• Nenhum resultado encontrado

A exclusão da tipicidade no artigo 184, § 2°, do código penal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A exclusão da tipicidade no artigo 184, § 2°, do código penal"

Copied!
246
0
0

Texto

(1)

LILIAN MENDES

A EXCLUSÃO DE TIPICIDADE NO ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL, POR MEIO DE PRINCÍPIOS DE HERMENÊUTICA

Florianópolis 2010

(2)

A EXCLUSÃO DE TIPICIDADE NO ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL, POR MEIO DE PRINCÍPIOS DE HERMENÊUTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Professor Gustavo Noronha de Ávila.

Florianópolis 2010

(3)

A EXCLUSÃO DE TIPICIDADE NO ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL, POR MEIO DE PRINCÍPIOS DE HERMENÊUTICA

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, 10 de dezembro de 2010.

______________________________________________________ Professor e orientador: Gustavo Noronha de Ávila

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Examinadora 1: Professora Maria Lúcia Pacheco

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Examinadora 2: Eliana Becker

(4)

A EXCLUSÃO DE TIPICIDADE NO ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL, POR MEIO DE PRINCÍPIOS DE HERMENÊUTICA

Declaro para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca da monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativamente, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Florianópolis, 10 de dezembro de 2010.

_________________________________

(5)

Dedico este trabalho aos meus pais, Henio Mendes e Fatima Mendes, que com muito amor e carinho batalharam para me proporcionar a melhor educação possível. E, ao meu querido esposo, Diego Nunes, pelo companheirismo e apoio a mim dispensados durante a elaboração deste

(6)

Primeiramente, agradeço a Deus pela oportunidade de viver e evoluir. Agradeço à minha família pela ajuda e paciência que tiverem no decorrer de todo o período universitário, em especial ao meu irmão Ramon Mendes, ao meu padrasto Eduardo Luís Zago, à tia Erotides, ao tio Antônio e à minha sogra Rosangela M. Nunes.

Ao meu orientador, Professor Gustavo Noronha de Àvila, pela confiança em mim depositada e por ter me orientado mesmo possuindo muitos compromissos.

A todos os professores dos quais tive a oportunidade de ser aluna pelos ensinamentos passados.

Aos amigos da UNISUL, especialmente a Filipe, Juliana, Tatiana, Edna, Renata, Elisandra, Ângela, Keila, Elisângela, Fabiana e Mirella.

Ao Dr. André Teixeira Milioli e ao Dr. Diogo André Matsuoka Azevedo dos Santos, pelos conhecimentos transmitidos.

E, por fim, meus sinceros e estimados agradecimentos a todos os meus amigos e àqueles que de alguma forma contribuíram para a conclusão deste trabalho.

(7)

"Diante da sabedoria infinita vale mais um pouco de estudo da humanidade e de um ato de humanidade do que toda ciência do mundo" (Santa Tereza)

(8)

A presente monografia compreende um estudo sistematizado sobre a aplicação dos princípios excludentes de tipicidade no artigo 184, § 2°, do Código Penal, que tem sido objeto de discussão no meio jurídico em virtude do moderno conceito de tipicidade material. A proposta do estudo monográfico vem expor o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema em tela com o fim de propiciar ao leitor elementos capazes de embasar um julgamento equilibrado à respeito da relevância social da tutela penal do direito autoral patrimonial e à aplicação dos princípios de hermenêutica no referido tipo legal. É que, com o advento da internet e de tantas tecnologias, a natureza da propriedade imaterial passou a ser ainda mais discutida ao passo que se fundou numa ideologia que privilegia uma camada social e prejudica a outra obstando o direito de acesso à cultura sob a alegação de uma falsa escassez das obras intelectuais. Assim, explicando a relação entre essa ideologia e a presente estrutura dos direitos autorais, bem como os defeitos materiais do artigo em comento, que acarretam a sua inconstitucionalidade visto a ofensa ao princípio da taxatividade gerada por sua complexidade e a caracterização de prisão por dívida ante o caráter pecuniário de sua tutela, o presente trabalho mostra que a aplicação dos princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade, da adequação social e da insignificância para excluir a tipicidade material do artigo 184, § 2°, do Código Penal, é uma das medidas viáveis para não se desprezar a importância social das obras intelectuais.

Palavras-chave: Direitos autorais. Princípios excludentes de tipicidade. Art. 184, § 2° do CP.

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 PROPRIEDADE INTELECTUAL ... 13

2.1 CONCEITOS ... 13

2.2 DOS DIREITOS AUTORAIS ... 15

2.3 A IDEOLOGIA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL ... 19

2.4 O CONFLITO ENTRE DIREITO AUTORAL E DIREITO À CULTURA: UM REFLEXO DA IDEOLOGIA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL ... 24

3 DA CONDUTA TÍPICA PREVISTA NO ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL.... ... 28

3.1 GENERALIDADES ... 28

3.2 O ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL COMO NORMA PENAL EM BRANCO: UMA OFENSA AO PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE ... 33

3.3 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 184, § 2° DO CÓDIGO PENAL, EM RAZÃO DO CARÁTER PECUNIÁRIO DA TUTELA PENAL DO DIREITO AUTORAL PATRIMONIAL ... 38

4 A APLICAÇÃO DA EXCLUSÃO DE TIPICIDADE NO ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL POR MEIO DE PRINCÍPIOS DE HERMENÊUTICA JURÍDICA... 42

4.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE OS PRINCÍPIOS EXCLUDENTES DE TIPICIDADE ... 42

4.2 OS PRINCÍPIOS DA SUBSIDIARIEDADE E FRAGMENTARIEDADE E O ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL ... 47

4.3 O PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E O ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL ... 51

4.4 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL ... 56

5 CONCLUSÃO ... 62

REFERÊNCIAS ... 65

ANEXOS ... 72

ANEXO A - A falsificação de cds e dvds e a adequação social ... 73

(10)

ANEXO C - A troca de arquivos na internet e o direito ... 84 ANEXO D - O direito autoral e sua tutela penal na internet ... 89 ANEXO E - A legislação autoral brasileira e a internet ... 97 ANEXO F - A exclusão da tipicidade penal: princípios da adequação social e da insignificância ... 107 ANEXO G - Sobre o chamado princípio da insignificância ... 119 ANEXO H – Causas supralegais de exclusão de culpabilidade por

inexigibilidade de conduta diversa: uma construção hermenêutica? ... 125 ANEXO I - A conduta típica do art. 184, § 2º, do código penal brasileiro e a aplicação dos princípios da intervenção mínima e adequação social ... 141 ANEXO J - Elementos de comparação entre copyright e direito do autor ... 150 ANEXO K - Considerações sobre a propriedade intelectual no processo de globalização mundial e integração regional ... 177 ANEXO L - Sobrevivência do princípio da insignificância diante das

disposições da lei 9099/95 ... 189 ANEXO M - Atipicidade: juízo definitivo de licitude penal. ... 244

(11)

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho, requisito para conclusão do Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, aspira trazer para o meio acadêmico diversos questionamentos acerca do artigo 184, §° 2, do Código Penal, que configura uma das modalidades da chamada “pirataria”.

Trata-se de violação de direitos autorais através da venda, distribuição, locação, entre outras condutas, de obras intelectuais reproduzidas sem a autorização do autor, que apesar de ilícitas são bastante praticadas na nossa sociedade.

Daí porque esta monografia pretende não só analisar eventuais defeitos no tipo incriminador referido, mas também os fatores sociais que explicam a proteção penal do direito autoral patrimonial e a repercussão dessa tutela para a coletividade.

Os entendimentos doutrinário e jurisprudencial sobre o tema não são pacíficos, pois muitos operadores do direito, sob a moderna concepção de tipicidade material, têm defendido a aplicação da exclusão de tipicidade ao delito em análise por meios de princípios de hermenêutica.

Logo, o objetivo desse trabalho é propiciar ao leitor e operadores do direito, elementos que possibilitem uma avaliação equilibrada sobre a relevância social da tutela penal do direito autoral patrimonial.

Nesse contexto, a presente monografia foi dividida em três capítulos, sendo que no primeiro falaremos sobre a propriedade intelectual e, os direitos autorais, trazendo, ainda que resumidamente, importantes conceitos da Lei 9.610/98 que são necessários para a compreensão do artigo 184 § 2°, do Código Penal.

Além disso, trataremos nessa mesma seção, sobre a ideologia da propriedade intelectual e o direito de acesso à cultura com o fim de saber se na realidade social a presente estrutura de direitos autorais não despreza o interesse cultural sobre as obras intelectuais.

No segundo capítulo, analisaremos o artigo em comento apreciando aspectos gerais do tipo penal visando verificar sua consonância com a Constituição Federal Brasileira, especialmente no que diz respeito ao princípio da taxatividade e à prisão por dívida.

(12)

No terceiro e último capítulo, serão feitas considerações sobre o conceito de tipicidade penal, sobre a diferença entre exclusão de tipicidade e outras excludentes penais, bem como entre tipo formal e material.

Por fim, serão abordados os princípios, da subsidiariedade, da fragmentariedade, da adequação social da conduta e da insignificância e, ainda, as críticas favoráveis e desfavoráveis a sua aplicabilidade nos casos do delito descrito no artigo 184, § 2°, do Código Penal.

Nota-se que será utilizado o método dedutivo para a pesquisa em questão, tendo em vista que se analisará os aspectos gerais do tema e no desenvolvimento da pesquisa se passará para um exame de suas particularidades. O desenvolvimento do presente trabalho é realizado através da técnica de pesquisa bibliográfica, utilizando leis, jurisprudências, doutrinas, artigos e periódicos jurídicos.

(13)

2 PROPRIEDADE INTELECTUAL

2.1 CONCEITO

Ao tratar da exclusão da tipicidade no artigo 184, § 2°, do Código penal, por meio de princípios de hermenêutica é indispensável que a explanação sobre o assunto seja iniciada pelo conceito de propriedade intelectual, bem como pela explicação de sua ideologia.

Isso porque, o direito autoral, objeto jurídico tutelado pelo artigo em questão, corresponde a uma divisão dos direitos de propriedade intelectual, como veremos adiante. E, também, em virtude de ser o referido artigo uma norma penal em branco, cujo sentido o diploma autoral completa.

Assim, cumpre dizer que o direito da propriedade intelectual, segundo Bittar (2003, apud NEVES, 2009, p. 70):

é aquele referente às relações entre a pessoa e as coisas (bens) imateriais que cria e traz a lume, vale dizer, entre os homens e o produto de seu intelecto, expressos sob determinadas formas, a respeito do qual detêm verdadeiro monopólio.

De acordo com Pimentel (2005, p. 18; 28), esses bens imateriais protegidos pelo direito da propriedade intelectual consistem em toda criação e expressão humana, sejam elas científicas, tecnológicas ou artísticas, que podem ser fixadas em suportes tangíveis ou intangíveis, e que se diferenciam de obras já criadas pela novidade, distingüibilidade e originalidade.

E, completa o autor:

A lei estabelece que são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro. Entre as obras mais comuns estão: os textos literários, artísticos ou científicos; as conferências; as coreografias e pantomímicas; as composições musicais, os audiovisuais; as fotografias; os desenhos, pinturas, gravuras, esculturas, litografias e arte cinética; as ilustrações e cartas geográficas; os projetos, esboços e artes plásticas; as transformações de originais; os programas de computador (objeto de lei específica); as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários e bases de dados. [...]. (PIMENTEL, 2005, p. 132).

(14)

Logo, os bens imateriais são impalpáveis, pois fazem parte do produto da atividade intelectual, sendo que passam a ter valor econômico e alcançam a proteção do direito quando se materializam através de obras literárias, cientificas ou artísticas e invenções de um modo geral. (NUCCI, 2008a, p. 821).

A existência e a possibilidade de amparo à propriedade imaterial são reconhecidas pela Constituição Federal Brasileira que preceitua em seu artigo 216 e incisos:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988).

A proteção constitucional se dá pelo fato de que o resultado de uma operação intelectual enriquece o mundo do homem ao ampliar os seus limites. É que a própria origem da obra, do indivíduo para o mundo exterior, explica o fundamento da proteção legal da propriedade intelectual. (SILVEIRA, 1998, p. 14-15).

Ademais, a criação intelectual pode ser industrial ou autoral. Santos (2001, p. 1), explicando a diferenciação entre essas duas formas de propriedade imaterial, aduz que:

Ao se falar em propriedade intelectual pode se destacar duas categorias distintas: propriedade industrial e direitos autorais. A primeira categoria, da propriedade industrial, compreende as invenções, as marcas registradas e os desenhos industriais. Do outro lado, os direitos autorais estão compreendidos no campo da literatura e das artes e podem ser expressos em diferentes formas: através de palavras, símbolos, música, quadros, objetos tridimensionais, ou através da combinação deles. As leis de proteção ao direito autoral regulam trabalhos literários (livros, poemas, contos,...), musicais, coreógrafos, artísticos (pintura, escultura, desenho,...), fotográficos, audiovisuais (filmes, desenhos animados, peças de teatro, programas de televisão,...), além de mapas e desenhos técnicos.

E, é justamente por essas criações se manifestarem pelas mais diversas formas, que o direito da propriedade imaterial dividiu-se em direito industrial e direito autoral. Este, que é objeto de análise deste trabalho, é voltado para o intelecto humano por meio de obras intelectuais e aquele produz efeitos na vida diária do

(15)

homem ao buscar satisfazer interesses materiais através de utilitários. (NEVES, 2009, p. 71-72).

Ante o exposto, tem-se que o direito de propriedade imaterial é:

o conjunto de princípios e de regras que regulam a aquisição, o uso, o exercício e a perda de direitos e de interesses sobre ativos intangíveis diferenciadores que são suscetíveis de utilização no comércio. (CARVALHO, 2004 apud PIMENTEL, 2005, p. 19).

Em suma, os bens imateriais são produções do espírito criativo do homem que passam a ser protegidos pelo direito da propriedade intelectual a partir do momento que são expressos em uma determinada forma, cabendo ao direito autoral tutelar essa forma de expressão e originalidade quando dirigida para o intelecto humano. (PIMENTA E.; PIMENTA R., 2005, p. 52).

2.2 DOS DIREITOS AUTORAIS

Das duas categorias do direito da propriedade intelectual abordaremos somente o direito autoral, uma vez que, como mencionado anteriormente, é ele o objeto jurídico protegido pelo artigo 184, §2°, do Código Penal, cuja análise visa este trabalho.

Entende-se como direitos autorais o conjunto de prerrogativas jurídicas atribuídas, com exclusividade, aos autores e titulares de direitos sobre obras intelectuais, bem como àqueles que de algum modo participam do processo de produção e divulgação dessas obras para opor-se a todo atentado contra essas prerrogativas. (NEVES, 2009, p. 72; PIMENTA E.; PIMENTA R., 2005, p. 28).

Conforme D`Azevedo (2001, p. 1), estes sujeitos titulares de direitos autorias variam porque se gerou um alargamento do conceito de autoria quando outros agentes integrantes da estrutura de produção de obra intelectual passaram a ser reconhecidos.

No que concerne a esse assunto, Dias (2000, p. 21) ensina que:

Quando se fala em direitos autorais, na realidade a expressão engloba Direitos de Autor, que no caso de obras musicais são os compositores. Bem como os Direitos Conexos, de que são titulares os artistas intérpretes ou

(16)

executantes, as produtoras fonográficas e as empresas de radiofusão, nos termos dos dispositivos do diploma legal autoral.

Observa-se, então, que a denominação direito autoral difere de direito do autor, visto que compreende este e os direitos conexos. O direito do autor trata dos direitos do autor propriamente dito, enquanto o direito conexo cuida dos direitos de agentes que atuam no mercado como produtores musicais, empresas de rádio e televisão, entre outros, sem os quais o autor não consegue realizar a exploração de seu trabalho. (NEVES, 2009, p. 73; 80).

Vejamos como a Lei 9.610/98 traz a conceituação de autor e, conseqüentemente, diz quem assim é por ela considerado:

Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.

Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei.

[...]

Art. 14. É titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua.(BRASIL, 1998).

Ainda sobre estes sujeitos de direitos autorais, infere-se da referida legislação o fundamento dos direitos conexos:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

XIII - artistas intérpretes ou executantes - todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore.

[...]

Art. 89. As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão.

Parágrafo único. A proteção desta Lei aos direitos previstos neste artigo deixa intactas e não afeta as garantias asseguradas aos autores das obras literárias, artísticas ou científicas. (BRASIL, 1998).

Nota-se que se alguém traduz, arranja ou orquestra obra já caída em domínio público passará a figurar como titular de direito autoral podendo opor-se àqueles que fizerem cópias NÃO AUTORIZADAS de seu trabalho. Em razão disso, salienta-se que domínio público é a prescrição do exercício exclusivo do direito autoral por seu titular, pressupondo a permissibilidade do uso da obra intelectual por qualquer um desde que não a deturpe ou viole as atribuições perpétuas do autor. (PIMENTA E.; PIMENTA R., 2005, p. 48).

(17)

Ademais, observa-se que não só os autores propriamente ditos e os detentores de direitos conexos são titulares de direitos autorais, pois as pessoas jurídicas, sejam elas públicas ou privadas, podem ter direitos autorais patrimoniais atribuídos a si. (PIMENTA E.; PIMENTA R., 2005, p. 135).

Deste modo, ficando esclarecido quem são os titulares dos direitos autorais, resta saber, para o fim de melhor compreender o art. 184, §2°, do Código Penal (que será detidamente analisado nos outros capítulos), qual a natureza desses direitos.

A lei 9.610/98 dispõe em seu artigo 22 que: “Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”. (BRASIL, 1998).

Razão por que podemos afirmar que o direito autoral é caracterizado por apresentar dupla natureza: os direitos morais e patrimoniais. (NEVES, 2009, p. 72).

Entretanto, vale ressaltar que apesar de o referido artigo fazer menção somente ao autor, essas prerrogativas também são conferidas aos titulares de direitos conexos, no que couberem. (NEVES, 2009, p. 72).

A respeito dos direitos morais decorrentes da relação do criador com sua obra, Dias (2000, p. 28, grifo nosso) afirma que:

Os direitos morais do autor estão intimamente ligados à atividade criadora. São direitos personalíssimos dos criadores de uma obra, ligados à proteção extrapatrimonial da mesma, que não se transferem nem quando se dá a venda dos direitos patrimoniais da obra. Assim, se um autor quiser se opor a uma utilização que avilte a integridade de sua obra, agirá amparado pelo direito moral de autor.

O direito moral do criador (autor, artista, intérprete, executante, produtor fonográfico...) é, pois, o direito pessoal que lhe confere a faculdade de defesa e proteção de sua obra intelectual. Esta prerrogativa pode ser exercida através de várias formas, como por exemplo, a reivindicação a qualquer tempo de autoria da obra, a exigência da integridade e paternidade de interpretação, etc. (PIMENTA E.; PIMENTA R., 2005, p. 43-45).

Posto isso, verifica-se que os direitos morais são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis. Contudo, como lembra Silveira (1998, p. 67), o legislador não aproveitou a oportunidade de inserir a imprescritibilidade no texto do artigo 27 da lei 9.610/98, que dispõe: “Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.” (BRASIL, 1998).

(18)

Quanto ao direito patrimonial explica Gueiros Jr. (2000 apud NEVES, 2009, p. 76) que:

os Direitos Patrimoniais são aqueles relativos à comunicação e à circulação das obras intelectuais no grande mercado, aqueles que podem ser objeto de exploração econômica através de todos os processos técnicos existentes, ou que venham ser inventados no futuro. Constituem um conjunto de direitos de ordem pecuniária que só se manifestam concretamente quando de sua comunicação efetiva ao público com o objetivo de lucro.

Esse conjunto de direitos pecuniários do autor compreende a exclusividade que ele possui para utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica. Em vista disso, a utilização da obra por qualquer modalidade depende de autorização prévia e expressa do autor. (PIMENTEL, 2005, p. 136-137).

Corroborando, Dias (2000, p. 30-31) relembra o brocardo jurídico romano sobre o direito de propriedade como ius utendi, abutendi e fruendi, ou seja, o direito patrimonial nada mais é do que o direito do proprietário de livre disposição de seu bem. O qual, informa o autor, encontra respaldo como garantia fundamental na Constituição Federal em seu artigo 5°, incisos XXVII e XXVIII, alíneas a e b, bem como nos artigos 28 a 45 da Lei 9.610/98, sendo abaixo transcritos somente os dispositivos referentes ao direito de exclusividade.

Neste passo, proclama a Carta Magna em seu artigo 5°, XXVII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; (BRASIL, 1988).

Reafirmando a garantia constitucional prescreve o artigo 28 do diploma autoral: “Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.” (BRASIL, 1998).

Como exemplo dessa exclusividade de direito de uso, fruição e disposição da obra pelo autor, podemos citar: autorização para trabalhos que ensejam transformações na obra, como reprodução parcial ou integral e arranjo musical; tradução para qualquer idioma; distribuição para uso ou exploração, quando não intrínseca à contratos firmados com terceiros, entre outros. (PRADO, 2001, p. 47).

(19)

Em análise última, visando diferenciar as duas naturezas dos direitos autorais, eis o que diz Branco (2007, p. 124-125):

A aquisição de um livro cuja obra se encontra protegida pelo direito autoral não transfere ao adquirente qualquer direito sobre a obra, que não é o livro, mas, se assim pudermos nos expressar, o texto que o livro contém. Dessa forma, sobre o livro, bem físico, o proprietário poderá exercer todas as faculdades inerentes à propriedade, como se o livro fosse um outro bem qualquer, tal como um relógio ou um carro. Poderá destruí-lo, abandoná-lo, emprestá-lo, alugá-lo ou vendê-lo, se assim o quiser. No entanto, o uso da obra em si, do texto do livro, só poderá ser efetivado dentro das premissas expressas da lei. Por isso, embora numa primeira análise ao leigo possa parecer razoável, não é facultado ao proprietário do livro copiar seu conteúdo na íntegra, qualquer que seja a finalidade. Afinal, nesse caso não se trata de uso do bem material “livro”, mas sim uso do bem intelectual (texto) que o livro contém.

Logo, os direitos morais se diferenciam dos direitos patrimoniais por produzirem efeitos ad aeternum, não implicando sua perda o exercício do direito de utilizar, fruir e dispor da propriedade intelectual. (NEVES, 2009, p. 75).

Nesse contexto, ao se entender que os direitos autorais envolvem vários interesses, não se pode desprezar o interesse cultural e social em torno dos trabalhos intelectuais que, inclusive, limitam o direito autoral, como pode ser verificado no caso de queda da obra em domínio comum. (PRADO, 2001, p. 46).

Daí por que podemos dizer que um dos principais problemas do artigo 184, § 2°, do Código Penal, é o conflito entre dois direitos fundamentais, quais sejam o direito autoral e o direito à cultura, sendo que para compreender esse antagonismo e seus reflexos no referido tipo penal passaremos a uma análise da ideologia da propriedade imaterial.

2.3 A IDEOLOGIA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

Muito se tem discutido atualmente sobre o antagonismo apresentado entre dois direitos humanos fundamentais interdependentes, o Direito autoral e o Direito à cultura. Isto se deve ao temor que possuem os grandes monopólios empresariais de direitos autorais, os quais buscam, mais que os próprios autores, proteger a informação do reconhecimento da livre difusão, investigação e recepção da ciência e da arte. (AVANCINI, 2009, p. 66-67).

(20)

Nessa esteira, não se discute a tutela penal do direito moral dos autores e titulares de direitos conexos, mas sim a do direito patrimonial destes sujeitos.

Segundo Vianna (2006, p. 946), a “indústria cultural” procura justificar a necessidade de uma tutela penal dos direitos patrimoniais do autor, sob a secular ideologia da propriedade intelectual.

Importante é, então, saber no que consiste essa ideologia partindo de uma abordagem sobre o seu surgimento. Assim, é de ser revelado que:

Historicamente, a preocupação com a tutela dos direitos de autores de obras intelectuais é bastante recente. Na Antiguidade e na maior parte da Idade Média as dificuldades inerentes aos processo [sic] de reprodução dos originais, por si só, já exerciam um poderoso controle da divulgação de idéias, pois o número de cópias de cada obra era naturalmente limitado pelo trabalho manual dos copistas. Com a invenção da imprensa, os soberanos sentiam-se ameaçados com a iminente democratização da informação e criaram um ardiloso instrumento de censura, consistente em conceder aos donos dos meios de produção dos livros o monopólio da comercialização dos títulos que editassem, a fim de que estes, em contrapartida, velassem para que o conteúdo não fosse desfavorável à ordem vigente. (VIANNA, 2006, p. 934, grifo nosso). Consoante Palermo (2003, p. 1), esse instrumento de censura, cujo objetivo era garantir o monopólio da reprodução de obras, surgiu primeiramente no século XVIII, com o Estatuto da Rainha Ana estabelecido na Inglaterra no ano de 1710, sendo denominado como copyright, ou seja, “direito de cópia”. Explica, também, a autora que:

Na Inglaterra da Idade Média, no século XVI, Felipe e Maria Tudor concederam à associação de donos de papelaria e livreiros um monopólio real para garantir-lhes a comercialização de escritos. A corporação tornou-se uma valiosa aliada do governo em sua campanha para controlar a produção impressa. Eram comerciantes que, em troca da proteção governamental ao seu domínio de mercado, manipularam os escritos, do indivíduo ao conteúdo, exercendo a censura sobre aqueles que lhes fossem desfavoráveis na oposição à realeza.

A esse privilégio no controle dos escritos chamou-se copyright, que nasceu de um direito assegurado aos livreiros, e não como um direito do autor dos escritos. Durou cerca de duzentos anos e é a semente das leis (Statutes) relativas a esse direito herdadas pela Inglaterra e mais tarde, pelos Estados Unidos da América.

Os livreiros podiam até mesmo exercer a censura sobre o que publicavam, em conivência com os ditames da realeza, mas esta censura terminou no final do século XVII, e com ela o monopólio dos livreiros. Houve, neste período, a abertura do mercado à concorrência dos estrangeiros.

Os livreiros, com a perda de poderes, começaram a pleitear proteção para os autores, dos quais já esperavam a cessão dos direitos e na primeira década do século XVIII publicou-se o Statute of Anne, ou o famoso Ato (Act) da Rainha Ana.(PALERMO, 2003, p. 1).

(21)

Contudo, na mesma época nasce na França, com o advento da Revolução Francesa, um modelo de proteção aos autores diferente do sistema inglês, visto que visava proteger tanto a reprodução material de obras quanto a atividade criadora. Mais tarde, quase no século XX, surge na Alemanha a idéia de direitos sobre bens incorpóreos. (DIAS, 2000, p. 19).

Quanto ao surgimento dessa ideologia no Brasil, Dias (2000, p. 20, grifo nosso) conta que:

A primeira referência de proteção autoral em nosso país, ocorreu com a criação dos cursos de Direito em Olinda e São Paulo, com a Lei de 11/08/1827, que atribui aos lentes o privilégio de exploração por 10 anos dos cursos que publicassem. Assim, em nosso país, a tutela do direito de autor também nasceu atrelada ao direito de reprodução, como no sistema inglês.

Depois, em 1830, caracterizando a tutela penal do direito de autor, o Código Criminal proibiu a reprodução não autorizada de obras. Essa tutela se estendia durante toda a vida do autor e até dez anos após sua morte, caso deixasse herdeiros. (EBOLI, 2010).

Posteriormente, foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, pelo Decreto n° 10. 353 de 14/09/1889, um acordo literário entre Brasil e Portugal concedendo tratamento nacional para autores de ambos os países. (DIAS, 2000, p. 20).

Com a proclamação da República, a primeira referência legislativa sobre a matéria surgiu com o Código Criminal de 1890. Em seguida, no ano de 1891, a primeira Carta Magna republicana, ainda que atrelada a reprodução das obras intelectuais, protegeu o direito exclusivo de reprodução dos autores e a proteção de seus herdeiros. Já a Constituição de 1937, com a chancela do Estado Novo, omitiu esses direitos. Mas, após, em 1898 foi promulgada a Lei n° 496, o primeiro diploma brasileiro específico na matéria, que “definiu e garantiu os direitos autorais”. (EBOLI, 2010).

Na seqüência, no ano de 1916, o assunto foi normatizado com a edição do Código Civil, que acolheu a doutrina alemã da propriedade intelectual. Em 1973 os direitos conexos ganharam atenção pela Lei n° 5.988/73 (que foi revogada pela legislação atual, a Lei 9.610/98). E, por fim, o Brasil ratificou a Convenção de Berna no ano de 1975, a qual foi introduzida na legislação brasileira pelo Decreto n° 75.

(22)

699 de 06/06/75, sendo seus princípios observados pela Lei 9.610/98. (DIAS, 2000, p. 21).

Observa-se, pois, que a nossa legislação foi desenvolvida sob a influência do sistema capitalista, que fazendo uso de uma ideologia deu a um trabalho intelectual uma roupagem de propriedade que perdura até hoje, como faz entender bem Vianna (2006, p. 936, grifo nosso):

A invenção da “propriedade intelectual” nas origens do sistema capitalista teve a função ideológica de encobrir esta sua natureza de “trabalho”. Enquanto o trabalho manual modifica a matéria prima, produzindo perceptíveis variações nos objetos trabalhados e com isso aumenta seu “valor de uso” naturalmente vinculado ao objeto corpóreo, o trabalho intelectual não tem necessariamente seu “valor de uso” vinculado a qualquer objeto, pois as idéias são, por natureza, entes incorpóreos.

Além disso, a propriedade sempre foi caracterizada pelo direito de usar, gozar e dispor da coisa com exclusividade, o que não ocorre quando se trata desse ente incorpóreo chamado intelectualidade. Logo, o proprietário de uma fazenda deseja sozinho usufruir dos frutos de sua terra, enquanto o autor pretende que o maior número de pessoas possível leia sua obra e faça citações dela, uma vez que não a produz e publica somente para o seu próprio deleite. Por isso o autor nada perde com a cópia de sua obra, pois acaba ganhando mais reputação. (VIANNA, 2006, p. 935). Ademais, tem-se que:

[...] ainda que o “trabalho intelectual” tenha um imenso “valor de uso” em qualquer sociedade, seu “valor de troca” estará sempre condicionado a uma “venda casada” de produtos (o pergaminho, o papel) e serviços (a cópia manual, a cópia impressa). Uma idéia, quando reproduzida oralmente, por maior “valor de uso” que tenha, não possui qualquer “valor de troca” pelo simples fato de poder ser reproduzida infinitamente sem estar limitada pelo problema fundamental da economia: a escassez. (VIANNA, 2006, p. 936).

Quando um bem se torna escasso ganha valor de troca no mercado, a água potável, por exemplo, não possuía valor de troca na maioria das sociedades, mas na sociedade atual, como se tornou escassa passou a ser vendida. A alegada escassez do trabalho intelectual está condicionada a sua consubstanciação em meio físico, ou seja, está intimamente ligada ao monopólio das empresas de reprodução. Contudo, o advento da internet demonstrou que as criações do intelecto de escassez não têm nada, pois podem ser reproduzidas ad infinitum. (VIANNA, 2006, p. 936).

(23)

Complementando, eis o que afirma Kinsella (2001, p. 20, grifo nosso):

[...] dada a origem, a justificativa e a função dos direitos de propriedade, que eles são aplicáveis apenas a bens escassos. Caso estivéssemos num Jardim do Éden onde a terra e outros bens fossem infinitamente abundantes, não haveria escassez, e, portanto, nenhuma necessidade de direitos de propriedade; conceitos de propriedade não fariam sentido. A idéia de conflito, e a idéia de direitos sequer surgiria. Por exemplo, o fato de você pegar meu cortador de grama não acabaria me privando de um se eu pudesse encantar outro com um piscar de olhos. Pegar o cortador nessas circunstancias não seria “roubo”. Direitos de propriedade não são aplicáveis a coisas de abundancia [sic] infinita, porque não há como haver conflito quanto a elas.

Verifica-se, pois, que a obra intelectual sempre será do autor mesmo que milhares de pessoas a utilizem, diferente do bem móvel que uma vez alienado não pode mais ser utilizado pelo antigo proprietário e não cai em domínio público. Isso porque não se trata de um bem escasso e mesmo que ele transfira os seus direitos patrimoniais sobre ela continua sendo o criador de seu trabalho, podendo inclusive, como foi mencionado na seção 2.2, opor-se a terceiros em virtude dos direitos morais que dizem respeito ao vínculo eterno que têm o autor e sua obra. (VIANNA, 2006, p. 937).

Por fim, é importante ressaltar que:

Esta constatação, longe de colocar em risco a remuneração do trabalho intelectual dos autores, demonstra tão-somente que, no sistema capitalista, é imprescindível a consubstanciação da obra intelectual em meio físico para que esta adquira “valor de troca”. Não obstante a ausência de escassez em meio digital, a “venda casada” da obra intelectual com produtos (papel) e serviço (impressão) continua ocorrendo. A digitalização das obras intelectuais não aboliu a impressão de livros. As leis, que sempre foram de domínio público, estão fartamente disponíveis na íntegra na Internet, mas as editoras jurídicas continuam produzindo e vendendo códigos impressos. Inúmeras traduções da Bíblia podem ser encontradas na Internet com facilidade, mas a obra sagrada continua sendo o livro mais vendido no mundo. A genial literatura de Machado de Assis, em domínio público pelo passar do tempo, também pode ser encontrada na Internet, mas várias editoras continuam imprimindo seus trabalhos, inclusive em edições luxuosas. Se é assim com as obras de domínio público, do mesmo modo será com as obras tuteladas pelo “direito autoral”. Apesar da divulgação destes trabalhos em meio digital e da sua conseqüente ausência de escassez, ainda assim haverá interessados em adquiri-las em edições palpáveis. Desse modo, manter-se-á o velho esquema de alienação pelos autores do “trabalho intelectual” aos proprietários dos meios de produção, garantindo àqueles a remuneração por seu trabalho e a estes o lucro por seu investimento. Lado outro, na sociedade capitalista digital o trabalho intelectual, mesmo in natura, possui considerável “valor de troca” enquanto permanecer inédito. O pioneirismo na exploração de uma idéia garante ao capitalista um período de vantagem em relação à sua concorrência. Assim, a compra do “trabalho intelectual” inédito pelos detentores do meio de produção garante os lucros derivados do pioneirismo de sua exploração. Este fenômeno é

(24)

particularmente visível em toda sorte de invenções da indústria tecnológica que, após serem comercializadas, são logo copiadas pela concorrência. (VIANNA, 2006, p. 937-938, grifo nosso).

Conforme o exposto, o sistema copyright é contrário ao interesse do autor de maior divulgação de sua criação intelectual, pois considerando que o retorno financeiro de seu trabalho depende da venda dele consubstanciada em meio material, pouco lhe importa o monopólio do direito de reprodução e a ausência de escassez da obra no meio digital. (VIANNA, 2006, p. 940).

Verifica-se, portanto, que a tutela penal do direito do autor, eivada pela ideologia da propriedade intelectual, assegura aos detentores dos meios de produção o monopólio do direito de cópia, protegendo mais os interesses destes do que dos próprios autores e da sociedade que carece de acesso à cultura.

2.4 O CONFLITO ENTRE DIREITO AUTORAL E DIREITO À CULTURA: UM REFLEXO DA IDEOLOGIA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

A atual estrutura dos direitos autorais, advinda da ideologia da propriedade imaterial, tem colocado em risco o direito à cultura ao tentar obstar o acesso das pessoas às obras intelectuais do mundo inteiro, o que facilita muito as possibilidades de disseminação de conhecimento e de matéria-prima para a educação e, inclusive, mesmo que indiretamente, contribui para a construção de uma comunidade global que promova o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações. (BRANCO, 2007, p. 122). Isso ocorre porque:

A importância econômica dos direitos autorais na Sociedade da Informação é uma constatação, tendo em vista que a informação e o conhecimento são considerados produtos de grande potencial econômico. Quem tem a informação tem poder, e dentro do conceito de informação insere-se toda a gama de criações intelectuais protegidas pelos direitos autorais (direito de autor, direitos conexos e programas de computador). (AVANCINI, 2009, p. 45).

O cientista político holandês Joost Smiers, autor do livro Arte sob Pressão e palestrante em diversos seminários internacionais sobre diversidade cultural e propriedade intelectual, em 2007 no Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural, promovido pelo Ministério da Cultura, afirmou que o direito autoral, como

(25)

hoje se apresenta, gera verdadeiras questões de direito concorrencial porque não atende aos mais fundamentais preceitos democráticos, não desenvolve a produção cultural e cria, por outro lado, graves incentivos para a concentração econômica. (OLIVEIRA, 2009, p. 1).

No que diz respeito à situação em tela de direito concorrencial Carboni, (2006 apud BRANCO, 2007, p. 137, grifo nosso) aduz que:

de acordo com o artigo XXVII da Declaração Universal dos Direitos do Homem,„todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios‟. O item 2 desse mesmo artigo dispõe que „todo homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor‟. Verifica-se, pois, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem consagrou como direitos humanos tanto o direito à cultura como o direito de autor, o que significa que deve haver um equilíbrio entre eles.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem obriga os Estados signatários a respeitarem os direitos nela constantes, tanto que a maioria dos países incluíram em suas Cartas Magnas a proteção destes direitos. (AVANCINI, 2009, p. 48).

Entretanto, no Brasil a legislação ficou muito aquém do necessário para que esse equilíbrio fosse efetivado, prejudicando demasiadamente o direito à cultura, e conseqüentemente o direito humano à educação, à liberdade de expressão, entre outros. (BRANCO, 2007, p. 137).

Nesse contexto Vianna (2006, p. 946, grifo nosso) assevera:

O alto valor de livros, CDs, DVDs e de programas de computador é sustentado por uma escassez de obras intelectuais criada artificialmente por um monopólio do direito de cópia concedido pelo Estado aos detentores dos meios de produção. Esta escassez artificial, longe de tutelar os direitos do autor da obra intelectual, beneficia principalmente a “indústria cultural”, em detrimento da classe hipossuficiente da população, que é obrigada a escolher entre o consumo de bens de subsistência e de bens culturais e acaba optando impreterivelmente por aqueles. Desta forma, aumenta-se o fosso cultural existente entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e, internamente, entre os membros de uma elite econômica e cultural e a massa da população fadada ao trabalho braçal, à miséria e à ignorância.

Observa-se, pois, que não só os preços impedem a efetivação do direito humano de acesso aos bens culturais, juntamente com eles são entraves a lei e a tecnologia. E, é em razão disso que ao passo que a riqueza se desmaterializou, ou melhor, que os bens incorpóreos tornaram-se mais valiosos que os bens materiais, a

(26)

funcionalização dos institutos começou a ser exigida no sentido de que a propriedade de tais bens deve ser exercida atendendo a função social a que se destina na sociedade, e não de modo arbitrário. (BRANCO, 2007, p. 122).

Demonstrando a importância do tema Méndez (2004 apud BRANCO, 2007, p.122) preconiza que:

Na atual etapa do desenvolvimento tecnológico, em que o acesso ao conhecimento constitui a variável decisiva e fundamental de uma existência humana digna, que constitui a finalidade última dos direitos humanos, o direito à educação não pode ser submetido a qualquer tipo de negociação, devendo ser entendido como prioridade tão absoluta quanto a abolição da escravidão ou da tortura.

Nesse diapasão, considerando que o acesso à cultura, o qual é indispensável à dignidade humana e ao livre desenvolvimento da personalidade, é permitido somente por meio de mecanismos (como os livros e CDs, por exemplo) que não podem ser adquiridos por grande parte da população brasileira, é imprescindível que a propriedade intelectual seja utilizada conforme sua função social, princípio e garantia cujo respaldo encontra-se na Carta Magna nos capítulos dos direitos individuais (art. 5º, XXII e XXIII) e da ordem econômica. (BRANCO, 2007, p. 122-123; SCUDELER, 2010, p. 16).

Assim, é importante dizer que:

Toda a propriedade resta vinculada pelo princípio da função social, resultando obrigado o titular no exercício de sua dominialidade, seja o bem material ou não. Consegue, pois, em um locus que lhe é natural, a propriedade intelectual absorver um regime jurídico plástico o suficiente para lhe dar vazão e novas possibilidades de desenvolvimento e adequação. (ARONNE, 2009, p. 147).

No mesmo sentido, Scudeler (2010, p. 16) explica que como o conceito atual de propriedade afasta-se da concepção tradicional, que consistia num direito individualista e absoluto que conferia ao titular um poder de fruição do bem conforme a sua vontade, o instituto da propriedade intelectual carece de uma nova leitura em harmonia com o novo paradigma da função social da propriedade.

E, segue o referido autor dizendo:

[...] a utilização dos bens produzidos pela criatividade humana vincula-se à obvincula-servância dos interesvincula-ses sociais, à necessidade de capacitação tecnológica nacional, ao progresso e ao bem-estar de toda comunidade. Aí vemos a conveniência de conciliar-se o legítimo interesse do inventor ou do autor, enquanto criador de um bem socialmente útil e economicamente valorável, com a necessidade de

(27)

torná-lo acessível à sociedade”. (SCUDELER, 2010, p. 16-17, grifo nosso).

Destarte, em um país como o Brasil onde milhares de crianças vivem em absoluta pobreza, o diploma autoral dever ser lido à luz da Constituição Federal que impõe a observância da função social da propriedade a todos os gêneros de bem, inclusive os imateriais. Não se pode desconsiderar os benefícios da tecnologia e nem encarar os direitos autorais como regra absoluta a ser preservada. (BRANCO, 2007, p. 138). Neste laço é possível compreender que:

Aos milhões que vivem na pobreza e abaixo da linha da pobreza nos países em desenvolvimento não pode ser subtraído em hipótese alguma o direito que têm de serem instruídos de modo a elevarem seu nível de bem estar social. Nem há que se considerar aqui que o livre acesso não remunerado a esse grupo de pessoas aos bens intelectuais acarretaria prejuízo aos titulares dos direitos de tais bens se as pessoas vivendo na pobreza e abaixo da linha da pobreza estão fora do mercado consumidor por absoluta falta de recurso econômico. Dessa forma, não há qualquer prejuízo porque não fossem os bens intelectuais acessíveis gratuitamente ou a preços muito reduzidos, de outra forma jamais viriam a ser consumidos. (BRANCO, 2007, p. 138, grifo nosso).

Assim, se os direitos sociais, econômicos e culturais são realmente exigíveis juridicamente, os direitos autorais, revestidos pela ideologia da propriedade intelectual, não podem ser o impedimento da efetivação desses direitos humanos. Em um momento de crise como este em que as leis antigas não se ajustam mais e não temos ainda leis novas adequadas é imperiosa uma reflexão sobre as possíveis soluções para esse antagonismo entre direitos autorais e direito a cultura. (BRANCO, 2007, p. 138).

Nessa vereda, eis a importância do presente trabalho, contribuir para saber até que ponto a criminalização da pirataria de obras científicas, artísticas e literárias, na forma prescrita no artigo 184, §2°, do Código Penal, é socialmente relevante, através de um estudo das causas de exclusão de tipicidade do referido delito que têm fundamentado decisões e defesas de muitos juízes e advogados. Motivo pelo qual passamos a uma análise do dispositivo em tela.

(28)

3 DA CONDUTA TÍPICA PREVISTA NO ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL

3.1 GENERALIDADES

Como já foi dito, a violação de direitos autorais, sejam eles morais ou patrimoniais, pode caracterizar, além de um ilícito civil, a configuração de uma infração penal. A utilização (como gênero de ação) desautorizada de propriedade intelectual tipifica o artigo 184 e parágrafos do Código Penal. Assim, não há como falar do § 2° do artigo 184, sem explicá-lo inteiramente, mesmo que de modo simplificado. (PIMENTA E.; PIMENTA R., 2005, p. 151).

Nesse laço, é imprescindível transcrever o referido artigo para que seja iniciada o seu estudo:

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (BRASIL, 1940).

Observa-se que o tipo é uma norma penal em branco, necessitando de vinculação com o diploma autoral. No caput do dispositivo citado, por exemplo, o verbo “violar” compreende muitas ações susceptíveis de caracterizar a conduta

(29)

típica, as quais, basicamente, consistem no desrespeito a lei 9.610/98. (PIMENTA E.; PIMENTA R., 2005, p. 152).

E, é com base no estudo realizado nos capítulos anteriores de conceitos importantes da lei de direitos autorias, que é possível afirmar com relação ao delito em tela que: a) o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; b) o sujeito passivo é o autor da obra intelectual, os titulares de direitos conexos, os cessionários e demais titulares de direitos autorais, os herdeiros e sucessores destes, bem como pessoas jurídicas tanto de direito público quanto de direito privado; c) o objeto jurídico é a propriedade intelectual e; d) o objeto material, coisa sobre a qual recai a conduta do agente, é a obra violada. (NUCCI, 2008b, p. 755).

Com relação aos elementos do tipo tem-se que o elemento objetivo no caso do caput é “violar os direitos do autor e os que lhe são conexos”, no § 1° é a “reprodução total ou parcial”, no § 2° é “distribui, vende, expõe à venda, aluga,

introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito”, e no § 3° é “o oferecimento

ao público.” (NUCCI, 2008b, p. 755-756). Obviamente, a consumação se dá com a ocorrência desses elementos, ou seja, com a reprodução, distribuição, venda, etc. (ISHIDA, 2009, p. 352).

Já o elemento subjetivo específico não está presente no caput, mas nos parágrafos primeiro, segundo e terceiro, pois se exige o “intuito de lucro”. Por fim, o elemento subjetivo é o dolo. (NUCCI, 2008b, p. 755-756).

Verifica-se que a conduta culposa não está expressamente prevista, sendo, conseqüentemente, atípica, razão pela qual a aplicação do erro de tipo em casos que configuram o artigo mencionado vem sendo reconhecida constantemente pela jurisprudência. (LAURIA, 2010, p. 17).

No que diz respeito ao erro de tipo cumpre denotar que:

é o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravante. O engano a respeito de um dos elementos que compõem o modelo legal de conduta proibida sempre exclui o dolo, podendo levar à punição por crime culposo. (NUCCI, 2008a, p. 20).

Sendo assim, ante a falta de previsão da forma culposa da conduta, se o agente não sabe, por exemplo, que os materiais que adquiriu são cópias ilegais, incide em erro de tipo, que excluí a tipicidade da conduta em virtude da ausência de dolo. (LAURIA, 2010, p. 17).

(30)

Nesse sentido, já decidiu a Corte de Minas Gerais:

VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - FITAS DE VÍDEO -SELOS FALSIFICADOS - DOLO - AUSÊNCIA DE PROVA - ABSOLVIÇÃO DA ACUSADA. Para a configuração do delito descrito no art. 184, § 2º, do CP é necessário que o agente tenha agido com dolo. Assim, se as provas colhidas nos autos não autorizam a conclusão, com absoluta segurança, de que tenha a ré agido com dolo, impõe- se sua absolvição pelo princípio do "in dubio pro reo”. (MINAS GERAIS, 2004a, grifo nosso).

Sobremais, Nucci (2008, p. 756) classificando esse crime preconiza que é ele: “comum; formal; de forma livre; comissivo; instantâneo (mas permanente, nas

formas „ocultar‟, „expor à venda‟ e „ter em depósito‟); unissubjetivo;

plurissubsistente.” Acrescenta ainda, o autor, que o delito é admissível na forma tentada. (NUCCI, 2008b, p. 757, grifo nosso).

Como se pode notar, o § 4° do artigo analisado não fez parte das observações até agora realizadas porque constitui uma excludente de antijuridicidade, uma vez que permite ao copista a reprodução de um único exemplar da obra intelectual, desde que seja para uso próprio e sem intuito de lucro direto ou indireto. Também não é considerada infração penal qualquer conduta que consista em exceção do direito do autor ou os que lhe são conexos, na forma da Lei 9.610/98. (TAQUARY; LIMA, 2005, p. 122).

Além disso, convém notar que:

[...] não se caracterizará o ilícito se houver um simples aproveitamento de idéia; pois não é a idéia que a lei protege, mas sim a exteriorização materializada do pensamento (idéia), quer por palavra, quer pela fixação em qualquer corpus mecanicum. (PIMENTA E.; PIMENTA R., 2005, p.152).

De outra face, Colares (2005, p. 1) correlacionando a troca de arquivos na internet com o artigo 184, § 4° comenta que o ponto de vista de que não será crime a cópia privada quando não houver a pretensão de obter lucro é um problema, pois esta idéia faria com queusuários dos programas peer-to-peer, nestas circunstâncias, tivessem o legítimo direito de copiar quaisquer arquivos de obras intelectuais de terceiros, sem autorização. E, acrescenta o autor:

Do ponto de vista social, esta interpretação talvez pareça quase inexpugnável. Entrementes, enfrenta alguns problemas. Em que pese esta opinião, a norma incriminadora não tem serventia de legitimar novos direitos, mas sim prevenir condutas lesivas a direitos. O legislador penal jamais traria para si tais atribuições. Além disso, essa interpretação causa ofensa à propriedade intelectual, que não pode ser usurpada, em atenção a tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário. Em

(31)

nossa opinião, o que ocorreu foi a previsão legal da possibilidade de cópia única privada, para aqueles que já tinham adquirido a obra legalmente. Fala-se em analogia à cópia de backup prevista na Lei do Software. Por outro lado, na opinião do diretor jurídico da Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF), Jorge Eduardo Grahl, em entrevista a Paulo Rebêlo, "há o entendimento de que quem copia ou compartilha arquivos com a intenção de economizar por não pagar pelos direitos autorais e impostos, automaticamente está tendo lucro indireto e, portanto, enquadra-se na violação de direitos autorais". Assim, estaria o usuário enquadrado no parágrafo 1º do art. 184 do Código Penal, cuja pena é de 2 a 4 anos, além de multa. Salvo melhor juízo, lucro indireto pode ocorrer em episódios de sites que disponibilizem arquivos e tenham sua renda proveniente de outras fontes – indiretas, como anúncios de publicidade de terceiros. No caso do usuário, o que passa a ocorrer é a violação ao direito de autor, pura e simples, prevista no caput do art. 184 do Código Penal, punível com penas que variam de 3 meses a 1 ano ou multa. Na prática, esta interpretação é benéfica a ambas as partes, haja vista que se facilita o procedimento judicial, que passa a ter competência dos Juizados Especiais Criminais, possibilitando transação penal, sem necessitar do prolongamento do processo criminal propriamente dito.(COLARES, 2005, p. 1, grifo nosso).

Por tudo isso, Pimenta E. e Pimenta R. (2005, p. 153-154) dividem a violação dos direitos autorais da seguinte forma:

1. Quanto à característica da conduta delitiva, em relação ao direito: a) a que se efetua sem intenção de lucro (fins filantrópicos);

b) a que busca a vantagem econômica e infringe o direito moral; c) a que busca a vantagem econômica, causando dano patrimonial; d) a que busca a vantagem econômica, infringido o direito moral do autor e

o direito patrimonial do autor. 2. Quanto à forma de utilização:

a) reprodução (§ 1.° do art. 184 – corresponde à contrafação – art. 5.°, VII, lei 9.610/98);

b) distribuição (§ 2.° do art. 184);

c) comunicação ao público (§ 3.° do art. 184).

É acerca da distribuição descrita no § 2° do art. 184 que trataremos especificamente a partir de agora, considerando fornecidas as informações de caráter gerais que proporcionam uma melhor compreensão desse tipo de violação de direito autoral e dos problemas a ela relacionados que serão apontados.

Infere-se do que foi exposto até o momento, que o § 2° do artigo em comento criminaliza condutas sucedâneas da reprodução ilegal, como os atos de estocar, alugar ou vender as cópias não autorizadas. (LAURIA, 2010, p. 11).

Em virtude disso, a tipicidade dessa conduta depende de o agente não ter participado, de qualquer modo, da reprodução não autorizada, corresponde ela, portanto, a uma das modalidades da chamada pirataria. (OLIVEIRA, 2009. p. 1).

(32)

“Pirata” é a expressão usada em direito marítimo para designar “ladrão do mar” ou aquele que se entrega ao roubo ou saque de navio ou embarcações, quando em plena navegação. Pirataria, que deriva de “pirata”, é o roubo com o ânimo de lucro ilícito. Passou a ser usada modernamente designando técnica das edições sem autorização do detentor de direitos autorais. Hoje é uma palavra de sentido amplo. Ela pode ser empregada para nomear um conjunto de crimes, que, no caso prático, deverão ser enquadrados nos diversos dispositivos legais que o sistema brasileiro oferece. Esses crimes podem ser crimes contra marca, crime de concorrência desleal, crimes de direito autoral, econômicos de natureza tributária, contra a saúde etc. A palavra pirataria começa a aparecer em textos legais, vide o Protocolo de Harmonização de Marcas do Mercosul.

São exemplos de agentes desse delito os populares “camelôs”, vendedores ambulantes que comercializam CD (Compact Disc) e DVD (Digital Video Disc) denominados vulgarmente de “piratas” por serem reproduzidos de forma não autorizada. (ISHIDA, 2009, p. 352; OLIVEIRA, 2009, p.1).

Ishida (2009, p. 352) em sua doutrina explica que:

Nesse caso, a exposição à venda seria tecnicamente crime permanente, permitindo a prisão em flagrante. É costume o camelô admitir que os CDs são falsos, mas trabalha em razão das dificuldades financeiras. Já se admitiu nesse caso o erro de proibição em razão da falta de instrução que impossibilita o conhecimento do direito autoral (RT 728/525). Exige-se o fim de lucro.

A ação penal desse delito é pública incondicionada e a competência para análise e julgamento será da Justiça Comum, visto que a pena de reclusão cominada é superior a dois anos. (LAURIA, 2010, p. 26).

Em regra, a Justiça Estadual será competente para julgar esse crime, contudo, a Justiça Federal, excepcionalmente, terá competência quando houver ofensa a bens, interesses ou serviços da União. (LAURIA, 2010, p. 26).

No entanto, em que pese a conduta imputada aos "camelôs" seja formalmente típica, “revela-se despida de antinormatividade, numa concepção material da tipicidade penal, que se preocupa com a relevância do bem jurídico possivelmente ofendido no caso concreto”. (OLIVEIRA, 2009, p.1).

Isto porque é questionável se no tipo legal em tela resta preservada a efetividade do principio da legalidade e reserva legal que veda incriminações vagas, bem como se a prisão daquele que vende obras intelectuais sem autorização do autor não é inconstitucional, considerando que o agente incurso nesse delito não comete crime, mas sim exerce uma atividade informal deixando de pagar tributos e direitos autorais. (OLIVEIRA, 2009, p.1).

(33)

Nessa vereda, uns defendem e outros atacam a tutela penal do direito autoral sob a forma do § 2° do artigo 184 do Código Penal, o que origina diferentes defesas e decisões ao passo que esses problemas ora levantados juntamente com certos princípios de hermenêutica acabam levando a uma reflexão sobre a aplicação da exclusão de tipicidade no referido dispositivo.

Buscando cumprir o objetivo deste capítulo, que é abordar especificamente os defeitos materiais do artigo em questão, não se pode deixar de trazer à baila o problema de sua possível inconstitucionalidade gerada pela vinculação que possui com o diploma autoral e pela prisão do autor do fato por descumprimento de uma obrigação civil caracterizando restrição de liberdade por dívida.

3.2 O ARTIGO 184, § 2°, DO CÓDIGO PENAL COMO NORMA PENAL EM BRANCO: UMA OFENSA AO PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE

De acordo com parte da doutrina brasileira a opção do legislador pela norma penal em branco é problemática, tendo em vista que não pode o tipo penal fundar-se no mero descumprimento de uma norma civil, como ocorre no artigo 184, § 2°, do Código Penal. Segundo esta corrente, a norma penal ao vincular-se à conceitos da lei civil nº 9.610/98, não cumpre sua função de garantia por ir de encontro ao princípio constitucional da taxatividade, que deriva do princípio da legalidade. (VIANNA, 2006, p. 941).

O princípio da legalidade ou reserva legal constitui uma limitação ao poder estatal de interferência nas esferas individuais, eis que estabelece que a criação de normas penais incriminadoras somente pode ocorrer através de lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, respeitado o procedimento previsto na Carta Magna. (NUCCI, 2008b, p. 70).

Encontra-se, este princípio, incluído entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal brasileira que preconiza em seu artigo 5°, inciso XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. (BRASIL, 1988).

(34)

O diploma penal, por sua vez, supondo a previsão e concretização manifesta do principio da reserva legal, reafirma esse preceito constitucional em seu artigo 1°. (PIMENTA E.; PIMENTA R., 2005, p. 70).

Dentre as dimensões de garantia que hoje alcança o princípio da legalidade em sua expressão e extensão mais elevada, tem-se que o tipo penal deve definir com precisão o âmbito proibido (Lex certa), bem como fazer com que a letra da lei deva ser compreensível, inteligível, ou seja, clara para que o povo entenda o que está escrito (Lex clara). (GOMES, 2002, p. 36).

Isto implica no princípio da taxatividade com relação ao qual Nucci (2008b, p. 75) comenta:

Significa que as condutas típicas, merecedoras de punição, devem ser suficientemente claras e bem elaboradas, de modo a não deixar dúvida por parte do destinatário da norma. A construção de tipos penais incriminadores dúbios e repletos de termos valorativos pode dar ensejo ao abuso do Estado na invasão da intimidade e da esfera de liberdade dos indivíduos. Aliás, não fossem os tipos taxativos-limitativos [sic], restritivos, precisos – e de nada adiantaria o princípio da legalidade ou reserva legal. Este é um princípio decorrente, nitidamente, da legalidade.

Há quem entenda que a tutela patrimonial dos direitos autorais é regra que admite inúmeras exceções de ordem meramente contratual razão pela qual a lei civil não supre a função de garantia a ela delegada pela norma penal. É que a jornada da norma penaI em branco à lei civil resulta numa interpretação extremamente complexa até mesmo para profissionais do Direito, o que impede a efetivação da função de garantia dos tipos penais para o cidadão leigo. (VIANNA, 2006, p. 942).

No que concerne à norma penal em branco, Prado (2005, p.36) assevera:

Lei penal em branco é aquela em que a descrição da conduta punível se mostra incompleta ou lacunosa, necessitando de outro dispositivo legal para a sua integração ou complementação. Isso vale dizer: a hipótese legal ou prótase é formulada de maneira genérica ou indeterminada, devendo ser colmatada/ determinada por ato normativo (legislativo ou adminastrivo), em regra, de cunho extrapenal, que fica pertencendo, para todos os efeitos, à lei penal. Utiliza-se assim do chamado procedimento de remissão ou de reenvio a outra espécie normativa, sempre em obediência à estrita necessidade. Potanto, na lei penal em branco, o comportamento prescrito (ação ou omissão) vem apenas enunciado ou indicado (só parcialmente descrito), sendo a parte integradora elemento indispensável a conformação da tipicidade penal. Mas a conseqüência jurídica aplicável encontra-se regularmente prevista.

Referências

Documentos relacionados

A presença de Portugal na Grande Guerra é a marca da intervenção militar portuguesa no teatro europeu no princípio do século XX, teatro a que só regressaria, no fim

As ausências das terminologias “documento de arquivo” e “gestão de documentos”, associadas à atuação da Arquivologia, na Lei de Acesso à Infor- mação, embora possam

O papel do Fundecitrus foi decisivo para a construção da posição ostentada pelo Brasil, inclusive pelo trabalho do inventário das árvores e a robusta metodologia de estimativa

Desse modo, lembram que, assim como a própria construção de conhecimento em ciências, a investigação em sala de aula deve oferecer condições para que os

O Instituto de Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) conduz o sistema de avaliação de cursos superiores no País, produzindo indicadores e um sistema

Assegurar às crianças e adolescentes desfavorecidas os seus direitos básicos, dentro da sociedade criando condições para seu pleno desenvolvimento;3. Colaborar na construção de

Relativamente à eficácia antimicrobiana, esta terapia feita em biofilmes endodônticos tem fracassado, por não conseguir eliminar completamente os microorganismos, o

Todos os jogadores inscritos em A Copa do Guadiana não estão cobertos por qualquer seguro desportivo, pelo que no ato da acreditação os responsáveis de cada equipa terão de assinar