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Vida dos escravos no sertão baiano: gênero, idade, nacionalidade e quantitativo de escravos por propriedade em Xique-Xique ( )

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Vida dos escravos no sertão baiano: gênero, idade, nacionalidade e quantitativo de escravos por propriedade em Xique-Xique (1832-1888)

Taiane Dantas Martins1 Resumo: Este artigo faz parte de um projeto de mestrado em execução que busca analisar aspectos da vida dos escravos e escravas no Sertão Baiano. Serão abordados aqui, elementos quantitativos referentes às estruturas de posse de escravos em Xique-Xique, sito às margens do rio São Francisco com a utilização de cerca de 140 inventários, sendo eles o gênero, a idade, a nacionalidade e o quantitativo de escravos por propriedade considerando três períodos: 1832-1850 (emancipação local até Lei de Abolição do Trafico); 1851-1872 (desta até a Lei do Ventre Livre) e 1872-1888 (desta até a Abolição), buscando detectar permanências e mudanças nestes aspectos da vida dos escravos no sertão de Xique-Xique. Palavras-chave: escravidão no sertão; gênero e nacionalidade; Xique-Xique.

Abstract: This article is part of a master degree project in execution which aims to analyze the aspect of the slaves lives the Sertão Baiano. The project will focus quantitative elements concerned to the structure of possession of slaves in the city of Xique – Xique, which is located on the São Francisco River, based on 140 inventories, considering the gender, the age, the nationality and the quantity of slaves per estate considering three periods: 1832 – 1850 (local emancipation until the abolition of traffic ); 1851 – 1872 (from the abolition until the “ventre live law”) and 1872 – 1888 (since that law until the abolition of slavery), trying to detect the permanencies and changes of these aspects in the slaves´ lives in Sertão of Xique – Xique.

Keywords: slavery in Sertão; gender and nationality; Xique – Xique.

Manoel2 foi trazido da região do Congo, na África. Ao menos é o que afirmam seus avaliadores no ano de 1826, no povoado de Xique-Xique, situado no sertão baiano às margens do Rio São Francisco. Ao morrer seu proprietário, que também se chamava Manoel e serem levantados seus bens, Manoel tinha por volta de 40 anos, portanto teria nascido ainda no século XVIII.

O que se pode supor é que Manoel foi arrancado de sua comunidade na África no início do século XIX, visto que era mais comum a vinda de adultos do que de crianças, ou ainda em meados do XVIII e teve que atravessar o Oceano Atlântico num navio abarrotado de pessoas, em condições insalubres, física e psicologicamente falando, até chegar ao porto de

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Mestranda em História Regional e Local – UNEB. Bolsista da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 07/3119/10, Inventário de Manoel Rodrigues Soares, Xique-Xique, 1826.

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Salvador, ou talvez até de outro mais distante de Xique-Xique, de onde foi vendido e revendido até chegar nessa propriedade no sertão baiano.

Manoel vive então em uma propriedade juntamente com outras cinco pessoas escravizadas, das quais apenas ele é africano, o que certamente impossibilita ou no mínimo dificulta a convivência na propriedade com parentes – sejam consangüíneos ou malungos. Uma peculiaridade desta propriedade é que além de Manoel e seu proprietário, outros dois escravos se chamam Manoel, falta de criatividade ou costume corrente com relação aos nomes? Um é o garoto de 10 anos, descrito como cabra e o outro é Manoel Gaudenio, criolo de 50 anos. Vivem junto com seu proprietário sem terra além dos três Manoéis, Ângelo, crioulo de 45 anos, Simplício, cabra de 12 e Cyriaco, crioulo de 11. São, portanto, seis homens, dos quais três são adultos e três garotos.

O município de Xique-Xique3, que possui histórico de mais de três séculos de ocupação, foi até então pouco explorado, como a maior parte do sertão baiano4, em pesquisas acadêmicas na área de História. Neste sentido, veio preencher importantes lacunas a tese defendida recentemente, por Ferreira (2008). Neste trabalho analisa, além de aspectos fundiários e das famílias da elite local, a vida de pessoas pobres e algumas trajetórias de libertos, assim como traça quadros e analisa aspectos da propriedade de escravos, mas da perspectiva do senhor, enquanto propriedade deste e como uma estratégia de enriquecimento e busca de estabilidade.

Afirma: “À parte o desnível acentuado entre os patrimônios sertanejos, para ricos, remediados e mesmo pobres que tiveram algo a legar aos descendentes, poupar era investir em gados, escravos e terras – bens que transmitiam às famílias uma idéia de segurança” (FERREIRA, 2008: 169-170).

Já a pesquisa que me proponho, da qual faz parte este artigo, trabalha com aspectos do cotidiano dos escravizados, além dos quantitativos da estrutura de posse de escravos, foca-se no município de Xique-Xique, que foi um porto fluvial de destaque, estrategicamente ocupado à época da colonização às margens do Rio São Francisco, cujo povoamento se iniciou na Ilha do Miradouro com a Fazenda Praia de Teobaldo José de Carvalho, sendo que em 1700 nasceu o arraial Xique-Xique, sendo ainda uma aldeia em 1732. Torna-se freguesia em 1714 (FERREIRA, 1998); foi denominado Vila em 1831 e município de Xique-Xique em 6 de julho de 1832. (MACHADO NETO, 1997: 42)

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Cuja grafia no século XIX era Chique-Chique e cuja área corresponde em grande parte hoje à chamada Microrregião de Irecê.

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Acerca de outras áreas do sertão baiano ver (NEVES, 1998, 2000, 2002, 2005); (PINHO, 2001); (PIRES, 2003); (NASCIMENTO, 2007).

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Com base em períodos já consagrados pela historiografia, dividimos para fins de análise os cento e quarenta e cinco inventários encontrados para o século XIX da seguinte forma: 1813-1832, a primeira data é representativa do inventário mais antigo encontrado para Xique-Xique e o segundo finaliza o período pré emancipação política local; 1832-1850, este delimita a emancipação até a Lei de Abolição do Tráfico; 1851-1871, da Abolição do Tráfico até a Lei Eusébio de Queirós, mais conhecida como Lei do Ventre Livre; e de 1872-1888, período em que vigorou a lei do Ventre Livre até a Abolição.

Foi possível elaborar um quadro comparativo baseado nesta divisão para a descrição do número de inventariados, proprietários ou não de escravos.

Tabela indicativa de propriedade de escravos em Xique-Xique de acordo com os inventários.

Períodos Inventariados Proprietários de escravos % Não proprietários de escravos % Total geral Total percentual 1813-1832 07 07 100 0 0 07 100 1832-1850 10 09 90 01 10 10 100 1851-1871 81 66 82 15 18 81 100 1872-1888 47 29 62 18 38 47 100

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Seção Judiciário. Inventários.

É evidente acima a diminuição do percentual de proprietários de escravos, limitando-se o acesso a estes com a Abolição do Tráfico de 100% e 90% na primeira metade do século para 82% após a abolição do tráfico e numa queda ainda mais radical para 62% com a aproximação da Abolição da Escravidão.

No primeiro período, nenhum dos sete inventariados apresentava terras, pode ser que elas tivessem um valor irrisório que não entrasse no inventário, ou mesmo os inventariados poderiam ser posseiros, de qualquer forma, fica apontada a posse de escravos como uma forma preferencial de investimento, bem como de fácil acesso, se comparado a outros bens, situação que mudará consideravelmente no decorrer do XIX. Neste período os escravizados apareceram como únicos bens de seu proprietário, como é o caso de Theresa, crioula de 20, que vivia com sua filha Benedicta de 3 anos e Fellix, crioulo de 20, os únicos bens de Lauriana Maria do Sacramento5 em 1825, vinham acompanhados de poucos objetos de ouro e

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 07/3119/11, Inventário de Lauriana Maria do Sacramento, Xique-Xique, 1825.

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prata como brincos e colheres, poucos cavalos, espingardas, enxadas, foices, casas de farinha, canoas e salinas.

Voltemos a Manoel, o congo que era propriedade de Manoel Rodrigues Soares. Este último, além dos escravos, possuía uma casa de telhas e uma casa de oficina de fazer farinha, além de metade de uma Salina. Tinha também uma canoa, uma enxada e uma espingarda, o que lhes poderia possibilitar trabalhar a terra de outrem, arrendada, apossada ou na meia, caçar, pescar, extrair sal e produzir farinha de mandioca, produto largamente consumido no período colonial e imperial, conforme nos mostra em sua obra Barickman (2003).

Em alguns aspectos descritos acima essa propriedade é bem representativa da média em Xique-Xique antes da emancipação local, que ocorreu em 1832. Citamos dentre estes a média de escravos por propriedade que, sendo neste caso seis escravos, aproxima-se da média para o período do qual faz parte que é, de acordo com os inventários encontrados, de 7,1 contrapondo-se às médias menores para os períodos posteriores.

Vamos ao quadro:

Média de escravos por propriedade e período em Xique-Xique.

Períodos Número de escravos Número de proprietários Média

1813-1832 50 7 7,1

1832-1850 56 9 6,3

1851-1871 289 66 4,3

1872-1888 163 29 5,6

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Seção Judiciário. Inventários.

Com relação ao percentual de escravos por proprietário a situação é bem parecida com a dos proprietários no decorrer do tempo, ou seja, há um evidente decréscimo, com exceção do último período, o que talvez se explique pelo percentual de crianças existente nas propriedades, tema que analisaremos mais adiante.

Rita6 tinha 9 anos em 1850, nasceu portanto em 1841, provavelmente no sertão baiano, pois vivia então em Xique-Xique. É uma escrava fruto de relacionamentos interétnicos, pois é descrita como “simi branca”, o que provavelmente trará implicações para sua vida, pois no momento da avaliação ela já recebe um valor superior ao de um garoto praticamente com a mesma idade.

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 07/3128/01, Inventário de Antônio Gonçalves da Rocha Chaves, Xique-Xique, 1850.

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Foi escrava de Antônio Gonçalves e de Maria Lara. Seus proprietários tinham então 166 cabeças de gado vacum, provavelmente sua principal fonte de renda, além do trabalho de seus escravos. Tinham ainda terras, casa e ferramentas de trabalho agrícola. Porfírio, é o escravo vaqueiro, portanto cuida do gado de Antônio.

Os outros são Bernarda, uma crioula de 30 anos; Florência, uma cabra de 20, Micaella, uma cabra de 22; Marcilino, pardo de 16; Ana, cabra de 14; Antonia, cabra de 10, além das outras crianças: Pedro, pardo de 5, Matildes, parda de 8 meses e Marcolina, abra de 1 ano, que provavelmente é filha de Micaela, pois vieram juntas e arroladas separadamente das demais, talvez vivam em uma outra propriedade ou na casa na cidade.

A média de 11 escravos é um pouco superior à encontrada para este período que, conforme vimos era de 6,3 escravos por propriedade. O número de crianças até 13 anos também chama a atenção, sendo que estes somam 5 pessoas, quase metade dos escravos da propriedade. Vejamos as médias de idades dentre as que foram declaradas e aqueles para os quais foi possível inferir por serem avaliados como “crias” “escravinho” ou “escravinha” para as crianças ou “velho”, “muito velho” e “idoso”.

Idade dos escravos por período em Xique-Xique em números absolutos e relativos.

Períodos Crianças 0-13 % Adultos 14-45 % Idosos 46 em diante % Total % 1813-1832 17 37 26 56,5 3 6,5 46 100 1832-1850 12 27,3 21 47,7 11 25 44 100 1851-1871 67 28,6 126 53,9 41 17,5 234 100 1872-1888 48 35 77 55 14 10 139 100

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB ). Seção Judiciário. Inventários.

Vemos, portanto uma diminuição do número de crianças no período entre 1832 e 1850, período de grande apelo por escravos na região especialmente no garimpo, o que pode ter causado uma maior importação de escravos adultos, o que muda totalmente após o fim do Tráfico, voltando então a média de 35% de crianças nas propriedades, semelhante à do período anterior a 1832.

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Norberta7, crioula, nasceu em 1846 e tem 16 anos em 1862, quando faleceu sua proprietária Teobalda Maria e foi avaliada em um conto de réis. Vivia então com outros quatro escravos na propriedade: Eleutéria, mulata de 35 anos; Agostinha, cabra de 40 e Raymundo, cabra de 45. Considerando-se a idade, qualquer um deles poderia ser seu pai ou sua mãe, mas a filiação não é mencionada. Havia ainda Isabel, que recebeu a liberdade com a morte de Teobalda, o que estava disposto em seu testamento. Seus proprietários tinham ainda 2 égoas, 2 poldros, 11 ovelhas e 1 porco. Uma casa de telha e taipa e uma de palha com oficina de fazer farinha. Tinham ainda terras, roça de mandioca, rede de pesca, machado e enxadas.

Vejamos a propriedade de Teobalda Maria no que diz respeito ao gênero: Temos 4 mulheres e 1 homem. Ela é representativa de uma tendência sertaneja que a diferencia da escravidão no litoral que é o aumento intensificado do número de mulheres antes de 1850 e a quase equivalência de Gênero se considerarmos Xique-Xique após a emancipação que se deu em 1832. Vejamos os números:

Distribuição dos escravos de Xique-Xique por gênero em números absolutos e relativos por período.

Períodos Mulheres % Homens % Total %

1813-1832 17 34 33 66 50 100

1832-1850 29 50 29 50 58 100

1851-1871 139 48 148 52 287 100

1872-1888 83 54 70 46 153 100

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Seção Judiciário. Inventários.

Podemos observar que o número de homens no primeiro período é de praticamente o dobro de mulheres, média equivalente à encontrada nos engenhos do Recôncavo “em fins do século XVIII e início do XIX, quando a população cativa da lavoura açucareira apresentava excesso de homens. A proporção, às vezes, chegava a ser de dois homens para uma mulher” (FRAGA FILHO, 2006: 34). Mas as coisas mudam nas décadas seguintes, aumentando o número de mulheres para se chegar, enfim, ao momento em que elas ultrapassam os homens no período mais próximo à abolição, o que não veio a ocorrer no Recôncavo, onde, entre 1870-1887 constava-se 446 homens para 352 mulheres, nos inventários analisados por Fraga

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 07/2924/11, Inventário de Teobalda Maria da Rocha, Xique-Xique, 1862.

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Filho (FRAGA FILHO, 2006: 34). Isso se deve provavelmente ao enfraquecimento generalizado da importação de escravos e à exportação dos homens, preferidos para o trabalho nas lavouras.

Imagine viver há mais de vinte anos da Abolição da Escravidão num Sítio chamado do Carvalho, ter uns 70 anos e ser o único de sua nacionalidade em uma propriedade com 11 escravos. Era assim que vivia Afonço, africano, em 1855 em Xique-Xique na propriedade de Josefa Pereira Matos8.

A solidão de Manoel9, também africano, provavelmente era ainda maior, pois era o único escravo de Francisco Coelho em 1858 o qual tinha, além de Manoel, 5 Sítios, 2 cavalos, 1 jumento e 23 cabeças de gado vacum. Ao que parece ela foi insuportável, pois Manoel estava fugido ao serem inventariados os bens de Francisco.

A solidão étnica foi quase uma regra para os escravos africanos arrolados nos inventários de Xique-Xique no XIX, portanto é melhor irmos para as exceções.

Uma delas é a dupla Francisco, [ilegível] e tantos anos e Joaquim, 48, ambos descritos como da Costa da África e os únicos escravos existentes em 1841 na propriedade de Antônio Damasceno Linhares10. Este possuía ainda instrumentos agrícolas, roças, terras, canoa, gado vacum em grande quantidade para a média local: 680 cabeças, o que aponta para o trabalho de Francisco e Joaquim com a agricultura e a pecuária. Temos também o quarteto Antonio “da Costa”, de 20 anos; Rui “da Costa” com 50 anos e Anastácio, “hussá”, de 40 e Anna, “mina” de 50.

Todos eram propriedade de Teobaldo José de Carvalho em 1823 e viviam junto com 12 escravos brasileiros11. Vamos concluir então essa amostra de exceções Antonio, 60 e tantos anos “nassao angolla”; Jose, angola, 60 e João, “nagó”, 60, que faziam parte de um grupo de 10 escravos de Isabel Maria da Cruz12, dos quais 3 são crianças e 2 mulheres adultas. Vivem inclusive, na única das mais de cem propriedades inventariadas na qual consta uma senzala, conforme já havia nos mostrado Ferreira (FERREIRA, 2008:) em sua análise das propriedades de Xique-Xique no XIX.

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 8/3280/15, Inventário de Josefa Pereira Matos, Xique-Xique, 1855.

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 5/1446/8, Inventário de Francisco Coelho, Xique-Xique, 1858.

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 07/3119/05, Inventário de Antônio Damasceno Linhares, Xique-Xique, 1841.

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 07/3119/13, Inventário de Teobaldo José de Carvalho, Xique-Xique, 1823.

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 07/3119/13, Inventário de Teobaldo José de Carvalho, Xique-Xique, 1823.

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Vamos ver o quadro da nacionalidade ou cor dos escravos em Xique-Xique.

Nacionalidade e cor dos escravos por período em Xique-Xique em números absolutos e relativos.

Períodos crioula afri-cana

preta mulata mestiça parda cabra Outros N I* Total

1813-1832 21 8 5 13 3 50

1832-1850 15 8 7 2 4 20 1 1 58

1851-1871 103 10 19 7 1 95 44 289

1872-1888 12 2 44 26 19 2 66 163

*NI: Não identificados.

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Seção Judiciário. Inventários.

Com relação à cor torna-se difícil uma análise mais específica, primeiramente por serem bastante vagas as definições e por estas mudarem substancialmente de acordo com os períodos sendo usadas nomenclaturas vagas. Porém, algo que salta aos olhos na tabela e que segue uma lógica inerente ao fim do tráfico é a diminuição da proporção de africanos dentro das estruturas de posse. Para o primeiro período temos um percentual de 17%, já muito inferior ao encontrado por Karasch no Rio que foi de 73,3% de africanos (KARASCH, 2000: 41) enquanto que, no último, eles somam apenas 2% decréscimo superior ao observado no Recôncavo onde, no período final da escravidão ainda se encontrava 10,2% de africanos (FRAGA FILHO, 2006: 34).

Maria13 era uma crioula escravizada nascida em 1844 e teve o primeiro filho dos que estavam vivos e vivendo com ela em 1875 aos 20 anos de idade. Era um menino e lhe foi dado o nome de José. Aos 25 anos, Maria teve Cassiano, aos 27 Militão e aos 30, já nascido livre, trouxe ao mundo uma garota de cor cabra que ao falecer seu proprietário João da Cruz Mariano, em setembro de 1875, estava com 1 ano de idade.

Maria era a única escrava adulta do casal João e Mariana e provavelmente vivia com seus filhos juntamente com o casal e os 4 filhos destes, pois eles tinham, além de Maria e filhos, apenas alguns cordões de ouro, 18 garrotes, 2 éguas, uma parte de terras na Fazenda Rumo de Fora e uma casa de telhas com uma porta de frente e uma janela. Os filhos de Maria

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APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Judiciário. Inventários e Testamentos. Nº 07/3169/18, Inventário de João da Cruz de Figueiredo, Xique-Xique, 1875.

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provavelmente brincavam com os filhos de Mariana, pois tinham idades semelhantes. Os de Maria, em 1875 tinham: José, 11; Cassiano, 6; Militão, 4 e a garota cujo nome não aparece no inventário, 1. Enquanto os de João e Mariana eram Virgílio de 7; Leopoldina de 5; Antônio de 4 e Maria de 9 meses. Maria deveria ajudar os patrões nas tarefas domésticas e no trato com a terra e o gado e José, com 11 anos, certamente já tratava do gado e da terra.

Maria e filhos são bastante representativos da escravidão no sertão baiano no período em que estudamos: uma escravidão bastante diferenciada da estabelecida nas regiões açucareiras onde geralmente se tinha um quantitativo maior de escravos por propriedade, uma grande quantidade de adultos e homens, senzalas e um relacionamento mais distante entre os proprietários e escravos, principalmente aqueles que trabalhavam na lavoura.

Um senhor de engenho não pegava na enxada para trabalhar com seus escravos, enquanto na região de Xique-Xique, no período estudado, a maioria dos proprietários de escravos certamente tinham que “botar a mão na massa”, visto que os bens que possuíam não lhes permitiriam ficar apenas administrando-os. Mas devemos sempre lembrar que “A relação entre senhores e escravos era, sem dúvida alguma, uma relação pessoal de dominação. Em grandes ou pequenas unidades de produção, em conjunturas de alta ou baixa, o poder senhorial se afirmava cotidianamente na relação com seus escravos” (LARA, 1998: 165).

Referências

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FERREIRA, Elisângela Oliveira. Entre vazantes, caatingas e serras: trajetórias familiares e uso social do espaço no sertão do São Francisco, no século XIX. Tese (Doutorado em História Social). UFBA, 2008.

FERREIRA, Jurandir Pires (org.). Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1998.

FRAGA FILHO, Valter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1919). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006.

KARASH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. LARA, Sílvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

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NASCIMENTO, Washington Santos. Família escrava, libertos e a dinâmica da escravidão no sertão baiano (1876-1888). Afro-Ásia, n.35, 2007, p.143-162.

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