eles nos grupos estruturados, formais, empresas de interesses comerciais, nas organizações de diferentes serviços: clientes e sociedade - hospitais, uni-versidades, escolas, agências sociais e as instituições de maneira geral. Tam-bém existem os chamados de grupos informais formados por famílias, pelos vínculos de amizade, ou, ainda, as chamadas de comunidades, que podem ser acadêmicas, de certas regiões ou comunidades religiosas, formando um campo religioso. Em se tratando de campo religioso, as comunidades são influencia-das com a ocorrência de uma série de fatores que inclui um sentimento muito forte de compromisso mútuo e de pertencimento, baseado nas experiências, nas tradições, no poder político e no poder religioso.

Nas organizações ADs, assim como em quase todas as instituições religiosas, existem setor público e privado, com fins lucrativos ou não, em situações de trabalho voluntário e trabalho remunerado. Evidentemente que se trata de um modelo adotado em todo tipo de organização, que difere em termos de objetivo, qua-dro de pessoal e outras variáveis, mas que sempre apresentarão problemas do

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poder organizacional interno seja nas relações individuais ou nas de ordens comerciais pela concorrência de produtos, pelo espaço em determinada região. Assim ocorre também nas instituições religiosas. Na verdade, os conflitos, sejam internos ou externos, estão presentes em cada uma delas. No âmbito da gestão assembleiana, o poder continua formatando um fenômeno interessante, complexo e camuflado. Muitas vezes o olhar religioso nos impede de observar as tensões existentes já há muito tempo nos sistemas organizacionais adminis-trativos, entre os pastores assembleianos. Assim, esses pastores, em nome do religioso, transformam a paisagem de suas igrejas em um campo de batalha na sua estrutura de comando. O que era pouco divulgado no passado, talvez até por ausência de uma mídia mais imediatista, atualmente está claro, já que os próprios pastores fazem desses eventos belicosos a tônica de seus discursos em seus programas televisivos.

Por se tratar de uma denominação religiosa, poderia se pensar que a influência seria focada no sagrado, com discursos apaziguadores, servindo de auxílio ao ser humano como forma de encontrar respostas às questões existenciais da vida, com referenciais capazes de ajudar o Homem nas questões cotidianas da so-ciedade moderna. Porém, no cenário contemporâneo das ADs, os discursos religiosos dos pastores sofreram alterações visíveis que vão muito além do sa-grado. Hoje os discursos estão muito pautados nas questões político-religiosas que giram em tornos de problemáticas internas - da própria denominação -, ou de contextos sociais que nada têm de religioso, como forma de sustentação de uma imagem que tem por intuito reforçar a aparência de detentores de força e poder diante dos fiéis.De certa forma, os diferentes discursos já criam um ce-nário propicio às tensões futuras entre o próprio grupo assembleiano; tudo isto somado às opiniões que servirão de embates nos blogs dos próprios pastores, de diferentes locais, que circulam livremente pela internet.

AS OPERAÇÕES IDEOLÓGICAS DAS ADs

O discurso religioso é indubitavelmente um interessante produto de interações verbais, no qual o processo de manipulação pode ser ferramenta importante. Funda-mentado nesse princípio, se objetiva aqui discutir especialmente a ideologia dos pastores-presidente assembleianos, através de seus discursos permeados pelo “véu religioso”, mas que, na realidade, são extremamente ideológicos e políticos, inseridos em uma estrutura bem sólida. Afinal, com cem anos de existência uma instituição já possui um domínio de linguagem bem convin-cente no seu campo de atuação. Dessa forma, esses discursos, na verdade, são manipuladores; estão envoltos por “soluções” apaziguadoras para conflitos, internos e externos (sociais), usados como escudo de fortalecimento de suas

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próprias imagens. Assim, os discursos são consensuais entre as ADs, já que elas estão ligadas pelos chamados “laços fraternos” – um suposto remédio curador, para todas as desavenças – como forma de disfarçar os conflitos in-ternos de concorrência pelo monopólio político do poder religioso entre os ministérios.

Sobre essas questões, Pierre Bourdieu afirma que foi o corpo de especialistas, forma-do por um grupo religioso, que obteve o monopólio, o exercício legítimo forma-do poder religioso; ou seja, o monopólio da propriedade dos meios de produção e distribuição dos “bens de salvação”. Seu princípio fundamental é que não há salvação fora da Igreja. Por isso a necessidade de um corpo de especialis-tas com competência exclusiva que foi constituído no campo religioso com o intuito de desapropriar os leigos do capital religioso (BOURDIEU, 2004, p. 39). Dessa maneira, o monopólio religioso foi construído nas ADs através do grupo extenso de pastores, que se utiliza de muitos mecanismos subjetivos, ideológicos, com informações implícitas, imaginárias, maquiadas pelo sagra-do, incorporadas em seus discursos religiosos. Para que se tenha um melhor entendimento, abaixo a visão de um importante teórico acerca do conceito de ideologia - e de que maneira ela pode ser utilizada pelos pastores das ADs. Nas palavras de Gramsci (1977, p. 868):

1. A ideologia é identificada como distinta da estrutura, e afirma-se que não são as ideologias que mudam a estrutura, mas ao contrário, é a estrutura que muda as ideologias; 2. Afirma-se que determinada solução política é ‘ideologia’, isto é, insuficiente para mudá-la; afirma-se, então, que ela é inútil, estúpida etc.; 3. passa-se, por fim, a afirmar que toda ideologia é “pura” aparência, é inútil, estúpida etc.

Nas pegadas de Gramsci se encontram os ministérios das ADs, pois até a década de 1940 essa instituição possuía outras ideologias. A sua estrutura era constituída dentro de um eixo mais centralizado, os ensinamentos ainda possuíam certa unidade entre si, em todas as igrejas. Porém, no decorrer da mesma década, a sua estrutura passou por mudanças significativas, com a criação dos ministé-rios ou igrejas-sede em cada região, que teve por intuito manter a coesão, mas que, ao contrário, obteve tão somente um rompimento com a antiga estrutura. A estrutura composta pelos ministérios rompeu com a antiga ideologia dos pastores assembleianos, criando uma nova maneira de se fazer política, no-vas ideologias foram surgindo, outros interesses entraram em conflito; logo, a ideologia mantida até aquele momento, chocada com esses novos interesses, mudou toda a trajetória da denominação a partir de então.

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Ideologia é um elemento de erro na consideração sobre o valor das ideologias, ao que parece, deve-se ao fato (fato que, ademais, não é casual) de que se dê o nome da ideologia tanto à superestrutura necessária de uma determinada estru-tura, como às elucubrações arbitrárias de determinados indivíduos.

Diante das considerações de Gramsci confrontadas com a realidade das ADs, a partir da década de 1940, o que se viu foi uma nova formatação da antiga estrutura e o surgimento das superestruturas por meio dos ministérios, com a autono-mia conquistada pelos seus pastores-presidente. Essa estrutura, até então, era desconhecida em sua organização interna. Assim, os pastores-presidente pas-saram a trabalhar à luz da intelectualidade, pensando, ponderando, meditando, maturando os seus novos ideais e as possíveis conjecturas; ou melhor, revendo como iriam equacionar as novas conjecturas do poder. Dessa forma, surgem novas especulações diante de um campo tão vasto de possibilidades dentro da chamada “religião”; sem dúvida se criou um lugar perfeito para trabalhar com todas as possibilidades de especulação (aqui especulação é usada como experiência), para se estabelecer os seus destinos no futuro, pois só a religião não se faz suficiente se não estiver atrelada a outros interesses, que podem ser políticos, econômicos, de visibilidade social, etc.

Segundo Gramsci, para entender o conceito de Estado ampliado é necessário identificar a sociedade civil não mais na infraestrutura (bens materiais), mas sim na su-perestrutura (política) que compõe o Estado. Transportando essa reflexão para as ADs, a ideologia se concentra de fato na superestrutura dominante deste grupo. Isso não só no sentido de sua posição, mas também na compreensão deste termo, que acaba se tornando, como a própria nomenclatura diz, mais amplo. Em Marx, sociedade civil se referia às relações de produção dos bens materiais pertencentes à infraestrutura, ou seja, à esfera econômica. Gramsci, por sua vez, irá desenvolver a concepção de sociedade civil na qual as classes sociais, formadas no que ele compreendia por sociedade econômica, já alcan-çariam outra dimensão de sua maturidade política.

Neste sentido, a sociedade civil, em Gramsci, seria o espaço de representação de inte-resses das classes e palco de um pluralismo de sujeitos coletivos chamados de “privados” - associações, sindicatos, partidos políticos, denominações religio-sas, etc., no sentido de que a participação nesses espaços parte da vontade pró-pria dos indivíduos, é uma escolha particular de cada um, embora sua acepção e sua função social sejam de caráter público. A sociedade civil se configura, assim, como um espaço de disputa dos sujeitos coletivos, dos “aparelhos pri-vados” pela conquista da hegemonia - foco de trabalho das ADs, caracterizan-do-se por uma dimensão absolutamente contraditória e de enfretamento. Já a

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sociedade política seria composta pelos “aparelhos burocráticos, administra-tivos e repressivos” - polícia, poder judiciário, entre outros, responsáveis por garantir a ordem na sociedade; são os aparelhos que estão à disposição do poder do Estado para serem utilizados sempre que necessário.

AFINAL, O QUE DE FATO SIGNIFICA “LAÇOS FRATERNOS” ENTRE OS MI-NISTÉRIOS?

Ao que parece, as ADs unificaram suas divergências simbolizadas por duas palavras: “laços fraternos”, como remédio ou estratégia política para justificar os “de-sacordos” vividos em seu meio. A maioria dos pastores assembleianos prefe-re dizer que as ADs, possuem todas as mesmas características, o que muda, segundo eles, são algumas “dinâmica utilizadas por certos pastores”. Umas igrejas usam um discurso mais tradicional, outras se utilizam de recursos mais modernos, e assim por diante. Assim, todas seriam assembleianas, geradas a partir de uma mesma linhagem. Umas igrejas são independentes, outras asso-ciadas ao sistema de convenções, porém, uma coisa é certa: segundo os pasto-res, todas são “fortalecidas” pelos “laços fraternos”, que funcionam como uma credencial racional, geradora de uma estrutura organizacional estável, conser-vadora e coletiva, que qualifica qualquer igreja AD, ou os novos ministérios, a ocupar uma situação de solidez dentro do seu meio.

Então, como se resolvem as questões entre convenções e convencionais assembleia-nos? Qual a predominância e o valor final para a solução das tensões: “laços fraternos” ou vias judiciais? Segundo a historiografia oficial, desde a primeira convenção em 1930, todas as decisões foram orientadas pelo Espírito Santo, em harmonia.

Daniel (2004, p. 27) reintera da seguinte forma:

Como podemos ver, o Espírito Santo esteve em todos os momentos guiando os obreiros nacionais e os missionários suecos em todas as decisões. Aliás, todas as resoluções dessa primeira convenção refletem o espírito da unidade que a caracterizou.

Embora o livro Historia da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, em alguns momentos admita que a iniciativa dessa primeira convenção tenha par-tido dos obreiros nacionais, pois “nenhum trabalho aberto pelos missionários havia recebido autonomia” (DANIEL, 2004, p, 22), a relação entre obrei-ros nacionais e estrangeiobrei-ros não era pacifica, e havia tensão entre os próprios suecos. A convenção de 1930 foi convocada através de um manifesto, assi-nado por um grupo de dez brasileiros, para resolver a “grave crise que passa

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a Assembleia de Deus no Brasil” (ALENCAR, 2010, p. 185-6). E, assim, o livro oficial das Convenções vai escamoteando os problemas, relativizando as tensões, escondendo as desavenças. Mas aqui ainda temos duas grandes distinções: primeiro, o jornal oficial da igreja liderada por suecos publica uma convocação para algo que, em tese, era contra a vontade deles; segundo, os assuntos, temas e problemas eram “resolvidos” (pelo Espírito Santo ou por eles mesmos...) internamente, na própria dinâmica da igreja. Agora, se parte para as vias judiciais.

Vejamos o processo no. 0008321-60.2010.0301, na Secretaria da 9ª. Vara Cível de Be-lém data de entrada 16/06/2011.

• AUTOR: Convenção da Igreja-Mãe das Assembleias de Deus em Belém (CIMADB);

• REU: Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB). O processo tem uma epígrafe de um texto bíblico do livro de Levítico 19.15, falando

de justiça. Mas também poderia se usar o texto de I Coríntios 6.1: “Se algum de vocês tem queixa contra outro irmão, como ousa apresentar a causa a ser julgada pelos ímpios, em vez de ser julgada pelos santos?” Evidentemente que, como em qualquer outro texto bíblico, há o óbvio anacronismo de seu uso, mas o ofício desse advogado usa um texto bíblico; então, se pode apontar, teoricamente, qualquer outro.

A questão da homologação da CIMADB pela CGADB. Por que a convenção da Igreja--Mãe quer se filiar à CGADB? Há alguma vantagem nessa filiação? O que uma convenção estadual, ou igreja estadual ou local ou, mais precisamente, um pastor, ganha em ser membro da CGABD? A própria natureza da convenção geral ou de convenções estaduais já é em si algo complexo na nomenclatura uma convenção de igrejas, mas na realidade apenas de pastores. Portanto, de fato, nenhum ministério ou convenção estadual precisa – ou ganha algo por isso – se filiar a uma convenção. No caso dos pastores, é necessário pagar uma anuidade; mas em troca de quê? Objetivamente não há nenhuma vantagem compreensiva, capaz de nos mostrar uma razão lógica nessa filiação, a não ser a possibilidade de votar e ser votado para algum cargo na composição política da CGADB. Daí a importância dessa homologação. A convenção de Belém – ou qualquer outra – luta por pertencer à Convenção Nacional, para que, assim, seus membros estaduais possam assumir postos na Convenção Nacional. • Preservação do patrimônio & fidelidade das pessoas. Na possibilidade de

transferências de membros de uma convenção para outra – e são muitas em disputas pelo país inteiro, como não se pode contar com a fidelidade dos membros, preserva-se, no mínimo, o patrimônio.Afinal, em última hipótese, é isso o que importa.

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Uma disputa política econômica. O “acordo” é renuncia de indenização e de que cada uma das partes pagará os honorários de seus advogados. As cúpulas conven-cionais em disputas pessoais estão gastando dinheiro de suas membresias para “custos” originalmente inexistentes, mas que agora há, devido a essas disputas “acordadas”. Qual é de fato a questão que o acordo encobre? Ambos estão preservando suas economias. Visando seus próprios benefícios e interesses. O que isso diz respeito à igreja? Aos pastores pagadores de anuidades? Às irmãs,

mem-bros dos círculos de oração, grupo fundamental na construção e manutenção desta igreja? Às mulheres e aos demais obreiros que não podem participar da convenção? – diáconos, presbíteros, essa parcela do que podemos chamar de “clero inferior”. Isso é, enfim, assunto de uma seleta elite; um grupo estamen-tal (WEBER, 2002) cuidando de suas honrarias e interesses tanto econômicos quanto de seus status; uma casta clerical que articula a politicagem, arma golpes uns contra os outros, fazendo conchavos e alianças de grupos de poder para benefícios privados e prejuízos coletivos.

• A data do acordo. Nos dias 16 a 18 de junho no estádio do Mangueirão, em Belém do Pará, quando estava acontecendo às festividades do Centenário das ADs. O protocolo do acordo data de 16 de junho de 2011. Nesta data, quinta--feira, na noite de abertura, o Pr. José Wellington Bezerra da Costa, presidente da CGADB, deu uma “palavra de saudação” na festa da Igreja-Mãe, liderada pelo Pr. Samuel Câmara, presidente da CIMADB. Se esse “acordo” fosse de fato do interesse e para o bem estar da igreja, não teria sido um bom momento para divulgá-lo diante de mais de 40 mil pessoas presentes no estádio? Por que, então, nada se falou nessa noite sobre o assunto? Por que esse conchavo não diz a respeito algum à igreja, ou ao povo que paga as contas.

O que sobrou, afinal, da fraternidade dos primeiros anos? Da relação de respeito mú-tuo dos grupos divergentes – suecos e brasileiros – quando, apesar de não terem a mesma opinião, eram capazes de juntos discutirem suas diferenças em público, nos jornais, e chegarem a um acordo em benefício da coletivida-de. Não como a historiografia oficial registra em absoluta harmonia, em uma igreja ideal feita por pessoas perfeitas, mas que, apesar das discordâncias, eram capazes de resolverem suas questões sem a necessidade de intervenção jurídica extra-igreja, como a única instância merecedora de algum crédito. Quando a elite dessa igreja precisa apelar para um sistema jurídico, é porque seu modelo interior, sua capacidade de harmonia, sua credibilidade interna se degradou o suficiente para seus próprios membros não se sentirem dignos de nenhuma confiança mútua.

Os laços fraternos foram levados para os liames do conchavo político a espera de um novo rasgo dentro das ADs, provavelmente com o intuito de se tornarem mais identificáveis entre os seus adeptos e a sociedade em geral, procuram

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justifi-car as cisões, com naturalidade, explicada pelas seguintes expressões: igrejas mais dinâmicas, liberdade no “Espírito Santo”. Não há dúvidas, elas usam uma “metodologia mais evoluída”; e os pastores afirmam categoricamente que essas evoluções nunca serviram de competições, pelo contrário, mesmo sendo igrejas independentes e pastores associados ou não, nunca feriram os bons costumes já advindos do passado. Uma “Retificação” assinada por Thompson. Estas “relações de dominação são criadas e sustentadas quando uma situa-ção transitória é apresentada como se fosse permanente, natural, atemporal” (THOMPSON, 1990, p, 87). Por isso, segundo os pastores, todas procuram zelar pelo nome AD, “nunca tiveram a intenção de competir”, nem mesmo agredir, algo que já vinha sendo feito, eles afirmam ainda que, “todas são coir-mãs”, herdeiras dos mesmos princípios, unidas pelos “eternos laços fraternos” – ainda que distantes e odiantes.

Dentro desse contexto de “laços fraternos”, em 25 de agosto de 2011, o pastor-pre-sidente Samuel Câmara, prepastor-pre-sidente da Convenção Estadual e do Ministério ADs – considerado sede da Igreja Mãe em Belém – PA, a (CIMADB), em concordância com o pastor-presidente Gilberto Marques, presidente da Con-venção Estadual e das ADs no Pará (COMIEADEPA), enviaram ofícios à diretoria da CGADB, convidando-os a realizar a próxima Assembleia Geral Ordinária – AGO, que aconteceu no ano de 2013, em Belém do Pará. Ocorre que, em 2013, houve eleição para a escolha da nova diretoria da CGADB para o próximo quadriênio, 2013-2016. O cargo cobiçado de presidente da CGADB, segundo informações nos sites dos próprios pastores, contou com a candidatura de três pretendentes ou mais; diferentemente de anos ante-riores, quando os candidatos eram Samuel Câmara e José Wellington Be-zerra da Costa, ou apenas o último (http://belverede.blogspot.com/2011/12/ ago-2013-surpreendente.html Acesso em 19/12/11). Há quem apostou na vitória do pastor- presidente Samuel Câmara. Para o desgosto do pastor Sa-muel Câmara, mais uma vez os pastores elegeram o pastor José Wellington como pastor-presidente da CGADB.

Dentro dessa lógica, para ilustrar os exemplos acima, foi realizado um levantamento empírico sobre os ministérios autônomos. Até o momento foram apontados quatro tipos de autonomia:

1) autonomia por expansão: quando uma igreja ou uma congregação cresce naturalmente e consegue manter o seu próprio sustento e não acata mais os comandos do pastor-presidente, então recebe da igreja-sede autonomia automática;

2) autonomia por disputa de campo: nas disputas entre campos ou ministérios, por diferentes razões (teológicas, políticas, financeiras), a igreja é “toma-da” pela outra;

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3) autonomia por disputa teológica: por causa de algumas interpretações teo-lógicas diferenciadas; e

4) autonomia por disputa familiar: quando o pastor-presidente morre; ou, mes-mo em vida, quer impor seu filho ou genro à liderança da igreja (A constru-ção desta tipologia conta com a colaboraconstru-ção de Gedeon F. de ALENCAR, Dr. da PUC-SP que pesquisa outras vertentes das igrejas AD).

Considerações finais

Todavia, apesar das análises terem sido ricas, existem limites para as generalizações dos dados encontrados. É possível afirmar que estamos diante de uma rede de igrejas autônomas, com características específicas de um determinado públi-co, região, pessoas e liturgias, ou, ainda, algumas igrejas dentro dos moldes daquela vertente assembleiana, inclusive entre os ministérios autônomos. Po-rém, as características encontradas podem refletir um fenômeno ainda maior nas redes de igrejas ADs, especialmente naquelas das grandes cidades, como o caso do Ministério do Bom Retiro, um ministério moderno, independente, e que agrega em torno de si grande força política e econômica e que há pouco tempo foi dividido pelo pastor-presidente Jabes de Alencar, entre os seus dois filhos: Dayan e Glauber Alencar.

De maneira geral, observa-se um trânsito interno muito grande entre os diversos mi-nistérios independentes; os adeptos possuem um perfil migratório interessante a ser discutido no futuro. Nas várias observações empíricas realizadas neste estudo, observou-se que atualmente o perfil das igrejas ADs mudou, ao menos em parte. Embora seus adeptos continuem sendo em maioria provenientes das camadas menos favorecidas da sociedade, hoje contam com membros da clas-se média, profissionais liberais e empresários.

Fica claro que os ministérios independentes atuais não estão mais muito preocupados com as raízes históricas. Imbuídos da missão de evangelizar, e sabendo que na maioria das vezes existe um processo de adaptação por partes dos novos con-vertidos (ou ainda concon-vertidos que há muito tempo esperam por “novas pro-fecias”, já que as antigas não se realizaram), esses ministérios assembleianos surgem cada vez mais modernos, com pastores mais audazes e discursos mais ousados, para ajudar na cura daqueles que se sentem esquecidos e desampara-dos com seus problemas cotidianos.

Partindo do ponto de vista bourdineano, “a função propriamente ideológica do campo de produção ideológica, realiza-se de maneira quase automática na base da homologia de estrutura entre o campo de produção ideológica e o campo da luta das classes” (BOURDIEU, 2004, p, 13). Para compreender o que se en-tende por campo, imagina-se uma disputa onde cada agente busca concentrar

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consigo certos capitais. Considere ainda que existe uma diversidade de tipos de capitais – financeiro, cultural, tecnológico, jurídico, organizacional, comer-cial ou simbólico, como vimos nas organizações ADs. Assim, de acordo com a quantidade de ministérios, o capital econômico e político imbuído na figura de cada pastor-presidente responsável por estes ministérios, fica moldada na posição de cada um deles; e, ainda, tal posição é determinante para se medir o poder de mando de cada ministério.

Pierre Bourdieu (2004, p. 14):

A homologia entre os dois campos faz com que as lutas por aquilo que está es-pecificamente em jogo no campo autônomo produzam automaticamente formas eufemizadas das lutas econômicas e políticas entre as classes: é na correspon-dência de estrutura a estrutura que se realiza a função propriamente ideológica do discurso dominante, intermediário estruturado e estruturante, que tende a impor a apreensão da ordem estabelecida como natural (ortodoxia) por meio da imposição mascarada [...] de sistemas de classificação e de estruturas mentais objetivamente ajustadas às estruturas sociais.

Os Ministérios das ADs trabalham com estratégias por intermédio dos pastores-pre-sidente para conservarem suas posições, e os pastores que não pertencem ao grupo central do poder, desejosos de abandonar sua posição de dominados, empregam geralmente estratégias de subversão (as cisões). Desta forma, po-de-se dizer que a estrutura do campo da denominação ADs é um estado da relação de força entre os agentes engajados na luta pela conquista do poder, visibilidade política e econômica. Assim, o conceito de campo nos autoriza a pensar o espaço social, organizado, onde as posições dos pastores se definem umas em relação às outras na medida em que se enxerga novos ideais.

Contudo, só mesmo uma denominação racionalizada, moderna, para perceber que a superestrutura está no nome AD, que confere, ao mesmo tempo, poder, tra-dicionalidade, competitividade e força. Mesmo passando por várias cisões, podem se socorrer do nome AD para se manterem inabaláveis externamente. Com tantos ministérios modernos e totalmente independente das ADs antigas, cada vez mais se esforçam para atrair novos adeptos ao seu meio, seja pelas cruzadas, seja pela eficácia de seus pastores.

Eficácia é o que não falta aos ministérios das ADs, que trabalham com um modelo pare-cido com o sistema de franquias, norteados por uma única logomarca, unifor-midade dos discursos, na filosofia de trabalho e no espírito de equipe, mesmo que essas equipes se mantenham bem afastadas, como o caso dos pastores--presidente José Wellington Bezerra da Costa e Samuel Câmara. Somente uma instituição moderna é capaz de perceber que, mesmo dentro de centenas de

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ministérios ADs independentes e administrados por líderes de perfis bem dife-rentes, ainda é válido o uso de um sistema como a colocação de metas para a expansão empresarial de suas igrejas. É fundamental verificarmos que a deno-minação possui um “segredo de negócio”, ou seja, um know-how diferenciado de sua concorrência, que já representa uma significativa garantia de sucesso. Por fim, os ministérios das ADs são norteados por prerrogativas pessoais que são muito

mais fisiológicas do que parecem ser a princípio, para um observador desa-tento. A estrutura de autoridade se emancipa, de certa forma, da sombra da tradição, e toda a rede trabalha com a ideia de continuidade (sob a poderosa sigla AD) para não perder a visibilidade institucional que mantêm. Por outro lado, a organização, investida pela tradicionalidade, exerce fortemente o poder racional burocrático, no sentido weberiano, como uma forma de acomodação na história de divisão/ fragmentação. As bases carismáticas vividas no passado pelos idealizadores das ADs parecem passar por um processo consciente de racionalidade, considerado legítimo por seus seguidores. Portanto, os ministé-rios atuais não podem mais ser comparados à sua primeira formação, fundada em 1911, na cidade de Belém do Pará, mas cada qual quer contar a sua própria história, que ao mesmo tempo, faz parte do todo, é única.

ASSEMBLIES OF GOD CHURCHES IN BRAZIL: SHEPHERDS-PRESIDENT AND THE “FRATERNAL TIES”?

Abstract: this article will be primarily constructed from empirical observations and from interviews with church ministers of Assemblies of God (AD), found in the docto-ral thesis, under the title “The Carismatic Operation and the Exercise of Power: The ministerial logic of the Assembly of God churches in Brazil” (portuguese language), showing the importance of leaders of the ministers who are the or-ganizers of ministries of these churches, scattered in Brazil and abroad. In this work, we emphasize the reasoning of these separations, highlighting the increa-se and autonomy of thoincrea-se ministries. They, after increa-separation crossing, continue to operate under the same appointment, AD, yet they act in isolation, with the same conventions and interrelating with the other ministries with simple “fraternal relations”.

Keywords: Pentecostal. Assemblies of God. Ministries. Ministry-leader. Referências

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Referências

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