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EXECUçÃO PEnAl. REMIçÃO. FAlTA GRAVE. PERDA DOS DIAS REMIDOS. DEClARAçÃO DA REMIçÃO PElO JUÍZO DA EXECUçÃO. RETROATIVIDADE DA lei PEnAl BEnÉFICA.

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Ano 20 - nº 232 - mARÇo/2012 - iSSn 1676 - 3661

O DIREITO POR QUEM O FAZ

EXECUçÃO PEnAl. REMIçÃO. FAlTA GRAVE. PERDA DOS DIAS REMIDOS.

DEClARAçÃO DA REMIçÃO PElO JUÍZO DA EXECUçÃO. RETROATIVIDADE DA

lEI PEnAl BEnÉFICA.

DIREITO PROCESSUAl PEnAl. QUEBRA DOS SIGIlOS BAnCÁRIO E FISCAl.

DEVER DE SIGIlO. GARAnTIA DA nECESSIDADE DE FUnDAMEnTAçÃO DAS

DECISÕES JUDICIAIS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE EnVEnEnADA. PROVA

IlÍCITA. COnCESSÃO DA ORDEM.

Superior Tribunal de Justiça 6.ª T. – HC 186.891

j. 01.12.2011 – public. 01.02.2012 Cadastro IBCCRIM 2706

Relatório

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por N.F.G., em favor pró-prio, em que é apontado como órgão coator o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Consta dos autos que o Tribunal de ori-gem, ao julgar o Agravo de Execução Penal 990.09.101739-6, reformou a decisão proferi-da pelo Juízo proferi-da Vara proferi-das Execuções Criminais da comarca de Tupã/SP na Execução 555.900, a fi m de reconhecer a prática de falta grave e determinar a perda dos dias remidos, bem como a interrupção do prazo para a obtenção de benefícios na execução penal. (...)

Na presente impetração, sustenta-se, em suma, que a prática de falta grave não tem o condão de interromper a contagem dos prazos para os benefícios na execução penal.

Pede-se a concessão da ordem, com o afastamento do efeito interruptivo.

Voto

(...) É certo que, inicialmente, a Sexta Turma adotava o entendimento de que a prática de falta grave implica a interrupção da contagem do prazo para fi ns de progressão de regime prisional. (...)

Contudo, em 17/2/2009, no julgamento do HC 123.451/RS, de relatoria do Ministro Nilson Naves, este Colegiado mudou o enten-dimento, tendo concluído que o cometimento de falta grave durante o cumprimento de pena privativa de liberdade não deve ser considera-do como marco interruptivo da contagem considera-dos prazos para a obtenção de eventuais benefícios da execução penal.

Superior Tribunal de Justiça 6.ª T. – HC 191.378

j. 15.09.2011 – public. 05.12.2011 Cadastro IBCCRIM 2706

(...) fato de a lei dispor que o cometimento de falta grave implica a perda dos dias remidos não autoriza a conclusão de que a prática de falta grave acarreta a interrupção da contagem do lapso temporal para fi ns de progressão de regime prisional, sob pena de violação do princípio da legalidade, diante da ausência de previsão legal para tanto.

Com efeito, nenhum dispositivo da Lei de Execução Penal estabelece que o cometi-mento de falta grave implica a interrupção do lapso temporal para fi ns de progressão. Desse modo, a prática de falta grave poderia ser sopesada para evidenciar a ausência de bom comportamento carcerário, impedindo, assim, a progressão de regime prisional pelo não pre-enchimento do requisito subjetivo (art. 112 da LEP), mas jamais podendo estar vinculada ao requisito temporal, de caráter objetivo.

(...) Relativamente à comutação, ao indul-to e à obtenção de livramenindul-to condicional, dúvidas não há de que a prática de falta grave não acarreta a interrupção do lapso temporal para a concessão desses benefícios, os quais poderão ser concedidos desde que atendidos os requisitos exigidos para o seu deferimento.

Aliás, quanto ao livramento condicional, a matéria encontra-se inclusive sumulada no âmbito deste Superior Tribunal (Súmula 441)

(...) Ainda, é de se salientar que, antes da nova redação, trazida com o advento da Lei 12.433/2011, previa o art. 127 da Lei de Execução Penal que “o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar.”

No entanto, em 30/6/2011, entrou em vigor a Lei 12.433/2011, que modifi cou a dis-posição acerca da perda dos dias remidos, ante a prática de falta grave no curso da execução.

(...) Tem-se que, por se tratar de norma

Relatório

Trata-se de habeas corpus, com pleito li-minar, impetrado em benefício de J.O.S.F., contra acórdão proferido pela Quarta Turma

penal material de conteúdo mais benéfi co ao sentenciado, uma vez que limita a revogação dos dias remidos em até 1/3 desse tempo, enquanto, na redação anterior, era permitida a perda de todos os dias remidos, de rigor que se reconheça a possibilidade de aplicação retroativa desse dispositivo legal em favor do paciente (...).

(...) Não obstante isso, verifi ca-se que essa matéria não foi sequer deduzida na petição inicial deste habeas corpus, até porque foi impetrado em 11/11/2010, portanto anterior-mente à data de entrada em vigor do referido diploma legal, razão pela qual, não tendo o tema sido debatido nas instâncias ordinárias, a análise dessa questão diretamente por este Superior Tribunal implicaria incidir na inde-vida supressão de instância.

Assim, a teor do estabelecido no inciso I do art. 66 da Lei de Execução Penal e consoante o enunciado na Súmula 611/STF, compete ao Juízo da execução o exame do pedido de apli-cação da lei penal mais benéfi ca ao apenado.

(...)

Ante o exposto, concedo a ordem para afastar a interrupção da contagem do lapso temporal para a concessão de benefícios ine-rentes à execução penal, ante o cometimento de falta grave pelo paciente, e determinar que, preenchido o requisito temporal, o Juízo da execução analise o pressuposto subjetivo para a progressão de regime, fi cando ratifi cada a liminar deferida. De ofício, concedo habeas

corpus a fi m de determinar que o Juízo da

execução proceda à nova análise da perda dos dias remidos, tendo em conta a atual redação do art. 127 da Lei de Execução Penal.

Sebastião Reis Júnior Relator

do Tribunal Regional Federal da Primeira Região que, ao apreciar o writ originário (HC 0027066-38.2010.4.01.0000/MA), em 27/7/2010, à unanimidade, concedeu

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1538 Boletim iBCCRim - Ano 20 - nº 231 - FeVeReiRo - 2012 mente a ordem de habeas corpus. (...)

(...) O writ busca debater cinco questões centrais: a) incompetência do juízo para deli-berar sobre as medidas de interceptação e de quebra de sigilo bancário e fiscal, porquanto, desde o início, o objetivo das investigações era apurar a suposta prática de crime eleitoral nas campanhas da Senadora R.S.e do Deputado J.S.F.; b) ilicitude das provas decorrentes da quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico; c) ilicitude da quebra de sigilo fiscal e das comu-nicações telefônicas do paciente; d) ilegalidade de todas as prorrogações das interceptações telefônicas e telemáticas, por ausência de fundamentação idônea; e) prazo máximo para as interceptações, considerando o disposto no art. 5º da Lei 9.296/1996.

(...)

Voto

(...)

II) DA ILICITUDE DAS PROVAS DE-CORRENTES DA QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO

Neste segundo tópico, buscam os im-petrantes o reconhecimento da ilicitude das provas decorrentes da quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico, ao argumento de que (fl. 9):[...] por importar em exceção à garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade e vida privada, somente pode ser autorizada em face da existência de indícios da prática de crimes.[...] a quebra de sigilo ocorreu, apenas e tão somente, por conta de Ofício remetido pelo COAF encaminhando relatório de movimentação financeira atípica. [...] Analisei, pormenorizadamente, as razões da impetração, a farta documentação acostada, o parecer do nobre representante do Minis-tério Público Federal e entendo que melhor sorte socorre, nesse quesito, a tese defensiva.

(...) Observe-se, e isso é bom salientar desde já, que a própria comunicação enca-minhada pelo COAF é clara ao afirmar que as movimentações atípicas não podem ser, necessariamente, consideradas ilícitas.

(...)

Fundamento e decido.

A Lei 9.613/1998, que “dispõe sobre os

cri-mes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Finan-ceiras - COAF, e dá outras providências” , esta-belece, no caput de seu artigo 14, que o COAF tem “a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades”.

Por seu turno, o artigo 15 do mesmo diplo-ma legal determina que “o COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei,

de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito”.

Entre os ilícitos que o COAF deve notificar às autoridades competentes, encontra-se o de-lito de “lavagem” ou ocultação de bens, direi-tos e valores, previsto na própria Lei 9.613/98, infração penal essa que invariavelmente está também vinculada a crimes contra a ordem tributária, tipificados na Lei 8.137/1990.

(...)

Nesse contexto, a medida requerida pelo MPF deve ser deferida, eis que presentes fortes indícios da prática de crimes, situação em que o sigilo deve ser afastado, diante do interesse maior da sociedade em reprimir condutas ilícitas.

(...)

Há, portanto, que se impor “limites” e esclarecer o “âmbito de legitimidade da pro-vidência”.

O inquérito policial, como é sabido, é um instrumento de natureza administrativa, que tem por finalidade expor o crime em sua primeira fase, a fim de que se descubram a autoria, a materialidade, as circunstâncias do crime, além de provas, suspeitas, etc.

Deve-se se seguir pelo princípio da licitude das provas, pois como reza o art. 5º, LVI, da Constituição Federal são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Assim, quando do conhecimento pela au-toridade policial do Relatório de Inteligência Financeira remetido pelo COAF, além da instauração do competente inquérito poli-cial – o que ora não se discute –, deveriam, e isso não diz respeito apenas a meu modo de pensar, mas de expressa previsão legal, ter sido determinadas diligências visando ao esclarecimento dos fatos ali descritos (não há nenhuma notícia nos autos de que, antes dos requerimentos aqui apreciados, a Polícia Federal tenha executado qualquer diligência no sentido de apurar com mais profundidade as informações encaminhadas pelo COAF), muito mais, ainda, porque o que estava em jogo, até então, eram informações referentes a mera “movimentação financeira atípica”, não necessariamente considerada ilícita, nas próprias palavras do COAF e da autoridade policial.

(...)

A regra, volto a dizer, é o sigilo; a quebra é a exceção.

Assim, ao deixar a autoridade policial de desempenhar devidamente o seu papel, qual seja, o de “investigar”, na verdadeira acepção da palavra, diligenciando e fazendo uso de todos os recursos disponíveis, quando do conhecimento acerca das “movimentações financeiras atípicas”, subtraiu, de forma injustificável, o direito dos investigados à intimidade e à privacidade, direito esse de índole constitucional.

Nesse ponto, indago: as representações feitas com base somente no relatório do

COAF foram proporcionais e adequadas? É justificável, nesses moldes, o afastamento do sigilo? E por onde fica a proteção aos direitos e garantias fundamentais? E a necessidade de se esgotar todos os outros meios de prova?

Ora, uma coisa é dar-se início à investiga-ção policial, ante o conhecimento de dados encaminhados pelo COAF, para fins de se comprovar sua lisura, outra, totalmente di-versa, é cercar-se exclusivamente destes para arregimentar mecanismos cautelares excepcio-nais de colheita de provas e de correspondente comprovação. Isso não é admissível.

A função de investigar não pode resumir-se a uma sucessão de abusos, nem deve reduzir-se a atos que importem em violação de direitos ou que impliquem desrespeito a garantias estabelecidas na Constituição e nas leis. Por isso mesmo, não pode transformar-se em instrumento de prepotência nem converter-se em meio de transgressão ao regime da lei. Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-jurídicos que não podem nem devem ser transpostos; quando se investiga (como na espécie), processa ou julga, não se está exonerado do dever de respeitar os estritos limites da lei, por mais graves que sejam os fatos cuja prática motivou a instauração do procedimento.

Imperioso destacar, ainda, que a exigên-cia de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema constitucional não frustra nem tampouco impede o exercício pleno dos poderes investigatórios. O respeito efetivo pelos direitos individuais e pelas garantias fundamentais outorgadas pela ordem jurídica aos cidadãos em geral representa o sinal mais expressivo e o indício mais veemente de que se consolida, de maneira real, o quadro de-mocrático delineado na Constituição Federal. Sem dúvida, é a tutela jurídica da intimi-dade uma das mais significativas expressões dos direitos da personalidade, tratando-se de valor constitucionalmente garantido, cuja proteção normativa busca assegurar, em favor do indivíduo, uma esfera de autonomia a salvo do arbítrio do Estado.

Todavia, como é sabido, tal direito à invio-labilidade não se reveste de caráter absoluto, cedendo espaço, excepcionalmente, às exigên-cias impostas pela preponderância do interesse público, “quando existem fundados elementos de suspeita, apoiados em indícios idôneos e reveladores de prática delituosa”.

Portanto, é de conhecimento de todos que, apesar da relevância do direito ao sigilo de dados constitucionalmente assegurado, de há muito vem se reconhecendo a compatibilidade jurídica de sua quebra quando presentes “fun-dadas razões para a disclosure de informações reservadas”.

(...)

Todo inquérito policial visa apurar a responsabilidade dos envolvidos a fim de puni-los, sendo certo que a gravidade das

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1539 Boletim iBCCRim - Ano 20 - nº 231 - FeVeReiRo - 2012

infrações e/ou a repercussão dos fatos, por si sós, não sustentam a devassa da intimidade (medida de exceção), até porque qualquer crime, de elevada ou reduzida gravidade (desde que punido com pena de reclusão), é suscetível de apuração mediante esse meio de prova, donde se infere que esse fator é irrelevante para sua imposição. Igual racio-cínio deve ser empregado para a justifi cativa concernente ao “perigo enorme e efetivo que a ação pode causar à ordem tributária, à ordem econômica e às relações de consumo”, as quais se encontram contidas na gravidade das infrações sob apuração. Último elemento que pode ser extraído é a “complexidade” dos fatos sob investigação. E digo: além de novamente não haver a demonstração do nexo entre referida circunstância e a impossibilidade de colheita de provas mediante outro meio menos invasivo, entendo que não são, por si sós, causas sufi cientes para o afastamento. Há obrigatoriedade de comprovação da “impres-cindibilidade” da medida de exceção, quando do momento de sua decretação.

(...)

“Os fi ns justifi cam os meios!!”. Quando se trata de direitos fundamentais, inadmis-sível um raciocínio tão singular, tão singelo, tão desvirtuado. Tal representação, quanto à quebra de sigilo, que incide em absoluta invasão na vida do cidadão, sempre deverá estar, a qualquer custo, fundamentada na necessidade e na imprescindibilidade. Porém, isso não ocorreu.

Se o texto da lei diz que o sigilo é a regra, e a quebra, a exceção, tenho que, no presente caso, exatamente o “inverso” é que ocorreu. A partir do momento em que a autoridade policial decidiu, sem antes realizar qualquer outra diligência, representar pela quebra de sigilo,mediante o contido no relatório de inteligência fi nanceira do COAF, maculou, por assim dizer, todo esse apuratório, já que o trabalho investigativo, que corresponde ao pleno esclarecimento do fato criminoso, não foi adequadamente realizado, ou melhor di-zendo, aqui nem chegou a ser feito, uma vez que as investigações se originaram a partir do afastamento do sigilo, sendo que, antes, restara apenas instaurado o inquérito pela autoridade responsável.

Atribuir legitimidade a essa prática revela-se, pois, totalmente inadmissível, ante a gravíssima violação dos direitos e das garantias fundamentais.

Portanto, acolher o procedimento ora adotado pela autoridade policial – represen-tação pela quebra de sigilo sem, sequer, adotar qualquer outra medida antes – seria o mesmo que “atacar”, e não “proteger” os direitos e as garantias fundamentais, porquanto desfi gura-da sua formação.

Em suma: a ausência de esgotamento de outros meios de prova, ou melhor, a utiliza-ção apenas do relatório do COAF por parte

da autoridade policial responsável, leva-nos à consequente conclusão da chamada “prova ile-gítima/ilícita”, produzida com inobservância de imperativos ou vedações legais.

Temos que estar conscientes para que o uso desse instrumento, embora digno quando atendidos integralmente os preceitos legais, não se transforme em ferramenta para fi ns exclusivos de verdadeira invasão à intimidade e à privacidade, destituída da necessária e específi ca indicação de causa provável, que se qualifi ca como pressuposto legitimador da ruptura. Sublinho, sobretudo, que não se trata apenas de uma posição (ou da minha). É o que defi ne a Constituição. Na verdade, não somos mais do que os intérpretes da Constituição. Não dizemos o que pensamos ser assim ou assado. Dizemos o que diz a Constituição.

Digo, ainda, que todas as observações acima feitas se aplicam ao pedido formula-do pelo Ministério Público Federal (Proc. 2006.37.00.006392-9) quando da quebra de sigilo bancário. Ali também os fundamentos, como transcritos mais acima, quando da re-produção da decisão que os acolheu e que se encontram às fl . 2.663 e seguintes dos autos, limitaram-se às informações prestadas pelo COAF, sem qualquer referência a outros ele-mentos probatórios relacionados ao pretenso crime que se quer apurar ou mesmo à impos-sibilidade de se utilizar de outros meios de prova para se aprofundar na análise dos fatos descritos pelo COAF. Lá, como aqui, a medida primeira foi a quebra de sigilo, vale dizer, a origem das investigações propriamente ditas.

Outro ponto impugnado pelos impetrantes e que passo, agora, a apreciar é o referente à fundamentação do Juízo singular para o deferimento da medida.

(...) o direito de sigilo, como é cediço, insere-se no campo do direito à intimidade, previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal.

É ele, ainda, de forma genérica, garantido em outros dispositivos da Lei Maior, em especial no inciso XII do mencionado artigo.

Desse modo, o sigilo não pode sofrer vio-lações, senão em situações excepcionais que autorizem a restrição do direito.

É por isso que se afi rma que nenhum di-reito constitucionalmente previsto é absoluto, visto que, quando em confronto com outra norma de igual hierarquia, será submetido a um juízo de ponderação e, se necessário, restringido para que o outro prevaleça.

(...) os pedidos de representação pela quebra de sigilo bancário, fi scal e de dados telefônicos originaram-se a partir das movi-mentações fi nanceiras atípicas informadas pelo COAF às autoridades responsáveis.

Entretanto, tais provas só poderão ser ad-mitidas se colhidas em conformidade com a Constituição Federal.

Signifi ca dizer que nos casos em que não existam outros meios de prova disponíveis, bem como demonstrada sua

imprescindibi-lidade e precedida de concretas e fundadas razões.

(...)

O outro requisito extrínseco é a “moti-vação”, imprescindível a qualquer decisão judicial. A Constituição, em seu art. 93, IX, determina de maneira peremptória a funda-mentação de toda decisão, sancionando-a de nula se estiver dela carente. A motivação é garantia política e processual de legitimidade das manifestações jurisdicionais e única forma pela qual o juiz, exteriorizando e materia-lizando sua convicção, permite ao cidadão impugnar o ato determinado se o entender inconstitucional.

(...)As decisões que autorizaram a quebra de sigilo bancário, fi scal e de dados telefônicos (idênticas, todas as três, diga-se mais uma vez) limitaram-se apenas a fazer uma abordagem sobre o Relatório do COAF, mencionar (e aqui deve-se observar muito bem), eu disse “men-cionar”, o § 4º do art. 1º da LC 105/2001, além de conjecturar sobre possibilidades de cunho estritamente subjetivo e abstrato

(...)

Ponderando a análise do pleito mandamen-tal em questão, de um lado, e o exame das razões que motivaram a decretação da quebra de sigilo bancário, fi scal e de dados telefônicos, de outro, demonstrada está a evidente falta de fundamentação subjacente à efetivação, no caso, da medida excepcional da disclosure. Pelas razões acima expostas, tenho que as provas colhidas em razão dessas quebras, na sua totalidade, são “ilícitas”.

(...)Por fi m, é mister consignar que, no caso em exame, inquestionável é o prejuízo acarretado pelas investigações realizadas em desconformidade com as normas legais, as quais não convalescem, sob qualquer ângulo que seja apreciada a questão, porquanto ma-nifesta a nulidade das diligências perpetradas pelas autoridades responsáveis, ao arrepio da lei.

E, ainda, que deve o juiz estrita fi delidade à lei penal, dela não se podendo afastar a não ser que inconsequentemente se arrisque a percorrer, de forma isolada, o caminho tortu-oso da subjetividade, que, não poucas vezes, desemboca na odiosa perda da imparcialidade.

Dúvidas, portanto, inexistem de que as referidas provas estão irremediavelmente con-taminadas, devendo ser consideradas ilícitas e inadmissíveis, circunstâncias que as tornam destituídas de qualquer efi cácia jurídica.

Reconheço, então, que os atos das autori-dades apontadas como coatoras, ante a clara ausência de motivação de que se ressentem, “não se ajustam aos padrões mínimos” fi xados pelo ordenamento jurídico pátrio(...)

(...)Tudo isso é dito para declarar a ilicitude da quebra de sigilo bancário (Proc. 2006.37.00.006392-9), fi scal (Proc. 2007.37.00.001750-7) e de dados telefôni-cos (Proc. 2007.37.00.001751-7) dos

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inves-Boletim iBCCRim - Ano 20 - nº 231 - FeVeReiRo - 2012 1540

Supremo Tribunal Federal 2.ª T. – HC 108.386

j. 06.12.2011 – public. 01.02.2012 Cadastro IBCCRIM 2709

Direito Processual Penal. Habeas Corpus. Roubo. Causas de aumento da pena do roubo. Emprego da arma de fogo. Exclusão da causa de aumento da pena. Ausência de apreensão e laudo pericial. Ordem denegada.

“(...) O acórdão impugnado está em harmonia com o entendimento

firmado pelo Plenário desta Corte no julgamento do HC 96.099 (rel. min. Ricardo Lewandowski, DJe 104, de 04.06.2009), segundo o qual o reconhecimento da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, inc. I, do Código Penal, prescinde da apreensão da arma e da confirmação de seu potencial lesivo, bastando, para sua incidência, que constem dos autos elementos de convicção suficientes à comprovação de tal circunstância, “em especial pela palavra da vítima – reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente”. Ordem denegada. (...).”

Pesquisador: Alberto Alonso Muñoz

SUPREMO TRIBUnAl FEDERAl

JURISPRUDÊnCIA AnOTADA

SUPREMO TRIBU

n

A

l FEDERA

l

O DIREITO POR...

Anotação: Faz-se urgente uma revisão do posicionamento do STF

e do STJ quanto à desnecessidade de apreensão da arma para a carac-terização da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2.º, I, do CP. O posicionamento que prevalece conflita, em primeiro lugar, com a revogação da Súmula 174 do STJ e, em segundo lugar, com o próprio posicionamento do STF sobre a matéria.

Duas correntes disputam a interpretação desse dispositivo. A cor-rente subjetivista confere integral importância ao elemento psicológico da vítima. Para essa corrente, pouco importa que a arma seja de brin-quedo ou um simulacro, esteja desmuniciada ou não tenha potencial lesivo (por exemplo, incapaz de produzir disparos, no caso de arma de fogo). O essencial é que a vítima tenha sido, nas palavras do Min. Ricardo Lewandowski, “reduzida à impossibilidade de resistência pelo

agente”. Assim, tentando adentrar a subjetividade da vítima, essa

cor-rente entende que o mero fato de se ter sentido atemorizada pelo que percebeu como sendo uma arma (fosse de fato ou não, pouco importa) é condição suficiente para a incidência da majorante.

A outra corrente é aquela denominada objetivista. Sustenta, em pri-meiro lugar, que é preciso partir de uma análise conceitual da linguagem empregada pelo Código Penal nesse dispositivo. O Código Penal fala em “arma”, e evidentemente uma arma de brinquedo, um simulacro de arma, ou uma arma sem potencial lesivo (uma arma incapaz de disparar) não são, stricto sensu, armas.

Em segundo lugar, essa corrente deixa de dar importância à sub-jetividade da vítima e passa a examinar a reprovabilidade da conduta em si. Se o agente realiza um roubo com emprego de um objeto que se assemelha a uma arma, mas sem de fato sê-lo, não teria como assumir o risco de produzir um resultado mais grave para a vítima, atingindo sua vida ou integridade física. O agente que aponta uma arma feita de cera (exemplo clássico) sabe que não poderá disparar com ela, e, portanto, não assumiu o risco de matar ou lesar a vítima. Não pode, portanto, responder de modo mais agravado, já que a reprovabilidade de sua conduta não chegou ao nível daquela do agente que, este sim, fez uso de arma municiada e letal para ameaçar a vítima.

Por fim, em terceiro lugar, e agora em nível constitucional, a corrente objetivista sustenta que os bens jurídicos protegidos pelas

normas penais devem ser encontrados na Constituição Federal, que fornece os princípios informativos e interpretativos do Direito Penal. O dispositivo previsto no art. 157, § 2.º, I, do CP, ao aumentar a pena proporcionalmente à reprovabilidade da conduta, busca proteger a vida e a integridade física da vítima (art. 5.º, caput, da Constituição da República). Não busca apenas proteger a propriedade, apesar de o inciso se encontrar heterotopicamente no capítulo que descreve os Crimes contra a Propriedade. Na medida em que, no caso concreto, esses bens jurídicos não foram nem lesados, nem ameaçados, e nem poderiam selo, seria inconstitucional a incidência da causa de aumen-to aumen-toda vez que não se estivesse diante de uma arma stricaumen-to sensu: um objeto apto a causar evidente e imediata lesão à vítima. E para tanto é essencial sua apreensão e perícia.

Ainda que a segunda corrente nos pareça a mais consentânea com a interpretação constitucional do Direito Penal, e deva, por isso, pre-valecer, o fato é que a primeira, cada vez mais minoritária, ainda tem adeptos. Ainda que não a melhor, o STF poderia adotar a primeira corrente em detrimento da segunda.

O que não se concebe, porém, é a adoção das duas correntes ao mes-mo tempo, uma vez que são excludentes e não podem ser abraçadas concomitantemente. Não obstante, é esse o posicionamento do STF e do STJ no que diz respeito à arma não apreendida.

Se a arma é apreendida e a perícia revela que era incapaz de produzir disparos, ou que era um simulacro de arma, sem qualquer lesividade, o STF entende que não se caracteriza a causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2.º, I, do CP. Da mesma forma, o crime de porte de arma, quando apreendida a arma e verificado estar desmuniciada ou ser inapta a produzir disparos, se torna atípico. Nesse sentido, o STF adota a teoria objetiva, pouco importando se a

vítima foi ou não intimidada.

Porém, se a arma não chega a ser apreendida, o STF passa a abraçar a teoria subjetiva, entendendo que a mera intimidação da vítima já basta para a caracterização da causa de aumento. Assim, ainda que o réu não pretendesse – e nem pudesse –, com aquele objeto atingir a vida ou a integridade física da vítima, se não for apreendida e periciada, responderá pela causa de aumento do art. 157, § 2.º, I, do CP. O STF, tigados, porquanto em desconformidade com

os requisitos legais, quebras apoiadas em fun-damentos genéricos e sem motivação idônea, impondo-se a extensão desta decisão a todas as demais medidas delas derivadas (Proc. 2007.37.00.010617-8) e outras porventura existentes, reconhecida a impossibilidade também destas, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada.(...).

Posto isso, concedo a ordem para

de-clarar nulas as quebras de sigilo bancário (Proc. 2006.37.00.006392-9), fiscal (Proc. 2007.37.00.001750-7) e de dados telefônicos (Proc. 2007.37.00.001751-7), integrantes do IPL 001/2007 - DFIN/DCOR, porquanto autorizadas em desconformidade com os ditames legais e, por consequência, declarar igualmente nulas as provas em razão delas produzidas (Proc. 2007.37.00.010617-8), cabendo, ainda, ao Juiz do caso a análise de

tal extensão em relação a outras, já que nesta sede, de via estreita, não se afigura possível averiguá-las; sem prejuízo, no entanto, da tramitação do inquérito policial, cuja conclu-são dependerá da produção de novas provas independentes. (...).

Sebastião Reis Júnior

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Boletim iBCCRim - Ano 20 - nº 231 - FeVeReiRo - 2012 1541 aqui, emprega uma evidente presunção in malam partem; o que leva ao

paradoxo de imaginarmos que o agente deve torcer para ter apreendida sua arma de brinquedo ou desmuniciada, porque, se não o for, sua conduta será enquadrada no art. 157, § 2.º, I, do CP.

O paradoxo foi percebido pelo STJ após a revogação, em 24.10.2001, da Súmula 174. O histórico da questão no STJ passou pela divergência de entendimentos, um inclinando-se pelo posicionamento oscilante do STF, outro adotando integralmente, com coerência, a corrente ob-jetivista. No EREsp 961.863/RS (3.ª Seção, rel. Min. Celso Limongi, rel. p/acórdão Min. Gilson Dipp, j. 13.12.2010, DJe 06.04.2011), o STJ terminou por abraçar a mesma orientação incoerente do STF. Vale a pena, porém, mencionar trecho do voto divergente da Min. Maria Thereza de Assis Moura nesses embargos de divergência em recurso especial (grifos meus):

“É cabível a exclusão da causa especial de aumento de pena referente ao emprego de arma no crime de roubo na hipótese em que não há apreensão e perícia da arma de fogo, pois a referida causa de aumento pressupõe a comprovação de que a arma é apta a produzir disparos, prova essa que incumbe à acusação, e não à defesa, que não tem qualquer ônus, nem mesmo de provar eventual excludente de crime, pois a dúvida favorece ao acusado, sendo que, ainda que impossível a realização de perícia, não há como admitir a prova testemunhal, porque des-provida de caráter técnico quanto à lesividade da arma”.

O que se espera dos Tribunais Superiores é menos a rejeição da teoria subjetiva do que a adoção de um entendimento não contraditório. Embora seja bem certo que a adoção da teoria objetiva signifi caria o pleno prestígio aos princípios constitucionais do Direito Penal, entre eles o da presunção de inocência (não é cabível uma presunção de culpabilidade ante a não apreensão da arma), o que se pede é menos do que isso. Pede-se coerência: ou se adota defi nitivamente a teoria objetiva, e isso signifi ca rejeitar a orientação conforme a qual, ausente a arma, basta que a vítima tenha sido atemorizada para que a majorante incida; ou (lamentavelmente) a teoria subjetiva, e para isso pouco importará o potencial lesivo da arma, apreendida ou não, bastando o temor da vítima.

O que não é possível não é só o não acolhimento da teoria ob-jetiva em sua plenitude, teoria que se mostrar mais coerente com o ordenamento jurídico constitucional. Incabível é pretender adotar ambas ao mesmo tempo, criando uma presunção que fere o princípio constitucional da presunção da inocência, e, pior ainda, o princípio, este lógico, da não contradição.

Alberto Alonso Muñoz

Doutorando e mestre em Teoria Geral do Direito pela USP. Membro do Conselho Diretor da Associação Juízes para a Democracia – AJD. Juiz de Direito em São Paulo.

SUPERIOR TRIBUnAl DE JUSTIçA

SUPERIOR TRIBUnAl DE JUSTIçA

Superior Tribunal de Justiça

5.ª T. – HC 147.375

j. 22.11.2011 – public. 19.12.2011 Cadastro IBCCRIM 2708

Direito Penal. Habeas Corpus originário substitutivo de recurso ordinário constitucional. Quebra dos sigilos bancário e fiscal. Crimes contra o sistema financeiro. Operação de câmbio com fim de promoção de divisas. Assistência jurídica. Acordo internacional. Instrução criminal.

“(...) 1. Da leitura do item 4 do artigo 1º do Acordo de Assistên-cia Jurídica em Matéria Penal – MLAT, percebe-se que os Governos do Brasil e dos Estados Unidos da América reconhecem a especial importância em combater os graves crimes ali listados, sem, contu-do, excluir a apuração de outros ilícitos, já que não há limitação ao alcance da assistência mútua a ser prestada, de modo que a simples afi rmação de que o delito de evasão de divisas não estaria previsto no mencionado dispositivo legal não é sufi ciente para afastar a sua incidência na hipótese, uma vez que, como visto, o rol dele cons-tante não é taxativo, mas meramente exemplifi cativo. 2. Aliás, já na introdução do Acordo tem-se que o Brasil e os Estados Unidos pretendem “facilitar a execução das tarefas das autoridades responsáveis

pelo cumprimento da lei de ambos os países, na investigação, inquérito, ação penal e prevenção do crime por meio de cooperação e assistência judiciária mútua em matéria penal”, ou seja, por meio dele os

Gover-nos almejam o auxílio no combate aos delitos em geral, e não com relação a apenas algumas e determinadas infrações penais. 3. Por sua vez, no item 1 do artigo 3º do Acordo estão enumeradas as restrições à assistência, dentre as quais não se encontram crimes considerados leves, notadamente o de evasão de dividas. Alegada imprestabilida-de do MLAT por violação do princípio da igualdaimprestabilida-de. Apontada utilização do acordo apenas para o atendimento de pedidos formulados no interesse da acusação. Possibilidade de a defesa pleitear a produção da prova ao juízo, que a solicitará ao Esta-do requeriEsta-do. Inconstitucionalidade não evidenciada. 1. Muito embora o Ministério da Justiça tenha informado aos impetrantes, via e-mail, que “segundo a Autoridade Central estadunidense, pedidos

de cooperação que solicitam diligências requeridas pela defesa não estão abrangidas pelo Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América (Decreto 3.810, de 21/02/2001) “, o certo é que

nada impede que o acusado, por seus advogados, pleiteie ao Juízo a produção de determinada prova, e que este a solicite ao Estado requerido por meio do MLAT. 2. Mesmo que os Estados Unidos da América não aceitem pedidos de prova requeridos pela defesa em face das peculiaridades do sistema da common law lá adotado, não há dúvidas de que inexistem impedimentos no direito pátrio a que o juiz solicite, por meio do acordo, as providências desejadas pelo acusado. 3. Em arrremate, deve-se destacar que o Acordo de Coo-peração Mútua Internacional - MLAT entre os Governos brasileiro e estadounidense foi promulgado em maio de 2001, por meio do Decreto 3.810, jamais tendo sido alvo de declaração de inconstitu-cionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, que inclusive já o examinou em diversas ocasiões, o que reforça a improcedência da arguição de sua imprestabilidade por ofensa ao princípio da isonomia previsto na Constituição Federal. Indigitada violação aos artigos 368 e 783 do código penal. Aventada exclusividade da carta rogatória para a obtenção de documentos e informações no ex-terior. Existência de outros meios de cooperação entre os países admitidos no ordenamento jurídico pátrio. Eiva inocorrente. 1. A carta rogatória não constitui o único e exclusivo meio de solici-tação de providências pelo juízo nacional ao estrangeiro, prevendo o direito processual internacional outras formas de auxílio como as convenções e acordos internacionais. 2. O entendimento atual é o de que os acordos bilaterais, tal como o ora questionado, são preferíveis às cartas rogatórias, uma vez que visam a eliminar a via diplomática como meio de cooperação entre os países, possibilitando o auxílio direto e a agilização das medidas requeridas. 3. Como se sabe, o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma sistêmica, não se podendo excluir, notadamente em se tratando de direito interna-cional, outros diplomas legais necessários à correta compreensão e interpretação dos temas postos em discussão, mostrando-se, assim, totalmente incabível e despropositado, ignorar-se a existência de Acordo de Assistência Judiciária celebrado entre o Brasil e os Estados

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Boletim iBCCRim - Ano 20 - nº 231 - FeVeReiRo - 2012 1542

Anotação: Foram duas as questões centrais enfrentadas no

julga-mento do HC 147.375, ambas alusivas ao Acordo de Assistência Jurí-dica em Matéria Penal firmado entre Brasil e Estados Unidos (MLAT), promulgado pelo Dec. 3.810/2001. Na oportunidade, o STJ:

(i) sublinhou que o Acordo em referência não limita a colaboração internacional às hipóteses de “graves atividades criminais”, exem-plificativamente enumeradas em seu art. 4.º, tais como a lavagem de dinheiro e o tráfico ilícito de armas de fogo; no caso concreto, a investigação tinha como objeto a apuração do delito de evasão de divisas, tendo-se admitido o acionamento do MLAT, considerado aplicável “aos delitos em geral, e não com relação a apenas algumas e

determinadas infrações penais”;

(ii) assentou a plena legitimidade da utilização MLAT como instru-mento destinado à solicitação de providências ao Estado estrangeiro, cuja validade não estaria afetada pela circunstância de a Autoridade Central norte-americana limitar a abrangência da cooperação a pleitos partidos da acusação, negando cumprimento a diligências requeridas pela defesa.

A essência da questão, que justifica este comentário, está narrada no próprio acórdão, que transcreve informação oficializada pelo Ministério da Justiça: “segundo a Autoridade Central estadunidense,

pedidos de cooperação que solicitam diligências requeridas pela defesa

não estão abrangidas pelo Acordo de Assistência Judiciária em Matéria

Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América (Decreto 3.810, de 21.02.2001)”.

A importância desse julgamento não pode ser subestimada pelo seu resultado objetivo. Embora tenha denegado a ordem de habeas

corpus, que postulava a imprestabilidade do MLAT por “violação ao

princípio da igualdade”, a 5.ª T. do STJ jogou luzes sobre o relevante problema da disparidade processual ocasionável pela utilização do acordo bilateral, abrindo possíveis caminhos ao reequilíbrio dessa relação. E caminhos, como se verá, consentâneos com a magnitude dos direitos envolvidos: nada menos que o direito de defesa, o direito

à prova e – implicado a ambos – o direito a um processo justo, posições

jurídicas ativas da cidadania, de base jusfundamental; como tais, inalienáveis por força de lei, acordo, tratado ou convenção.

Nessa linha, ante a resistência imposta pelo Estado requerido em atender diligências solicitadas pela defesa, anotou o STJ que “nada

impede que o acusado, por seus advogados, pleiteie ao Juízo a produção de determinada prova, e que este a solicite ao Estado requerido por

meio do MLAT”.

A decisão estimula a adoção de uma práxis judicial conforme a

Constituição e os direitos fundamentais, em tudo alinhada aos tratados

internacionais sobre direitos humanos firmados pelo Brasil, normas jurídicas situadas em posição proeminente no cenário jurídico na-cional (art. 5.º, § 3.º, da CF).

Nesse tom, afora a principiologia que orienta a condução do

Pro-cesso Penal em um Estado Democrático, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Dec. 592/1992, enuncia que “os Estados Partes comprometem-se a respeitar e a garantir a todos

os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeito a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação

alguma”; por certo, sem discriminação da posição processual que ocupam. Mais explicitamente, o art. 14 do Pacto dispõe que “3. Toda

pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, a, pelo menos, as seguintes garantias: (...) b) de dispor do tempo e do meios necessários à preparação de sua defesa e (...) e) de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas da acusação e de obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que

dispõe as de acusação”.

À luz desse denso espectro de garantias, não haveria o juiz, sim-plesmente, de prestar claudicante deferência à noticiada objeção alienígena. Se, por um lado, pouco ou nada podemos fazer contra o habitual pragmatismo da soberana política exterior norte-americana, tudo recomenda, por outro lado, que sejam adotadas, em nível de direito interno, medidas (judiciais, no caso) que recomponham a “prevalência dos direitos humanos”, princípio constitucional que rege a República Federativa do Brasil no plano de suas relações interna-cionais (art. 4.º, inc. II, da CF/1988), vinculando a ação do Estado em todas as suas fisionomias de poder.

É nesse contexto que perspectivamos a lição do STJ, emanada da decisão em exame. Uma lição que, se não se deixa considerar como de compulsória e irrestrita aplicação, revela-se fortemente sugestiva de uma atuação jurisdicional comprometida com os direitos funda-mentais implicados na espécie, na essência que lhes confere o STF: “Os juízes e Tribunais têm o dever de assegurar, ao réu, o exercício pleno

do direito de defesa, que compreende, dentre outros poderes processuais, a faculdade de produzir e de requerer a produção de provas, que somente poderão ser recusadas, mediante decisão judicial fundamentada, se e quando ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias” (STF, HC 96.905/RJ, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 25.08.2009).

Em resumo, as vias abertas dispostas a fazer valer a normativida-de do direito normativida-de normativida-defesa, do direito à prova e do direito a um processo

justo, em situações como a que ensejou o julgamento em referência,

seriam: (a) a utilização do MLAT, mediante a incorporação e o encaminhamento às autoridades estrangeiras, pelo magistrado, das diligências solicitadas pela defesa, desde que não se revelem irrele-vantes, impertinentes ou protelatórias (art. 401, § 1.º, do CPP), ou, residualmente, com as mesmas condicionantes, (b) a utilização do canal diplomático tradicional (carta rogatória).

Luciano Feldens

Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS. Advogado.

Unidos da América, regularmente introduzido no direito pátrio mediante o Decreto 3.810/2001, e que permite a obtenção de dili-gências diretamente por meio das Autoridades Centrais designadas. Alegada incompetência de magistrado brasileiro para autorizar a quebra de sigilo de conta bancária situada no exterior. Princí-pio da territorialidade. Possibilidade de autorização da medida pela justiça brasileira. Execução dependente da aquiescência do estado estrangeiro. Existência de acordo entre os governos. Constrangimento ilegal não demonstrado. Denegação da ordem. 1. A competência internacional é regulada ou pelo direito interna-cional ou pelas regras internas de determinado país acerca do direito internacional, tendo por fontes os costumes, os tratados normativos e outras regras de direito internacional. 2. Em matéria penal deve-se adotar, a princípio, o princípio da territorialidade, desenvolven- do-se na justiça pátria o processo e os respectivos incidentes, não se podendo olvidar, outrossim, de eventuais tratados ou outras normas internacionais a que o país tenha aderido, nos termos dos artigos

1º do Código de Processo Penal e 5º, caput, do Código Penal. Dou-trina. 3. Na hipótese em apreço, imputa-se ao paciente o delito de evasão de divisas, cujo processo e julgamento, bem como os eventuais incidentes, compete à Justiça Brasileira, de modo que a quebra de seu sigilo bancário encontra-se inserida na jurisdição pátria, não se podendo acoimar de incompetente a magistrada da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro simplesmente porque a conta pertencente ao acusado estaria localizada fora do território nacional. 4. Apenas a execução da medida, por depender de providências a serem tomadas em outro país, dependerá da aquiescência do Estado estrangeiro, que a realizará ou não a depender da observância das normas internas e de direito internacional a que se sujeita, sendo que, in casu, como visto, existe Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal a respaldar o envio da documentação e das informações requeridas pelo Ministério Público Federal e autorizadas judicialmente. 5. Ordem denegada.

Pesquisadora: Marcela Diorio

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Boletim iBCCRim - Ano 20 - nº 231 - FeVeReiRo - 2012 1543

TRIBUnAl REGIOnAl FEDERAl

TRIBUnAl REGIOnAl FEDERAl

Tribunal Regional Federal da 1.ª R.

3.ª T. – HC 0069549-49.2011.4.01.0000 j. 13.12.2011 – public. 19.12.2011 Cadastro IBCCRIM 2627

Direito Processual Penal. Excesso de prazo da medida cautelar. Garantia do prazo razoável na duração do processo. Morosidade da prestação jurisdicional.

“(...) 1. Bloqueio dos valores depositados, a qualquer título, nas contas bancárias de que é titular o paciente, determinado, em 1998. 2. Denúncia ofertada três anos depois, em 2001, sendo recebida neste mesmo ano. TREZE anos, o paciente tem os valores das suas contas bancárias bloqueadas! O processo ainda está fase das alegações fi nais. Não se sabe sequer qual o possível prejuízo causado pelo paciente. 3.

O inciso LXXVIII do art. 5º, da Constituição Federal (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”), princípio constitucional da razoabilidade do processo, impede que o acusado fi que sob esta condição indefi nidamente, aguardando que o feito tenha marcha processual normal. 4. O transcurso do tempo causado pela exagerada duração do processo contribui para disseminar um sentimento de injustiça e de incerteza na sociedade e gera para o acusado um grande transtorno, constituindo-se, por si só, punição. 5. O direito fundamental à razoável duração do processo é um direito constitucional e próprio do Estado Democrático de Direito.

Pesquisador: Priscila Pamela dos Santos

Anotação: O caso penal objeto da decisão acima é bastante

preo-cupante: uma medida cautelar de bloqueio de contas bancárias que perdura há 13 anos. E, mais grave ainda, um processo criminal que se arrasta por 13 anos sem sentença. A questão deve ser tratada a partir do direito fundamental ao Processo Penal no prazo razoável.

O Direito juridiciza o tempo e, por outro lado, o tempo, temporaliza o Direito. É uma íntima relação e interação em que o tempo é elemento constitutivo do nascimento, desenvolvimento e conclusão do processo, mas também infl ui na gravidade com que serão aplicadas as penas processuais, potencializadas pela (de)mora jurisdicional injustifi cada.

A concepção de poder passa pela temporalidade, onde o verdadeiro detentor do poder é aquele que está em condições de impor aos demais o seu ritmo, a sua dinâmica, a sua própria temporalidade. O Direito Penal e o Processo Penal já tomaram, ao longo da história, o corpo e a vida, os bens e a dignidade do homem. Agora, não havendo mais nada a retirar, apossa-se do tempo.

Quando a duração de um processo supera o limite da duração ra-zoável, o processo em si mesmo se transforma numa pena. Basta fazermos um exercício imaginético e nos identifi carmos (fi car idem) com alguém que, além de estar sofrendo a pena processual (la pena de banquillo, como chamam os espanhóis) por ser réu há mais de 13 anos, teve suas contas bancárias bloqueadas durante todo esse tempo.

O caráter punitivo está calcado no tempo de submissão ao con-strangimento estatal, e não apenas na questão espacial de estar (preso) intramuros. Messuti [Messuti, Ana. O tempo como pena, p. 33. Apud Lopes Jr., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012 (no prelo).] afi rma que não é apenas a separação física que defi ne a prisão, pois os muros não marcam apenas a ruptura no espaço, senão também uma ruptura do tempo. A marca essencial da pena (em sentido amplo) é “por quanto tempo”? Isso porque

o tempo, mais que o espaço, é o verdadeiro signifi cante da pena. Infelizmente,

nem mesmo uma sentença absolutória é capaz de devolver-lhe o tempo indevidamente apropriado, pois a fl echa do tempo é irreversível.

Cunhamos a expressão (de)mora jurisdicional porque ela nos remete ao próprio conceito (em sentido amplo) de “mora”, na medida em que existe uma injustifi cada procrastinação do dever de adimplemento da obrigação de prestação jurisdicional, que é agravada em caso de imposição de medidas cautelares pessoais ou patrimoniais.

O art. 5.º, LXXVIII, da CF infelizmente insiste na “doutrina do não prazo”, pois o CPP estabelece prazos, mas despidos de sanção. Ou seja:

prazo-sanção=inefi cácia. Em matéria cautelar (pessoal ou real) a situação

é ainda mais grave: não existe qualquer defi nição de prazo máximo de duração, permitindo assim o bloqueio de uma conta bancária por 13 anos.

O ideal seria a clara fi xação da duração máxima do processo e das medidas cautelares, impondo uma sanção em caso de descumprimento (extinção do processo ou liberdade automática do imputado). É ne-cessário que o ordenamento jurídico interno defi na limites ordinários para os processos, um referencial do que seja a “dilação devida”. Mas não

foi essa a opção do legislador brasileiro, cabendo a análise da demora processual ser feita à luz dos três critérios consagrados pelo TEDH desde o caso Wemhoff (STEDH de 27.06.1968): complexidade do caso, atuação dos órgãos do Estado e atuação do interessado; acrescidos do princípio da razoabilidade como elemento integrador.

Mas o resultado fi nal, ainda assim, é excessivamente vago e discricio-nário, comprometendo a efi cácia do direito fundamental, na medida em que conduz ao emprego de uma cláusula genérica (razoável duração), de conteúdo vago, impreciso e indeterminado.

Pastor [Pastor, Daniel. El plazo razonable en el proceso del estado

de derecho, p. 60. Apud Lopes Jr., Aury. Op. et loc. cits.] critica o

entendimento dominante do não prazo, pois se, inteligentemente, não confi amos nos juízes a ponto de delegar-lhes o poder de determinar o conteúdo das condutas puníveis, nem o tipo de pena a aplicar, ou sua duração sem limites mínimos e máximos, nem as regras de natureza procedimental, não há motivo algum para confi ar a eles a determinação do prazo máximo razoável de duração do Processo Penal, na medida em que o processo penal em si mesmo constitui um exercício de poder estatal, e, igual à pena, às buscas domiciliares, à interceptação das co-municações e todas as demais formas de intervenção do Estado, deve estar metajudicialmente regulado, com precisão e detalhe.

Deveria o legislador estabelecer de forma clara os limites temporais das medidas cautelares (e do Processo Penal, como um todo), bem como consagrar expressamente um “dever de revisar periodicamente” a medi-da adotamedi-da (inserido no PL 4.208/2001 e vetado na Lei 12.403/2011). Tampouco podemos admitir o já surrado discurso do excesso de trabalho para justifi car uma longa demora, pois como bem decidiu o TEDH no caso “Bucholz”, é inadmissível transformar em “devido” o “indevido” funcionamento da justiça. Como afi rma o TEDH, “lo que

no puede suceder es que lo normal sea el funcionamiento anormal de la Justicia, pues los Estados han de procurar los medios necesarios a fi n de que los procesos transcurran en un plazo razonable”.

Portanto, acertada a decisão, pois violado o direito de ser julgado em um prazo razoável, não só pela abusiva duração do bloqueio da conta bancária, mas também pela excessiva duração deste processo. Por fi m, para compreender a verdadeira pena processual que encerra a demora indevida, recordemos de Einstein, na clássica explicação que deu sobre a relatividade à sua empregada: “quando um homem se senta ao lado

de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente – e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora. Isso é relatividade”. Esse é o tempo no Processo Penal: tempo sentado

na chapa quente do fogão.

Aury Lopes Jr.

Doutor em Direito Processual Penal. Prof. De Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, em Ciências Criminais da PUC-RS. Advogado.

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Boletim iBCCRim - Ano 20 - nº 231 - FeVeReiRo - 2012 1544

Anotação: A um adolescente foi imposta medida de internação

pela prática de tráfi co de drogas na cidade de Florianópolis. O tribu-nal, em habeas corpus precedente, e a despeito de não se caracterizar a reiteração infracional nos termos do art. 122, II, do ECA, posto que havia apenas um registro infracional de que resultou liberdade assistida, entendeu que sanção imposta era legal, contra iterativa jurisprudência do STJ. O mandado de busca e apreensão foi cum-prindo, recolhendo-se o adolescente numa delegacia de polícia. Após o quinto dia útil de recolhimento, a defensora requereu a liberação do adolescente ao juízo de primeiro grau, que a negou. Ela postulou a providência por meio de outro habeas corpus, e obteve a liminar depois confi rmada.

Neste segundo habeas, como se lê na ementa acima, o tribunal concedeu a ordem e entendeu impossível a sua mantença no local além do prazo previsto no art. 185, § 2.º, do ECA. Atribuiu à decisão, prolatada em detrimento da ordem judicial anterior, o caráter corretivo da omissão histórica do Poder Executivo em criar e manter estabeleci-mentos adequados para o cumprimento de medidas socioeducativas, que não podia ser carreada como ônus ao adolescente, como fez o juízo de primeiro grau ao negar a pronta liberação.

O caso resolveu-se com a aplicação de uma proibição legal expressa de manter adolescentes em estabelecimentos penais além de cinco dias. Efetivou-se, na solução, o modelo de garantias processuais adotado pelo ECA em conformidade com a doutrina da Proteção Integral, de assento constitucional (art. 227 da CF) e convencional (Nova Iorque, 1989). Mas é interessante notar o percurso do adolescente no sistema de justiça e a posição do tribunal. O garoto cumpria uma medida de liberdade assistida que o tribunal implicitamente reconheceu inviável ao tomar atalho contra a exigência da reiteração infracional para validar a aplicação da medida de internação. A medida de internação, pode se afi rmar sem dúvidas porque ao julgar o habeas corpus em comento o tribunal reconhece que as defi ciências do sistema são crônicas, sabia-se insuscetível de conformação às exigências da lei por falta de estabeleci-mento adequado. Foi necessário o burocrático prazo de cinco dias de recolhimento em delegacia de polícia para pedir a liberação, pronta e

Tribunal de Justiça de Santa Catarina HC 2011.069811-5 – 4.ª Câm. Crim. j. 13.01.2011 – public. 30.01.2011 Cadastro IBCCRIM 2707

Direito Processual Penal. Estatuto da Criança e do Adolescente. Medidas socioeducativas. Internação em estabelecimento impróprio. Excesso de prazo na internação provisória. Morosidade da prestação jurisdicional. Constrangimento ilegal. Concessão da ordem.

“(...) Em conformidade com o artigo 185, caput, da Lei 8.069/1990,

“a internação, decretada ou mantida pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional”. Excepcionalmente, quando não houver vaga na comarca em entidades com as característi-cas descritas no artigo 123 da referida Lei, bem como não for possível transferir o menor infrator para a localidade mais próxima, poderá ele aguardar a remoção em repartição policial, “não podendo ultrapassar o prazo máximo de cinco dias, sob pena de responsabilidade” (§ 2º do artigo 185 do ECA). Ultrapassado esse prazo, encontra-se confi gurado o constrangimento ilegal.

Pesquisadora: Roberta Werlang Coelho

TRIBUnAl DE JUSTIçA

TRIBUnAl DE JUSTIçA

diligentemente negada em primeiro grau de jurisdição, porque suas decisões devem ser cumpridas pelo Executivo, e que afi nal foi alcançada em óbvia liminar de habeas corpus porque o subsistema executivo não dá conta do problema.

O custos libertatis constitui a função essencial do Judiciário. No direito infracional, entende-se que ele integra o chamado sistema de garantias. A ideia é cara, pois o paradigma da Proteção Integral objetiva superar o paradigma da Situação Irregular que é desprovido da noção de legalidade estrita e da garantia do devido processo legal. Encarcerar ciente de que depois vai soltar, é a negação disso. Ranço correciona-lista, sob o princípio de educar pela dor e pelo sofrimento. Daí que, a concessão do habeas corpus pode não ser exatamente a expressão de uma virtude institucional, mas a etapa fi nal e limite de um processo de negação daquilo que o ato jurisdicional aparentemente afi rma.

As decisões do Poder Judiciário geram impacto no sistema de justiça como um todo. Se há superlotação ou falta de vagas, e se o problema é crônico, admitiu o tribunal, é porque o juiz quer internar mais do que o administrador admite ou pode. Esta falta de sintonia de vontades não é necessariamente a divergência entre o juiz cioso de seus deveres e o político relapso ou indiferente. É um problema de Estado em torno da garantia constitucional da excepcionalidade da privação da liberdade do adolescente, e em torno da destinação dos recursos públicos.

É preciso pensar e dimensionar o sistema de justiça juvenil desde a perspectiva institucional, para que nele caibam casos individuais con-forme a Proteção Integral, e para que nele a concessão de um habeas

corpus seja verdadeiramente a correção da ilegalidade. As metas e limites

defi nidos institucionalmente educam os agentes públicos. E podem tornar ociosa a pena de responsabilidade que sanciona a proibição legal expressa de manter adolescentes em estabelecimentos inadequados por mais de cinco dias, como previsto no art. 185, § 2.º, do ECA, e que verdadeiramente impediu o sistema de justiça em persistir no encarceramento contra a racionalidade e em prejuízo do adolescente.

Luís Fernando Camargo de Barros Vidal

Presidente da Comissão da Infância e Juventude do IBCCrim. Ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.

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